Resumo
A bacia do rio Madeira constitui um exemplo de porção importante da região amazônica que se caracteriza por alta taxa de conversão de floresta em pastagens e núcleos urbanos, evidenciando transformação acelerada na cobertura e uso do solo com atividade antrópica significativa ao longo das três últimas décadas, o que configura potencial impacto quanto à modificação do comportamento climático da região. O presente trabalho busca analisar, na bacia do rio Madeira, os impactos hidroclimáticos por meio do estudo da variabilidade dos dois principais componentes do balanço hídrico e do balanço de energia na escala de uma bacia hidrográfica, nomeadamente precipitação e evapotranspiração, com destaque adicional para a temperatura, que tem servido de referência mundial para precisar e demarcar mudanças no clima, perante a sua dinâmica espaço-temporal de ocupação antrópica. Mais especificamente, analisou-se, inicialmente, o histórico de ocupação usando imagens MODIS para o período 2001-2013. Complementarmente, examinaram-se os dados de precipitação do produto satelital CHIRPS (1981-2017), de evapotranspiração determinados por meio do algoritmo SSEBop (2002-2017) via sensor que produz a imagem MODIS e ainda de temperatura de superfície do produto de satélite MODIS (2001-2017), informações tratadas como variáveis geoespaciais distribuídas na área de estudo. Extenso estudo de avaliação no que tange à identificação de existência ou não de tendências hidroclimáticas lineares na bacia do rio Madeira foi conduzido por meio do teste Mann-Kendall. Embora algumas tendências tenham sido captadas nas séries temporais analisadas, os resultados obtidos também mostraram não haver, necessariamente, face à limitada base de dados disponíveis atualmente, uma relação direta e clara entre o efeito da ocupação antrópica e o regime climático da bacia, em contraste com o quadro científico preconizado mundialmente de alerta quanto a mudanças climáticas no Antropoceno. Em parte, a alta variabilidade climática na região de estudo impõe limites para que se consiga claramente apreender e separar os sinais que podem ser atribuídos à alteração na cobertura e uso do solo dos sinais associados a mudanças climáticas que atuam em escalas espaço-temporais mais abrangentes. Nesse sentido, novos estudos sobre monitoramento de fenômenos hidrometeorológicos e hidroclimáticos com correspondentes medições em diferentes escalas devem ser incentivados para melhor compreender os processos de agregação e desagregação dos mecanismos físicos atuantes na escala de uma bacia hidrográfica.
Palavras-chave:
Impactos antrópicos; Mudanças climáticas; Região amazônica
Abstract
The Madeira River basin is an example of an important portion of the Amazon region that is characterized by a high rate of conversion of forest into pastures and urban centers, evidencing an accelerated transformation in land cover and use with significant anthropic activity over the last three decades, which configures a potential impact in terms of modifying the climate behavior of the region. The present work seeks to analyze, in the Madeira River basin, the hydroclimatic impacts through the study of the variability of the two main components of the water balance and the energy balance at the scale of a watershed, namely precipitation and evapotranspiration, with additional emphasis on the temperature, which has served as a world reference to specify and demarcate changes in climate, given its space-time dynamics of anthropic occupation. More specifically, the occupancy history was initially analyzed using MODIS images for the period 2001-2013. In addition, precipitation data from the CHIRPS satellite product (1981-2017), evapotranspiration data determined by the SSEBop algorithm (2002-2017) via the sensor that produces the MODIS image and surface temperature of the MODIS satellite product (2001-2017) were examined, being such information treated as geospatial variables distributed in the study area. An extensive evaluation study regarding the identification of the presence or not of linear hydroclimatic trends in the Madeira River basin was carried out using the Mann-Kendall test. Although some trends were captured in the analyzed time series, the results obtained also showed that, given the limited database currently available, there is not necessarily a direct and clear relationship between the effect of human occupation and the climate regime of the basin, in contrast to the scientific framework recommended worldwide warning of climate change in the Anthropocene. In part, the high climate variability in the study region imposes limits with respect to clearly understand and separate the signals that can be attributed to the change in land cover and use from the signals associated with climate change that act on broader spatio-temporal scales. In this sense, new studies on monitoring hydrometeorological and hydroclimatic phenomena with corresponding measurements at different scales should be encouraged to better understand the processes of aggregation and disaggregation of the physical mechanisms acting at the scale of a watershed.
Keywords:
Anthropogenic impacts; Climate changes; Amazon region
1 INTRODUÇÃO
O ecossistema é extremamente ligado ao seu clima, existindo, assim, uma forte relação clima-vegetação (EAGLESON, 2002EAGLESON, P. S. Ecohydrology: A Darwinian Expression of Vegetation Form and Function. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.). Na região amazônica, o regime de chuva, por exemplo, foi apontado em estudos paleoclimatológicos como o principal determinante para evolução das plantas, observando-se que a redução dessa variável torna a região mais propensa à savanização (WANG et al., 2017WANG, X. et al. Hydroclimate changes across the Amazon lowlands over the past 45,000 years. Nature, Londres, v. 541, n. 7636, p. 204-207, 2017.).
