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A implementação do consenso: Itamaraty, Ministério da Fazenda e a liberalização brasileira

The implementation of the consensus: Itamaraty, the Ministry of Economics and Brazilian liberalization

Resumos

Este artigo trata da política comercial brasileira nos governos de José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Itamar Franco (19921994), analisando como, ao longo desse período, o Brasil deixou de buscar derrogações dos princípios do GATT de liberalização progressiva e não discriminação e passou a incorporá-los na formulação da política comercial sob responsabilidade tanto do Ministério das Relações Exteriores quanto dos ministérios econômicos do governo. Explico a convergência de políticas nessas distintas burocracias do Estado pela gradual ocupação das instâncias decisórias por grupos com concepções convergentes sobre a funcionalidade do comércio exterior na promoção do desenvolvimento econômico, o que contribuiu para a evolução da posição brasileira na Rodada Uruguai do GATT e para a reforma do regime de importações. Para sustentar esta hipótese, procurei verificar a relação entre a evolução do pensamento econômico dos grupos responsáveis pela formulação da política comercial e a redefinição de políticas nessa área.

Política Externa Brasileira; Política Comercial Brasileira; GATT; Rodada Uruguai


This article concerns the Brazilian trade policy during the governments of José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Mello (1990-1992) and Itamar Franco (1992-1994), studying how, throughout this period, Brazil stopped trying to derogate the GATT principles of progressive liberalization and nondiscrimination and began to incorporate them in the elaboration of the trade policy under the responsibility of the Ministry of Foreign Affairs and the government's ministries of economy. I seek to explain the convergence of policies between those distinct State bureaucracies through the gradual occupation of the decisory instances by groups with convergent conceptions of the foreign trade functionality on the promotion of economic development, which contributed to the evolution of the Brazilian stance at GATT Uruguay Round and to the reform of the imports regime. To support this hypothesis, I have tried to verify the relationship between the evolution of the economic thought of groups responsible for the formulation of the commercial policy and the redefinition of policies in this area.

Brazilian Foreign Policy; Brazilian Trade Policy; Uruguay Round; GATT


ARTIGOS

A implementação do consenso: Itamaraty, Ministério da Fazenda e a liberalização brasileira** Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado apresentada no Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio), intitulada "O fim do consenso de o consenso do fim: a reforma da política comercial brasileira entre 1985 e 1994". Agradeço sinceramente os comentários valiosos de Letícia de Abreu Pinheiro, Maria Regina Soares de Lima e Carlos Pio, ressalvando que todos os erros são de minha autoria.

The implementation of the consensus: Itamaraty, the Ministry of Economics and Brazilian liberalization

Daniel Ricardo Castelan

Doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). E-mail: danielcastelan@gmail.com

RESUMO

Este artigo trata da política comercial brasileira nos governos de José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Itamar Franco (19921994), analisando como, ao longo desse período, o Brasil deixou de buscar derrogações dos princípios do GATT de liberalização progressiva e não discriminação e passou a incorporá-los na formulação da política comercial sob responsabilidade tanto do Ministério das Relações Exteriores quanto dos ministérios econômicos do governo. Explico a convergência de políticas nessas distintas burocracias do Estado pela gradual ocupação das instâncias decisórias por grupos com concepções convergentes sobre a funcionalidade do comércio exterior na promoção do desenvolvimento econômico, o que contribuiu para a evolução da posição brasileira na Rodada Uruguai do GATT e para a reforma do regime de importações. Para sustentar esta hipótese, procurei verificar a relação entre a evolução do pensamento econômico dos grupos responsáveis pela formulação da política comercial e a redefinição de políticas nessa área.

Palavras-chave: Política Externa Brasileira - Política Comercial Brasileira - GATT - Rodada Uruguai

ABSTRACT

This article concerns the Brazilian trade policy during the governments of José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Mello (1990-1992) and Itamar Franco (1992-1994), studying how, throughout this period, Brazil stopped trying to derogate the GATT principles of progressive liberalization and nondiscrimination and began to incorporate them in the elaboration of the trade policy under the responsibility of the Ministry of Foreign Affairs and the government's ministries of economy. I seek to explain the convergence of policies between those distinct State bureaucracies through the gradual occupation of the decisory instances by groups with convergent conceptions of the foreign trade functionality on the promotion of economic development, which contributed to the evolution of the Brazilian stance at GATT Uruguay Round and to the reform of the imports regime. To support this hypothesis, I have tried to verify the relationship between the evolution of the economic thought of groups responsible for the formulation of the commercial policy and the redefinition of policies in this area.

Keywords: Brazilian Foreign Policy - Brazilian Trade Policy - Uruguay Round - GATT

Este trabalho analisa a política comercial brasileira no período em que foram tomadas as principais medidas de liberalização da economia, nos governos de José Sarney (1985-1989), Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994). O problema que motivou a pesquisa é que, embora a condução das negociações comerciais e o gerenciamento do regime de importações fossem competência de agências distintas da burocracia brasileira, nos governos de Sarney, Collor e Itamar houve uma convergente mudança em direção à abertura comercial tanto nas negociações do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês) quanto no regime de importações. Enquanto diplomatas negociavam em Genebra os níveis de tarifa consolidada e a agenda que direcionaria as negociações, no Brasil foi conduzida, a partir de 1988, uma reforma tarifária que tinha como um dos objetivos, segundo o secretário-executivo da Comissão de Política Aduaneira (CPA), José Tavares de Araújo Jr. (apud PIO, 2001, p. 215), "possibilitar ao país participa[r] ativamente das políticas regionais e globais de abertura comercial então em curso, especialmente do acordo Brasil-Argentina e das rodadas do Uruguai".11. A competência para a formulação da política comercial no período não era apenas de uma burocracia do Estado. À época do governo Sarney, sua definição estava a cargo do Conselho Nacional de Comércio Exterior (Concex), criado em 1966 pela lei n. 5.025. Eram responsáveis pela execução das determinações do Concex a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), responsável pela regulamentação doméstica do regime de importações, e o Ministério das Relações Exteriores (MRE), encarregado da implementação das determinações do Concex no âmbito externo. Além dessas instituições, competia à CPA, presidida pelo Ministério da Fazenda, a definição das alíquotas de importação aplicadas aos diversos produtos. Embora o Concex fosse o órgão colegiado hierarqui-camente superior na definição da política comercial, a ação das instâncias inferiores de decisão - Cacex, CPA e MRE - se dava com bastante autonomia.

Existe uma ampla literatura que estuda períodos em que um grande número de países, com sistemas político-sociais distintos, implementaram políticas econômicas convergentes. A coletânea feita por John L. Campbell e Ove K. Pedersen (2001) destaca-se pela clareza e força argumentativa dos autores, que estudam a ascensão do neoliberalismo a partir do instrumental teórico institucionalista. Ao examinar a implantação da supply-side economics nos EUA dos anos 1980, Campbell e Pedersen (2001) chegam à conclusão de que esse conjunto de ideias avessas ao keynesianismo se tornou politicamente influente porque foi visto como viável para a resolução de problemas econômicos da época, e terminou por se disseminar em instituições responsáveis pela formulação da política econômica norte-americana.

A interação entre ideias e instituições também é analisada por Kathryn Sikkink (1991), em um estudo sobre o desenvolvimentismo no Brasil de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e na Argentina de Arturo Frondizi (1958-1962). Seu trabalho mostra que a implementação do desenvolvimentismo foi precedida pela formação de um pensamento econômico que vinculava o crescimento à atuação do Estado na economia e sua posterior incorporação por burocracias estatais nesses dois países.

Neste trabalho, baseei-me nos pressupostos teóricos de Sikkink, assim como de Campbell e Pedersen, para estudar a desmontagem do modelo desenvolvimentista nas instituições de política comercial do Brasil, quando foram adotadas medidas com o objetivo de reduzir a participação do Estado na alocação de recursos. O argumento teórico que subjaz o trabalho é, portanto, que a incorporação de determinadas ideias em instituições responsáveis pela formulação política pode resultar na redefinição de diretrizes políticas.

Há três aspectos do caso brasileiro que tornam o modelo de Sikkink, Campbell e Pedersen bastante adequado à análise da liberalização. O estudo da abertura com ênfase em ideias e instituições se baseia em algumas premissas contrárias às abordagens racionalistas, que afirmam que atores ajustam os meios disponíveis para atingir alguns fins desejados, de acordo com uma ordem predefinida de preferências e interesses. Pode-se dizer que, em casos de crise, como a que perpassou os governos em estudo, as certezas dos atores quanto aos meios adequados para se atingir determinados fins são fortemente abaladas. A relação entre momentos de crise e a "incerteza" dos agentes é sublinhada por Mark Blyth (2002), que caracteriza períodos como a década de 1980 como propícios para a emergência de ideias reformistas. Os próprios diplomatas que atuaram na definição da posição brasileira para a Rodada Uruguai reconhecem que ignoravam os custos ou benefícios que a abertura comercial poderia trazer para o país. Como colocou Sebastião do Rego Barros, chefe do Departamento Econômico do MRE entre 1985 e 1988, "nós éramos muito mal preparados para negociar, [...] e a gente ia um pouco pelo 'jeitão'; uma negociação sobre serviços é algo que, em princípio, não deveria ser bom para o Brasil, uma negociação sobre propriedade intelectual, a mesma coisa".22. Embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009. Dessa forma, um estudo das ideias compartilhadas pelos principais decisores sobre a crise na "década perdida" é crucial para se entender a reforma implementada na política comercial.

Um segundo aspecto que fortalece a utilização desse modelo teórico é que o Brasil adotou, após as crises de 1929 e dos anos 1980, políticas completamente opostas para solucionar problemas econômicos muito semelhantes, caracterizados pela redução de reservas em moeda estrangeira e crescimento econômico medíocre. Enquanto a crise de 1929, a recessão após a Segunda Guerra Mundial e os choques de petróleo dos anos 1970 motivaram a adoção de barreiras à importação com vistas a solucionar a escassez de capital, ao final dos anos 1980 o Brasil extinguiu controles à importação e adotou padrões de regulação de propriedade intelectual exatamente com o mesmo objetivo de solucionar a escassez de poupança e fomentar o crescimento econômico. Esses fatores sugerem que políticos e burocratas responsáveis pela formulação da política comercial compartilharam, em momentos distintos, visões contrárias sobre o papel da intervenção do Estado na promoção do desenvolvimento econômico. Dessa maneira, crises prolongadas geralmente contribuem para o fim de certas políticas e criam um ambiente propício a inovações, mas não indicam quais diretrizes substituirão aquelas que se mostraram incapazes de promover o crescimento. Nessas condições, o estudo do pensamento econômico dos atores pode indicar os motivos das reformas implementadas no final dos anos 1980 e início dos 1990.

