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Existe falta de consenso quanto à teoria do consenso? A teoria da ação comunicativa de Habermas contextualizada na administração pública

Resumo

Considerando as críticas à teoria da ação comunicativa de Habermas, este ensaio problematizou e refletiu sobre outra possível crítica: estudiosos da teoria em questão, apesar de apresentarem um entendimento comum - iluminação e emancipação do homem -, não chegam a um consenso sobre o que essa teoria representa, quando comparada a outras teorias e tipos de racionalidades. A questão norteadora do ensaio foi: a transição proposta por Habermas de outros tipos de racionalidades para a comunicativa diz respeito a uma teoria interparadigmática ou a um salto paradigmático? Metodologicamente, adotamos a concepção de ensaio segundo a qual autores e leitores precisam reconhecer que a realidade pode ser compreendida de diferentes maneiras. A discussão, contextualizada na administração pública, permitiu-nos compreender que considerarmos a teoria da ação comunicativa como possuidora de um carácter interparadigmático não significa que a mesma seja um mero ajuntamento de outras teorias, porque ela ultrapassa aquelas com as quais dialoga, apresentando, adicionalmente, uma mudança radical. Propomos que a teoria da ação comunicativa compreende um salto paradigmático com características interparadigmáticas. Por fim, apresentamos implicações dessa discussão para a administração pública.

Palavras-chave:
Ação comunicativa; Racionalidade comunicativa; Habermas; Administração pública; Participação social

Abstract

Considering the criticisms of Habermas’ communicative action theory, this essay problematized and reflected on another possible criticism: scholars of the theory, despite presenting a common understanding - enlightenment and emancipation of man - do not reach a consensus on what this theory represents compared to other theories and rationality types. The guiding question of the essay is: does the transition proposed by Habermas from other rationality types to the communicative concern an interparadigmatic theory or a paradigmatic leap? Methodologically, we adopted the conception of an essay according to which authors and readers need to recognize that reality can be understood in different ways. The discussion, contextualized in public administration, allowed us to understand that considering the communicative action theory as having an interparadigmatic character does not mean it is a mere gathering of other theories because it surpasses those it dialogues with, additionally presenting a radical shift. We propose that the Communicative action theory comprises a paradigmatic leap with interparadigmatic characteristics. Finally, we present implications of this discussion for Public Administration.

Keywords:
Communicative action; Communicative rationality; Habermas; Public Administration; Social participation

Resumen

Cada vez más, la investigación sobre la gestión de las organizaciones culturales se destaca al reconocer las contribuciones simbólicas y materiale Considerando las críticas a la teoría de la acción comunicativa de Habermas, este ensayo problematizó y reflexionó sobre otra posible crítica: los estudiosos de la teoría en cuestión, a pesar de presentar un entendimiento común -iluminación y emancipación del hombre-, no llegan a un consenso sobre lo que esta teoría representa, en comparación con otras teorías y tipos de racionalidad. La pregunta orientadora del ensayo fue: ¿la transición propuesta por Habermas de otro tipo de racionalidad a la comunicativa concierne a una teoría interparadigmática o un salto paradigmático? Metodológicamente, adoptamos la concepción de ensayo según la cual autores y lectores deben reconocer que la realidad puede entenderse de diferentes formas. La discusión, contextualizada en la administración pública, permitió entender que considerar la teoría de la acción comunicativa como de carácter interparadigmático no significa que sea un mera agrupación de otras teorías, pues va más allá de aquellas con las que dialoga, presentando, además, un cambio radical. Proponemos que la teoría de la acción comunicativa comprende un salto paradigmático con características interparadigmáticas. Finalmente, presentamos las implicaciones de esta discusión para la administración pública.

Palabras clave:
Acción comunicativa; Racionalidad comunicativa; Habermas; Administración pública; Participación social

INTRODUÇÃO

A racionalidade instrumental, alicerçada no sucesso, baseada nos fins e pilar do modelo burocrático de Max Weber, não tem permitido que administradores públicos e administrados desenvolvam suas ações de maneira emancipatória, apesar de sua pretensão de melhorar as relações humanas por meio da divisão do trabalho e da homogeneização das ações sociais dentro das organizações. De acordo com a racionalidade substantiva, também discutida por Max Weber, os atores sociais dentro das organizações devem desenvolver suas relações, seguindo sua forma de perceber a ação racional em relação aos fins (Paula, 2013Paula, A. P. P. (2013). Abordagem freudo-frankfurtiana, pesquisa-ação e socioanálise: uma proposta alternativa para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 11(4), 520-520.; Tenório, 2000Tenório, F. G. (2000). Flexibilização organizacional, mito ou realidade? Rio de Janeiro, RJ: Fundação Getulio Vargas .).

Desse encontro entre as racionalidades instrumental e substantiva, o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas surge com a proposição da racionalidade comunicativa. Sua proposta de racionalidade comunicativa - ou ação comunicativa - contrasta com a racionalidade instrumental, sugerindo relações mais democráticas e menos alienantes (Lara & Vizeu, 2019Lara, L. G. A., & Vizeu, F. (2019). O potencial da frankfurtianidade de Habermas em estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 17(1), 1-11.). Habermas critica a influência do dinheiro e do poder na sociedade, classificando-os como meios de comunicação discricionários e reificantes, o primeiro prejudicando a esfera privada - funcionamento egocêntrico do mercado - e o segundo a esfera pública - disfunções da burocracia. Em suas próprias palavras: “Assim como a esfera privada é solapada e erodida pelo sistema econômico, também a esfera pública o é pelo sistema administrativo” (Habermas, 1987Habermas, J. (1987). Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa, Portugal: Edições 70., p. 325).

As críticas de Habermas à racionalidade instrumental estão entre os pilares da Teoria Crítica (Vizeu & Matitz, 2013Vizeu, F., & Matitz, Q. R. S. (2013). Organizational sacralization and discursive use of corporate mission statements. Brazilian Administration Review, 10(2), 176-194.). É digno de nota que, embora Habermas proponha um modelo mais democrático, ele não considera que a opinião de cada indivíduo deva ser tomada isoladamente, como sugere a racionalidade substantiva, mas baseada em soluções por meio do diálogo, melhor argumento e consenso (Bachur, 2017Bachur, J. P. (2017). Intersubjetividade ou solipsismo? Aporias da teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas. Revista de Ciências Sociais, 60(2), 541-575.).

Considerada capaz de “destrancar a jaula de ferro” dentro da qual a sociedade burocrática vive aprisionada e alienada, bem como considerada capaz de possibilitar ao ser humano alcançar liberdade, comunicação livre e emancipação (Moreira, Vieira, & Silva, 2015Moreira, J. A. P., Vieira, M. G., & Silva, C. G. (2015). Among theory, practice and technology: the relation between theoretical and practical knowledge in the context of accounting training and the thinking of Jürgen Habermas. Brazilian Business Review, 12(4), 123-139.), a racionalidade comunicativa é fortemente apoiada por defensores da participação social na Administração Pública. A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas é considerada um poderoso instrumento analítico, por exemplo, no estudo da estrutura e funcionamento dos conselhos com participação popular, que constituem marcas das sociedades contemporâneas. Além disso, seus princípios, quando colocados em prática via missão corporativa em organizações privadas, podem gerar benefícios, como a melhoria de sua imagem social (Vizeu & Matitz, 2013Vizeu, F., & Matitz, Q. R. S. (2013). Organizational sacralization and discursive use of corporate mission statements. Brazilian Administration Review, 10(2), 176-194.). Apesar dos benefícios da racionalidade comunicativa nas esferas pública e privada, ela é criticada por muitos teóricos (por exemplo, Deleuze, 2014Deleuze, G. (2014). El Poder: curso sobre Foucault. Buenos Aires, Argentina: Cactus.; Fink, 1998Fink, B. (1998). O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro, RJ: J. Zahar.; Foucault, 2004Foucault, M. (2004). Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.; Gutierrez & Almeida, 2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.; Irazábal, 2009Irazábal, C. (2009). Realizing planning’s emancipatory promise: learning from regime theory to strengthen communicative action. Planning Theory, 8(2), 115-139.; Vianna, 2008Vianna, T. L. (2008). Crítica da razão comunicativa: o direito entre o consenso e o conflito. Revista de Informação Legislativa, 45(180), 31-45.).

