Resumos
A técnica de processamento de colagem por fita (tape casting) tem sido amplamente utilizada na obtenção de cerâmicas para diferentes aplicações: substratos cerâmicos e estruturas planares em multicamadas para circuitos integrados e capacitores; eletrólitos sólidos para células a combustível e sensores; cerâmicas piezoelétricas para atuadores e transdutores; membranas de separação para micro-filtragem; compósitos estruturais e trocadores de calor. Neste trabalho, a técnica convencional de colagem por fita foi adaptada com a utilização do processo de pirólise controlada de misturas de polímeros e carga, empregando-se polissiloxanos e cargas de silício e alumina nas suspensões. Foram preparadas suspensões com 60% vol. de fase polimérica (polissiloxanos e metil-trietoxi-silano) e 40% vol. de carga (Si e Al2O3), com diferentes concentrações dos polímeros e das cargas. As amostras na forma de substratos foram pirolisadas em atmosfera de nitrogênio a 1400 °C/2 h e 1500 °C/2 h, sendo convertidas em materiais cerâmicos no sistema Si-Al-O-N-C. O processo de pirólise foi caracterizado até a temperatura de 1000 ºC por análise termogravimétrica. As cerâmicas foram caracterizadas quanto às fases formadas, microestrutura, massa específica aparente e condutividade térmica. Os substratos cerâmicos apresentaram porosidade relativamente alta (entre 12 e 22%) e baixa condutividade térmica (entre 3 e 8 W/m.K), sendo constituídos por fases cristalinas de beta-SiC, Si2ON2, O'-SiAlON, Al2O3, mulita e fase amorfa de SiOC; o Si foi observado nas amostras pirolisadas a 1400 ºC.
colagem por fita; substratos cerâmicos; precursor polimérico; pirólise; Si2ON2; SiC
The tape casting technique has been widely used to prepare ceramic tapes for different applications: ceramic substrates and multilayer planar structures for integrated circuits and capacitors, solid electrolytes for fuel cells and sensors, piezoelectric ceramics for actuators and transducers, membrane systems for micro-filtration, structural composites and heat exchanger. In this work the conventional tape casting technique was adapted to utilize the active filler controlled polymer pyrolysis process making use of polyssiloxanes and fillers in the initial suspension. Suspensions were prepared with 60 vol. % of polymeric phase (polyssiloxanes and methyl-trietoxy-silane) and 40 vol. % of fillers (Si and Al2O3) with different contents of polymer and fillers. The cured tapes were pyrolysed In nitrogen atmosphere at 1400 ºC/2 h and 1500 ºC/2 h, converting the material to ceramic tapes in the Si-Al-O-N-C system. The pyrolysis process was characterized by thermogravimetry up to 1000 ºC and pyrolyzed tapes were characterized according to phase formation, microstructure, density and thermal conductivity. The converted tapes showed relatively high porosity (between 12 and 22%) and low thermal conductivity (between 3 and 8 W/m.K.). The tapes are mainly composed by crystalline phases of beta-SiC, Si2ON2, O'SiAlON, Al2O3 and mullite and a SiOC amorphous phase; Si was observed in tapes pyrolysed at 1400 ºC.