Em contrapartida, a própria vegetação modifica o hidroclima amazônico, dada a superfície florestada, a qual ocasiona uma convecção profunda, que lança grandes quantidades de ar na atmosfera, promovendo a formação de nuvens e potencialmente originando a precipitação (SALATI et al., 1983SALATI, E. et al. Precipitation and water recycling in tropical rain forests with special reference to the amazon basim. Environmentalist, v. 3, n. 1, p. 67-72, 1983.; SPRACKLEN et al., 2018SPRACKLEN, D. V. et al. The Effects of Tropical Vegetation on Rainfall. Annual Review of Environment and Resources, Palo Alto, v. 43, n. 1, p. 193-218, 2018.; CAVALCANTE et al., 2019CAVALCANTE, R. B. L. et al. Opposite effects of climate and land use changes on the annual water balance in the Amazon arc of deforestation. Water Resources Research, Washington, v. 55, n. 4, p. 1-18, 2019.; MOLINA et al., 2019MOLINA, R. D. et al. Forest‐induced exponential growth of precipitation along climatological wind streamlines over the Amazon. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, Washington, v. 124, n. 5, p. 2589-2599, 2019.).
Dois grandes processos sinalizam as mudanças no microclima da região. O primeiro é referente à intensificação do efeito estufa produzido pela alta na concentração de gases na atmosfera desde a revolução industrial, que, consequentemente, gerou o aquecimento global. O segundo surge dos impactos promovidos pelas mudanças do uso e cobertura da terra na região, em que o desmatamento de grandes regiões deixou o solo exposto ou converteu a floresta em pastos e núcleos urbanos (PIELKE, 2005PIELKE, R. A. Land use and climate change.Science, v. 310, n. 5754, p. 1625-1626, 2005. ; ZEMP et al., 2017ZEMP, D. C. et al. Self-amplified Amazon forest loss due to vegetation-atmosphere feedbacks. Nature communications, Londres, v. 8, n. 1, p. 1-10, 2017.; LE PAGE, 2017LE PAGE, Y. et al. Synergy between land use and climate change increases future fire risk in Amazon forests. Earth System Dynamics, Göttingen, v. 8, n. 4, p. 1237-1246, 2017.; SCHIELEIN; BÖRNER, 2018SCHIELEIN, J.; BÖRNER, J. Recent transformations of land-use and land-cover dynamics across different deforestation frontiers in the Brazilian Amazon. Land use policy, v. 76, p. 81-94, 2018.).
O desmatamento e as mudanças climáticas podem prejudicar severamente o funcionamento da Amazônia como ecossistema florestal, resultando na perda da biodiversidade, redução da capacidade de reter carbono, enfraquecimento do ciclo hidrológico regional, aumento da temperatura do solo e, eventualmente, conduzindo a Amazônia a um processo gradual de savanização (MARENGO; BETTS, 2011MARENGO, J. A.; BETTS, R. Riscos das mudanças climáticas no Brasil.Análise conjunta Brasil-Reino Unido sobre os impactos das mudanças climáticas e do desmatamento na Amazônia. São Paulo: CCST-INPE; 2011.).
A análise espacial de tendências torna-se, assim, uma ferramenta essencial para a gestão de impactos da região, pois permite detectar alterações de comportamento nas tendências de ocorrências de secas severas ou chuvas intensas e indicar as áreas em que uma determinada variável está se intensificando ou reduzindo ao longo do tempo. Vários autores vêm investigando a região com tais técnicas, como, por exemplo, nos estudos de Barichivich et al. (2018BARICHIVICH, J. et al. Recent intensification of Amazon flooding extremes driven by strengthened Walker circulation. Science Advances, v. 4, n. 9, p. eaat8785, 2018.), para os extremos de inundação na Amazônia, de Gloor et al. (2013GLOOR, M. et al. Intensification of the Amazon hydrological cycle over the last two decades: AMAZON HYDROLOGIC CYCLE INTENSIFICATION. Geophysical Research Letters, v. 40, n. 9, p. 1729-1733, 2013.), para a intensificação do ciclo hidrológico amazônico, e de Wang et al. (2015)WANG, X.-Y. et al. The strengthening of Amazonian precipitation during the wet season driven by tropical sea surface temperature forcing. Environmental Research Letters, v. 13, n. 9, p. 094015, 2018., na análise do aumento da precipitação na Amazônia durante a estação chuvosa.
Todavia, a aplicação dessa técnica exige preferencialmente séries históricas temporalmente extensas e espacialmente abrangentes das variáveis a serem analisadas. Por outro lado, registra-se que a região é pouco monitorada em sua extensão geográfica. A precipitação, por exemplo, é medida em superfície por apenas 613 pluviômetros na parcela brasileira da bacia amazônica. Adicionalmente, quando há disponibilidade de dados, sem lacunas significativas, a extensão das séries atinge, em média, cerca de 30 anos.
O uso de bases de informação com origem em sensoriamento remoto orbital é uma possível solução para o cenário amazônico de monitoramento escasso ou inexistente. Tal metodologia de captura possibilita recolher observações em qualquer parte da Terra e em pequenos intervalos de tempo, contribuindo para melhor compreensão do comportamento das variáveis climáticas em regiões que não possuem rede de observações satisfatórias. Em especial, na Amazônia, a dinâmica de atuação de variáveis ambientais vem sendo amplamente estudada a partir do sensoriamento remoto, como ilustram, por exemplo, os trabalhos de Getirana et al. (2011GETIRANA, A. C. V. et al. Assessment of different precipitation datasets and their impacts on the water balance of the Negro River basin. Journal of Hydrology , Amsterdam, v. 404, n. 3-4, p. 304-322, 2011.), Varikoden et al. (2012VARIKODEN, H. et al. Diurnal and spatial variation of Indian summer monsoon rainfall using tropical rainfall measuring mission rain rate. Journal of Hydrology , Amsterdam, v. 475, p. 248-258, 2012.) e Luiz Silva (2019)LUIZ SILVA, W. et al. Climatological and hydrological patterns and verified trends in precipitation and streamflow in the basins of Brazilian hydroelectric plant. Theoretical and Applied Climatology, v. 137, n. 1, p. 351-373, 2019..