Em terceiro lugar, para que ideias econômicas de burocratas e políticos produzam resultados, é necessário que as instituições nas quais atuam sejam relativamente autônomas na implementação de políticas públicas frente a pressões setoriais da sociedade. Caso contrário, interesses de setores específicos podem impedir a adoção da política pretendida. No Brasil, uma das características do Ministério das Relações Exteriores (MRE) é sua grande autonomia perante a sociedade, o que empresta às ideias, conceitos e paradigmas dos membros da corporação grande importância na definição das políticas. Embora em algumas instituições no governo Sarney tenha havido canais de participação de grupos privados na definição da política comercial, especialmente no Ministério da Fazenda, eles foram praticamente eliminados durante o governo Collor, por meio de uma reforma institucional que tinha como objetivo exatamente extirpar interesses privados da formulação da política econômica. Assim, o estudo do pensamento econômico daqueles que estiveram à frente dessas burocracias é extremamente importante para a compreensão da reforma na política comercial brasileira.

A Reforma da Política Comercial no Itamaraty

Ao estudar a participação do Brasil no GATT, Marcelo de Paiva Abreu (2007, p. 165) defende que, na Rodada Uruguai, o Brasil distanciou-se do grupo de países do Terceiro Mundo quando se industrializou e diversificou sua pauta de exportações. A argumentação de A-breu supõe que certas condições materiais precipitam resultados políticos. Dessa maneira, o distanciamento brasileiro do Terceiro Mundo teria sido resultado natural da diversificação do seu parque industrial.

Ao longo do trabalho, sustento um argumento sensivelmente distinto do apresentado por Abreu, ao mostrar que existiam dissensos no Ministério das Relações Exteriores sobre qual política adequada para tirar o país da estagnação. Da mesma maneira que o apoio brasileiro ao G-77 se baseou fortemente na disseminação de ideias de Raúl Prebisch acerca do papel do comércio internacional na promoção do desenvolvimento, na Rodada Uruguai a incorporação de princípios liberais à posição brasileira foi resultado da disseminação de certos princípios e conceitos entre membros da corporação, de maneira semelhante ao que ocorreu na reforma do regime de importações levada a cabo pelo Ministério da Fazenda.

Outros autores defendem que a liberalização e a adoção de compromissos na Rodada Uruguai seriam um reflexo da diminuição do papel do Itamaraty na formulação da política comercial perante a Fazenda durante os governos de Collor e Itamar. Amado Cervo e Clodoaldo Bueno (2002, p. 456) argumentam nessa direção, quando afirmam que "o processo decisório em política exterior do Itamaraty perdeu força [...], na medida em que as decisões nas áreas da alfândega, das finanças externas e da abertura empresarial foram deslocadas para as autoridades econômicas, que aplicavam diretrizes monetaristas e liberais com desenvoltura".

Os autores reconhecem que o Itamaraty passou por uma crise no início da década, mas apresentam um argumento contrafactual ao dizerem que o Brasil teria adotado uma postura distinta caso fosse delegada ao Itamaraty a condução da política comercial, tendo em vista o "pensamento crítico que emergiu com força durante o governo Itamar". Esses autores consideram que a redução do poder decisório do Itamaraty perante outras burocracias do Estado contribuiu para a liberalização.

Ao longo do artigo, sustento a hipótese de que, ainda que importantes passos da abertura tenham sido tomados pelos setores econômicos do governo, no início da década de 1990 a corporação diplomática havia incorporado ideias favoráveis à liberalização, o que contribuiu para a redefinição da posição negociadora brasileira no GATT. Em outras palavras, o Itamaraty não se manteve um núcleo de resistência desenvolvimentista diante das reformas liberais, como sugerem os autores. Ao longo da Rodada Uruguai, esfacelou-se o consenso em torno das teses cepalinas que havia prevalecido entre o grupo que esteve na chefia dos postos econômicos do MRE até meados da década de 1980. No Itamaraty, o consenso em torno do modelo de industrialização por substituição de importações ruiu, embora não se tenha formado um "novo consenso", como ocorreu na Fazenda.

Itamaraty: características institucionais e continuidade política

O Itamaraty é conhecido pela grande continuidade das diretrizes de política externa ao longo do tempo, entre gerações distintas de diplomatas. Alguns autores explicam a linearidade com base em fatores institucionais, que se referem tanto a caracteres formais daquele ministério, como o sistema de promoção e admissão à carreira, quanto a atributos normativos ou cognitivos, como a cultura organizacional e a grande legitimidade da corporação na formulação de "paradigmas" de política externa, que fortalecem a autonomia do MRE perante a sociedade e outras agências governamentais.

Uma característica importante para explicar a continuidade nas diretrizes de política externa é a cultura organizacional do Itamaraty, construída em torno de legados dos grandes patronos da diplomacia, que fundaram uma tradição que se transmite ao longo das gerações. A imagem do Barão do Rio Branco está sempre presente para os membros da corporação, trazendo-lhes à memória o "acervo" da Casa, que inclui o pacifismo, o respeito a tratados e o pragmatismo, e que confere à atuação diplomática determinado sentido histórico. Cheibub (1985, p. 120) afirma que "a gestão do Barão do Rio Branco representou um marco histórico fundamental na vida institucional do Itamaraty". Essa característica fortalece a cultura organizacional dessa burocracia, que se assemelha muito às organizações militares no que tange à identificação com símbolos e estrutura de carreira.33. Para uma análise do período de formação do Estado burocrático brasileiro e uma comparação entre as organizações militar e diplomática, ver BARROS (1977). Nesse sentido, é difícil que uma ideia completamente nova sobre política externa ganhe legitimidade imediata entre os membros da corporação. Não é fortuito o fato de que novos conceitos da diplomacia geralmente venham atrelados a tradições anteriores, com vistas a garantir sua legitimidade perante a corporação diplomática.44. O entrelaçamento de ideias novas a conceitos anteriores, com a intenção de que sejam legitimados pela tradição, é tratado por (CAMPBELL, 2001, p. 175). A autoridade tradicional é um conceito estudado por Max Weber (2002, p. 64), como um dos três fundamentos da legitimidade política: carismática, racionallegal e tradicional.

Indivíduos que estiveram à frente do ministério em períodos de mudanças na ordem internacional reconhecem o peso da tradição no delineamento das políticas da instituição. Em depoimento, o ex-ministro Celso Lafer (1993, p. 11) afirmou que, "em uma conjuntura completamente diferente, [se] sentia ligado a uma trajetória política a que, de uma forma ou de outra, estava dando continuidade". Da mesma forma, Marcílio Marques Moreira (2001, p. 234), ao comentar a reação do Itamaraty diante das reformas implementadas no governo Collor, descreveu a influência do ministério na formatação da visão dos agentes: "o problema não eram as pessoas em si, muitos deles brilhantes diplomatas, era a cultura do Itamaraty, ainda impregnada da herança dos barbudinhos."55. "Barbudinhos" foi uma expressão conferida pelo embaixador norte-americano Anthony Motley a um grupo de diplomatas que ingressou no MRE na década de 1960 e que atuou no período em que as teses de congelamento de poder mundial e do não alinhamento automático eram o corolário político do "desenvolvimento em marcha forçada" de Geisel. O termo "barbudinhos" referia-se tanto à sua aparência física quanto a semelhanças com o pensamento de Fidel Castro. Entre eles, destacam-se o embaixador Celso Amorim, assessor de gabinete do ministro das Relações Exteriores Azeredo da Silveira (1974-1979) e Roberto Abdenur, assessor de gabinete do secretário-geral Ramiro Saraiva Guerreiro nesse mesmo período (ARBILLA, 1997, p. 376).

Outro elemento de continuidade se refere à capacidade dessa corporação de formular conceitos de política externa e angariar apoio doméstico para sua implementação, garantindo certa estabilidade aos paradigmas de atuação política (LIMA, 1994, p. 34). Para Cheibub (1985, p. 130), a legitimidade do Itamaraty como agência responsável pela condução de assuntos internacionais, alocando inclusive quadros em outras burocracias do governo, deriva da "crença" ou "consciência" de que o diplomata tem uma preparação adequada para a condução dos assuntos do Estado. Dessa forma, além de acervos mais ou menos permanentes, a diplomacia tem formulado diferentes paradigmas, que são teorias de ação diplomática a informar a atuação externa do país.

A credibilidade do Itamaraty enquanto agência responsável por conduzir a política externa fortalece a autonomia dessa instituição perante outras burocracias e perante a sociedade. Para Lima (1994, p. 34), esse fator pode fragilizar a posição do ministério em alguns momentos, tendo em vista que o exercício pleno de suas funções depende de autorização presidencial. De fato, em alguns momentos do período Collor, a posição da delegação brasileira em Genebra foi definida em função de diretrizes presidenciais, que eram contrárias ao que os diplomatas defendiam até então. Com relação ao distanciamento da sociedade, pode-se dizer que, durante a Rodada Uruguai, a participação do setor privado na formulação das decisões do Itamaraty foi irrisória (CUNHA, 2008), ao contrário do que acontecia na Fazenda. A Fiesp/CNI era uma das poucas organizações que buscavam intervir no processo decisório, ainda que pontualmente e sem periodicidade.66. Embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009; embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 25 de dezembro de 2008; e minuta de telegrama n. 1219. Rodada Uruguai. Representante da CNI. Em 20 de outubro de 1990. Pasta XCOI-GATT, de 01/08/1990 a 31/10/1990. Caixa 3, Prateleira 3, Estante G89. Esse distanciamento e autonomia do Itamaraty perante a sociedade foram importantes porque o eximiram das reformas administrativas de Collor que visavam extirpar o interesse privado das decisões econômicas do Estado, como ocorreu na criação do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.