ceramic tapes; preceramic polymers; pyrolysis; polymer derived ceramics; Si2ON2; SiC
Obtenção de substratos cerâmicos no sistema Si-Al-O-N-C empregando polissiloxanos e carga de Si e Al2O3
Ceramic tapes of Si-Al-O-N-C compounds using mixtures of polyssiloxane and Si-Al2O3 fillers
R. M. RochaI; M. SchefflerII; P. GreilII; J. C. BressianiIII; A. H. A. BressianiIII
ICentro Técnico Aeroespacial (CTA), Instituto de Aeronáutica e Espaço Pça. Marechal do Ar Eduardo Gomes, 50, S. José dos Campos, SP 12228-904
IIWW3, Friedrich-Alexander Erlangen-Nürnberg University (Uni-Erlangen) Martensstrs. 5, Erlangen, Germany 91058
IIIInstituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CCTM) Av. Prof. Lineu Prestes 2242, S. Paulo, SP 05508-000
RESUMO
A técnica de processamento de colagem por fita (tape casting) tem sido amplamente utilizada na obtenção de cerâmicas para diferentes aplicações: substratos cerâmicos e estruturas planares em multicamadas para circuitos integrados e capacitores; eletrólitos sólidos para células a combustível e sensores; cerâmicas piezoelétricas para atuadores e transdutores; membranas de separação para micro-filtragem; compósitos estruturais e trocadores de calor. Neste trabalho, a técnica convencional de colagem por fita foi adaptada com a utilização do processo de pirólise controlada de misturas de polímeros e carga, empregando-se polissiloxanos e cargas de silício e alumina nas suspensões. Foram preparadas suspensões com 60% vol. de fase polimérica (polissiloxanos e metil-trietoxi-silano) e 40% vol. de carga (Si e Al2O3), com diferentes concentrações dos polímeros e das cargas. As amostras na forma de substratos foram pirolisadas em atmosfera de nitrogênio a 1400 °C/2 h e 1500 °C/2 h, sendo convertidas em materiais cerâmicos no sistema Si-Al-O-N-C. O processo de pirólise foi caracterizado até a temperatura de 1000 ºC por análise termogravimétrica. As cerâmicas foram caracterizadas quanto às fases formadas, microestrutura, massa específica aparente e condutividade térmica. Os substratos cerâmicos apresentaram porosidade relativamente alta (entre 12 e 22%) e baixa condutividade térmica (entre 3 e 8 W/m.K), sendo constituídos por fases cristalinas de b-SiC, Si2ON2, O'-SiAlON, Al2O3, mulita e fase amorfa de SiOC; o Si foi observado nas amostras pirolisadas a 1400 ºC.
Palavras-chave: colagem por fita, substratos cerâmicos, precursor polimérico, pirólise, Si2ON2, SiC.
ABSTRACT
The tape casting technique has been widely used to prepare ceramic tapes for different applications: ceramic substrates and multilayer planar structures for integrated circuits and capacitors, solid electrolytes for fuel cells and sensors, piezoelectric ceramics for actuators and transducers, membrane systems for micro-filtration, structural composites and heat exchanger. In this work the conventional tape casting technique was adapted to utilize the active filler controlled polymer pyrolysis process making use of polyssiloxanes and fillers in the initial suspension. Suspensions were prepared with 60 vol. % of polymeric phase (polyssiloxanes and methyl-trietoxy-silane) and 40 vol. % of fillers (Si and Al2O3) with different contents of polymer and fillers. The cured tapes were pyrolysed In nitrogen atmosphere at 1400 ºC/2 h and 1500 ºC/2 h, converting the material to ceramic tapes in the Si-Al-O-N-C system. The pyrolysis process was characterized by thermogravimetry up to 1000 ºC and pyrolyzed tapes were characterized according to phase formation, microstructure, density and thermal conductivity. The converted tapes showed relatively high porosity (between 12 and 22%) and low thermal conductivity (between 3 and 8 W/m.K.). The tapes are mainly composed by crystalline phases of b-SiC, Si2ON2, O'SiAlON, Al2O3 and mullite and a SiOC amorphous phase; Si was observed in tapes pyrolysed at 1400 ºC.
Keywords: ceramic tapes, preceramic polymers, pyrolysis, polymer derived ceramics, Si2ON2, SiC.