Por outro lado, são identificadas lacunas quanto à análise das possíveis modificações no clima da região amazônica geradas por mudanças antrópicas do desmatamento. Dessa maneira, o presente estudo propõe-se a contribuir na investigação sobre a potencial existência de tendências de crescimento ou de decréscimo no tocante à oscilação das variáveis hidrometeorológicas com impactos climáticos no longo curso, notadamente da precipitação, da evapotranspiração e da temperatura de superfície, todas elas obtidas a partir de produtos de sensoriamento remoto. A abordagem metodológica emprega o procedimento delineado pelo teste Mann-Kendall na bacia do rio Madeira, que é uma das principais bacias amazônicas. Adicionalmente, verifica-se, mediante a aplicação da técnica para quantificar a entropia da informação coletada, como o grau de incerteza das próprias séries históricas analisadas, sobretudo chuva e evapotranspiração, podem influir em análises de mudanças climáticas para a região de estudo.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Área de estudo
A bacia do rio Madeira (Figura 1) apresenta limites internacionais, sendo assim uma bacia transfronteiriça, que se estende pela Bolívia (51%), Brasil (42%) e Peru (7%), perfazendo área total de drenagem de 1.324.727 km2. Representa a maior sub-bacia Amazônica (23%), localizada na margem direita do rio Amazonas.
De acordo com a classificação de Köppen, o clima na bacia apresenta três (3) zonas (PEEL et al., 2007PEEL, M. C. et al. Updated world map of the Köppen-Geiger climate classification. Hydrology and Earth System Sciences, Göttingen, v. 11, n. 5, p. 1633-1644, 2007.): Af - tropical úmido a superúmido; Am - tropical chuvoso, com chuvas do tipo monção, com uma estação seca de pequena duração; e Aw - tropical quente com estação seca de inverno.
2.2 Informações sobre a dinâmica de ocupação da superfície terrestre
A análise comparativa efetuada para identificação da presença de tendências climáticas na bacia baseou-se em informações cartográficas sobre a evolução da vegetação natural na bacia entre os anos de 2000 e 2015. Tais informações foram obtidas do produto MOD12 do sensor Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (MODIS), que possui a resolução espacial do pixel de 1 km, como aplicação em vários estudos de quantificação da supressão de vegetação, como exemplifica o trabalho de Wang et al. (2019WANG, Z. et al. Permafrost response to vegetation greenness variation in the Arctic tundra through positive feedback in surface air temperature and snow cover. Environmental Research Letters , Bristol, v. 14, n. 4, p. 044024, 2019.).
O sensor é um dos instrumentos a bordo do satélite Terra e do satélite Aqua lançados pela National Aerospace and Space Administration (NASA). Esses satélites fazem parte de um programa de coleta de dados sobre a Terra, denominado Earth Observing System (EOS), e ambos têm como objetivo o monitoramento das mudanças ocorridas em todo o planeta, além de permitirem o monitoramento global e contínuo da superfície terrestre duas vezes ao dia.
2.3 Base de dados climáticos
Os dados de precipitação, em nível de lâmina acumulada mensal, utilizados na aplicação desta metodologia foram obtidos do produto CHIRPS, com resolução de 0,05º, disponibilizado pelo Climate Hazards Group (CHG, http://chg.geog.ucsb.edu/data/chirps/). Foram validados para uso na região amazônica pelo trabalho de Souza et al. (2021SOUZA, V. A. S. et al. Spatio-temporal analysis of remotely sensed rainfall datasets retrieved for the transboundary basin of the Madeira River in Amazonia. Atmósfera, Cidade do México, v. 35, n.1, p. 39-66, 2021.), que, ao empregar técnicas de ondeletas e comparar com outros produtos de chuva por satélite para toda a região da bacia do rio Madeira, qualificou a base de dados do CHIRPS como o de maior eficiência para representar ciclos e tendências na região.
O CHIRPS utiliza informações do Tropical Rainfall Measuring Mission Multi-satellite Precipitation Analysis version 7 (TMPA 3B42 v7) para calibrar estimativas de precipitação obtidas por uma técnica denominada Cold Cloud Duration (CCD) combinada aos dados de superfície, na escala diária (DINKU, 2018DINKU, T. et at. Validation of the CHIRPS satellite rainfall estimates over eastern Africa.Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, Chichester, v. 144, p. 292-312, 2018.). Além disso, o CHIRPS incorpora, em sua formulação, uma abordagem inteligente de interpolação de dados com informações de estações pluviométricas locais de superfície para criar séries temporais.
Os dados mensais acumulados de evapotranspiração foram obtidos pelo algoritmo Operational Simplified Surface Energy Balance (SSEBop), desenvolvido por Senay et al. (2013SENAY, G. B. et al. Operational evapotranspiration mapping using remote sensing and weather datasets: a new parameterization for the SSEB approach. Journal of the American Water Resources Association, Malden, v. 49, n. 3, p. 577-591, 2013.), e testado pelo mesmo estudo para quase todo o globo terrestre por meio de comparações com informações medidas de evapotranspiração real. Essa base de informações geoespaciais estende-se do ano 2002 até os dias atuais e utiliza dados multiespectrais obtidos via sensoriamento remoto, associados a dados meteorológicos complementares, para estimar a fração de evapotranspiração (ETf) da superfície, conforme Equação (1):
onde: ETa - evapotranspiração real; ET f - fração de evapotranspiração da superfície; k - fator de escala; e ETo - evapotranspiração de referência.