Uma das críticas recebidas pela Teoria da Ação Comunicativa é focada em possíveis assimetrias de poder entre os indivíduos. Vianna (2008Vianna, T. L. (2008). Crítica da razão comunicativa: o direito entre o consenso e o conflito. Revista de Informação Legislativa, 45(180), 31-45., p. 39) afirma que “Habermas pressupõe uma ação comunicativa asséptica, pela qual não se exerce poder sobre o interlocutor, mas tão-somente busca-se o entendimento. A linguagem, porém, é um instrumento de exercício de poder”. Reforçando o mesmo argumento, Foucault (2004Foucault, M. (2004). Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., pp. 276-277) afirma que, “nas relações humanas, quaisquer que sejam elas - quer se trate de comunicar verbalmente, como o fazemos agora, ou se trate de relações amorosas, institucionais ou econômicas - o poder está sempre presente”. Deleuze (2014Deleuze, G. (2014). El Poder: curso sobre Foucault. Buenos Aires, Argentina: Cactus.) e Foucault (2008) acrescentam que o consenso, pilar da ação comunicativa, será sempre permeado por assimetrias entre os sujeitos envolvidos que, estrategicamente, elaborarão a intersubjetividade, a fim de atingirem suas próprias vontades, o que representa uma disputa de poder. Fink (1998Fink, B. (1998). O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro, RJ: J. Zahar.) corrobora essa crítica ao afirmar que entendimento é sempre a imposição de uma verdade sobre outra; é sempre o exercício de um poder”. No entanto, essas críticas precisam ser ponderadas, pois Habermas não ignora possíveis assimetrias de poder. Pelo contrário, é precisamente na ação comunicativa sistematicamente distorcida que o corpo teórico do filósofo alemão retrata as relações de poder historicamente constituídas. Ele chama essa ação estratégica influenciada pelo dinheiro e poder de colonização do mundo da vida.

Uma segunda crítica a ser levada em consideração foi levantada por Dussel (1998Dussel, E. (1998). Ética de la Liberación (Hacia el’punto de partida’como ejercicio de la’razón’ética originaria). In E. Dussel (Ed.), La ética de la liberación ante el desafío de Apel, Taylor y Vattimo (pp. 217-239). Ciudad de México, MX: Universidad Autónoma del Estado de México.), Mignolo (1993Mignolo, W. D. (1993). Colonial and postcolonial discourse: cultural critique or academic colonialism? Latin American Research Review, 28(3), 120-134.) e Escobar (1988Escobar, A. (1988). Power and visibility: Development and the invention and management of the Third World. Cultural Anthropology, 3(4), 428-443.). A crítica deles é baseada no fato de que as ideias de Habermas de ação comunicativa pressupõem que todos os indivíduos têm a liberdade, igualdade e dignidade para participarem, conjuntamente, no espaço de diálogo, que é algo que, segundo os referidos autores, nunca foi garantido em nenhum momento histórico. Eles acreditam que, na práxis política, poucos grupos são, de fato, ouvidos pelos gestores públicos (Estado), enquanto outros são ignorados. Essa é uma das razões pelas quais Gutierrez e Almeida (2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.) afirmam que o modelo de Habermas apresenta uma inspiração utópica.

Chambers e Kopstein (2001Chambers, S., & Kopstein, J. (2001). Bad civil society. Political Theory, 29(6),837-865.) argumentam que, mesmo quando o consenso é alcançado satisfatoriamente, ele não implicará, necessariamente, o bem e progresso para a sociedade civil, o que significa que o consenso, um dos pilares das ideias da ação comunicativa de Habermas, nem sempre resultará em algo positivo para a sociedade. Vizeu e Matitz (2013Vizeu, F., & Matitz, Q. R. S. (2013). Organizational sacralization and discursive use of corporate mission statements. Brazilian Administration Review, 10(2), 176-194.) acrescentam que, na busca do consenso, a comunicação pode ser sistematicamente distorcida. Isso ocorre quando os falantes induzem, deliberadamente, uma ideia falsa por meio de sua afirmação ou ato de fala. Essas críticas também precisam ser ponderadas, já que elas afirmam que Habermas ignora que poucos grupos são ouvidos pelo Estado. Na verdade, Habermas apresenta a ação comunicativa como uma possível solução para mitigar distorções sistemáticas que caracterizam uma sociedade prejudicada pelo dinheiro e poder.

Em meio a tantas críticas à Teoria da Ação Comunicativa de Habermas e ao processo comunicativo, o presente ensaio buscou, precisamente, problematizar e gerar reflexões sobre outra possível crítica que pode ser levantada: os estudiosos da Teoria da Ação Comunicativa, apesar de apresentarem um entendimento basilar comum - iluminação e emancipação do homem -, acabam assumindo interpretações diferentes sobre sua representatividade, ou seja, não chegam a um consenso sobre o que essa teoria realmente representa, quando comparada a outros tipos de racionalidade. Isso significa que os teóricos da teoria do consenso - como a Teoria da Ação Comunicativa é conhecida - não chegam, paradoxalmente, a um consenso sobre sua representatividade na história e evolução dos tipos de racionalidade. Alguns estudiosos da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas acreditam que ela representa uma proposta incremental - proposta interparadigmática -, enquanto outros acreditam que ela representa uma mudança radical de outros tipos de racionalidade - salto paradigmático.

O que nós buscamos é refletir sobre este possível dilema teórico: a transição proposta por Habermas de outros tipos de racionalidade para a racionalidade comunicativa constitui uma proposta incremental ou uma mudança radical? Posto em outras palavras: Habermas, de fato, propõe apenas uma teoria interparadigmática ou um salto paradigmático?

O motivo desta discussão é ajudar a esclarecer o que a Teoria da Ação Comunicativa, de fato, representa, uma vez que é considerada um dos mais importantes fundamentos teóricos da participação social na Administração Pública. O raciocínio é: como os princípios de uma dada teoria podem ser colocados em prática caso não sejam totalmente compreendidos? Como os princípios da Teoria da Ação Comunicativa podem ser efetivamente aplicados à Administração Pública caso ainda persistam mal-entendidos sobre seus fundamentos? Como a participação social na Administração Pública pode ser efetivamente solidificada na prática se as proposições teóricas de um de seus fundamentos mais importantes ainda são consideradas contraditórias?

Ao analisar diferentes interpretações teóricas sobre a representatividade desta teoria, nosso principal argumento, no decorrer deste ensaio, é que a resposta é sim a ambas as hipóteses confrontadas na questão norteadora deste artigo, o que indica que, apesar das diversas interpretações do que essa teoria representa, elas não são mutuamente excludentes. Isso significa que a proposta habermasiana apresenta várias características incrementais, absorvidas de outros tipos de racionalidade, assim como de outras teorias, mas também constitui um salto paradigmático, ou seja, um ajuste radical que precisa ser reconhecido. Defendemos que a Teoria da Ação Comunicativa pode ser interpretada, simultaneamente, de uma forma mais conservadora e de uma forma mais emancipatória. Isso não significa que a teoria em questão carece de consistência interna, mas que sua representatividade pode ser interpretada de diferentes maneiras por seus estudiosos. A possível falta de consenso que este artigo enfoca não está relacionada ao entendimento dos pressupostos básicos da Teoria da Ação Comunicativa, mas, estritamente, relacionada à representatividade dessa teoria em relação a outras teorias ou a outros tipos de racionalidade. Defendemos que esse possível dilema teórico, que pode representar uma das críticas recebidas pela Teoria da Ação Comunicativa, não deve ser considerado um dilema.

Acreditamos que o fato de se considerar a Teoria da Ação Comunicativa como possuidora de um caráter interparadigmático não significa que essa teoria seja um mero ajuntamento de várias outras linhas teóricas, mas uma teoria que ultrapassa tantas outras com as quais dialoga. Problematizamos que o consenso a ser obtido acerca, especificamente, da representatividade desta teoria, não implica a adoção de apenas um lado. Caso contrário, não compreenderíamos totalmente as características dessa teoria e a sua importância para a Administração Pública e para a participação social. A adoção dos princípios da Teoria da Ação Comunicativa - melhor argumento, diálogo e consenso - na práxis da Administração Pública não implica abandonar os benefícios de outras racionalidades, tais como a racionalidade instrumental e seu modelo burocrático.

Este artigo, embora motivado pela busca do consenso sobre as características incremental ou radical da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, não pretende esgotar qualquer outra discussão sobre o assunto. O objetivo principal não é alcançar um consenso absoluto e universal, mas promover a prática consensual e dialógica. Mais importante, ainda que a questão norteadora deste ensaio utilize a palavra consenso significando convergência, é fundamental enfatizar que, segundo Habermas, consenso, como prática dialógica, não deve ser tomado como uma possibilidade de convergência, mas como uma possível solução argumentativa. Dada a sua natureza intersubjetiva, o consenso é baseado no debate argumentativo entre interlocutores e seus respectivos argumentos. Metodologicamente, nós adotamos a concepção de ensaio de Meneghetti (2011Meneghetti, F. K. (2011). O que é um ensaio teórico? Revista de Administração Contemporânea, 15(2), 320-332.), segundo a qual autores e seus leitores precisam reconhecer que a realidade pode ser compreendida de diferentes maneiras. Assim, encorajados pela essência da ação comunicativa habermasiana, atrevemo-nos a levantar argumentos dignos de leitura e discussão.

O presente ensaio está subdividido em oito seções. Esta primeira seção destaca a questão norteadora do artigo. A segunda apresenta diferentes maneiras pelas quais a palavra paradigma pode ser interpretada, um conceito-chave na presente discussão, bem como deixamos claro qual é a interpretação adotada neste ensaio. Na terceira, são apresentados os fundamentos da Teoria da Ação Comunicativa, contextualizados na Administração Pública. A quarta e a quinta apresentam interpretações possíveis sobre a representatividade da Teoria da Ação Comunicativa, no que diz respeito ao que ela representa em meio a outras teorias e tipos de racionalidade. Na sexta, tenta-se desmistificar o possível dilema a respeito do que a Teoria da Ação Comunicativa representa. A sétima seção traz implicações da discussão para a práxis da Administração Pública e, na última, conclusões são trazidas, baseadas em fortes evidências da literatura levantada ao longo do artigo.