INTRODUÇÃO
A técnica de processamento de colagem por fita (tape casting, ou doctor blade), é largamente utilizada para produzir folhas finas de cerâmica (substratos) ou estruturas planares em multicamadas, utilizando diversos tipos de materiais para atender diferentes aplicações [1, 2]. Alguns exemplos de substratos cerâmicos são: Al2O3 e AlN, nos quais são impressos filmes finos em circuitos integrados e componentes eletrônicos em multicamadas [3, 4]; BaTiO3 para capacitores [5, 6]; eletrólito sólido para células a combustível e sensores [7]; cerâmicas piezoelétricas para atuadores e transdutores [8]; SiC e Si3N4 para trocadores de calor e compósitos estruturais [9-12]; alumina, mulita, cordierita, titânia e materiais covalentes, como SiC e Si3N4 para membranas cerâmicas de separação, que têm ganhado importância, ocupando o lugar das membranas poliméricas convencionais [13, 14]. Os substratos cerâmicos também têm sido utilizados em aplicações biomédicas [15], prototipagem rápida [16] e suportes para catalisadores e reações químicas [17].
A técnica de colagem por fita consiste basicamente em espalhar uma suspensão concentrada, com consistência de creme, sobre um filme plástico em uma superfície plana móvel, utilizando uma lâmina para monitorar a espessura do filme [2]. A suspensão é constituída por uma fase sólida inorgânica, ligantes orgânicos, plastificantes, defloculantes e uma fase líquida (solvente), que pode ser orgânica ou inorgânica [18-20]. A grande quantidade de ligantes e aditivos orgânicos, necessários à conformação dos substratos, deve ser eliminada antes do início da sinterização.
Uma abordagem alternativa a este processo faz uso das propriedades reológicas dos poliméricos pré-cerâmicos [21]. Os organopolissilsesquioxanos são polímeros pré-cerâmicos de fórmula geral [RSiO1,5]n com R=-CH3, -C6H5, -C2H3, -C2H3, -C3H7, -H, podendo se apresentar na forma de líquidos ou sólidos fundíveis e são reticulados em temperaturas na faixa de 100 a 300 ºC [22]. Estes polímeros, além de conferir plasticidade às suspensões utilizadas na confecção dos substratos, são convertidos em materiais cerâmicos em temperaturas acima de 400 ºC. Esta conversão se dá por meio de reações de decomposição e um complexo rearranjo da estrutura, resultando num material cerâmico amorfo de Si-O-C [23]. O rendimento cerâmico resultante é alto (> 80%) nas temperaturas de pirólise entre 1000 e 1600 ºC em atmosfera inerte [24, 25]. Dessa maneira, utilizando este processo, não é necessária a etapa de queima dos ligantes antes da sinterização, sendo os polímeros convertidos em fase amorfa de Si-O-C, permanecendo no substrato.
A transformação orgânica/inorgânica, que ocorre durante a pirólise destes polímeros, é acompanhada por um aumento da densidade de aproximadamente 1 para 3 g/cm3, o que provoca a formação de porosidade e elevada retração. A adição de cargas ativa oxida e metálica, na forma de pós, reduz este efeito devido à formação de fases cerâmicas decorrentes das reações entre a carga, os produtos sólidos e gasosos da decomposição do polímero e a atmosfera de pirólise [26-29]. Dessa forma, é possível obter substratos cerâmicos, utilizando polímeros organometálicos, que atuam na suspensão como ligantes e plastificantes, e reagem com as cargas ativas durante a pirólise, formando novas fases cerâmicas e reduzindo a retração e a porosidade.