Um terceiro elemento que contribui para a relativa estabilidade das diretrizes no MRE é o critério de promoção de diplomatas (CALDAS, 1998, p. 57). Com exceção da promoção para a classe de segundo secretário, que pode ocorrer por antiguidade, a promoção de diplomatas ocorre por meio de votação, com base em uma lista administrada pela Comissão de Promoções, que seleciona os candidatos com base no desempenho profissional. Ministros de Primeira Classe, ministros de Segunda Classe, conselheiros e primeiros-secretários votam para promover os diplomatas de classe inferior.77. Atualmente, o sistema de promoções da carreira diplomática é regulado pelo decreto n. 6.559, de 8 de setembro de 2008. Dessa forma, os recémadmitidos têm poucos incentivos para se opor a burocratas hierarquicamente superiores, pois isso pode comprometer seu futuro profissional, o que tende a perpetuar a reprodução de certas ideias entre a corporação. Uma vez investido da patente de ministro de Primeira Classe, com experiência prática na atuação diplomática, torna-se difícil realocar um diplomata a postos inferiores ou alijá-lo do processo de tomada de decisões dentro do Itamaraty.88. Vale abrir um parêntese para comparar essa forma de organização burocrática com o padrão vigente no Ministério da Fazenda, onde não havia uma carreira consolidada, tampouco uma cultura organizacional tão pautada em tradições e "linhas de continuidade", como as que conferiam linearidade à política do Itamaraty. Apenas a título de ilustração, nos primeiros oito anos de governo pósredemocratização, o Ministério da Fazenda foi dirigido por dez pessoas, que trouxeram consigo suas equipes, indicando a grande renovação do topo da burocracia. Essa renovação da burocracia técnica não ocorreu de maneira tão acelerada e acentuada no MRE.

Por fim, um elemento importante para a linearidade das diretrizes políticas diz respeito à formação de diplomatas no Instituto Rio Branco, que ameniza a heterogeneidade de seus quadros e mantém um elevado grau de coesão e "espírito de corpo" entre os funcionários da Casa (CHEIBUB, 1985, p. 129). Nos cursos do Instituto Rio Branco, geralmente tinha início a especialização profissional dos diplomatas, já que, após o período de formação, eles deveriam ser alocados em diferentes departamentos do ministério. Ao iniciarem seus estudos, os recém-admitidos optavam entre duas grandes carreiras de atuação: uma orientada para "temas políticos" e outra para "temas econômicos". Essa divisão fazia com que diplomatas afeitos a questões econômicas fossem alocados em postos relacionados a comércio e economia, como o Departamento Econômico, a Divisão de Produtos de Base, a Divisão de Política Comercial e a Missão Brasileira em Genebra, que era uma das posições mais importantes da carreira econômica, pois estava a cargo das negociações no GATT.99. Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008; embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, em entrevista ao autor em 10 de fevereiro de 2009; embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009.

Cheibub (1985, p. 129) afirma que os primeiros diplomatas com formação econômica foram Roberto Campos, Otávio Dias Carneiro, João Baptista Pinheiro e Edmundo Barbosa da Silva. Na década de 1950, segundo esse autor, o Itamaraty teria sido dominado pelo "economicismo" desse grupo, que se via encarregado de tirar o país da condição de subdesenvolvimento. Foi nesse período que ocorreu a consolidação do Itamaraty como instituição autônoma e responsável pela condução da política exterior brasileira, o que fortaleceu a atuação do grupo de diplomatas com formação econômica em determinados postos do ministério. Rubens Ricupero afirma que havia um sentimento de "espírito de corpo" entre esses diplomatas economistas, que lhes conferia uma identidade comum.1010. Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008.

Como tantas outras regras não escritas de comportamento, a especialização de diplomatas em certos temas era uma tradição que pautava a indicação de cargos, inclusive na representação brasileira em Genebra, e favorecia a reprodução de ideias econômicas entre os membros desses grupos. Isso porque os diplomatas adquiriam conhecimento prático trabalhando com pessoas que já traziam determinadas concepções, para depois serem indicados para postos importantes.

Ideias econômicas: o grupo dos "diplomatas economistas"

No início da década de 1980, os diplomatas experimentados em temas econômicos1111. Ao longo do texto, refiro-me a esse grupo como sendo os "diplomatas economistas", embora a formação de seus integrantes fosse muito mais heterogênea do que aquilo que se entende como uma carreira de economista hoje. Diante da inexistência de cursos de graduação em economia no Brasil, o aprendizado em temas econômicos ocorria, em grande medida, pela experiência de trabalho nas divisões econômicas do Ministério e pela realização de cursos no exterior. constituíam um grupo bastante coeso de pensamento no Itamaraty, que se encontrava disseminado tanto na Missão Brasileira em Genebra como no Departamento Econômico do ministério - as duas principais instâncias de decisão sobre as negociações comerciais no GATT.1212. Caldas (1998) afirma que, durante a Rodada Uruguai, o processo decisório no Ministério das Relações Exteriores centrava-se fundamentalmente no chefe da Missão Brasileira em Genebra. Outros atores importantes participavam da definição das posições, como o secretário-geral e diplomatas atuantes no Departamento Econômico do Itamaraty, embora de maneira mais esporádica. Esse autor ressalta a importância da Secretaria Geral no processo decisório, que realizava o contato das missões brasileiras no exterior com o Ministério. Em questões rotineiras, muitas vezes o ministro era apenas informado das decisões tomadas (CALDAS, 1998, p. 48). Farias (2007) questiona a visão de Caldas e defende que as unidades decisórias em negociações comerciais no GATT eram menos definidas (estáticas) do que supõe aquele autor, já que muitas vezes agências distintas do governo eram chamadas a participar na formulação da posição brasileira relacionada a temas sobre os quais o MRE tinha pouco conhecimento. Neste trabalho, me restringi a analisar a postura de diplomatas que ocuparam a chefia da Missão Brasileira em Genebra e o Departamento Econômico do MRE. A análise centrada no Itamaraty é também bastante importante porque os setores privados tinham uma participação reduzida na formulação da posição negociadora brasileira (CUNHA, 2008). O embaixador Ricupero também endossa essa visão ao comentar, em entrevista, que, durante o período em que chefiou a delegação brasileira em Genebra, as decisões eram tomadas na delegação e posteriormente comunicadas ao MRE. Apenas em raros casos diplomatas do Ministério se pronunciavam contrariamente ao que fora decidido. Além disso, nas fases iniciais das discussões (especialmente serviços e propriedade intelectual), em que se definiam conceitos e modalidades, a participação do MRE era predominante. Outras agências, de fato, participaram em estágios finais, como foi o caso da oferta tarifária brasileira, preparada pela DECEX/MFAZ. Alguns de seus principais integrantes eram os embaixadores que haviam representado o Brasil em Genebra - George Álvares Maciel, que chefiou a delegação entre 1974 e 1983, e Paulo Nogueira Batista, que permaneceu no posto entre 1983 e 1987. A atuação do grupo na formulação de diretrizes de política comercial era fortemente amparada pelo ministro Ramiro Saraiva Guerreiro (1979-1985), que, entre 1970 e 1974, foi o principal negociador brasileiro no GATT. Guerreiro compartilhava das teorias da dependência que haviam informado a diplomacia brasileira na busca da reforma do sistema multilateral durante a década de 1970 (CERVO, 2008, p. 16). No início da década de 1980, outros diplomatas atuantes em temas relacionados às negociações multilaterais e herdeiros da formação cepalina eram Samuel Pinheiro Guimarães, Clodoaldo Hugueney Filho, Sebastião do Rego Barros e Francisco Thompson Flores.1313. Outros diplomatas que compartilhavam essa visão, mas não atuavam mais no Itamaraty à época, eram Miguel Ozório de Almeida, Lindenbergue Sette, Correa Costa e Carlos Augusto de Proença Rosa.

Alguns deles haviam trabalhado durante o período em que o Brasil negociava os acordos de produtos de base, com vistas a estabilizar o preço das commodities no mercado internacional. Essa atuação era amparada na ideia de Prebisch de que a volatilidade do preço dos produtos primários deveria ser combatida politicamente pela negociação de acordos de preço mínimo para tais produtos (GUERREIRO, 1995, p. 26). Em um período em que o café representava mais de 50% das exportações brasileiras, isso era essencial para reduzir a vulnerabilidade, mas perdeu importância conforme o Brasil foi modificando sua pauta de exportações, já que no início dos anos 1990 o café representava menos de 5% das exportações brasileiras.

George Maciel havia sido um dos protagonistas da defesa do tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento durante a Rodada Tóquio (1973-1979), que resultou na adoção da Decisão sobre Tratamento Diferenciado e Mais Favorável, Reciprocidade e Participação de Países em Desenvolvimento, em 1979, que concedeu uma exceção permanente ao Acordo Geral para a adoção de regimes preferenciais aos países em desenvolvimento sob o Sistema Geral de Preferências (LIMA, 1986). Paulo Nogueira Batista, por sua vez, foi o sucessor de Maciel em Genebra e um dos mais árduos críticos da incorporação do comércio de serviços ao Acordo Geral, durante a Rodada Uruguai (1986-1994). A argumentação defendida pelo Brasil durante o período estava baseada em uma clivagem Norte-Sul, em que a Periferia subdesenvolvida do sistema capitalista deveria participar do regime de comércio sob condições favoráveis ou preferenciais, em razão das necessidades específicas do desenvolvimento periférico.

A visão crítica esposada por Maciel quanto à funcionalidade do comércio livre na promoção do desenvolvimento da Periferia pautou a posição brasileira no GATT no início da década de 1980, contrária a uma nova rodada de negociações comerciais (MACIEL, 1986; 1995). Essa posição foi defendida na Reunião Ministerial de 1982, quando os EUA acenaram para a necessidade de dar início a uma nova rodada de negociações (BARROS NETTO, 1987, p. 8).1414. O lançamento de uma nova rodada foi formalmente proposto apenas alguns anos mais tarde, pelo Japão. Essa concepção também informou a oposição ao tratamento no GATT dos chamados novos temas: serviços, investimentos, bens falsificados e de alta tecnologia. De maneira semelhante ao que defendia o Brasil na década anterior, Maciel e seu sucessor em Genebra, Paulo Nogueira Batista, argumentavam que o foro adequado para o tratamento de serviços, caso houvesse consenso em sua discussão, deveria ser a UNCTAD, e que havia uma instituição específica para o tratamento de questões de propriedade intelectual, que era a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) (BATISTA, 1987, p. 63; MACIEL, 1986, p. 90).