CONCEITUALIZAÇÃO DE PARADIGMA ADOTADA NA DISCUSSÃO

Visto que paradigma é um conceito-chave nesta discussão e visto que pode ser interpretado de diferentes formas, é fundamental deixar claro qual conceituação é adotada no presente ensaio, especialmente ao confrontar o caráter interparadigmático versus a mudança paradigmática da Teoria da Ação Comunicativa.

Primeiramente, entre as conceituações possíveis, um paradigma pode ser interpretado como uma categoria analítica dentro de uma dada teoria (Gomes, 2006Gomes, L. R. (2006, October). O consenso como perspectiva de emancipação: implicações educativas a partir da teoria da ação comunicativa de Habermas. In Anais da 29º Reunião Anual da Anped, Caxambú, MG.; Gutierrez & Almeida, 2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.). Embora essa interpretação seja mencionada em algumas seções do presente ensaio, especialmente ao destacar os fundamentos da Teoria da Ação Comunicativa, essa não é a principal conceituação adotada neste ensaio e em sua questão norteadora. Seguindo essa primeira interpretação possível, Habermas, às vezes, associa o conceito de paradigma com categorias analíticas dentro da Teoria da Ação Comunicativa, e não à teoria como um todo. Por exemplo, segundo Gutierrez e Almeida (2013)Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173., a Teoria da Ação Comunicativa percebe dois paradigmas distintos, a saber, o mundo da vida - paradigma comunicativo - e os sistemas - paradigma sistêmico. O mundo da vida e os sistemas são categorias analíticas governadas de diferentes maneiras. Para Habermas, o mundo da vida é o lugar transcendental onde falante e ouvinte se encontram, um espaço saudável que aceita a validade dos argumentos presentes nos atos de fala, visando ao consenso. Por outro lado, os sistemas, caracterizados por conflitos, funcionam ancorados no mundo da vida, colonizando suas riquezas. O mundo da vida e os sistemas compreenderiam dois paradigmas diferentes ou duas categorias analíticas diferentes dentro da Teoria da Ação Comunicativa.

Em segundo lugar, ao analisar outros movimentos sociais e teóricos, o conceito de paradigma pode ser diferente. No contexto da comparação de teorias, um paradigma pode ser interpretado como a compreensão que os coletivos sociais possuem sobre o mundo, ou seja, uma teoria como um todo (Gomes, 2006Gomes, L. R. (2006, October). O consenso como perspectiva de emancipação: implicações educativas a partir da teoria da ação comunicativa de Habermas. In Anais da 29º Reunião Anual da Anped, Caxambú, MG.; Gutierrez & Almeida, 2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.). Essa é a conceituação adotada no presente artigo, especialmente na questão norteadora do presente ensaio: a transição proposta por Habermas de outros tipos de racionalidade para a racionalidade comunicativa constitui uma teoria interparadigmática ou um salto paradigmático? Nesse sentido, um paradigma compreende uma unidade, isto é, um modelo teórico para explicar as relações sociais. Portanto, a interpretação de paradigma adotada na questão norteadora do presente ensaio está de acordo com o conceito proposto por Morin (2000Morin, E. (2000). Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo, SP: Cortez.). Enquanto o conceito tradicional de paradigma proposto por Thomas Kuhn (1998Kuhn, T. S. (1998). A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, SP: Perspectiva.) se refere a realizações científicas universalmente reconhecidas que, por algum tempo, fornecem problemas e modelos de solução para uma comunidade científica, Morin (2000) expande esse conceito para qualquer teoria, doutrina ou ideologia.

Considerando essa segunda interpretação possível de paradigma, a Teoria da Ação Comunicativa é representada pelo paradigma da filosofia da linguagem, ou seja, o paradigma da linguagem pode ser interpretado como capaz de representar a essência e os fundamentos da teoria como um todo. É bem conhecido que Habermas usa a filosofia da linguagem comum para argumentar a favor da primazia do uso comunicativo da linguagem. Esse argumento sugere que o uso da linguagem é fundamental na busca do entendimento, que compreende o fundamento da Teoria da Ação Comunicativa.

Tendo indicado a conceituação de paradigma adotada no presente ensaio, discutamos os fundamentos da Teoria da Ação Comunicativa, contextualizando-a na Administração Pública.

FUNDAMENTOS DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA CONTEXTUALIZADA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

As ideias de Habermas sobre a ação comunicativa partem do pressuposto de que o consenso é possível, mesmo que existam interesses difusos entre os indivíduos (Habermas, 2002). Segundo Vizeu e Matitz (2013Vizeu, F., & Matitz, Q. R. S. (2013). Organizational sacralization and discursive use of corporate mission statements. Brazilian Administration Review, 10(2), 176-194.), na busca pelo consenso, os falantes podem usar, deliberadamente, três dimensões ontológicas em seus atos de fala: reivindicação da verdade, uma afirmação sobre um objeto ou realidade; reivindicação de legitimidade, uma afirmação que é normativamente compatível com os valores socialmente aceitos; e reivindicação de sinceridade, uma declaração que reflete a intenção e o estado interior do orador. Moreira et al. (2015Moreira, J. A. P., Vieira, M. G., & Silva, C. G. (2015). Among theory, practice and technology: the relation between theoretical and practical knowledge in the context of accounting training and the thinking of Jürgen Habermas. Brazilian Business Review, 12(4), 123-139.) acrescentam que a linguagem sustenta a razão comunicativa, o que significa que os atos de fala estão imbuídos com uma reivindicação de validade.

A linguagem constitui um tema fundamental na Teoria da Ação Comunicativa, uma vez que compreende os meios pelos quais várias questões podem ser discutidas e abordadas, na tentativa de alcançar o entendimento entre os sujeitos, ao invés de controle e dominação. A dinâmica linguística constitui a externalização das intenções humanas. Isso significa que Habermas pressupõe que deve haver simetria entre o interlocutor e o falante no sentido de que eles não devem focar em seus próprios interesses e preferências, mas no diálogo, melhor argumento e consenso (Dupeyrix, 2012Dupeyrix, A. (2012). Compreender Habermas. São Paulo, SP: Edições Loyola.). Habermas afirma que, em uma relação comunicativa, os sujeitos são mediados pela linguagem e que, nesse processo dialógico, a alteridade deve ser mantida (Andrade, Alcântara, & Pereira, 2019Andrade, L. F. S., Alcântara, V. C., & Pereira, J. R. (2019). Comunicação que constitui e transforma os sujeitos: agir comunicativo em Jürgen Habermas, ação dialógica em Paulo Freire e os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 17(1), 12-24.). Segundo Vizeu (2005Vizeu, F. (2005). Ação comunicativa e estudos organizacionais. Revista de Administração de Empresas, 45(4), 10-21.), a linguagem permite aos sujeitos darem sentido ao mundo em que vivem, e esse sentido lhes permite orientarem suas ações. Portanto, a Teoria da Ação Comunicativa está intimamente ligada ao paradigma da filosofia da linguagem. Quando a linguagem é usada para integração social e consenso, nós estamos lidando com a ação comunicativa de Habermas (Ferreira, 2000Ferreira, R. M. (2000). Individuação e Socialização em Jürgen Habermas. Belo Horizonte, BH: Unicentro Newton Paiva.).

As ideias de Habermas, baseadas na solidariedade, melhor argumento e consenso são importantes para a Administração Pública, especialmente porque podem ser consideradas formas por meio das quais a sociedade pode ser guiada para a democracia e integração social (Lima & Rivera, 2009Lima, M. C., & Rivera, F. J. U. (2009). Communicative action, networks of conversation, and coordination in healthcare services: a theoretical and methodological perspective. Interface - Comunicação, Saúde e Educação, 13(31), 329-42.). A ação comunicativa é considerada fundadora da sociabilidade (Santos, Amaro, Lisbão, Félix, & Castro, 2016Santos, B. O., Amaro, B. S., Lisbão, Y. M., Félix, T. S., Castro, E. M. A. (2016). As contribuições de Jürgen Habermas para a psicologia social crítica. Psicologia & Sociedade, 28, 627-630.) e capaz de beneficiar a civilização humana e a evolução das sociedades (Gomes, 2006Gomes, L. R. (2006, October). O consenso como perspectiva de emancipação: implicações educativas a partir da teoria da ação comunicativa de Habermas. In Anais da 29º Reunião Anual da Anped, Caxambú, MG.).

Sanderson (1999Sanderson, I. (1999). Participation and democratic renewal: from “instrumental” to “communicative rationality”? Policy & Politics, 27(3), 325-341.) nos dá exemplos práticos de tentativas de aplicar a ação comunicativa na Administração Pública, especialmente na prática governamental. Ele destaca o exemplo do governo do Reino Unido que, a partir de 1997, buscou renovar sua democracia local por meio de formas mais diretas de participação, empoderando os cidadãos e levando as opiniões deles em consideração na tomada de decisões. Na época, a racionalidade comunicativa era vista como uma alternativa para resolver problemas da racionalidade instrumental burocrática, que é baseada, essencialmente, no poder profissional e gerencial.