Neste trabalho a técnica de colagem por fita foi empregada na obtenção de substratos, utilizando no preparo das suspensões polímeros pré-cerâmicos e adição de carga ativa e inerte. Foram preparadas suspensões contendo poli(silsesquioxanos) e carga de silício e alumina. Os substratos foram submetidos a pirólise em atmosfera de nitrogênio, resultando em materiais multifásicos no sistema Si-Al-O-N-C. Estes materiais foram caracterizados quanto ao processo de pirólise, formação de fases, microestrutura e porosidade.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os precursores poliméricos utilizados foram dois tipos de poli(silsesquioxano) comerciais:
Poli(metilsilsesquioxano)-PMS (MK, Wacker Chemie, Alemanha), fórmula geral (CH3SiO1,5)n, n=130-150; resina na forma de pó a temperatura ambiente com temperatura de amolecimento de 42 ºC; reticula por policondensação; concentração de carbono de » 17,9% em massa;
Poli(fenilmetilvinilhidrogeniosilsesquioxano)-PPS (H62C, Wacker Chemie, Alemanha), composição molecular aproximada de (RSiO1,5)n onde R é C6H5:CH3:CH2 =CH:H com razão de 2,8:1,5:1:1; polímero líquido de baixa viscosidade a temperatura ambiente; reticula por poliadição; concentração de carbono de » 41% em massa;
Foi utilizado como solvente e agente de cura o metil-trietoxi-silano- CH3Si(OC2H5)3 (MTES-Wacker Chemie, Alemanha). As cargas utilizadas são: ativa- Si (ABCR, Karlsruhe, Alemanha) de tamanho médio de partícula dm = 3 µm; inerte- Al2O3 (alumina tabular Gilox -Alcoa), com tamanho médio de partícula dm = 20 µm.
A concentração de carga foi fixada em 40% em vol., os polissiloxanos (PMS e PPS), em 41%, o MTES, em 18% em vol. e os catalisadores, em 1% (ácido oléico e acetil-acetonato de zircônio). Foram preparadas suspensões com diferentes concentrações de polissiloxanos e de carga ativa e inerte (Tabela I).
As suspensões foram preparadas pela dissolução do polissiloxano (PMS e PPS) no silano (MTES). As cargas foram adicionadas em constante agitação, com desaglomeração do material. Os catalisadores foram adicionados lentamente, seguindo-se de deaeração em campânula de vácuo. Dois catalisadores foram utilizados: ácido oléico, 0,5% em vol., atuando no processo de reticulação em temperaturas abaixo de 100 °C; o acetil-acetonato de zircônio (procedência Merck), 0,5% em vol., agindo na reticulação em temperaturas acima de 100 °C [21].
A suspensão obtida foi vertida sobre um filme não adesivo de polietileno tereftalato fixado em placa plana de vidro. A suspensão foi espalhada utilizando um dispositivo que atua como a lâmina de sistema de colagem por fita, estabelecendo a espessura do substrato por meio do distanciamento da lâmina até o filme suporte. Foram obtidos filmes com espessura variando de 0,5 a 0,9 mm, que foram secos em temperatura ambiente por 24 h. Após este período a camada de material espalhada foi removida do filme suporte e cortada em pequenas placas de 25 x 25 ou 40 x 40 mm2.
O processo de reticulação dos substratos foi realizado com secagem em estufa. O MTES e a resina de PMS são reticulados pela reação de condensação dos grupos metóxi, etóxi e hidroxilícos com liberação de metanol, etanol e água, respectivamente [21, 26, 27].
Para evitar a formação de trincas e bolhas causadas pela evaporação dos produtos de condensação, os substratos foram secos em etapas: 60 °C/1 h, 90 °C/1 h e 120 °C/4 h.
As pirólises foram realizadas em forno elétrico tubular com resistência de super kantal. Os substratos foram aquecidos em fluxo contínuo de nitrogênio (N2 - 99,999%) até as temperaturas de 1400 ºC e 1500 °C, permanecendo no patamar por 2 h. A taxa de aquecimento foi de 3 °C/min e a de resfriamento, de 3 a 10 °C/min. Os substratos foram empilhados, colocando-se pó de alumina entre eles, para evitar que reagissem ou empenassem durante a pirólise.