Vale a pena destacar que, embora esses diplomatas defendessem que o desenvolvimento deveria ocorrer com o apoio forte do Estado ao empresariado, não havia canais de participação formais dos setores privados na definição da posição negociadora do Brasil. Em raros casos, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) defendiam seus interesses, embora, em geral, a definição da posição negociadora se centrasse no Itamaraty.1515. Embaixadores Sebastião do Rego Barros, Marcos Castrioto de Azambuja e Rubens Ricupero, entrevista ao autor. Durante a Rodada Uruguai, foram criados o Grupo Interministerial sobre Bens (GIB) e o Grupo Interministerial sobre Serviços (GIS), que reuniam representantes de diversos ministérios, com o objetivo de conferir maior legitimidade à posição defendida pela delegação no GATT. Farias (2007, p. 69) afirma que a participação do setor privado nesses grupos se dava com a coleta de informações e definição dos interesses dos setores pertinentes, embora a Divisão de Política Comercial, subordinada ao Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores, ocupasse a Secretaria Executiva de ambos os grupos.1616. O GIB e o GIS foram criados, respectivamente, pelos decretos n. 92.466 e 92.467, de 17 de março de 1986. Dessa forma, pode-se dizer que a atuação dos diplomatas com formação econômica, que possuíam uma identidade comum e forte "espírito de corpo", foi importante para a continuidade da posição brasileira nas negociações comerciais multilaterais, baseada em uma clivagem Norte-Sul que conferiu unidade à diplomacia econômica multilateral do Brasil durante um longo período.

Implementação política: Missão em Genebra

Governo Sarney

A continuidade conferida pela atuação do grupo de "diplomatas economistas" no Itamaraty começou a ruir quando um embaixador alheio a essa corrente de pensamento foi indicado para o principal posto econômico: a Missão Brasileira em Genebra. A indicação foi feita em 1987, diretamente pelo presidente José Sarney, que indicou Rubens Ricupero para o cargo. Até aquele momento, Ricupero não havia tido qualquer formação em assuntos econômicos, tampouco conhecia profundamente o funcionamento do GATT, e por isso se dedicou exaustivamente a estudar o sistema multilateral de comércio. Em suas palavras: "como sentia essa falta de experiência, eu li muito. Li quase todos os livros que encontrei na biblioteca, estudei. E você sabe que isso acabou sendo pra mim uma grande vantagem, porque as pessoas que adquirem conhecimento pela prática muitas vezes pensam que sabem e não sabem."1717. Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008.

A indicação de Ricupero para Genebra rompeu com uma antiga tradição, segundo a qual os chefes de delegação percorriam uma carreira de postos "econômicos" no Itamaraty, passavam pelo Departamento Econômico e posteriormente ascendiam a Genebra, para conduzir as negociações no GATT, garantindo certa continuidade à política comercial. O embaixador Sebastião do Rego Barros, então chefe do Departamento Econômico, afirma que a indicação de Ricupero causou alarido entre diplomatas experientes em temas econômicos, que vis-lumbravam a possibilidade de serem indicados para Genebra. Não tardou para que, em algumas ocasiões, emergissem pontos de desentendimento entre a posição defendida por Ricupero e a postura advogada por grupos mais tradicionais do ministério.1818. Embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009.

Ricupero não representava um pensamento acentuadamente liberal, que encontrava poucos adeptos dentro do MRE, mas foi crucial para romper a continuidade de um grupo fortemente identificado com as teses advogadas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) dos anos 1950. Embora não defendesse uma abertura indiscriminada da economia, durante o período em que chefiou a delegação brasileira Ricupero incorporou algumas prescrições favoráveis à liberalização. Em publicações de fevereiro de 1990, o embaixador sugeriu que a liberalização econômica poderia ser importante para o combate à inflação. Em um período em que a escalada inflacionária era o grande fantasma do crescimento econômico, essa postura colocava um forte argumento a favor da abertura. De maneira semelhante, com relação a propriedade intelectual, o embaixador compartilhava alguns dos argumentos dos diplomatas formados na tradição cepalina, mas ponderava-os com a visão de que em muitos domínios tecnológicos as políticas brasileiras contribuíram mais para reserva de mercado do que para a criação de capacidade exportadora (RICUPERO, 1988, p. 242).

Durante o período Sarney, é difícil dizer se a indicação de uma pessoa pouco afeita a questões econômicas foi uma decisão tomada com a "intenção" de modificar a postura brasileira no GATT. De qualquer forma, pessoas superiores na hierarquia - tanto o presidente Sarney, como o ministro Olavo Setúbal e também o secretário-geral do Itamaraty, Paulo Tarso Flecha de Lima - viam como "ideológica" a posição obstrucionista do Brasil na Rodada Uruguai formulada por George Álvares Maciel e defendida por Paulo Nogueira Batista.1919. Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008. Quando indagado por Tachinardi (1993, p. 232) sobre se o Brasil desejava assumir liderança do Terceiro Mundo no GATT, Flecha de Lima respondeu que essa postura esteve presente apenas durante a primeira fase da Rodada Uruguai, em virtude da visão "obstrucionista" de Batista. Para Flecha de Lima, o grau de inserção internacional do Brasil não mais justificava aliança com países como Índia, Iugoslávia e Egito. Além de criticar o alinhamento ao Terceiro Mundo, Flecha de Lima foi um dos responsáveis pela tentativa de renovar a agenda brasileira com os EUA, retirando alguns pontos de controvérsia com aquele país (MOREIRA, 2001, p. 218, p. 219).

Com relação a Setúbal, Ricupero afirma que ele via com certo ceticismo a posição do Brasil contrária ao lançamento de uma nova rodada, porque "achava que havia nisso um lado um pouco de ideologia, de doutrina, que ele não acompanhava inteiramente".2020. Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008. Da mesma forma, o embaixador afirma que Sarney, além de ver uma pitada de "ideologia", queria sinceramente a normalização da relação com os EUA, e essas posturas foram importantes para que se chegasse a um compromisso na Reunião Ministerial de Punta del Este, permitindo o início de uma nova rodada que incluía negociações sobre serviços.

Governo Collor

Ricupero permaneceu como principal negociador do GATT até agosto de 1991, quando foi realocado para a embaixada brasileira em Washington, já durante o governo Collor. Durante esse governo, o alijamento dos "diplomatas economistas" de postos econômicos no Itamaraty foi mantido e acentuado, quando Paulo Nogueira Batista deixou o MRE e o embaixador Celso Amorim, também com pouca experiência em assuntos econômicos, foi indicado para a Missão Brasileira em Genebra.

Durante esse governo, a interferência da Presidência da República nos assuntos da corporação diplomática foi importante para a quebra da continuidade do pensamento cepalino. A reforma administrativa de Collor que criou o Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento redefiniu algumas atribuições das negociações comerciais. Entretanto, a grande autonomia do Itamaraty perante a sociedade e sua legitimidade na formulação da política exterior foram importantes para que a reforma administrativa não trouxesse impactos maiores à posição negociadora brasileira. Durante esse período, a autonomia do MRE permitiu que os negociadores brasileiros defendessem, em um primeiro momento, uma posição contrária à regulação da propriedade intelectual no GATT, ainda que no plano bilateral (com os EUA) o presidente se comprometesse com a adoção de padrões internacionais de regulação do setor.

O embaixador Celso Amorim havia tido alguma atuação em temas comerciais quando trabalhou no Ministério de Ciência e Tecnologia, mas vinha do Departamento de Promoção Cultural do MRE. Embora sem experiência em assuntos econômicos, havia ingressado no Itamaraty na década de 1960 e trabalhado no gabinete do ministro Azeredo da Silveira (1974-1979), quando era forte a atuação do Brasil em busca de reformas na ordem econômica internacional. Sua identificação com algumas posições anteriores foi importante para conferir legitimidade à reorientação do Brasil com relação aos novos temas na Rodada Uruguai. Na visão do embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, que o indicou para o Departamento Econômico e posteriormente para Genebra, Amorim "não sacrificou as coisas que ele acreditava antes, mas [...] fez uma 'ponte', sobretudo porque nesse momento a grande batalha econômica internacional brasileira se dava dentro da Rodada Uruguai do GATT".2121. Embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, em entrevista ao autor em 10 de fevereiro de 2009.

Campbell e Pedersen (2001) ressaltam que, em algumas instituições, o apego a símbolos, tradições e legados são limites normativos para a adoção de novas ideias e políticas. Nesses casos, é importante que novas concepções sejam veiculadas por indivíduos que lhes confiram legitimidade diante dos membros da corporação. Pode-se dizer que Amorim, originário do grupo dos "barbudinhos" do ministério, representou, na área comercial, o vínculo entre a tradição cepalina de pensamento econômico e o ímpeto modernizante que se espalhava entre membros da corporação diplomática. Amorim afirma que buscou ponderar a volição reformista do presidente Collor no momento em que atuou no ministério, não apenas com relação às negociações de propriedade intelectual, mas também no que tange à competência para conduzir as negociações comerciais, uma vez que com a reforma administrativa de Collor, que criou o Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, não ficou claro qual ministério era incumbido de determinadas funções nas negociações comerciais (AMORIM, 1997, p. 3).

No governo Collor, o afastamento de pessoas ligadas às tradições cepalinas, ou melhor, a perpetuação e aprofundamento do isolamento desse grupo, ocorreu de forma mais intencional do que no governo Sarney, levando à prevalência de ideias concomitantemente defendidas por economistas que formulavam a política comercial no Ministério da Fazenda. No dia de sua posse, o presidente Collor fez um discurso em que afirmava que o Brasil caminhava em direção ao Primeiro Mundo. O texto fora preparado por dois diplomatas importantes do Itamaraty, José Guilherme Merquior e Gelson Fonseca Júnior, e deixava transparecer a visão de que o Brasil estava abandonando ideias que não tinham mais validade, que deveriam ser revistas. A vontade de aproximação do Brasil com o Primeiro Mundo e a sugestão de que o desenvolvimento seria alcançado com políticas semelhantes às adotadas no Centro representaram um duro golpe na diferenciação entre Centro e Periferia, tão cara aos diplomatas de formação cepalina.

Lima (1994) afirma que, durante o período Collor, houve uma centralização do processo decisório em política externa na Presidência da República, o que reduziu o protagonismo do Itamaraty no estabelecimento de diretrizes. De fato, a atuação de pessoas de fora da diplomacia favoreceu a mudança da posição brasileira em Genebra, mas a revisão do modelo econômico do Brasil já vinha ganhando alguns adeptos mesmo entre membros da corporação. Em carta enviada ao presidente dos EUA, Collor afirmou que "[havia] acompanhado pessoalmente a evolução das negociações nesse estágio final da Rodada [Uruguai] e [havia] dado instruções relevantes aos negociadores por meio do ministro das Relações Exteriores e ministro da Economia".2222. Carta do Presidente Collor ao Presidente George Bush, 31 de outubro de 1990. Minuta de fax. 118. De Exetriores para Brasemb Washington. Rodada Uruguai. Carta do Presidente Fernando Collor. Em 30 de outubro de 1990. Pasta XCOI-GATT, de 01/08/1990 a 31/10/1990. Caixa 3, Prateleira 3, Estante G89. Dessa maneira, na área de negociações comerciais, a atuação do líder do Executivo foi importante não simplesmente porque retirou do Itamaraty o papel de formulador de política comercial, mas porque deu contornos mais claros a uma mudança de concepções que já vinha ocorrendo entre membros da corporação, o que precipitou a modificação da posição brasileira em Genebra.