Sanderson (1999Sanderson, I. (1999). Participation and democratic renewal: from “instrumental” to “communicative rationality”? Policy & Politics, 27(3), 325-341.) também apresenta o conhecido modelo médico, a fim de criticar a racionalidade instrumental. Nesse modelo, a técnica dos profissionais, gestores e especialistas, valorizada pela racionalidade instrumental e pela burocracia, assemelha-se a um médico que detém todo o conhecimento técnico - equivalente ao tecnocrata - para curar a doença do paciente - equivalente à população. O cidadão, portanto, faria o papel de um paciente idoso: complacente, cansado, frágil e dependente. De acordo com a Teoria da Ação Comunicativa, esse cenário não é adequado, uma vez que as opiniões dos cidadãos não são levadas em consideração na resolução de problemas. Detalhando ainda mais a metáfora, o médico estaria interessado em saber o que o paciente está sentindo e não sua opinião sobre como melhor curar a doença.

A adoção dos princípios da Teoria da Ação Comunicativa na Administração Pública é uma tarefa desafiadora. Habermas reconhece que a ação comunicativa, quando organizações modernas tentam colocá-la em prática, seja no setor público ou privado, é suscetível à manipulação de sentido, o que pode ocorrer devido à influência das racionalidades modernas de mercado e burocracia (Friedland & Alford, 1991Friedland, R., & Alford, R. R. (1991). Bringing society back in: symbols, practices, and institutional contradictions. In W. W. Powell, & P. J. DiMaggio (Eds.), The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232-263). Chicago, IL: University of Chicago Press.; Vizeu & Matitz, 2013Vizeu, F., & Matitz, Q. R. S. (2013). Organizational sacralization and discursive use of corporate mission statements. Brazilian Administration Review, 10(2), 176-194.).

Uma das expressões-chave para entender como a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas pode ser colocada em prática na Administração Pública é a negociação social. Refere-se a uma abordagem participativa que busca identificar e levar em consideração os pontos de vista de todos os grupos de partes interessadas relevantes. No entanto, diferentes partes interessadas terão diferentes pontos de vista sobre uma questão e precisarão, por meio do diálogo, negociar as diferenças e construir significados compartilhados (Sanderson, 1999Sanderson, I. (1999). Participation and democratic renewal: from “instrumental” to “communicative rationality”? Policy & Politics, 27(3), 325-341.).

Outra expressão fundamental para entender como a Teoria da Ação Comunicativa pode ser colocada em prática na Administração Pública é o governo colaborativo, que, segundo Kelly (2004Kelly, T. (2004). Unlocking the iron cage: public administration in the deliberative democratic theory of Jürgen Habermas. Administration and Society, 36(1), 38-61.), é um governo que concebe formas de participação, divulga informações, compartilha responsabilidades e até serve como um defensor dos cidadãos marginalizados. Esse conceito está intimamente relacionado ao que é conhecido como poder discricionário dos administradores públicos, ao contrário de ser apenas cumpridor da lei. O autor também levanta uma crítica importante aos truques usados na prática de participação. Uma vez que os administradores usam um tipo de racionalidade e os cidadãos - administrados - outra, os primeiros se frustram com os segundos e passam a, sistematicamente, excluí-los da discussão pública. Isso é feito, por exemplo, por meio de audiências públicas realizadas em locais e horários que dificultam a participação do cidadão.

Para Habermas (2002, 1987), algumas tipologias de problemas, como ameaça nuclear, preconceito contra minorias e miséria no terceiro mundo, não são problemas meramente técnicos e não podem ser resolvidos apenas com o poder administrativo burocrático baseado na racionalidade instrumental. Decisões devem ser tomadas a partir de um processo de reflexão em que seja assegurada a livre discussão de temas e de soluções, garantindo eficácia e responsabilidade dos participantes nas decisões tomadas. A racionalidade comunicativa enfatiza que nossa maior autoridade deve ser um bom argumento, e nossos companheiros - os outros - são nossa principal fonte de orientação (Habermas, 2002Habermas, J. (2002a). Racionalidade e comunicação. Lisboa, Portugal: Edições 70., 1991Habermas, J. (1991). Que significa socialismo hoje? Revolução recuperadora e necessidade de revisão da esquerda. Novos Estudos CEBRAP, 30, 43-61.).

O pluralismo interpretativo afeta a cosmovisão e a autocompreensão. Nesse sentido, somente como participantes de um diálogo abrangente e consensualmente orientado é que somos chamados a exercer a virtude cognitiva da empatia em relação às nossas diferenças recíprocas na percepção de uma mesma situação (Habermas, 2007Habermas, J. (2007). Comentários sobre Verdade e justificação. In S. Patrick (Ed.), A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo, SP: Martins Fontes.). A troca de argumentos, para resolver questões prático-morais, deve incluir imparcialidade; expectativa de que os participantes irão além de suas preferências, incluindo todos aqueles afetados por uma decisão; igualdade, liberdade e facilidade de interação, com a ausência de formas internas e externas de coerção; não restrição de tópicos; e revisão dos resultados (Mendonça, 2016Mendonça, R. F. (2016). Antes de Habermas, para além de Habermas: uma abordagem pragmatista da democracia deliberativa. Revista Sociedade e Estado, 31(3), 741-768.; A. P. Nunes, & C. R. R. Nunes, 2005Nunes, A. P., & Nunes, C. R. R. (2005). Aportes teóricos da ação comunicativa de Habermas para as metodologias ativas de aprendizagem. Revista Brasileira de Educação Médica, 29(3), 179-184.).

Tendo discutido brevemente os fundamentos da racionalidade comunicativa contextualizados na Administração Pública, nós olharemos de maneira mais profunda para a questão norteadora deste ensaio, levantando reflexões diretas e indiretas de autores relevantes sobre o significado da ação comunicativa proposta por Habermas e a representatividade da Teoria da Ação Comunicativa. Habermas propõe apenas uma teoria interparadigmática ou um salto paradigmático? O que essa teoria representa de fato?

Alguns autores têm se destacado nas discussões sobre a Teoria da Ação Comunicativa, como Freitag (2004Freitag, B. (2004). Teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo, SP: Brasiliense.), que considera a proposta de Habermas uma mudança radical do paradigma da subjetividade para a intersubjetividade, da razão monológica para a razão dialógica - o que é parafraseado metaforicamente no presente ensaio como um salto paradigmático. Também nos deparamos com outros autores com opiniões diferentes, como Siebeneichler, Vasconcellos-Silva e Rivera (2007Siebeneichler, F. B., Vasconcellos-Silva, P. R., & Rivera, F. J. U. (2007). Tem razão a administração? Revista de Administração Pública, 24(2), 5-9.), que entendem que a teoria de Habermas não comporta uma mudança paradigmática. Segundo os referidos autores, a racionalidade comunicativa de Habermas só pode ser construída, tendo como base uma coerência discursiva entre teorias distintas, um ponto de vista que reconhece o caráter interparadigmático predominante de sua proposta.

Este é o possível dilema teórico que norteia o presente ensaio: a racionalidade comunicativa de Habermas representa um salto paradigmático - ajuste radical - ou é quase um apanhado que ajusta algumas ideias de outros tipos de racionalidade e paradigmas - ajuste incremental? Acreditamos que a falta de consenso sobre o assunto pode prejudicar as tentativas de concretização dos princípios dessa teoria na Administração Pública. Discutamos essas duas principais interpretações possíveis.

PRIMEIRA INTERPRETAÇÃO POSSÍVEL DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA: UM SALTO PARADIGMÁTICO

Gutierrez e Almeida (2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.) afirmam que Habermas propõe um novo paradigma: um paradigma libertário, baseado no entendimento e na integração social. Seguindo o mesmo raciocínio, Rossetti (2010Rossetti, R. (2010). Verdade e racionalidade comunicativa em Habermas. In Anais do 10º Seminário de Filocom, São Paulo, SP.) entende a proposta de racionalidade comunicativa de Habermas como uma mudança de paradigma. Segundo a autora, essa mudança de paradigma traz novos fundamentos da razão, do ser humano e da sociedade, deixa de lado o paradigma da consciência e propõe que a racionalidade não depende, diretamente, do sujeito, mas da intersubjetividade.

Freitag (2004Freitag, B. (2004). Teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo, SP: Brasiliense.) considera que a própria conceituação da racionalidade comunicativa já pressupõe uma mudança radical de paradigma, visto que a razão é implementada por meio de um processo dialógico. Silva (2011Silva, M. S. (2011). Racionalidade substantiva no processo decisório: um estudo em instituições que lidam com o tratamento oncológico infantojuvenil na cidade de Natal (RN). Revista de Administração Pública, 45(5), 1327-1361.) corrobora essa ideia de salto paradigmático ao afirmar que Habermas, ao realizar a substituição do paradigma da consciência pelo paradigma da linguagem, enfatiza que a linguagem deve ser vista como uma expressão de compreensão em um contexto normativo e avaliativo. Segundo Gutierrez e Almeida (2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.), Habermas coloca a Teoria da Ação Comunicativa em um nível acima de diferentes escolas no campo das ciências sociais, como o marxismo, o organicismo e a sociologia compreensiva, o que fortalece a ideia de um salto paradigmático.