Também foram processados substratos com três camadas, obtidas pela sobreposição de suspensões, com espessura aproximada de 300 µm cada uma. Foram preparadas suspensões das composições 2M-P(Si/3AlO) e 4M(Si/AlO), sendo as camadas externas (primeira e terceira) da composição 2M-P(Si/3AlO). Para a preparação destes materiais foi adotado processo similar ao utilizado para os substratos de camada única, aplicando-se uma suspensão sobre a outra após secagem de cada camada por 24 h em temperatura ambiente e após esta etapa os substratos foram secos em estufa.
Os substratos foram caracterizados utilizando as seguintes técnicas: termogravimetria (TG), para análise de perda de massa durante o processo de pirólise até a temperatura de 1000 ºC (Perkin Elmer TGA-7); determinação da massa específica aparente e porosidade, pelo método de imersão; difração de raios X (DRX-Phillips PW 18/30), para análise das fases cristalinas presentes após a pirólise; microscopia eletrônica de varredura (MEV-Cambridge Instruments) e de transmissão (MET-JEOL:JEM 200C), para análise microestrutural; difusividade térmica (Holometrix Thermaflash 2200, método Cowan), pelo método de flash de laser com aquecimento em vácuo, nas temperaturas 25, 200, 400, 600, 800 e 1000 ºC; capacidade térmica (Calorímetro Setaram DSC, para medidas em temperatura ambiente e Calorímetro Setaram Multi HTC, para medidas nas temperaturas de 200, 400, 600, 800 e 1000 ºC).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A técnica de colagem por fita aplicada às suspensões preparadas com polissiloxanos e cargas ativa e inerte seguida de pirólise apresentou ótimos resultados quanto à viabilidade de sua utilização. Os substratos cerâmicos obtidos não apresentaram deformação, empenamento ou trincas visíveis a olho nu após as pirólises em atmosfera de N2.
A perda de massa dos substratos 4M(Si/AlO) e M-P(Si/AlO) foi monitorada por TG até a temperatura de 1000 ºC, em atmosfera de N2 (Fig. 1). A perda de massa total ao final da análise é praticamente a mesma para os dois substratos ( 6,5%). Porém, esta perda ocorre de maneira diferenciada em função da composição da fase polimérica de cada um.
Na curva de perda de massa em função da temperatura do substrato 4M(Si/AlO) (Fig. 1a) são observadas duas etapas de maior perda de massa. A primeira ocorre na faixa de temperatura de 150 a 300 ºC e está relacionada à perda de voláteis produzidos como subprodutos de reticulação. A segunda etapa ocorre entre 600 e 800 ºC e está associada à liberação de CH4 e H2 resultantes da degradação do polímero, quebra de ligações e conseqüente mineralização do material. O substrato M-P(Si/AlO), que tem a fase polimérica composta pela mistura de PMS e PPS, apresenta menor perda de massa na etapa inicial da pirólise (Fig. 1b), devido a reticulação do PPS se dar por poliadição, na qual não são liberados subprodutos voláteis. Porém, na faixa de temperatura de 500 a 700 ºC ocorre perda de massa devido à quebra de ligações com anéis aromáticos Si-(C6H5) presentes no PPS e conseqüente liberação de C6H6.
Na Tabela II são apresentados os resultados de massa específica aparente e porosidade aparente dos substratos pirolisados a 1400 °C e 1500 ºC/2 h em N2. Os resultados são apresentados em dois grupos, de acordo com a relação carga:mistura de Si:Al2O3 (1:3 e 1:1).A porosidade dos substratos pirolisados é relativamente alta, variando de 12 a 22%, dependendo da composição e do tratamento térmico realizado. As amostras pirolisadas a 1500 ºC apresentaram, em geral, valores de massa específica aparente superior aos dos substratos pirolisados a 1400 ºC.
A maior concentração de Si nos substratos (relação de carga Si:Al2O3 de 1:1) proporciona uma leve redução na porosidade, sendo este efeito mais evidenciado nos substratos pirolisados a 1500 ºC. Nesta temperatura as fases cristalinas identificadas por DRX (Fig. 2) são Al2O3, mulita, b-SiC e Si2ON2 ou O´SiAlON, que é uma fase rica em Si e derivada do Si2ON2. Não foram identificados picos referentes ao Si, indicando que a 1500 ºC a carga ativa reagiu totalmente, levando à formação de b-SiC e Si2ON2 ou O´SiAlON.