A atuação de Collor foi importante na indicação de ministros e secretários-gerais do MRE mais favoráveis às ideias de modernização, defendidas pelo presidente e sua equipe econômica. Nesse período, foram nomeados ministros alheios à corporação diplomática, como Francisco Rezek (1990-1992) e Celso Lafer (1992),2323. Embora Celso Lafer fosse considerado como "da casa", sua atuação foi importante para a criação de novos conceitos de política externa. e foi indicado para a Secretaria-geral o embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, fortemente alinhado às posições agora hegemônicas no Ministério da Fazenda, não apenas no que se referia ao esgotamento da posição de Terceiro Mundo, mas também com relação à funcionalidade da liberalização para o aumento da competitividade das indústrias brasileiras. Com essas medidas, o projeto de modernização via liberalização, abraçado pelo presidente, ganhou adesão entre importantes membros da burocracia do Itamaraty.

Durante o período Collor, em 1991, ocorreu a negociação do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), em que foram aceitas algumas regulamentações às quais o Brasil se opunha desde o início das negociações. Amorim, embora já defendesse a regulamentação de serviços, não era favorável à adoção de regras multilaterais para tratar de propriedade intelectual, mas nesse tema específico cedeu às orientações dos escalões superiores do governo, tentando ponderá-las com o reconhecimento da condição preferencial aos países em desenvolvimento. Em uma avaliação ex post facto, o embaixador diria que a adoção de regras em propriedade intelectual foi benéfica para que o Brasil pudesse negociar de uma maneira mais normal no GATT, eliminando alguns pontos de contencioso e adotando uma postura de demandante em questões de seu interesse, embora isso não fosse claro para ele no momento (AMORIM, 1997, p. 2).

Governo Itamar

Foi apenas no governo Itamar Franco que a Missão Brasileira em Genebra passou a ser ocupada por representantes cujas concepções estavam definitivamente alinhadas às defendidas pelos economistas da Fazenda. Dessa forma, completou-se um período de gradual abandono do pensamento cepalino nas negociações multilaterais de comércio. Batista opunha-se ao lançamento de uma nova rodada e à inclusão de novos temas no GATT. Seu sucessor, Ricupero, vislumbrava que a regulamentação de serviços poderia ser benéfica, embora fosse contrário à adoção de regras em propriedade intelectual. Essa postura foi levada a Montreal em 1988, embora o Brasil tenha "perdido" na questão de propriedade intelectual. Amorim, que chegou a Genebra em 1991, era também contrário à regulamentação em propriedade intelectual, mas acatou as diretrizes presidenciais de que o Brasil deveria deixar de se opor à questão. Por fim, Luiz Felipe Lampreia, que ocupou o último período da rodada, após 1993, achava que a regulamentação em propriedade intelectual e também serviços seria de fato benéfica ao desenvolvimento econômico do Brasil.

As negociações em TRIPS haviam sido finalizadas em 1991, mas foi sob a chefia de Lampreia que a Ata Final da Rodada Uruguai foi aceita, em Marraqueche, em abril de 1994. Alguns diplomatas identificados com a crítica cepalina questionaram no momento se seria viável para o Brasil aceitar a Ata Final, ou se o país deveria vincular sua adoção a avanços maiores em temas do interesse brasileiro, como agricultura. Essa era a postura defendida por Batista, por exemplo, que criticou a posição do governo de imediatamente sinalizar que aceitaria qualquer acordo entre a Comunidade Euroéia e os EUA na solução do impasse agrícola (BATISTA, 1992).

De qualquer maneira, quando ocorreu a finalização da Rodada Uruguai, a equipe negociadora do Brasil já compartilhava várias prescrições econômicas que antes eram fortemente combatidas pelo Brasil. Lampreia considerava que a regulamentação de serviços e propriedade intelectual seria benéfica para a atração de investimentos para o país.2424. Embaixador Luiz Felipe Lampreia, em entrevista ao autor em 8 de abril de 2009. Essa foi uma mudança significativa de discurso. As restrições aos desequilíbrios do balanço de pagamentos, o grande fantasma do final dos anos 1980, deveriam ser agora solucionadas não com a proibição de importar, mas com a criação de condições atrativas ao investimento estrangeiro - que passava pela liberalização e regulação de propriedade intelectual e serviços. Além disso, o embaixador incorporou a defesa de que a liberalização seria crucial para o plano de estabilização econômica em andamento. É difícil ponderar o quanto as posições defendidas pela delegação brasileira nesse momento foram coordena-das com membros do Ministério da Fazenda. No entanto, Lampreia reconhece que, durante sua atuação junto ao GATT, manteve reuniões periódicas com Winston Fritsch, um dos economistas que articulou a reforma da política comercial do governo Collor.2525. Embaixador Luiz Felipe Lampreia, em entrevista ao autor em 8 de abril de 2009.

Essas ideias de Lampreia - de que a abertura seria importante para a estabilidade macroeconômica e para a atração de investimentos - eram compartilhadas pelo ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso (1992-1993), que posteriormente ocuparia a pasta da Fazenda e articularia o plano de estabilização implementado logo após deixar a chancelaria. A importância da liberalização para a estabilização macroeconômica havia permeado o discurso de Ricupero apenas de maneira tangente, mas foi com Lampreia e Cardoso que essa ideia ganhou força política. Na visão de Cardoso (1994, p. 29, ênfase minha), "é do nosso interesse que o GATT se afirme definitivamente como instrumento de expansão do comércio e que a Rodada Uruguai tenha êxito na tentativa de regulamentação dos novos temas como serviços e propriedade intelectual".

Alguns autores argumentam que, no governo Itamar - durante o período em que Cardoso foi chanceler e Lampreia o principal negociador no GATT -, teria havido uma ponderação do impulso liberalizante da política externa, com a "adoção de um posicionamento marcado pela condição de país em desenvolvimento" (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 11). Embora esse movimento tenha ocorrido em certas áreas de atuação, o que se nota com relação à Rodada Uruguai foi um aprofundamento da posição defendida durante o governo Collor, de flexibilizar a oposição aos novos temas.

Tabela 1

A Reforma da Política Comercial no Ministério da Fazenda

No final da década de 1980 e início dos anos 1990, após anos de estagnação econômica e inflação, houve uma profunda mudança na política comercial brasileira. Durante o governo de José Sarney, empossado em 1985, essa reorientação foi impulsionada por instituições de política comercial construídas durante o período "desenvolvimentista", que possuíam grande autonomia em relação a outras instâncias decisórias do governo. Nesse primeiro momento, a Comissão de Política Aduaneira, após ser ocupada por economistas com uma visão crítica quanto à funcionalidade da proteção para o desenvolvimento do país, iniciou uma reforma da Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB) que resultaria na revisão dos níveis de proteção aplicados aos quase 13 mil itens que a compunham. No entanto, nesse governo ainda havia defensores do modelo de industrialização por substituição de importações (ISI), que ocupavam principalmente a Câmara de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex) e alguns postos do Ministério das Relações Exteriores, que dificultaram a abertura comercial.

Foi apenas com a eleição de Fernando Collor que a liberalização comercial ganhou corpo, tendo sido implementada por meio de uma reforma administrativa nos setores econômicos do governo que extinguiu a Cacex e a CPA, e centralizou o processo decisório em política comercial sob os auspícios do recém-criado Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. A reforma administrativa, que reorganizou as instituições de política comercial e promoveu seu reaparelhamento político-ideológico, redefiniu a relação entre Estado e empresariado na formulação da política comercial e foi determinante para que a liberalização não fosse obstruída por opositores tanto de dentro do governo quanto do setor privado. A reestruturação institucional não teve maiores impactos no Ministério das Relações Exteriores, haja vista que este era responsável principalmente pelo sistema de promoção das exportações, enquanto o que estava sob a mira dos economistas "próabertura" era o regime de importações brasileiro. Além disso, o setor privado da economia, cuja participação na formulação da política comercial vinha sendo alvo de críticas, tinha pouca voz na definição das diretrizes do MRE, instituição bastante autônoma perante a sociedade naquele período.

Ideias econômicas

Governo Sarney

No primeiro ano do governo Sarney, em 1985, o ministro da Fazenda, Dílson Funaro, indicou para a secretaria executiva da CPA o economista José Tavares de Araújo Jr., que tinha uma visão crítica quanto ao impacto do sistema de proteção industrial no nível de competitividade das empresas brasileiras.2626. Enfatizo aqui as ideias de Tavares de Araújo porque ele foi o responsável pela implementação do início do processo de revisão das tarifas. As ideias por ele esposadas não são unicamente suas, estavam inseridas no ambiente acadêmico de então, mas foi Tavares quem realizou esses conceitos na ação política do final dos anos 1980. Burocratas que lhe sucederam, como Heloísa Camargos Moreira, compartilhavam suas ideias, tendo inclusive escrito trabalhos juntos antes, e levaram adiante a reforma por ele iniciada. Não quero enfatizar o papel pessoal desse economista, mas não se pode negar que ele foi o agente responsável por traduzir em ação a aspiração de um grupo, de uma época. A CPA era responsável pela definição da tarifa aduaneira aplicada aos diferentes produtos importados. Na única conversa que mantiveram antes de sua posse, Funaro disse a Tavares de Araújo que "o Brasil tinha um sistema de proteção muito antigo, que deveria ser modernizado".2727. José Tavares de Araújo Jr., em entrevista ao autor em 21 de janeiro de 2009. Com base nessa troca de palavras, o economista entendeu que deveria buscar uma relativa liberalização na economia, embora ainda não tivesse claro como alcançar esse objetivo. Sua visão, expressa em diversos trabalhos, era que uma maior exposição da indústria à competição externa poderia incentivar o desenvolvimento tecnológico, problema tão recorrente nos países subdesenvolvidos (ARAÚJO JÚNIOR, 1991; 2000).