Moreira et al. (2015Moreira, J. A. P., Vieira, M. G., & Silva, C. G. (2015). Among theory, practice and technology: the relation between theoretical and practical knowledge in the context of accounting training and the thinking of Jürgen Habermas. Brazilian Business Review, 12(4), 123-139.) também concordam que a proposta de Habermas pode ser considerada um salto paradigmático. Eles destacam a transição necessária de um tipo de razão para outro. Segundo eles, esse “salto” está implícito no entendimento básico da Teoria da Ação Comunicativa: “a transição da razão instrumental para a razão comunicativa ocorre no espaço social em que se aglutinam dois mundos: o mundo sistêmico e o mundo da vida” (Moreira et al., 2015, p. 128). Eles reforçam esse argumento ao afirmarem que, segundo Habermas, embora existam duas formas de razão - instrumental e comunicativa -, elas são separadas e não se sobrepõem, e a razão comunicativa deve prevalecer.

Gomes (2006Gomes, L. R. (2006, October). O consenso como perspectiva de emancipação: implicações educativas a partir da teoria da ação comunicativa de Habermas. In Anais da 29º Reunião Anual da Anped, Caxambú, MG.) destaca que, para Habermas, a emancipação da sociedade ainda é um projeto inacabado que precisa ser reconstruído sob um novo paradigma, segundo o qual a emancipação é inerente à comunicação. Isso significa que é necessário desenvolver projetos educacionais que, baseados no consenso, fortaleçam a competência comunicativa dos alunos, de forma a torná-los competentes para enfrentarem os desafios dos tempos modernos. Habermas explicita a proposta de um salto paradigmático ao indicar a reconstrução da sociedade, visando torná-la mais justa e livre. Ele entende que o significado da emancipação, tal como formulado originalmente por Marx e por teóricos frankfurtianos, como Adorno e Horkheimer, precisa ser reformulado a partir de um novo paradigma: o paradigma explicativo. Ao propor um novo conceito de racionalidade, Habermas deixa claro que a Teoria da Ação Comunicativa é, de fato, um salto paradigmático, ou seja, um ajuste radical a outros tipos de racionalidade.

Também podemos inferir que Habermas propõe uma mudança paradigmática ao afirmar que a racionalidade tem menos a ver com conhecimento, ou com aquisição de conhecimento, e mais com a forma como os sujeitos fazem uso do conhecimento por meio da linguagem (Habermas, 1999). Essa proposição indica a existência de duas categorias analíticas: o paradigma do sujeito, que corresponde ao modelo de racionalidade cognitivo-instrumental, e o paradigma da intersubjetividade, que corresponde ao modelo da racionalidade comunicativa.

Para Habermas (1984Habermas, J. (1984). The theory of communicative action(Vol. 1: Reason and the rationalization of society). Boston, MA: Beacon Press., p. 285), “a ação comunicativa ocorre sempre que as ações dos agentes envolvidos são coordenadas, não por cálculos egocêntricos de sucesso, mas por meio de atos de compreensão”. Na ação comunicativa, há uma orientação não para o sucesso individual, mas o sucesso é buscado de forma conjunta, interativa e dialogicamente negociada. Esse conceito, apesar de expor uma ruptura significativa do individualismo em direção ao coletivismo, o que reforça a ideia de um ajustamento radical - salto paradigmático -, foi construído por Habermas com base nos fundamentos do Interacionismo Simbólico de Mead, do conceito de Jogos de Linguagem de Wittgenstein, da Teoria dos Atos de Fala de Austin e da Hermenêutica de Gadamer (Pinto, 1995Pinto, J. M. R. (1995). A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia, 8(9), 77-96.). Isso evidencia o caráter interparadigmático da proposição habermasiana, que constitui um ajuste incremental de outras linhas teóricas e constitui uma segunda interpretação possível do que a Teoria da Ação Comunicativa, de fato, representa. Vamos discuti-la a seguir.

SEGUNDA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA: UMA PROPOSTA INTERPARADIGMÁTICA

Gutierrez e Almeida (2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.) afirmam que Habermas, na Teoria da Ação Comunicativa, adota, mais ou menos diretamente, a ideia de comunicação linguística presente em Mead, da ação social desenvolvida por Weber, do papel da solidariedade como elemento fundamental para a integração social como em Durkheim e do conceito de sistemas de Parsons no que diz respeito à definição de Economia e Administração Pública. Segundo eles, o próprio Habermas afirma que a Teoria da Ação Comunicativa não constitui um paradigma de forma normativa ou prescritiva.

Pinto (1995Pinto, J. M. R. (1995). A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia, 8(9), 77-96.) afirma que Habermas constrói sua Teoria da Ação Comunicativa em diálogo permanente com autores das mais diversas linhas teóricas, como Marx, Weber, Durkheim, Mead, Lukacs, Horkheimer, Adorno, Marcuse e Parsons. Dessa forma, Habermas incorpora uma série de temas e contribuições que foram desenvolvidos pelo Funcionalismo, pela Fenomenologia, pelo Marxismo e pela Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, que podem ser considerados como características incrementais da sua teoria.

Outro autor que corrobora o traço incremental da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas é Barreto (1993Barreto, C. (1993, September). Sobre a racionalidade humana: conceitos, dimensões e tendências. In Anais do 17º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Salvador, BA.). Ao analisar vários tipos de racionalidade, ele conclui que as concepções de Habermas sobre a racionalidade comunicativa e as concepções de Ramos (1989Ramos, A. G. (1989). Teoria da Delimitação dos Sistemas Sociais: Apresentação de um Paradigma. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Getulio Vargas.) sobre a racionalidade substantiva não são contraditórias, mas complementares, ou seja, as propostas de Habermas e do sociólogo brasileiro não são exclusivas, mas incrementais, uma vez que ambos destacam os sujeitos e suas ideias. A complementaridade entre os dois tipos de racionalidade em questão é ainda evidenciada pelo fato de ambos considerarem o debate racional como requisito essencial para a harmonização da vida humana associada.

Bachur (2017Bachur, J. P. (2017). Intersubjetividade ou solipsismo? Aporias da teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas. Revista de Ciências Sociais, 60(2), 541-575.) corrobora essa interpretação ao argumentar que o consenso deve ser buscado por meio do diálogo, e o discurso sobre determinada questão pode acabar sendo reaberto posteriormente e continuar com réplicas infinitas. De acordo com ele, o diálogo exige a consulta dos outros, testando cada argumento, se eles são ou não desejáveis para todos. A situação desejada seria a do discurso racional: baseado no consenso e no processo dialógico. Gutierrez e Almeida (2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.) afirmam que Habermas se compromete com uma ciência construída historicamente pela apropriação de autores clássicos e pela aceitação de ideias do meio social que um teórico estuda. Nesse sentido, mudanças radicais para com o passado não seriam bem-vindas no que diz respeito à construção teórica.

Segundo Mílovic (2002Mílovic, M. (2002). Filosofia da Comunicação. Brasília, DF: Plano., p. 196), “Habermas segue a teoria de Searle dos atos de fala. O ato de fala é a unidade primeira da comunicação, quer dizer, toda comunicação pressupõe atos de fala”. Essa absorção é evidente nas próprias palavras de Habermas: “Com seu ato de fala, o falante busca atingir seu objetivo de alcançar a comunicação com o ouvinte sobre algo” (Habermas, 2002aHabermas, J. (2002a). Racionalidade e comunicação. Lisboa, Portugal: Edições 70., p. 193). Essa é mais uma evidência da proposta de Habermas que indica um caráter incremental, uma vez que segue ideias de uma linha teórica existente.

Para Freitag (2004Freitag, B. (2004). Teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo, SP: Brasiliense.), o processo de reificação dos componentes sociais, denominado por Habermas de colonização do mundo da vida, era o que Weber chamou de perda da liberdade dos homens, o que Lukács chamou de alienação e o que Marcuse chamou de unidimensionalização. Freitag (2004)Freitag, B. (2004). Teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo, SP: Brasiliense., implicitamente, acentua o caráter interparadigmático da Teoria da Ação Comunicativa, expondo suas semelhanças com as teorias de outros autores.

Apesar das críticas de Habermas ao dinheiro e ao poder como colonizadores do mundo da vida, uma de suas propostas de racionalidade comunicativa é a manutenção dos sistemas econômicos e administrativos guiados pelos mecanismos do mercado e da administração burocrática, todos submetidos ao controle externo (Athayde, Paula, & Gomes, 2019Athayde, A. L. M., Paula, P. P., & Gomes, A. O. (2019, November). Let’s solidify even more the foundation of social participation? Filling out a theoretical gap on communicative rationality. In Anais do 22º Seminários em Administração, São Paulo, SP.; Pinto, 1995Pinto, J. M. R. (1995). A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia, 8(9), 77-96.). Essa reflexão nos leva a reforçar a ideia do traço interparadigmático da teoria habermasiana. Habermas não propõe a extinção da burocracia e do mercado, mas enfatiza a importância da participação dos cidadãos e do controle das decisões governamentais por meio de, por exemplo, organizações não governamentais, conselhos populares, fóruns de discussão e mecanismos de deliberação que estimulem o entendimento e não, meramente, a conquista do poder.