A formação de b-SiC a partir da carga de Si é mais provável de ocorrer [30], via reações sólido-vapor, envolvendo CO como a fonte principal de carbono, segundo a reação (A):
Para a formação de Si2ON2, é sugerida a seguinte reação [26, 30]:
A redução da porosidade em função do aumento da concentração de Si pode estar relacionada com a formação de fases que apresentam aumento de volume específico em relação ao volume inicial do Si, reduzindo o volume de poros formados pela decomposição da fase polimérica. A formação de Si2ON2, por exemplo, apresenta um aumento de volume específico em ~ 11,5% em relação ao volume do Si [26]. A formação destas fases é facilitada em temperaturas acima da temperatura de fusão do Si (1414 ºC).
Nos substratos pirolisados a 1400 ºC ainda há a presença de Si metálico (Fig. 2), indicando que a fase b-SiC, identificada no difratograma desta amostra, pode ser derivada da reação de redução carbotérmica entre os produtos da decomposição polimérica. A fase amorfa de SiOC, resultante do processo de pirólise, é formada na faixa de composição rica em carbono. Isto implica que se todas as ligações forem distribuídas randomicamente, então todos os átomos de Si estarão ligados tanto a um átomo de C ou de O, e todos os átomos de O estarão ligados aos átomos de Si, porem alguns átomos de C estarão ligados a outros átomos de C. Por esta razão a estrutura do SiOC obtido por meio da pirólise de polímeros de silício é constituída de um arranjo aleatório de sítios tetracoordenados, cuja fórmula geral é usualmente dada como: SiCxO4-x onde 0 < x < 4 , contendo uma fase dispersa de carbono livre. O produto SiCxO4-x tem uma distribuição randômica de sítios SiO4, SiO3C, SiO2C2, SiOC3 e SiC4 [23-25]. Nos vidros de oxicarbeto de silício, a expressão SiCxO2(1-x) + Clivre também é utilizada e pode ser reescrita como xSiC + (1-x)SiO2, onde se considera o valor de x na fórmula do oxicarbeto de silício sendo uma medida direta das quantidades relativas de SiC e SiO2, que estariam presentes num arranjo análogo no equilíbrio.
A concentração de carbono dos substratos, alterada pelas proporções de PMS e PPS, afeta os resultados de porosidade (Tab. II). No tratamento térmico a 1400 °C/2 h, o aumento de carbono promove uma leve redução na porosidade. Este efeito pode estar associado à maior concentração de Clivre no resíduo, levando a uma maior formação de b-SiC por redução carbotérmica, reduzindo a porosidade das amostras. Por outro lado, aumentando-se a temperatura de pirólise para 1500 ºC ocorre um efeito oposto, ou seja, o aumento da concentração de carbono na fase polimérica ocasiona um pequeno acréscimo nos valores de porosidade. Este efeito pode estar associado às reações com a carga de Si, que são facilitadas em temperaturas acima da temperatura de fusão do Si, gerando fases voláteis de SiO e CO. Estas fases podem ser arrastadas pelo fluxo do gás de pirólise, resultando em um leve aumento na porosidade da amostra.
O substrato 4M(Si/AlO) pirolisado a 1400 °C/2 h foi analisado por microscopia eletrônica de transmissão (MET), sendo possível registrar várias regiões com fase amorfa, partículas de Si e fase Si2ON2.