Carlos Pio (2001, p. 192) ressalta que, no final dos anos 1980, diversos grupos dentro e fora do aparelho estatal consideravam urgente promover a modernização da indústria, embora não houvesse consenso sobre a forma de se proceder para tal modernização, porque havia divergência sobre se as empresas teriam condições de competir em uma situação de livre mercado. No período em que Tavares de Araújo esteve na CPA, diversos estudos sobre a competitividade do parque industrial brasileiro foram realizados, levando-o a concluir que, embora tivessem bons níveis de competitividade, as exportações brasileiras eram dificultadas pelo aparato protecionista (ARAÚJO JÚNIOR, 1988 apud PIO, 2001, p. 192).

O economista não advogava uma abertura indiscriminada, que em alguns casos poderia levar à desindustrialização. Porém, haja vista que as empresas brasileiras não eram obsoletas como afirmavam alguns, um maior grau de exposição à competição poderia ser benéfico. Na-quela época, somente 15% das empresas não estariam em condições de competir no mercado internacional (ARAÚJO JÚNIOR, 1991, p. 11).2828. Este trabalho do autor é posterior ao período em que chefiou a CPA. No entanto, tomei a liberdade de citá-lo como uma das explicações para a reforma porque a conclusão de Tavares de Araújo se baseia em estudos feitos em meados da década de 1980. Segundo o secretário executivo da CPA, uma característica das indústrias nacionais a ser modificada era que a competitividade não advinha de investimentos privados em inovação, mas sim da grande capacidade de absorver inovações geradas no resto do mundo (ARAÚJO JÚNIOR, 1991, p. 11). Naquele momento, em que se estava consolidando no GATT um regime de proteção aos direitos de propriedade intelectual, essa forma de incorporar inovações do resto do mundo deveria ser substituída por investimentos em inovação realizados pelas próprias empresas. A competição com o mercado externo seria uma forma de motivar os empresários brasileiros a perseguirem a inovação para se diferenciar dos demais.

Governo Collor

Um ponto central da campanha eleitoral de Collor foi sua crítica aos "marajás", que faziam da política brasileira o espaço para a consecução de interesses privados. Pode-se dizer que o eleitorado, ao endossar a proposta da campanha, forneceu legitimidade às reformas realizadas no Estado com o intuito de extirpar a participação de setores do empresariado da definição da política comercial, pelo que talvez não se possa caracterizar o insulamento burocrático subsequente como um caso de "estelionato eleitoral". O imperativo da separação entre o interesse público, representado pelo Estado, e o interesse privado, defendido por pessoas "infiltradas no aparelho estatal", que permeou a retórica de Collor, encontrou eco na crítica feita por diversos economistas quanto à participação do setor privado na formulação da política comercial.2929. O próprio José Tavares de Araújo, responsável pela reforma tarifária de 1988, embora tivesse defendido em textos da época que a sociedade deveria se engajar em um debate sobre a liberalização, comenta, em entrevista, que, quando assumiu o posto, passava suas tardes atendendo a empresários que lhe vinham solicitar benesses na definição da alíquota. Dessa maneira, o segundo momento da abertura brasileira foi uma grande guinada na política comercial praticada até então, quando as propostas políticas do presidente convergiram com críticas econômicas dirigidas ao regime comercial. Grande parte dos autores comenta que a Reforma da Tarifa Aduaneira de 1988 foi apenas uma preparação para a mudança que seria implementada por Collor.

Ainda atuando de fora do aparelho do Estado, no final da década de 1980 alguns economistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) especializados em política comercial passaram a incorporar em seus textos diversas críticas à política comercial praticada durante o modelo de industrialização por substituição de importações. O argumento desenvolvido por esse grupo era de que uma das causas do desequilíbrio fiscal do governo no final dos anos 1980 estava na relação entre Estado e empresariado, que permitia que o setor privado participasse da formulação da política comercial e industrial, mantendo benefícios e preferências insustentáveis para a economia naquele momento. Essa relação havia sido uma das causas do parco resultado obtido na reforma tarifária de 1988, quando grupos de interesse se organizaram para que não houvesse uma liberalização mais ampla da economia. Instituições como a CPA e a Cacex, ao permitirem a consulta ao empresariado, perpetuavam esse vício do Estado que conspirava contra o interesse público de combate à inflação. A Cacex estaria especialmente contaminada por esse tipo de política, pois licenças de importação eram fornecidas de maneira errática, com o objetivo principal de evitar o dispêndio das reservas de moeda estrangeira com as importações (ABREU, 1994; ABREU; FRITSCH, 1986; 1987; 1996; FRANCO, 1998; FRANCO; FRITSCH, 1992a, 1992b; FRITSCH; FRANCO, 1988, 1989).

Enquanto esse grupo de economistas defendia reformas liberais para o saneamento da economia, havia grupos privados e certos setores governamentais fortemente combativos às reformas, o que fortaleceu a convicção de que a solução para alguns problemas econômicos só ocorreria com o insulamento burocrático das arenas de decisão (PIO, 2001). De fato, a liberalização no governo Collor foi precedida por reformas administrativas que colocaram a formulação da política comercial nas mãos de um pequeno grupo de técnicos.

No que tange à política comercial, o problema da relação entre Estado e empresariado residia principalmente nos regimes especiais de importação, administrados pela Cacex, que emitia licenças de importação com grande discricionariedade (KUME, 1990). Em razão da possibilidade de comprarem mercadorias sem o pagamento do imposto de importação, muitas empresas pleiteavam o enquadramento em algum regime especial existente ou pressionavam para a criação de novos regimes. Segundo Kume, isso levou à proliferação desses mecanismos e à expansão da parcela de importações com benefício fiscal, anulando

o intento inicial das licenças, que era economizar moeda estrangeira. O autor ressalta que, entre 1977 e 1985, 69% das importações (excluindo petróleo e lubrificantes) receberam isenção ou redução dos tributos (KUME, 1990, p. 3). Kume ocupou a Coordenadoria Técnica de Tarifas (CTT) durante o governo Collor e foi responsável pela elaboração do cronograma de liberalização de 1991. Para Kume, o regime de importações brasileiro, além de não produzir o efeito desejado de incentivar a importação de categorias de bens não produzidos domesticamente, imprimia um viés antiexportador à economia.

Tal sistema de proteção, considerado "irracional" do ponto de vista do equilíbrio fiscal, só pôde perpetuar-se devido à pressão política desses setores beneficiados pelas medidas. É com esse argumento que Kume explica os parcos resultados alcançados na reforma tarifária da CPA de 1988, que buscava reduzir a participação das compras externas pelos regimes especiais de 66,4% para 39% (KUME, 1990, p. 22-24). A pressão política que impediu uma maior liberalização na reforma de 1988 teria sido responsável também por manter os canais institucionais de participação do empresariado na definição da política comercial durante o governo Sarney. Isso se deu com a publicação do Decreto-Lei n. 2.433, de 17/06/1988, que reorganizou o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) atribuindo-lhe, novamente, poder de conceder incentivos setoriais dentro dos programas setoriais integrados (PSI), por meio da redução de até 80% do Imposto de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) nas importações de setores considerados prioritários (KUME, 1990, p. 22).

Alguns desses economistas foram incorporados à equipe econômica do governo Collor e passaram a participar não apenas da formulação da política comercial do novo governo, mas também dos programas de estabilização. Eduardo Modiano atuou nesta área, enquanto Winston Fritsch e Gustavo Franco foram os principais protagonistas da reforma da política comercial implementada no início desse governo.3030. Marcelo de Paiva Abreu, em entrevista ao autor em 18 de fevereiro de 2009.

Implementação política: centralização decisória e insulamento burocrático

Governo Sarney

A concepção presente no pensamento de Tavares de Araújo, de que uma maior exposição da economia traria benefícios à produtividade da indústria e, em última instância, aumentaria as exportações, ganhou espaço entre pessoas de peso na hierarquia do governo Sarney no final da década de 1980. Esse foi um passo essencial para que a proposta ganhasse viabilidade política. O ministro da Fazenda Bresser-Pereira, por exemplo, estava mais sintonizado com a importância da abertura do que seu antecessor, Dílson Funaro.3131. Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008, afirma que Funaro se identificava com a linha tradicional do Itamaraty, de proteção às indústrias pelo Estado, que deveria ser o principal agente do desenvolvimento.

Para Bresser-Pereira, a liberalização poderia contribuir para a estabilização de preços. Essa ideia surgiu de forma bastante incipiente no período Sarney, mas não foi traduzida em nenhuma diretriz específica, já que nos planos de estabilização desse período não houve menção alguma à abertura como forma de contenção de preços. Da mesma maneira, Tavares de Araújo, que coordenava a redefinição das alíquotas, não tinha intenção de utilizar a liberalização para conter a alta dos preços, e tampouco recebeu qualquer instrução do ministro ou de outras áreas do governo nesse sentido.3232. José Tavares de Araújo, em entrevista ao autor em 21 de janeiro de 2009. Essa ideia apenas surgiu com força no governo Collor, quando o plano de estabilização Collor I colocou a abertura como instrumento para o objetivo maior de estabilização (BAER, 1996, p. 202). Essa modificação de concepções foi essencial para que a liberalização passasse a ser vista como um imperativo diante da crise que o Brasil atravessava há anos.

Embora o secretário executivo da CPA fosse favorável à abertura da economia, durante o governo Sarney outras instituições de política comercial, como a Cacex e o próprio Ministério das Relações Exteriores, não eram completamente adeptas desse conjunto de ideias. O presidente Collor aboliria esses focos de resistência por meio da centralização das instâncias decisórias em política econômica sob o único Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento (MEFP) e pela extinção da Cacex e da CPA.

A adesão reticente de burocratas nas instituições de política comercial a essas ideias liberalizantes no primeiro momento da abertura ficou clara quando, no dia do anúncio da Reforma da Tarifa Aduaneira, em 19 de maio de 1988, foi também lançada a Nova Política Industrial (NPI), que apresentava diversas formas de incentivo seletivo à promoção da indústria. A NPI havia sido preparada por outro conjunto de economistas atuantes no governo, mais identificados com o modelo de proteção existente. Carlos Pio (2001) defende que a cisão entre grupos que ocuparam diferentes instituições no governo e a prevalência dos economistas estruturalistas sobre os liberais até 1989 explicam porque o Brasil foi um dos últimos países na América Latina a liberalizar a economia.