A fração de evapotranspiração é, posteriormente, estimada nas dimensões do pixel pela Equação (2):
onde: Ts - temperatura da superfície do pixel obtida em imagem de satélite; Th - temperatura da superfície estimada da condição de contorno seca/quente para o mesmo pixel; Tc - temperatura da superfície da condição de contorno fria/molhado para o pixel; e dT - diferença de temperatura das condições de contorno Tc e Th de cada pixel.
Os valores de ETf negativos são convertidos a zero, enquanto o valor máximo de ETf é limitado a 1,05. Pixels com presença de nuvens são desconsiderados.
O valor de Tc é calculado a partir da temperatura do ar, conforme as Equações (3) e (4):
onde: Tmax - temperatura máxima do ar no período analisado; c - fator de correção que relaciona Ta e Ts em uma superfície bem vegetada e com boa disponibilidade hídrica; e Ts|NDVI ≥ 0,8 - temperatura da superfície em locais onde o índice de vegetação por diferença normalizada (NDVI) é maior ou igual a 0,8.
As informações referentes à temperatura de superfície da bacia foram obtidas junto à NASA provenientes do sensor Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (MODIS), em seu produto MOD11A2 (Land Surface Temperature - LST), coleção 5, com resolução espacial de 1 km. O produto utilizado é uma composição de oito dias, realizada a partir de dados diários. Dessa maneira, as informações obtidas passaram pela transformação em médias mensais e amplitudes mensais.
No presente estudo, a série histórica da temperatura de superfície considerada começou no ano de 2001 e foi até 2017. Imagens de períodos anteriores a esses anos foram descartadas pela alta presença de nuvens. Para a conversão dos dados presentes nas imagens em informações de temperatura de superfície, utilizou-se o algoritmo LST desenvolvido por Wan e Li (1997WAN, Z.; LI, Z. L. A physics-based algorithm for retrieving land-surface emissivity and temperature from EOS/MODIS data. IEEE Transactions on Geoscience and Remote Sensing, Piscataway, v. 35, n. 4, p. 980-996, 1997.).
2.4 Análises de Tendências
As alterações estatisticamente significativas nas tendências temporais nas séries históricas de chuva, evapotranspiração e temperatura na bacia foram determinadas utilizando-se o teste de Mann-Kendall (MANN, 1945MANN, H B. Nonparametric tests against trend. Econometrica: Journal of the econometric society, Malden, v. 13, n. 3, p. 245-259, 1945.; KENDALL, 1975KENDALL, M. G. Rank Correlation Methods. London: Charles Griffin, 1975.) no nível mensal. Esse é um método robusto, sequencial e não paramétrico, não requerendo, assim, a distribuição normal dos dados. Tal método é pouco influenciado por mudanças abruptas ou séries não homogêneas, mas exige que os dados sejam independentes e aleatórios.
Na aplicação do teste de Mann-Kendall, foi adotado o nível de significância (α) de 0,05. Nesse teste, a hipótese nula H0 assumida foi de que não há tendência (os dados são independentes e ordenados aleatoriamente). Essa hipótese nula é testada contra a hipótese alternativa H1, que assume que há uma tendência.
O procedimento para o teste de Mann Kendall considera a variável estatística S (Equação 5) do teste de Mann-Kendall, que foi calculada para uma série de n dados a partir da soma dos sinais (sn) (Equação 6) relacionados à diferença, par a par, de todos os valores da série (xi) em relação aos valores que estão depois deles (xj), conforme exposto nas Equações (5) e (6):
onde: xj e xi são os valores anuais nos anos j e i, respectivamente, com j > i.
Se n ≥ 10, a variável S tende ao comportamento de uma distribuição normal; assim, sua variância, Var (S), pode ser obtida através da Equação (7) como:
onde: ti representa o número de repetições de uma extensão i.
Posteriormente, para o teste, foi determinado o índice ZMK, Equação (8), onde, seguindo uma distribuição normal de média igual a zero, caso apresente valores positivos, denotará tendência crescente, enquanto valores negativos indicarão tendências decrescentes.
Assim, dado o nível de significância alfa escolhido de 0,05, por se tratar de um teste bicaudal, para rejeitar H0 e indicar uma tendência, é necessário que o valor absoluto de ZMK seja maior que 1,96.
Complementarmente, foi calculado o teste estatístico 𝜏 (tau), Equação (9). A estatística 𝜏 varia de -1 a +1. Quando 𝜏 é igual a zero, aceita-se a hipótese nula a respeito da estabilidade da série temporal. Caso contrário, os valores positivos indicam uma tendência de aumento, enquanto os valores negativos indicam uma tendência de diminuição. O teste estatístico 𝜏 (tau) é calculado pela Equação (9):
Sendo D, conforme a Equação (10):
Posteriormente, as séries de tendências criadas para cada variável, chuva, evapotranspiração e temperatura, foram relacionadas no estilo de dispersão entre elas, relação mensurada pelo coeficiente de correlação, Equação (11), permitindo construir assim, uma matriz de correlação.
onde: x1 - valor da variável 1; xM - valor da variável 2; x1- média da variável 1; x2 - média da variável 2; e n - número total de eventos por pixels comparados.