Um exemplo de microestrutura da matriz formada pela decomposição da fase polimérica é mostrado na Fig. 3a. Esta micrografia apresenta regiões com fase amorfa de SiOC e outras com nanopartículas cristalinas sem orientação preferencial, resultantes da cristalização da fase amorfa. Os halos difusos típicos de fase amorfa correspondem ao vidro de SiOC, que conforme se cristaliza apresenta padrão de difração em anéis concêntricos (Fig. 3b), típicos de agregados cristalinos, indicando a formação de nanopartículas de b-SiC, e SiO2 (cristobalita) conforme determinado pelo programa RINGPAT (Grahan Carpenter e Laris Benkins-CANMET, Ottawa, Canadá).
Como determinado por DRX e confirmado na observação por MET, o tratamento térmico na temperatura de 1400 ºC não foi suficiente para cristalizar totalmente a matriz amorfa e também para proporcionar a reação completa do Si. Imagens de campo claro e de campo escuro relativas a um grão de Si (CFC, a = 5,43 Å), com o respectivo padrão de difração eletrônico na direção B= [ 2 -1 1] e indexação dos pontos de difração pelo programa de indexação DIFPAT (Grahan Carpenter e Laris Benkins-CANMET, Ottawa, Canadá), são apresentadas na Fig. 4. O Si metálico, que reagiu com a atmosfera de N2 e espécies voláteis de SiO, forma a fase Si2ON2 (ortorrômbica, a = 5,49 b = 8,88 e c = 4,84 Å), que foi identificada em algumas regiões, (Fig. 5).
Os substratos em três camadas formados pelo substrato 4M(Si/AlO) envolvido por substratos 2M-P(Si/3AlO) apresentaram boa resistência mecânica ao manuseio, após reticulação e após pirólise. Não foram observados laminação, nem destacamento entre as camadas. Na Tabela II estão apresentados os resultados de massa específica aparente e a porosidade dos substratos em multicamadas pirolisados em atmosfera de N2.
A diferença de morfologia e porosidade das camadas dos substratos pode ser observada na Fig. 6. A camada central do substrato, com maior concentração de Si, apresenta maior densidade devido à reação do Si com o N2, formando Si2ON2. A mesma figura contem ampliações de regiões das camadas do substrato, permitindo melhor visualização da microestrutura diferenciada em função da composição do substrato.
Pela variação da concentração dos componentes da carga em cada camada pode se obter substratos em multicamadas com fases diferentes e variação na porosidade. O controle da porosidade em cada camada é de particular interesse no desenvolvimento das tecnologias de separação e de membranas [13, 14].
Gráficos com os resultados da determinação das propriedades térmicas dos substratos 4M(Si/AlO) e M-2P(Si/AlO) são mostrados Na Fig. 7. Os resultados de difusividade térmica e capacidade térmica estão no gráfico superior e os valores calculados de condutividade térmica no gráfico inferior. A difusividade térmica é a propriedade que diz quão rápido um material pode transmitir calor e está diretamente relacionada com a condutividade térmica, e inversamente proporcional à massa específica e a capacidade térmica, conforme a equação a seguir:
onde: k = difusividade térmica (cm2/s); K= condutividade térmica (W/m K);r = massa específica aparente (g/cm3); Cp = capacidade térmica (J/gK).
De uma maneira geral os valores de difusividade térmica (k) determinados para estes materiais são baixos (~ 0,010 a 0,027 cm2/s). O mecanismo de transporte de calor nos materiais cerâmicos ocorre em sua maioria via vibração da rede (fônons), apesar de que a radiação via fótons também pode se tornar significativa acima de 600 ºC se há uma fase transparente a eles. Os fonons transportam calor através da estrutura cristalina, que tanto melhor será a condução quanto mais homogêneo é o cristal. Dessa maneira, a difusividade é influenciada pela porosidade, distribuição de fases, cristalinidade e presença de impurezas [31]. Os fônons são facilmente espalhados por estes elementos. Nestes substratos, pirolisados a 1400 ºC, pode haver forte efeito da porosidade, da presença da fase amorfa e de fase metálica de Si, ainda presente após pirólise nesta temperatura, de acordo com as análises de DRX e MET (Fig. 2, Fig. 3 e Fig. 4).