Governo Collor

Quando ocorreram as primeiras eleições presidenciais diretas após a redemocratização, em 1989, alguns economistas da PUC-Rio, filiados ao PSDB ou ideologicamente afeitos à candidatura de Mário Covas, foram convidados para elaborar a proposta de política industrial do então candidato. O encarregado para a formulação foi o próprio Winston Fritsch, que convidou outros economistas, entre eles Gustavo Franco, para auxiliá-lo na tarefa.3333. O grupo completo era Winston Fritsch, Gustavo Franco, Eduardo A. Guimarães, Wilson Suzigan, José Roberto Mendonça de Barros e Fátima Dibb. Privilegio as ideias de Fritsch e Franco, antes de tudo, porque foi Fritsch quem escolheu sua equipe de trabalho, com os quais tinha afinidade; e, depois, porque publicou diversos trabalhos conjuntos com Gustavo Franco. Após a derrota de Mário Covas no primeiro turno, Fritsch foi convidado por outro colega da PUC-Rio, Eduardo Modiano, para integrar a equipe que prepararia o programa de governo de Collor, sob a coordenação de Zélia Cardoso de Mello (PIO, 2001, p. 224, p. 225).

Após a vitória de Collor, tiveram início os trabalhos de preparação da proposta de política comercial e industrial. O principal resultado do trabalho desse grupo foi a medida provisória n. 158, que representou a maior guinada já ocorrida na política comercial brasileira; a portaria do MEFP n. 56; e a exposição de motivos n. 48, que justificava o novo modelo de política comercial a ser implementado. Em termos sucintos, foram eliminados quase todos os instrumentos de política comercial utilizados no período da ISI - licenças à importação, regimes especiais, tarifas elevadas e subsídios. Além disso, o trabalho desse grupo serviu de base para a formulação da medida provisória n. 161, que eliminou diversos incentivos fiscais que compunham a política industrial do modelo anterior.

Além da redução do grau de proteção, houve reformas administrativas das instituições de política comercial existentes - CPA e Cacex - que resultaram na eliminação dos canais de participação do setor privado na definição da política comercial e na centralização das decisões em política comercial nas mãos de poucos economistas. A centralização das decisões em política comercial em uma única instância decisória e a total reformulação da equipe econômica foram essenciais para que focos de oposição à liberalização dentro do governo - como a Cacex havia sido durante o governo Sarney - fossem eliminados.

Em primeiro lugar, foi criado o MEFP, que acumulou funções dos antigos Ministério da Indústria e do Comércio e Ministério da Fazenda e da Secretaria do Planejamento da Presidência da República (Seplan). Em segundo lugar, houve a criação do Departamento de Comércio Exterior (Decex), subordinado à recém-criada Secretaria Nacional de Economia (SNE), sob os auspícios do MEFP, que passou a centralizar as ações de política comercial. A Cacex, anteriormente vinculada ao Banco do Brasil, foi extinta, e sua função transferida à Coordenadoria Técnica de Intercâmbio Comercial (CTIC), subordinada ao De-cex/SNE/MEFP; e as funções da antiga CPA, também extinta, foram transferidas à Coordenadoria Técnica de Tarifas (CTT), também subordinada ao Decex/SNE/MEFP (PIO, 2001, p. 228, p. 229).3434. Decreto n. 99.244, de 10/05/90. Dessa maneira, a reforma eliminou canais de relação Estado-empresariado, como a Cacex e a própria CPA, que dificultavam a modificação do regime anterior. As reformas bateram às portas do MRE, mas não afetaram o ministério de maneira significativa. As principais medidas foram a divisão da Secretaria-geral em três subsecretarias menores e a redefinição de algumas competências em política comercial. O embaixador Celso Amorim, então chefe do Departamento Econômico, diz que passou os primeiros dias de trabalho nesse departamento tentando reaver algumas prerrogativas do Itamaraty que haviam sido alteradas com a reforma administrativa (AMORIM, 1997).

A Secretaria Nacional de Economia também controlava o Departamento de Abastecimento e Preços (DAP), o que possibilitou que a política comercial fosse utilizada como instrumento do controle de preços quando a autoridade monetária assim entendeu. Nesse momento, órgãos colegiados, que eram formados por diversas agências burocráticas, foram eliminados, como a própria CPA, o CDI, o Conselho da Indústria Siderúrgica (Consider), entre outros (PIO, 2001, p. 228).

É difícil definir quem foi o responsável pela decisão política de realizar a reforma administrativa, embora a ministra Zélia Cardoso de Mello possa ser considerada como uma pessoa importante, já que controlava o topo da hierarquia em assuntos econômicos. A ministra tinha ampla liberdade perante o presidente Collor na decisão de questões econômicas e se utilizou de justificativas desenvolvidas nos trabalhos dos economistas que prepararam a abertura para implementar as reformas desse governo.3535. Marcelo de Paiva Abreu, em entrevista ao autor em 18 de fevereiro de 2009. O presidente Collor, por sua vez, desfrutava de ampla legitimidade para utilizar os meios que achasse necessários para sanar um problema que cada vez mais foi considerado como um tema técnico e não político - a inflação -, posto que era o primeiro presidente eleito de forma direta após a redemocratização. Com a nova estrutura institucional, o plano de estabilização Collor I colocaria, pela primeira vez entre os planos heterodoxos, a abertura comercial como instrumento de contenção de preços.

Depois do anúncio das medidas de liberalização, nos dois primeiros dias de governo, o grupo de economistas da PUC-Rio deixou a equipe de Collor, que passou a ser constituída por João Maia na SNE, José Artur Denot Medeiros no Decex/SNE/MEFP e Honório Kume na CTT/Decex/SNE/MEFP. Nesse período, a principal medida de abertura foi o cronograma de redução tarifária preparado por Kume, já que outras medidas não foram aprovadas pelo Congresso (PIO, 2001, p. 230).

Tabela 2

 

Conclusão

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o Brasil realizou uma reforma da política comercial sem precedentes, que levou à eliminação de uma grande quantidade de barreiras à importação que visavam economizar divisas ao mesmo tempo em que incentivavam a implantação de indústrias no país. A redefinição do regime de importações foi acompanhada pela revisão de diretrizes da diplomacia econômica brasileira, que passou a defender, na Rodada Uruguai do GATT, a incorporação dos princípios de liberalização progressiva, transparência e não discriminação ao comércio de serviços e a questões de propriedade intelectual relacionadas ao comércio.

Durante o governo Sarney, a implementação dessas prescrições econômicas ocorreu com base em instituições construídas durante o período "desenvolvimentista", quando a CPA foi ocupada por indivíduos que vislumbravam que as tarifas de importação deveriam ser revistas. Esse processo resultou na reforma da tarifa aduaneira de 1988, que reduziu significativamente os níveis de proteção à indústria nacional. O segundo momento importante da abertura ocorreu com Collor. Nesse governo, foram eliminados os impedimentos políticos à realização de reformas econômicas por meio de uma ampla reforma administrativa, que centralizou o processo decisório em política comercial sobre os auspícios do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento; de uma renovação profunda da equipe econômica; e do insulamento burocrático das instâncias de decisão de setores governamentais que poderiam obstruir a liberalização. Com essa reforma, foram extintas a CPA e a Cacex, instituições construídas durante o período desenvolvimentista. O resultado foi a eliminação do sistema de licenciamento às importações e a adoção de um cronograma de liberalização que reduziria as tarifas a um nível médio próximo a 14% em 1994.

O Ministério das Relações Exteriores não sofreu uma reforma institucional de grande impacto. Suas atribuições na formulação da política comercial mantiveram-se praticamente inalteradas durante o período de transição. Isso ajuda a compreender porque não houve uma redefinição brusca da posição brasileira na Rodada Uruguai logo após a chegada do governo Collor. Em grande medida, a mudança de postura brasileira pode ser atribuída à desestruturação do grupo de diplomatas formados em uma tradição cepalina de pensamento, para quem o comércio livre tinha efeitos distintos para o Centro e a Periferia do sistema capitalista, agravando o subdesenvolvimento dos países pobres. Esses "diplomatas economistas" tradicionalmente ocupavam os postos responsáveis pela formulação da posição negociadora do Brasil nas rodadas multilaterais de comércio - a Missão Brasileira em Genebra e o Departamento Econômico do Itamaraty. Após a redemocratização, com a indicação de pessoas de fora da corporação diplomática para o cargo de chanceler - Setúbal, Abreu Sodré, Rezek, Lafer, Cardoso -, o grupo começou a perder hegemonia. A desestruturação iniciou-se com a saída de Paulo Nogueira Batista da missão em Genebra e a indicação de Ricupero para o posto, pelo próprio presidente da República. O cargo de principal negociador na Rodada Uruguai seria posteriormente ocupado por Amorim e Lampreia, que tampouco haviam tido uma formação econômica com base em pressupostos desenvolvimentistas. Paralelamente, diplomatas que até então entendiam que o Brasil deveria pautar sua atuação em uma aliança com o Terceiro Mundo, em prol da reforma da ordem econômica internacional modificaram sua percepção, após o "milagre brasileiro" e a crise dos anos 1980. Alguns integrantes do grupo de "diplomatas economistas" passaram a defender que, após a industrialização do Brasil e a diversificação de sua pauta exportadora, não fazia sentido apoiar uma coalizão tão ampla como fora o G-77.

Embora ideias econômicas semelhantes tenham permeado a burocracia dos dois ministérios, diferenças institucionais explicam a demora do Itamaraty, com relação à Fazenda, em incorporar princípios liberais à posição no GATT. O Itamaraty é uma burocracia em que prevalece um forte espírito de corpo entre os membros, baseado na identificação dos integrantes com uma longa tradição, que lhes antecede no tempo e oferece diretrizes seguras de ação. Isso torna difícil a difusão de ideias completamente novas entre os diplomatas, comprometidos com uma tradição consolidada. Além disso, a forma de admissão à carreira, o sistema de promoções e o curso de formação do Instituto Rio Branco contribuem para que recém-chegados à Casa não se oponham frontalmente às teses defendidas por superiores. Essas características estruturais do Itamaraty restringem o acesso de novas ideias e indivíduos ao processo decisório em política externa, em comparação com outras burocracias do Estado. Por esses motivos, o Itamaraty tardou em incorporar, nas instruções à Missão Brasileira em Genebra, princípios liberais de comércio que iam contra uma tradição de defesa das ideias da Cepal. Em grande medida, o rompimento do consenso cepalino contou com o suporte de ministros de fora da corporação, que indicaram indivíduos não socializados no grupo de "diplomatas economistas" para cargos importantes para as negociações multilaterais. No Ministério da Fazenda, por sua vez, houve a completa renovação da equipe responsável pela política comercial tão logo ideias liberais foram esposadas por políticos importantes. Nesse caso, não houve tradição ou plano de carreira que pesasse contra a realização de reformas institucionais, que acabaram por centralizar o processo decisório, eliminando resistências à abertura.