Em seguida, os valores obtidos foram classificados nos seguintes intervalos: -1 a -0,7 - Forte inversamente proporcional; -0,7 a -0,5 - Moderada inversamente proporcional; -0,5 a -0,3 - Fraca inversamente proporcional; -0,3 a 0,3 - Nula; 0,3 a 0,5 - Fraca diretamente proporcional; 0,5 a 0,7 - Moderada diretamente proporcional; e 0,7 a 1 - Forte diretamente proporcional.
2.5 Análises de Variabilidade
Os dados de precipitação e de evapotranspiração tiveram sua variabilidade aferida por meio da determinação da entropia da informação contida nessas séries.
A variabilidade de uma série histórica de dados pode ser relacionada ao seu grau de entropia. Tal conceito foi introduzido por Shannon (1948SHANNON, C. E. A mathematical theory of communication. The Bell System Technical Journal, v. 27, n. 3, p. 379-423, 1948.), que definiu a entropia H, Equação (12), como a mensuração da incerteza de uma variável. Complementarmente, o autor afirmou que a incerteza de sua distribuição de probabilidade é o valor esperado negativo do logaritmo da função densidade de probabilidade da variável Pi.
A grandeza dessa propriedade é determinada pela base do logaritmo. No presente estudo, adotou-se a base 2; assim, a unidade de medida é em bit.
3 RESULTADOS
O histórico do desmatamento na bacia do rio Madeira, conforme mostrado na Figura 2 e na Tabela 1, revela que aproximadamente 12,4% da bacia teve sua vegetação suprimida, sendo a maior porção no Brasil, na área central da bacia, onde se localiza o rio Machado. A maior parte do desmatamento ocorreu antes do ano 2000, e os maiores avanços foram vistos entre 2005 a 2010, enquanto, no período de 2000 a 2005, observa-se a menor proporção de área desmatada até o período de 2015.
A precipitação possui relação inversa com a temperatura em alguns períodos, notando-se que suas maiores magnitudes são observadas nos meses de novembro a abril, período onde estão as maiores reduções de temperatura (Figura 3a). A evapotranspiração, no entanto, possui um valor aproximadamente constante com leves reduções nos meses de menor incidência de chuva, devido à capacidade da floresta em retirar água do solo e disponibilizar para o ambiente.
Variabilidade das séries temporais de temperatura, evapotranspiração e precipitação para a bacia do rio Madeira: a) médias mensais anuais; b) médias mensais de temperatura (2001-2017); evapotranspiração (2002-2017); precipitação (1981-2017)
Em relação à série histórica anual (Figura 3b), a evapotranspiração manteve-se praticamente constante, apenas o ano de 2010 se mostra um pouco abaixo da média da série analisada. O ano de 2014 foi aquele com maior índice pluviométrico, seguido pelos anos de 1982 e 1984. A maior temperatura foi observada em 2010, ano em que a precipitação e a evapotranspiração mostraram-se inferiores ao restante da série.
Nas imagens da Figura 4, as intensidades mais próximas do azul indicam uma alta tendência positiva, ou seja, crescimento do fenômeno no período observado; por outro lado, o tom avermelhado denota que se observou uma redução na magnitude.
Análise de tendência para a bacia do rio Madeira: a) evapotranspiração no período 2002-2017; b) precipitação no período de 1981-2017; c) amplitude da temperatura no período 2001-2017; d) temperatura média no período 2001-2017
A precipitação na bacia teve sua tendência (Figura 4b) variando no intervalo de 0,4 a -0,4 entre o período de 1981 a 2017. Estratificando essas análises por mês, verificou-se que os meses de maior intensidade de chuva na região (novembro, dezembro e janeiro), juntamente com os meses de transição da estação chuvosa para seca (março e abril), foram os que tiveram os maiores impactos de redução.
A relação do desmatamento com a redução pluviométrica não é nítida, pois há forte tendência negativa no alto Guaporé e na Bolívia, onde não há um grande índice de desmatamento. Além disso, a região onde essas mudanças pluviométricas são mais aparentes possui um controle de grande escala na época chuvosa devido à monção da América do Sul. Dessa forma, os efeitos do desmatamento sobre a região podem ser mascarados, mostrando, assim, efeitos globais de redução pluviométrica. Na região de desmatamento, inserida na bacia do rio Machado, estado de Rondônia, observa-se o aumento de precipitação na parte norte do desmatamento e diminuição na parte sul.
A temperatura, dentre as variáveis analisadas, foi a que menos apresentou tendências significativas, contudo, na área desmatada na zona central da bacia, ao longo dos meses de julho e agosto, meses mais quentes, revelou ter os maiores aumentos na série histórica. Esse fato pode estar associado à mudança da cobertura da terra de floresta para zonas com solos mais expostos, quadro que altera as características aerodinâmicas e radiativas da superfície e modifica o padrão de trocas de energia e massa na interface superfície-atmosfera. Quanto maior a biomassa e o vigor da vegetação, menor o albedo e a temperatura da superfície, cabendo notar que simultaneamente maior é o efeito hidrotérmico regulador da superfície; em contrapartida, em áreas com baixa biomassa, o saldo de radiação é convertido prioritariamente em calor sensível, responsável pelo aquecimento do ar e aumento da temperatura.