Não são observadas variações significativas nas propriedades térmicas dos dois substratos analisados em função da concentração de carbono. Porém, os valores de difusividade térmica são levemente superiores para o substrato com maior concentração inicial de carbono, M-2P(Si/AlO). Pode-se observar pelos valores de difusividade térmica, que ocorre uma redução da difusividade térmica em função do aumento da temperatura. Isto ocorre devido à difusividade térmica ter uma relação inversa com a capacidade térmica. Como pode ser observado no gráfico da Fig. 7, a capacidade térmica (Cp) aumenta em função do aumento da temperatura.
Os valores de condutividade térmica (K) estão na faixa de 3 a 8 W/m.K. Estes valores são relativamente baixos e capacitam estes materiais a serem empregados como isolantes térmicos. Para os dois substratos ocorre um aumento da condutividade em função do aumento da temperatura. Em geral, é esperado que os valores de K diminuam em temperaturas elevadas para materiais cristalinos, devido ao transporte de calor por fônons ser dificultado quando os átomos da rede estão vibrando mais fortemente. No entanto, o transporte de calor por radiação, via fótons, pode aumentar com a temperatura e dominar o comportamento de transporte de calor em vidros e cerâmicas com alta concentração de fase amorfa. No material amorfo, o caminho livre médio dos fônons não varia muito com o aumento da temperatura e a capacidade térmica tem um efeito determinante nos valores de condutividade térmica [31]. O comportamento da condutividade térmica destes substratos em função da temperatura é levemente crescente, o que pode ser explicado pela presença de fase amorfa. A condutividade térmica (K) do substrato M-2P(Si/AlO) apresenta um aumento mais significativo em função do aumento da temperatura, com valores superiores em temperaturas acima de 500 °C. Este fato pode estar relacionado, a uma maior concentração de fase amorfa, bem como à menor porosidade que o substrato M-2P(Si/AlO) apresenta.
CONCLUSÕES
A combinação da técnica de colagem por fita (tape casting) com o processo de pirólise controlada de polímeros e carga mostrou-se eficiente na eliminação da etapa de queima de orgânicos, necessária na colagem por fita convencional. Com este método, podem-se obter placas delgadas com espessura inferiores a 700 µm e produzir substratos em multicamadas pela superposição de suspensões, com fases no sistema Si-Al-O-N-C. Os resultados apresentados mostram que este processo é bastante promissor na obtenção de camadas com variação na porosidade, podendo ser aplicados como membranas. Os substratos pirolisados a 1400 ºC são constituídos por fase amorfa de SiOC, b-SiC e Si2ON2 resultantes das reações durante a pirólise e Si e Al2O3 da carga inicial. A 1500 ºC, além das fases b-SiC e Si2ON2, foram identificadas as fases mulita e O´SiAlON. Nesta temperatura o Si é totalmente consumido para a formação de novas fases. Os substratos apresentaram porosidade relativamente elevada (entre 12 e 22 %). Esta característica somada à baixa condutividade térmica (entre 3 e 8 W/m.k) leva estes materiais a possíveis aplicações como membranas e filtros cerâmicos utilizados em temperaturas elevadas.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Capes (projeto Probral) e FAPESP pelo suporte financeiro, ao CTMSP-Marinha-ARAMAR pelas medidas de difusividade e capacidade térmica e a colaboração de Nildemar A. Messias nas observações de MET.
Rec. 28/06/2004, Rev. 21/10/2004, Ac. 05/11/2004.
Trabalho apresentado no 48º Congresso Brasileiro de Cerâmica, Curitiba, PR, 2004.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Jun 2005 -
Data do Fascículo
Mar 2005
Histórico
-
Revisado
21 Out 2004 -
Recebido
28 Jun 2004 -
Aceito
05 Nov 2004