Nas palavras de Pinto (1995Pinto, J. M. R. (1995). A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia, 8(9), 77-96.), Habermas não propõe a destruição do aparato burocrático-estatal ou do mercado. O que ele sugere é “uma democracia processual, uma ‘soberania em procedimento’, na qual os mecanismos de ação do mercado e do poder administrativo serão controlados no âmbito de conselhos populares” (Pinto, 1995, pp. 93-94). Isso constitui outro argumento a favor do traço incremental da racionalidade comunicativa. Habermas propõe um ajuste incremental tanto à racionalidade instrumental quanto à racionalidade substantiva.

A complementaridade entre as racionalidades comunicativa e substantiva é evidenciada por Serva (1997Serva, M. (1997). Abordagem substantiva e ação comunicativa: uma complementaridade proveitosa para a teoria das organizações. Revista de Administração Pública, 31(2), 108-134.). Para ele, a racionalidade substantiva busca promover a regulação adequada da vida humana associada. Com o mesmo propósito, Habermas afirma que a orientação racional da ação comunicativa reside na obtenção do entendimento entre os homens. Aqui, há outro ponto de distinção não radical da proposição habermasiana quando comparada a outros tipos de racionalidade.

Mesmo fazendo a devida distinção entre racionalidade instrumental e comunicativa, Cavalcante (2001Cavalcante, A. R. (2001). A racionalidade comunicativa de Jürgen Habermas. Educação e Filosofia, 15(29), 225-257.) entende que a última inclui a primeira. Ele afirma que a razão instrumental é reduzida ao conhecimento técnico e que a razão comunicativa leva em conta uma pluralidade de tipos de conhecimento, inclusive o técnico. Ele é mais um autor que acredita que a proposta habermasiana de racionalidade comunicativa tem um caráter incremental, uma vez que não reivindica o abandono total do conhecimento técnico.

DESMISTIFICANDO O POSSÍVEL DILEMA

Vimos que alguns teóricos afirmam que a Teoria da Ação Comunicativa representa um salto paradigmático - ajuste radical a outros tipos de racionalidade -, enquanto outros afirmam que ela representa uma proposta interparadigmática - ajuste incremental a outros tipos de racionalidade. Adicionalmente, levantamos uma observação crucial: a literatura sobre o assunto não só apresenta duas interpretações possíveis separadamente, como explicado anteriormente em dois grupos distintos com ideias opostas. Também é possível inferir, a partir de um mesmo teórico, ambas interpretações simultaneamente.

Serva (1997Serva, M. (1997). Abordagem substantiva e ação comunicativa: uma complementaridade proveitosa para a teoria das organizações. Revista de Administração Pública, 31(2), 108-134.) afirma que, a partir da década de 1980, Habermas se voltou fortemente contra a dialética iluminista de Adorno e Horkheimer e proclamou a necessidade de uma mudança radical de paradigma na abordagem da racionalidade, vendo a emancipação do homem diante dos constrangimentos impostos pela sociedade burocrática, constrangimentos que afetam até mesmo a academia (Teixeira, Vinhas, Perret, & Junqueira, 2009Teixeira, A. F., Vinhas, F. D., Perret, N., & Junqueira, L. A. P. (2009). Teoria crítica e redes sociais na perspectiva da teoria da ação comunicativa e razão Substantiva. Administração Pública e Gestão Social, 1(3), 41-55.).

Embora Serva (1997Serva, M. (1997). Abordagem substantiva e ação comunicativa: uma complementaridade proveitosa para a teoria das organizações. Revista de Administração Pública, 31(2), 108-134.) explicite que a teoria de Habermas constitui um salto paradigmático, ele também enfatiza que as racionalidades comunicativa e instrumental apresentam um ponto comum, a saber, a preocupação com os objetivos individuais e coletivos. A diferença está em como esses objetivos são buscados, seja por imposição de poder ou de maneira consensual. Essa análise nos mostra que, embora o referido autor esclareça as diferenças radicais primordiais entre dois tipos de racionalidade, ele também enfatiza que há pontos comuns entre eles, o que revela o caráter incremental da racionalidade comunicativa. O mesmo autor, ao abordar a ação comunicativa de Habermas e outros tipos de racionalidade, acaba evidenciando características de mudanças tanto incrementais quanto radicais.

Apesar de reforçarem que Habermas não afirma que a Teoria da Ação Comunicativa seja um paradigma no sentido normativo e prescritivo, e apesar de destacarem aspectos comuns entre a ação comunicativa e outros tipos de racionalidade, Gutierrez e Almeida (2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.) concluem que essa teoria constitui um paradigma baseado em argumentos e consenso, ou seja, eles reconhecem ambas as interpretações.

A fim de aprofundar ainda mais a discussão teórica, que tal focarmos nas evidências trazidas pelo próprio autor da Ação Comunicativa? O que ele diz sobre isso mais diretamente? A ideia de ajuste radical - parafraseada metaforicamente como salto paradigmático no presente ensaio - é reforçada pelo próprio Habermas (1984Habermas, J. (1984). The theory of communicative action(Vol. 1: Reason and the rationalization of society). Boston, MA: Beacon Press., p. 386):

Eu pretendo arguir que uma mudança de paradigma para o da teoria da comunicação tornará possível um retorno à tarefa que foi interrompida com a crítica da razão instrumental”. Essa mudança pressupõe o abandono das relações ‘sujeito-objeto’ para relações ‘sujeito-outro sujeito’, ou seja, os componentes da sociedade não podem ser vistos como coisas simples (reificação), mas eles devem ter sua opinião levada em conta na busca por compreensão mútua.

Além disso, Habermas afirma que um paradigma só perde sua força quando negado por outro de forma definida. Para ele, o trabalho de desconstrução “só pode ter consequências definíveis quando o paradigma da consciência de si, da autorreferência de um sujeito que conhece e age isoladamente é substituído por outro, pelo paradigma da intercompreensão” (Habermas, 1990Habermas, J. (1990). O discurso filosófico da modernidade. Lisboa, Portugal: Dom Quixote., p. 288). Percebe-se que Habermas utilizou palavras como mudança, abandono e substituído, que reforçam a interpretação de que sua proposta representa um salto paradigmático. Habermas (1990)Habermas, J. (1990). O discurso filosófico da modernidade. Lisboa, Portugal: Dom Quixote. reafirmou sua proposta de ajuste radical ao dizer que “o paradigma do conhecimento de objetos tem de ser substituído pelo paradigma da compreensão mútua entre sujeitos capazes de falar e agir” (Habermas, 1990Habermas, J. (1990). O discurso filosófico da modernidade. Lisboa, Portugal: Dom Quixote., p. 276).

Apesar de Habermas destacar fortemente a ideia de substituição de paradigma, ele acaba revelando traços incrementais da Teoria da Ação Comunicativa, como se procurasse um meio-termo. Habermas (1997)Habermas, J. (1997). Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro. critica a redução política a uma lógica individualista e competitiva - questionando a racionalidade instrumental -, mas também questiona a ideia exacerbada e até utópica de uma vontade coletiva robusta e integrada das pessoas. Isso nos mostra, claramente, que ele busca, portanto, encontrar um equilíbrio entre essas posições opostas, articulando ambas. Ao apresentar a teoria tripartida da racionalidade que inclui as raízes epistemológica, teleológica e comunicativa, Habermas (2002)Habermas, J. (1999). Teoría de la acción comunicativa I: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid, España: Taurus. evidencia que a racionalidade comunicativa não é um ajuste radical dos outros dois tipos de racionalidade, mas um componente adicional, o que reforça a ideia de ajuste incremental:

A racionalidade comunicativa permanece no mesmo nível da racionalidade epistemológica e teleológica, não constituindo a estrutura dominante da racionalidade, mas sim uma das três estruturas nucleares que estão, no entanto, interligadas entre si pela racionalidade discursiva que resulta da racionalidade comunicativa (Habermas, 2002Habermas, J. (1999). Teoría de la acción comunicativa I: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid, España: Taurus., p. 185).

Na citação acima, Habermas utilizou palavras, como no mesmo nível e interligadas, o que reforça a interpretação de que sua proposta também representa um ajuste incremental a outras teorias e tipos de racionalidade. Gutierrez e Almeida (2013Gutierrez, G. L. & Almeida, M. A. B. de. (2013). Teoria da ação comunicativa (Habermas): estrutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, 58(1), 151-173.) afirmam que, em seu primeiro livro sobre a Teoria da Ação Comunicativa, Habermas (1988) citou mais de 550 autores. Essa é uma indicação evidente do caráter interparadigmático de sua teoria. Habermas afirma que trata Weber, Mead, Durkheim e Parsons como teóricos que ainda têm algo a nos dizer. Ele insiste que a Teoria da Ação Comunicativa não deve ser tratada como um paradigma de caráter normativo ou prescritivo.