Em relação à evapotranspiração, verificou-se que o intervalo de tendência variou de -0,8 a 0,8 entre os anos de 2002 a 2017. O comportamento da evapotranspiração possui uma divisão de dois períodos de acréscimos (junho a outubro) e reduções (novembro a maio). Uma possível causa é a intensificação do ciclo natural de aumentos e reduções da evapotranspiração na região, gerados pelo aquecimento relativo da superfície de terra desmatada e do ar imediatamente acima, que tendem a reduzir a evapotranspiração e o fluxo de calor latente, uma vez que uma maior fração de energia radiativa está disponível para aquecer a superfície terrestre e o ar acima. Além disso, a redução no comprimento de rugosidade diminui a eficiência dos processos de troca turbulenta, contribuindo para um aumento de calor na superfície e na camada próxima a ela, que podem gerar mudanças nas estações por prolongar os meses de seca.
Dentre os cenários de tendências das variáveis climáticas analisadas, destaca-se que aquelas que mais se correlacionam de forma significativa, como ilustrado na Figura 5, com exceção da temperatura e média e amplitude da temperatura, que já era logicamente esperado, foram a precipitação e a evapotranspiração. Nesse sentido, observa-se que o microclima na região se relaciona inclusive em termos de suas correspondentes tendências de variação.
Na região desmatada da bacia do Alto Machado, verifica-se uma forte correlação, inversamente proporcional, entre as tendências de chuva e de evapotranspiração na região, com taxas de conversão da cobertura natural. Isso pode ser gerado pelo aumento da temperatura nessa região, pois a tendência de correlação entre a temperatura média e a evapotranspiração é diretamente proporcional, com uma intensidade forte.
A variação das séries históricas dos dados de precipitação e evapotranspiração para a bacia (Figura 6) foi aferida relacionando essa oscilação com a entropia da série em magnitude de bit. Mais especificamente, um valor 2 indica que a série não varia, enquanto valores maiores que esses mostram que os dados tendem a ter maior variabilidade.
A precipitação e a evapotranspiração possuem um alto grau de entropia na maior parte da bacia, indicando, portanto, que, na região, há uma grande variação climática, porém esse grau de perturbação é reduzido na região de geleiras para ambas as variáveis. Tais resultados reforçam que o desmatamento pode não alterar as informações climáticas, pois as regiões não desflorestadas possuem uma elevada incerteza da informação no que concerne à área estudada. Diante dessa constatação, medições de tendência podem ser comprometidas pela própria variabilidade da fonte de dados.
Contudo, em parte das áreas em que houve desmatamento, verifica-se uma acentuada redução da variabilidade de dados na série histórica da evapotranspiração, diretamente proporcional ao período em que essa perda de vegetação ocorreu. Como o ganho de uma informação resulta no decréscimo da entropia, observa-se que, nessas áreas desmatadas, os eventos de evapotranspiração são mais suscetíveis a serem estimados com maior grau de confiabilidade.
Além disso, é importante destacar que a dificuldade de isolar o efeito do desmatamento no clima da região pode ser devido a variabilidade de mais baixa frequência para os períodos históricos analisados, visto que a precipitação analisada foi de 1981 a 2017 e a evapotranspiração foi de 2001 a 2017.
4 DISCUSSÃO
Os efeitos hidrológicos oriundos das mudanças quanto à cobertura da terra na área analisada apresentaram dificuldades de apresentar relações lineares de causa e efeito, evidenciando, assim, comportamentos típicos em análises de bacias de grande escala que possuem uma variedade de classes de uso da terra e vegetação em vários estágios de proteção e regeneração (PANDAY et al., 2015PANDAY, P. K. et al. Deforestation offsets water balance changes due to climate variability in the Xingu River in eastern Amazonia. Journal of Hydrology , Amsterdam, v. 523, p. 822-829, 2015. ; RODRIGUEZ et al., 2010RODRIGUEZ, D. A. et al. Is the forest conversion to pasture affecting the hydrological response of Amazonian catchments? Signals in the Ji‐Paraná Basin. Hydrological Processes, Chichester, v. 24, n. 10, p. 1254-1269, 2010. ).
Nesse sentido, a conversão de floresta na área de estudo não pode ser usada como fator único na estimativa de mudanças climáticas em toda a extensão da bacia, visto que a complexidade dessa relação não é puramente térmica, pois o acionamento térmico das circulações de mesoescala é dependente da escala e pode enfraquecer na medida em que os fragmentos desmatados aumentam além do tamanho de aproximadamente 20 km, padrões de tamanho que são bem presentes na área do rio Madeira (PATTON et al., 2005; KHANNA et al., 2017KHANNA, J. et al. Regional dry-season climate changes due to three decades of Amazonian deforestation. Nature Climate Change , v. 7, n. 3, p. 200-204, 2017.).
Nessa trilha, Chambers e Artaxo (2017CHAMBERS, J. Q.; ARTAXO, P. Deforestation size influences rainfall. Nature Climate Change, v. 7, n. 3, p. 175-176, 2017.) teorizam que os fragmentos de desmatamento em pequena escala (aproximadamente 1 km de tamanho), distribuídos ao longo da bacia, podem não ser grandes o suficiente para perturbar significativamente os ciclos climáticos. Os autores pressupõem que as interferências sejam geradas pelas heterogeneidades da cobertura da terra, com porções que aquecem de forma diferente no tocante à superfície, iniciando circulações térmicas ou convectivas superficiais que aumentam a nebulosidade local e, em alguns casos, alteram a precipitação.