Alguns autores se mostraram adeptos ao entendimento de que a ação comunicativa é a proposta de um ajuste radical por seu próprio conceito, outros enfatizaram o caráter incremental dessa teoria, e outros, como o próprio Habermas, simultaneamente, reforçaram as duas coisas. É possível notar, pelos muitos pontos de vista entrelaçados apresentados até agora - que, obviamente, não esgotam as discussões já feitas na academia sobre a ação comunicativa - que a teoria habermasiana em questão propõe um ajuste incremental a outras teorias e tipos de racionalidade e que, ao mesmo tempo, representa, de fato, um salto radical. Isso foi perceptível mesmo quando se focou no autor da teoria - Habermas -, o que acabou reforçando nossa conclusão.

Ao levantar e entrelaçar as ideias de autores relevantes sobre a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, nós defendemos que a resposta é sim para ambas as hipóteses confrontadas como questão norteadora do presente ensaio, o que indica que elas não devem ser tomadas como mutuamente excludentes. A proposta habermasiana apresenta várias características incrementais quando comparada a outras teorias e tipos de racionalidade, mas também constitui um salto paradigmático, ou seja, uma teoria original e consistente que ultrapassa tantas outras com as quais dialoga, propondo uma nova forma de interpretar as relações sociais.

Habermas (1987Habermas, J. (1987). Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa, Portugal: Edições 70.) defende a tese de que é possível instituir, gradativamente, um contra-discurso capaz de dar novas direções à razão e gerar um novo equilíbrio entre o sistema e o mundo da vida. Acreditamos que novo equilíbrio é uma expressão fundamental para entender o que a Teoria da Ação Comunicativa realmente representa. Como afirma o próprio Habermas, é necessário gerar um novo equilíbrio entre o sistema e o mundo da vida. A palavra novo indica uma mudança radical, ou seja, um salto paradigmático, e a palavra equilíbrio pressupõe um caráter interparadigmático, isto é, um equilíbrio entre o sistema, marcado pela racionalidade instrumental, e o mundo da vida, marcado pela ação comunicativa.

Habermas (2004Habermas, J. (2004). Verdade e justificação: Ensaios filosóficos. São Paulo, SP: Edições Loyola.), ao discutir o significado de racionalidade, afirma que racional também é a prova da realidade (Freud), aprender por meio dos erros (Popper) e escolher meios orientados para fins (Weber). Assim, pode ser inferido que, ao dialogar com diferentes teorias e tipos de racionalidade, Habermas reconhece o caráter interparadigmático da racionalidade comunicativa. No entanto, Habermas (2004)Habermas, J. (2004). Verdade e justificação: Ensaios filosóficos. São Paulo, SP: Edições Loyola. também afirma que a racionalidade comunicativa não pode ser igualada a uma racionalidade geral, o que sugere uma mudança paradigmática de outros tipos de racionalidade. Habermas (2004)Habermas, J. (2004). Verdade e justificação: Ensaios filosóficos. São Paulo, SP: Edições Loyola. menciona uma transição da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, esta última ligada à Teoria da Ação Comunicativa, que aponta para uma mudança paradigmática. Denota-se, então, que, segundo Habermas, sua proposta de ação comunicativa apresenta um caráter interparadigmático, mas também comporta um salto paradigmático, dada sua originalidade.

Com base em fortes evidências da literatura, afirmamos que o consenso sobre a representatividade da Teoria da Ação Comunicativa não é obtido pela adoção de apenas um lado e não deve ser tomado como uma das críticas recebidas pela teoria, como se ela não possuísse coerência interna, diminuindo sua importância para a Administração Pública e para a participação social. Portanto, propomos que a Teoria da Ação Comunicativa compreende um salto paradigmático com características interparadigmáticas. Não há dilema nem paradoxo em reconhecer isso.

O livro “A ética da discussão e a questão da verdade” (Habermas, 2007Habermas, J. (2007). Comentários sobre Verdade e justificação. In S. Patrick (Ed.), A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo, SP: Martins Fontes.) apresenta as respostas de Habermas a muitas questões levantadas por filósofos. Um deles, o filósofo Alain Renaut, pergunta a Habermas sobre a questão do paradigma. Renaut questiona a suposição de Habermas de que a ação comunicativa compreende um novo paradigma. Renaut questiona se é ou não realmente possível abandonarmos o paradigma da subjetividade de Kant. O argumento principal de Renaut é que, mesmo em uma prática dialógica, um argumento deve ser aprovado em última instância pelo sujeito. Segundo ele, quando um interlocutor concorda com o argumento do locutor, esse acordo tem mais a ver com o próprio interlocutor do que com sua relação com o locutor. Renaut propõe, então, que o paradigma da subjetividade e o paradigma da intersubjetividade não são incompatíveis.

Em resposta ao questionamento de Renaut, Habermas reconhece que integrar ambos os paradigmas em uma única estrutura conceitual não é fácil, no entanto, concorda com Renaut sobre a complementaridade entre subjetividade e intersubjetividade. Portanto, mesmo que Habermas nos convide a deixarmos o paradigma da subjetividade em direção ao paradigma da intersubjetividade, pode-se inferir que ele não quer dizer abandono total. Esse é exatamente o nosso principal argumento ao longo deste ensaio: A Teoria da Ação Comunicativa compreende um novo paradigma, mas não significa o abandono completo de outros paradigmas. Isso significa que a Teoria da Ação Comunicativa é um salto paradigmático com caráter interparadigmático.

Quando nós afirmamos que a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas compreende um salto paradigmático, não a tratamos como um paradigma normativo e prescritivo, mas destacamos sua originalidade e grandes contribuições para diversos campos do conhecimento, isto é, ela reúne as condições necessárias para ser chamada de uma teoria e de um paradigma. Para o próprio Habermas (1988), os paradigmas nas ciências naturais sucedem uns aos outros, com o seguinte substituindo o anterior, ao contrário das ciências sociais, em que eles convivem em debate por muito tempo.

QUE DIFERENÇA ISSO FAZ? IMPLICAÇÕES PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Habermas (1999Habermas, J. (1999). Teoría de la acción comunicativa I: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid, España: Taurus.) insiste no conceito de racionalidade comunicativa como uma conexão sistemática de pretensões universais de validade que deve ser devidamente desenvolvida por meio da argumentação. Isso significa que o critério para medir a racionalidade é estabelecido pela capacidade e pela disposição dos sujeitos de exporem a si mesmos à crítica e de participarem da argumentação. Portanto, argumentamos que o correto entendimento sobre a representatividade da Teoria da Ação Comunicativa pode influenciar a Administração Pública no que diz respeito à capacidade e disposição dos gestores públicos em criarem espaço para diálogo com os administrados - população -, na elaboração de políticas públicas e tomada de decisões.

Em primeiro lugar, defendemos que, caso organizações públicas, cidades, estados ou países sejam governados por administradores que não entendam, acuradamente, que a ação comunicativa compreende um novo paradigma, isto é, uma nova forma de interpretar as relações sociais, a participação social tenderá a ser vista apenas como um bom conselho. Isso dificultaria a participação social na tomada de decisões públicas. Esse cenário seria contraditório às ideias de Habermas, uma vez que ele afirma que, segundo o novo paradigma da ação comunicativa, o que prevalece é não mais a verdade proposicional, mas a busca cooperativa da verdade, visando convicções intersubjetivas baseadas nos melhores argumentos (Habermas, 1999Habermas, J. (1999). Teoría de la acción comunicativa I: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid, España: Taurus.).

Por outro lado, nós defendemos que, quando os gestores públicos compreendem a racionalidade comunicativa como uma mudança radical da racionalidade instrumental, possuindo uma capacidade emancipatória de tornar a sociedade mais justa e menos alienada, esse paradigma tenderá a ser colocado em prática mais frequente e eficazmente, por meio de conselhos gestores de políticas públicas - nas áreas de assistência social, saúde e educação - e orçamentos participativos, por exemplo. Essa aplicação efetiva da ação comunicativa na Administração Pública seria mais provável, dado o fato de que administradores, ao reconhecerem um novo paradigma, questionariam, frequentemente, seus comportamentos na gestão pública, bem como aceitariam mais facilmente mudanças radicais na tomada de decisões.

Ao compreenderem que a Teoria da Ação Comunicativa representa uma mudança paradigmática rumo à intersubjetividade, os administradores públicos estariam mais propensos a incluir e a empoderar a sociedade civil na tomada de decisão pública, o que impacta a medida em que as comunidades afetadas podem se tornar protagonistas ativas na resolução de problemas sociais. Os administradores públicos não podem criar a participação por si mesmos, no entanto, podem viabilizar e encorajar a participação, especialmente de grupos vulneráveis e excluídos na sociedade pós-moderna.

Em segundo lugar, defendemos que o não reconhecimento dos caracteres interparadigmáticos da Teoria da Ação Comunicativa conduz a formas utópicas de gestão, o que compromete o processo de aplicação da racionalidade comunicativa na práxis da Administração Pública. Por exemplo, caso os gestores públicos assumam que a adoção da ação comunicativa implica o abandono da racionalidade instrumental e do modelo burocrático que ela sustenta, suas concepções de governo tenderiam à anarquia e seriam utópicas. Nesse caso, o discurso teórico e o discurso da práxis estariam muito distantes um do outro. Esse cenário seria contraditório às ideias de Habermas, uma vez que ele afirma que existem dois ambientes distintos nos quais o processo de argumentação acontece: o discurso teórico, que está relacionado às pretensões de verdade, e o discurso prático, que diz respeito à validade das normas, assegurando, em ambos os ambientes, a possibilidade de formar consensos de base racional (Habermas, 1999).