Diante desse contexto de publicações científicas previamente revisadas, deve-se ressaltar que o presente estudo de prospecção de tendências na bacia do rio Madeira pode, de forma inédita, ter comprovado os efeitos observados pelo estudo de Spracklen e Garcia-Carreras (2017)SPRACKLEN, D. V.; GARCIA-CARRERAS, L. The impact of Amazonian deforestation on Amazon basin rainfall. Geophysical Research Letters , Washington, v. 42, n. 21, p. 9546-9552, 2015. na região amazônica. Segundo a argumentação trazida por esses autores, a possível falta de correlação entre o desmatamento e a chuva pode residir no fato da redução da precipitação média anual em toda a bacia amazônica ser menor que a variabilidade interanual da precipitação observada.
Na parte do estado de Rondônia, em especial, o estudo de Khanna et al. (2017KHANNA, J. et al. Regional dry-season climate changes due to three decades of Amazonian deforestation. Nature Climate Change , v. 7, n. 3, p. 200-204, 2017.) mostrou um dipolo que se intensificou e o associou com o desmatamento na região. O trabalho de Santos e Buchman (2010SANTOS, I. A.; BUCHMAN, J. Uma Revisão Qualitativa Enfatizando Aspectos Climáticos da Amazônia e da Região Nordeste do Brasil. Anuário do Instituto de Geociências, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 9-23, 2010.) também aborda um notável decréscimo nos valores médios decadais da precipitação ao analisarem os impactos da ação antrópica na região central de Rondônia, utilizando, para isso, uma série histórica de chuvas nos períodos de 1951 a 2008.
Complementarmente à discussão sobre os importantes trabalhos anteriores na região, os resultados singulares obtidos por este trabalho mostraram padrões de mudanças que se estendem além da zona desmatada, como é o caso de tendência negativa forte em zonas totalmente florestadas nas cabeceiras dos rios Guaporé e Mamoré na Bolívia. Assim, observa-se que a possível associação feita nos estudos de Khanna et al. (2017KHANNA, J. et al. Regional dry-season climate changes due to three decades of Amazonian deforestation. Nature Climate Change , v. 7, n. 3, p. 200-204, 2017.) e Santos e Buchman (2010SANTOS, I. A.; BUCHMAN, J. Uma Revisão Qualitativa Enfatizando Aspectos Climáticos da Amazônia e da Região Nordeste do Brasil. Anuário do Instituto de Geociências, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 9-23, 2010.) de redução de precipitação com desmatamento na Amazônia acaba por ser limitada, com viés até certo ponto impróprio na interpretação, quando se analisa o mesmo problema em uma escala de área de maior amplitude, visto que os efeitos aqui criticados quanto aos impactos do desmatamento têm um comportamento mais global e não tão regular ou facilmente mensurado, como inicialmente poder-se-ia esperar, face ao regime de alta variabilidade climática atuante na região de estudo.
Um recorte maior da área de estudo realizado por Villar et al. (2009VILLAR, E. J. C. et al. Spatio-temporal rainfall variability in the Amazon basin countries (Brazil, Peru, Bolivia, Colombia, and Ecuador). International Journal of Climatology, v. 29, n. 11, p. 1574-1594, 2009.) encontrou semelhanças nas tendências de precipitação no mês de agosto, que apresentou um gradiente noroeste-sudeste (NW-SE), com aumento na direção NW e diminuição na direção SE. Segundo os referidos autores, os padrões de mudança nas chuvas estão associados com a Oscilação Decadal do Pacífico e ENSO.
Cabe registrar que, no presente estudo, a tendência positiva no período mais chuvoso (janeiro a abril) e negativa no período mais seco (junho a setembro) na região de foz da bacia pode indicar acentuação dos eventos extremos. Complementarmente, as maiores intensidades de tendências observadas na evapotranspiração em relação à precipitação deveram-se ao fato de a quantidade de anos analisados ser menor e coincidir com o período em que se presenciou as maiores mudanças no solo e, consequentemente, as maiores reduções de florestas.
Os meses mais secos foram os que se caracterizaram por aumentos da evapotranspiração, enquanto, nos meses mais chuvosos, intensificou-se a redução da variação climática. Dessa forma, para o período de análise, há uma relação inversa entre chuva e evapotranspiração. O comportamento até certo ponto contraditório pode indicar um certo grau de incerteza ou descontrole na reciclagem de precipitação, devido a interferências na transpiração. Nesse sentido, os efeitos poderiam ser percebidos em outras áreas devido à variação do vento (CHAMBERS; ARTAXO, 2017CHAMBERS, J. Q.; ARTAXO, P. Deforestation size influences rainfall. Nature Climate Change, v. 7, n. 3, p. 175-176, 2017.).
A temperatura média mostrou uma tendência significativa de aumento na região de foz da bacia do rio Madeira nos meses mais secos, todavia a temperatura, em termos de amplitude, mostrou uma certa redução nas regiões mais antropizadas, o que possivelmente pode ser atribuído à falta de regulação térmica que seria sustentada pela vegetação.
O estudo de Salati et al. (2007SALATI, E. et al. Tendências das variações climáticas para o Brasil no século XX e balanços hídricos para cenários climáticos para o século XXI. Relatório 3. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2007.) encontrou tendências positivas na temperatura média e na precipitação para região norte do Brasil, divergindo, assim, em parte, dos resultados observados no presente estudo. No entanto, é oportuno comentar que esse fato pode ser devido aos autores terem utilizado projeções derivadas dos modelos regionais, que, como é conhecido, apresentam um viés associado às simulações do modelo climático global do Hadley Centre. Essas simulações são utilizadas como condição de contorno para as integrações com os modelos regionais, projetando, assim, climas mais secos e quentes para a Amazônia em comparação com outros modelos climáticos.
De uma forma geral, observou-se que, embora existam algumas faixas geográficas em que as variáveis climáticas tenham uma relação com o desmatamento determinada pelo coeficiente de correlação linear, o processo de reconhecimento de padrões é mais complexo, podendo assumir variações não lineares no tempo e no espaço, o que torna a inferência do impacto do desmatamento não observável diretamente por essas relações (SPRACKLEN; GARCIA-CARRERAS, 2017SPRACKLEN, D. V.; GARCIA-CARRERAS, L. The impact of Amazonian deforestation on Amazon basin rainfall. Geophysical Research Letters , Washington, v. 42, n. 21, p. 9546-9552, 2015.).
Como comentário final desta seção, cabe ressaltar a grande dificuldade em separar as mudanças induzidas pelo homem e pelo próprio clima da região, pois a própria alta variabilidade climática pode obscurecer quaisquer mudanças subjacentes para dados coletados na região, quer seja devido a mudanças climáticas, quer seja em função de mudanças no uso da terra (KUNDZEWICZ; ROBSON, 2004; CAVALCANTE et al., 2019CAVALCANTE, R. B. L. et al. Opposite effects of climate and land use changes on the annual water balance in the Amazon arc of deforestation. Water Resources Research, Washington, v. 55, n. 4, p. 1-18, 2019.). Por outro lado, observa-se que o uso de modelos no longo prazo indica maiores variabilidades climáticas frente à ocupação antrópica (SALATI et al., 2007SALATI, E. et al. Tendências das variações climáticas para o Brasil no século XX e balanços hídricos para cenários climáticos para o século XXI. Relatório 3. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2007.), tópico a ser discutido em oportunos e futuros trabalhos.
5 CONCLUSÃO
O estudo buscou estabelecer uma estrutura de análise para apreender as relações do desmatamento com variáveis hidrometeorológicas e hidroclimáticas, que têm sido empregadas para melhor entender a operação do ciclo hidrológico na escala da bacia hidrográfica. Em especial, escolheu-se, como estudo de caso, a bacia do rio Madeira, na região Amazônica. A Amazônia tem sido reconhecida internacionalmente como um laboratório de observação hidroclimático do planeta Terra. Nesse cenário, pode-se considerar a Amazônia como um laboratório de sensoriamento remoto na escala real para investigar os componentes do ciclo hidrológico. Diante dessas diretrizes estabelecidas, investigou-se o comportamento da precipitação, da evapotranspiração e da temperatura de superfície face a mudanças na cobertura e uso da terra.
Uma contribuição seminal deste trabalho foi mostrar que não se pode atribuir uma relação direta de causa e efeito entre desmatamento e tendências de diminuição ou aumento de chuva, evapotranspiração e temperatura, embora se possam identificar alguns padrões de comportamento dessas variáveis. Mais do que isso, situa os pontos convergentes e divergentes de trabalhos anteriores na região, mostrando, na seção de discussão, as limitações e o alcance de cada um deles, face aos resultados obtidos no presente trabalho de investigação.
Feitos os registros devidos de contribuição e inovação do presente artigo, elaboram-se os comentários conclusivos de síntese de resultados encontrados em função da metodologia proposta na pesquisa. Verificaram-se tendências de redução da magnitude da chuva no período chuvoso, enquanto a evapotranspiração também tendeu a reduzir nesse período e a se intensificar nos períodos mais quentes e secos. As tendências de precipitação melhor se correlacionaram com a evapotranspiração de forma negativa, notando-se, assim, um possível desequilíbrio no balanço hídrico da região, visto que períodos menos chuvosos estão mais sujeitos ao aumento da evapotranspiração.
Nos meses com maior temperatura, notou-se que há propensão ao aumento da magnitude nas regiões próximas de onde houve desmatamento. As relações entre as tendências climáticas e o desmatamento não se mostraram evidentes em toda a área da bacia. Dessa forma, o recorte espacial, em que se faz a análise dessa relação, pode apresentar um falso positivo e mascarar padrões globais. A variabilidade do clima na região faz-se presente de forma significativa e dificulta segmentar as interferências da ação antrópica no clima, como foi indicado na variação de entropia.
Por fim, espera-se que o presente trabalho estimule investigações adicionais quanto ao processo de integrar diferentes escalas espaço-temporais na produção dos estudos de variabilidade climática e efeitos associados em termos de recursos hídricos e ambientais, buscando incentivar crescente uso de dados de satélite, tendo em vista que é inviável produzir análises abrangentes espaço-temporalmente com base somente em dados de superfície.
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Agradecimentos
Inicialmente, os autores agradecem pela bolsa de estudos concedida ao primeiro autor fornecida pelo CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Os agradecimentos são estendidos à FAPERJ, por meio do projeto FAPERJ - Pensa Rio - Edital 34/2014 (2014-2024) - E-26/010.002980/2014, ao suporte oferecido pelo CNPq por meio do projeto Edital no 06/2019 - Processo 303846/2019-4 e do projeto Edital Universal no 28/2018 - Processo 435714/2018-0, bem como pelo apoio da CAPES - Código de Financiamento 001.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Fev 2023 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2022
Histórico
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Recebido
12 Abr 2021 -
Aceito
31 Out 2022 -
Publicado
23 Nov 2022