Assim, nosso principal argumento, ao tentar levantar implicações dessa discussão na Administração Pública, é que o entendimento sobre a representatividade da Teoria da Ação Comunicativa - seja um salto paradigmático ou uma proposta interparadigmática - pode influenciar o grau em que a ação comunicativa pode ser aplicada na práxis da Administração Pública, ou seja, quão difícil ou quão facilmente ela pode ser colocada em prática. Uma compreensão mais aprofundada da posição da Teoria da Ação Comunicativa, quando comparada a outras teorias e tipos de racionalidade, é capaz de questionar, em maior extensão, práticas hegemônicas e apresentar novas formas, meios e possibilidades de discutir, construir e reconstruir processos de gestão e processos organizacionais.

Além disso, quando administradores públicos reconhecem que a Teoria da Ação Comunicativa é um salto paradigmático e uma proposta interparadigmática, eles são capazes de compreender melhor não só até que ponto ela é colocada em prática, mas mais importante: quão corretamente ela é colocada em prática. Um entendimento superficial sobre as características da ação comunicativa pode levar um administrador público, por exemplo, a incluir a população em certas decisões públicas, porém não com base nos melhores argumentos. Nesse caso hipotético, ele não estaria colocando a ação comunicativa em prática de maneira apropriada.

Neste ponto, é fundamental deixar claro que Habermas não propõe um modelo político capaz de resolver problemas causados por distorções na democracia por meio do paradigma da linguagem. Ao contrário, Habermas enfatiza que, em um contexto social em que prevalecem valores democráticos, se uma interação comunicativa for alcançada sem a distorção deliberada dos discursos, nós encontraríamos a possibilidade de um contexto social emancipado. Isso significa que, ao se considerar a ação comunicativa tanto como um novo paradigma (salto paradigmático) quanto ao se reconhecerem suas interconexões com outras teorias e tipos de racionalidade (proposta interparadigmática), a Teoria da Ação Comunicativa tem mais chances de ser colocada em prática na Administração Pública, assim como a emancipação e a busca cooperativa pela verdade com base nos melhores argumentos têm mais chances de serem alcançadas.

Segundo a teoria dos atos de fala, inspirada em Austin, o falante não quer somente que o interlocutor receba uma informação, mas que também concorde com ele, ou seja, que alcance a mesma concepção. Em um ato de fala, os falantes levantam pretensões de validade que podem ser questionadas e levam seus interlocutores a apresentarem uma resposta racionalmente motivada (Habermas, 2004Habermas, J. (2004). Verdade e justificação: Ensaios filosóficos. São Paulo, SP: Edições Loyola.). Isso sugere que as tentativas de colocar em prática a Teoria da Ação Comunicativa na Administração Pública exigem que os administradores públicos justifiquem suas decisões com pretensões de validade, mas também que os administrados (população) respondam com suas pretensões de validade. Para que isso aconteça, Estado e cidadãos devem compreender, profundamente, os pressupostos e a representatividade da ação comunicativa para que o mundo da vida possa ser compartilhado intersubjetivamente. Estudos anteriores sobre este assunto, contextualizados na Administração Pública, têm debatido a necessidade de o governo abrir espaço para a participação dos cidadãos, mas nós precisamos refletir que, quando esse espaço é aberto, os cidadãos devem saber como ocupá-lo adequadamente. O que os cidadãos sabem, fazem e dizem só pode ser considerado racional se eles souberem, pelo menos implicitamente, por que suas opiniões são verdadeiras, por que suas ações são corretas e por que suas expressões linguísticas são válidas. Somente por meio da argumentação é que as pretensões de validade levantadas por atos de fala podem ser examinadas com base em razões (Habermas, 2004).

Portanto, discutir a representatividade e o posicionamento da Teoria da Ação Comunicativa em meio a outras teorias e tipos de racionalidade implica, naturalmente, discutir seus fundamentos e sua probabilidade de ser colocada em prática na Administração Pública. Segundo Habermas (2002bHabermas, J. (2002b). Postscript - Some concluding remarks. In M. Aboulafia, M. O. Bookman, & C. Kemp (Eds.), Habermas and Pragmatism. London, UK: Routledge., p. 224), “nós certamente não podemos conhecer uma regra sem saber aplicá-la a alguns casos”.

CONCLUSÃO

A robusta discussão apresentada nos permitiu compreender que o fato de considerarmos a Teoria da Ação Comunicativa como possuidora de caráter interparadigmático não significa que essa teoria consista em um mero resumo de várias outras linhas teóricas, mas uma teoria que ultrapassa tantas outras com as quais dialoga. Nosso propósito foi promover a validade de nossos argumentos. A força de um argumento, em certo contexto, é medida pela pertinência dos motivos e se manifesta, entre outras formas, “[...] pela capacidade de convencer os participantes da discussão, ou seja, motivar o ouvinte a aceitar a reivindicação de validade em questão” (Habermas, 1987Habermas, J. (1987). Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa, Portugal: Edições 70., p. 18).

Habermas trouxe uma contribuição substancial para a sociedade contemporânea e para a Administração Pública, propondo uma racionalidade baseada na razão aberta ao diálogo e comunicada de forma consensual. No entanto, no processo dialógico, as vontades dos indivíduos se diferenciam da vontade obtida por consenso e que representa, no final, o grupo, em maior ou menor grau. Nesse ponto, nós deixamos, aqui, a seguinte reflexão, que pode ser abordada teórica e empiricamente em estudos futuros: qual grau de desigualdade entre a vontade do indivíduo e resultados consensuais é aceitável, uma vez que a igualdade completa é improvável?

A ação comunicativa foi discutida neste artigo em uma abordagem de nível macro - teoria. Isso, naturalmente, deixa espaço para que estudos futuros a analisem a partir de uma perspectiva de nível micro - metodologias, como Mucci e Mafra (2016Mucci, C. B. M. R., & Mafra, R. L. M. (2016). Pesquisa-ação e mediação dialógica como práticas metodológicas para emergência da ação comunicativa em conselhos gestores de políticas públicas. Revista de Administração Pública, 50(1), 107-128.), por exemplo, fizeram com sucesso, ao avaliarem as práticas metodológicas da pesquisa-ação e da mediação dialógica. Além disso, embora o foco deste ensaio tenha recaído sobre a Administração Pública, nós acreditamos que essa teoria tem potencial para ser mais explorada nas organizações privadas, dada sua natureza social, uma vez que são constituídas por relações tanto da esfera pública quanto da esfera privada (Couto & Carrieri, 2017Couto, F. F., & Carrieri, A. P. (2017). Habermas, the conceptual debates about public- private-social spheres and the communicative action in organization theory. Revista de Administração, Contabilidade e Economia, 16(3), 827-844.; Teixeira et al., 2009Teixeira, A. F., Vinhas, F. D., Perret, N., & Junqueira, L. A. P. (2009). Teoria crítica e redes sociais na perspectiva da teoria da ação comunicativa e razão Substantiva. Administração Pública e Gestão Social, 1(3), 41-55.).

Embora existam algumas críticas em relação à Teoria da Ação Comunicativa, elas não negam sua importância para a Administração Pública, especialmente no que se refere a conselhos municipais e participação na gestão pública, algo que vem ganhando cada vez mais relevância no Brasil (Couto & Carrieri, 2017Couto, F. F., & Carrieri, A. P. (2017). Habermas, the conceptual debates about public- private-social spheres and the communicative action in organization theory. Revista de Administração, Contabilidade e Economia, 16(3), 827-844.; Martins, 2015Martins, S. (2015). O exercício da democracia em conselhos de políticas públicas (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.), por meio da criação de Conselhos Gestores de Políticas Públicas, por exemplo.

No entanto, os administradores públicos precisam considerar alguns desafios significativos que surgem quando se tenta colocar a ação comunicativa em prática, especialmente porque o sucesso da ação comunicativa exige um conhecimento profundo sobre o campo, regras e outros elementos que compõem o mundo da vida (Couto & Carrieri, 2017Couto, F. F., & Carrieri, A. P. (2017). Habermas, the conceptual debates about public- private-social spheres and the communicative action in organization theory. Revista de Administração, Contabilidade e Economia, 16(3), 827-844.). Além disso, os administradores públicos precisam estar familiarizados com algumas das críticas existentes às ideias de Habermas sobre a ação comunicativa, que podem oferecer profundas reflexões sobre a práxis dessa teoria.

Por fim, imersos na essência da Teoria da Ação Comunicativa, não foi nosso propósito alcançar um consenso absoluto e universal, mas a promoção de uma prática consensual e dialógica. Portanto, outros argumentos, por meio de estudos futuros sobre o assunto, são bem-vindos para intensificar nossa busca por consenso sobre a representatividade da Teoria da Ação Comunicativa.

AGRADECIMENTOS

Os autores são gratos pelo apoio da CAPES para o desenvolvimento deste artigo.

  • [Versão traduzida]

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2021
  • Aceito
    01 Set 2021
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