Em ambos os ministérios, houve momentos em que as regras, normas e procedimentos das instituições de política comercial foram colocados a serviço do ideal de abertura. No Itamaraty, as modificações foram mais brandas e adotadas principalmente no governo Sarney, quando ocorreu a criação da Subsecretaria-geral para Assuntos Econômicos e Comerciais. Embora a reorganização tenha cumprido a função de centralizar o processo decisório e reduzir resistências internas à adoção de uma nova agenda, não foi possível saber em que medida ela foi resultado de uma ação intencional dos agentes com vistas a redefinir políticas, ao contrário do que ocorreu na Fazenda. Com Collor, houve a criação do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, a extinção da Cacex e da CPA, e a criação do Decex, sob a órbita da SNE, responsável pela estabilização dos preços. Essa redefinição foi tomada com os objetivos expressos de colocar a política comercial a serviço da estabilização inflacionária e de reduzir resistências à implementação de uma nova agenda de liberalização.

As reformas institucionais realizadas no Ministério da Fazenda levamnos a uma última conclusão. Pode-se dizer que uma análise das ideias dos formuladores políticos será tanto mais importante quanto mais insulada for a burocracia nas quais atuam. Em instituições em que o processo decisório ocorre de maneira autônoma diante de pressões externas - tanto em relação a outras agências burocráticas quanto a setores privados -, a vontade dos membros da corporação e a maneira como elas são canalizadas para as decisões políticas são muito importantes na definição de resultados. Esse é o caso do Itamaraty, que conta com forte legitimidade na formulação da política externa, o que lhe confere certa autonomia na definição das diretrizes de ação externa. Durante o início do governo Collor, a criação do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento ocorreu com o objetivo de conferir, também a esse ministério, maior autonomia na formulação política comercial frente a setores privados. Essa ruptura institucional concedeu maior peso às visões de mundo compartilhadas pelos economistas que ocuparam os cargos decisórios, razão pela qual o estudo de suas ideias se mostra tão importante para a explicação da liberalização comercial brasileira.

Notas

Artigo recebido em abril e aprovado para publicação em agosto de 2010.

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  • WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2002.
  • 1
    . A competência para a formulação da política comercial no período não era apenas de uma burocracia do Estado. À época do governo Sarney, sua definição estava a cargo do Conselho Nacional de Comércio Exterior (Concex), criado em 1966 pela lei n. 5.025. Eram responsáveis pela execução das determinações do Concex a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), responsável pela regulamentação doméstica do regime de importações, e o Ministério das Relações Exteriores (MRE), encarregado da implementação das determinações do Concex no âmbito externo. Além dessas instituições, competia à CPA, presidida pelo Ministério da Fazenda, a definição das alíquotas de importação aplicadas aos diversos produtos. Embora o Concex fosse o órgão colegiado hierarqui-camente superior na definição da política comercial, a ação das instâncias inferiores de decisão - Cacex, CPA e MRE - se dava com bastante autonomia.
  • 2
    . Embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009.
  • 3
    . Para uma análise do período de formação do Estado burocrático brasileiro e uma comparação entre as organizações militar e diplomática, ver BARROS (1977).
  • 4
    . O entrelaçamento de ideias novas a conceitos anteriores, com a intenção de que sejam legitimados pela tradição, é tratado por (CAMPBELL, 2001, p. 175). A autoridade tradicional é um conceito estudado por Max Weber (2002, p. 64), como um dos três fundamentos da legitimidade política: carismática, racionallegal e tradicional.
  • 5
    . "Barbudinhos" foi uma expressão conferida pelo embaixador norte-americano Anthony Motley a um grupo de diplomatas que ingressou no MRE na década de 1960 e que atuou no período em que as teses de congelamento de poder mundial e do não alinhamento automático eram o corolário político do "desenvolvimento em marcha forçada" de Geisel. O termo "barbudinhos" referia-se tanto à sua aparência física quanto a semelhanças com o pensamento de Fidel Castro. Entre eles, destacam-se o embaixador Celso Amorim, assessor de gabinete do ministro das Relações Exteriores Azeredo da Silveira (1974-1979) e Roberto Abdenur, assessor de gabinete do secretário-geral Ramiro Saraiva Guerreiro nesse mesmo período (ARBILLA, 1997, p. 376).
  • 6
    . Embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009; embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 25 de dezembro de 2008; e minuta de telegrama n. 1219. Rodada Uruguai. Representante da CNI. Em 20 de outubro de 1990. Pasta XCOI-GATT, de 01/08/1990 a 31/10/1990. Caixa 3, Prateleira 3, Estante G89.
  • 7
    . Atualmente, o sistema de promoções da carreira diplomática é regulado pelo decreto n. 6.559, de 8 de setembro de 2008.
  • 8
    . Vale abrir um parêntese para comparar essa forma de organização burocrática com o padrão vigente no Ministério da Fazenda, onde não havia uma carreira consolidada, tampouco uma cultura organizacional tão pautada em tradições e "linhas de continuidade", como as que conferiam linearidade à política do Itamaraty. Apenas a título de ilustração, nos primeiros oito anos de governo pósredemocratização, o Ministério da Fazenda foi dirigido por dez pessoas, que trouxeram consigo suas equipes, indicando a grande renovação do topo da burocracia. Essa renovação da burocracia técnica não ocorreu de maneira tão acelerada e acentuada no MRE.
  • 9
    . Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008; embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, em entrevista ao autor em 10 de fevereiro de 2009; embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009.
  • 10
    . Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008.
  • 11
    . Ao longo do texto, refiro-me a esse grupo como sendo os "diplomatas economistas", embora a formação de seus integrantes fosse muito mais heterogênea do que aquilo que se entende como uma carreira de economista hoje. Diante da inexistência de cursos de graduação em economia no Brasil, o aprendizado em temas econômicos ocorria, em grande medida, pela experiência de trabalho nas divisões econômicas do Ministério e pela realização de cursos no exterior.
  • 12
    . Caldas (1998) afirma que, durante a Rodada Uruguai, o processo decisório no Ministério das Relações Exteriores centrava-se fundamentalmente no chefe da Missão Brasileira em Genebra. Outros atores importantes participavam da definição das posições, como o secretário-geral e diplomatas atuantes no Departamento Econômico do Itamaraty, embora de maneira mais esporádica. Esse autor ressalta a importância da Secretaria Geral no processo decisório, que realizava o contato das missões brasileiras no exterior com o Ministério. Em questões rotineiras, muitas vezes o ministro era apenas informado das decisões tomadas (CALDAS, 1998, p. 48). Farias (2007) questiona a visão de Caldas e defende que as unidades decisórias em negociações comerciais no GATT eram menos definidas (estáticas) do que supõe aquele autor, já que muitas vezes agências distintas do governo eram chamadas a participar na formulação da posição brasileira relacionada a temas sobre os quais o MRE tinha pouco conhecimento.
    Neste trabalho, me restringi a analisar a postura de diplomatas que ocuparam a chefia da Missão Brasileira em Genebra e o Departamento Econômico do MRE. A análise centrada no Itamaraty é também bastante importante porque os setores privados tinham uma participação reduzida na formulação da posição negociadora brasileira (CUNHA, 2008). O embaixador Ricupero também endossa essa visão ao comentar, em entrevista, que, durante o período em que chefiou a delegação brasileira em Genebra, as decisões eram tomadas na delegação e posteriormente comunicadas ao MRE. Apenas em raros casos diplomatas do Ministério se pronunciavam contrariamente ao que fora decidido. Além disso, nas fases iniciais das discussões (especialmente serviços e propriedade intelectual), em que se definiam conceitos e modalidades, a participação do MRE era predominante. Outras agências, de fato, participaram em estágios finais, como foi o caso da oferta tarifária brasileira, preparada pela DECEX/MFAZ.
  • 13
    . Outros diplomatas que compartilhavam essa visão, mas não atuavam mais no Itamaraty à época, eram Miguel Ozório de Almeida, Lindenbergue Sette, Correa Costa e Carlos Augusto de Proença Rosa.
  • 14
    . O lançamento de uma nova rodada foi formalmente proposto apenas alguns anos mais tarde, pelo Japão.
  • 15
    . Embaixadores Sebastião do Rego Barros, Marcos Castrioto de Azambuja e Rubens Ricupero, entrevista ao autor.
  • 16
    . O GIB e o GIS foram criados, respectivamente, pelos decretos n. 92.466 e 92.467, de 17 de março de 1986.
  • 17
    . Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008.
  • 18
    . Embaixador Sebastião do Rego Barros, em entrevista ao autor em 5 de março de 2009.
  • 19
    . Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008.
  • 20
    . Embaixador Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008.
  • 21
    . Embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, em entrevista ao autor em 10 de fevereiro de 2009.
  • 22
    . Carta do Presidente Collor ao Presidente George Bush, 31 de outubro de 1990. Minuta de fax. 118. De Exetriores para Brasemb Washington. Rodada Uruguai. Carta do Presidente Fernando Collor. Em 30 de outubro de 1990. Pasta XCOI-GATT, de 01/08/1990 a 31/10/1990. Caixa 3, Prateleira 3, Estante G89.
  • 23
    . Embora Celso Lafer fosse considerado como "da casa", sua atuação foi importante para a criação de novos conceitos de política externa.
  • 24
    . Embaixador Luiz Felipe Lampreia, em entrevista ao autor em 8 de abril de 2009.
  • 25
    . Embaixador Luiz Felipe Lampreia, em entrevista ao autor em 8 de abril de 2009.
  • 26
    . Enfatizo aqui as ideias de Tavares de Araújo porque ele foi o responsável pela implementação do início do processo de revisão das tarifas. As ideias por ele esposadas não são unicamente suas, estavam inseridas no ambiente acadêmico de então, mas foi Tavares quem realizou esses conceitos na ação política do final dos anos 1980. Burocratas que lhe sucederam, como Heloísa Camargos Moreira, compartilhavam suas ideias, tendo inclusive escrito trabalhos juntos antes, e levaram adiante a reforma por ele iniciada. Não quero enfatizar o papel pessoal desse economista, mas não se pode negar que ele foi o agente responsável por traduzir em ação a aspiração de um grupo, de uma época.
  • 27
    . José Tavares de Araújo Jr., em entrevista ao autor em 21 de janeiro de 2009.
  • 28
    . Este trabalho do autor é posterior ao período em que chefiou a CPA. No entanto, tomei a liberdade de citá-lo como uma das explicações para a reforma porque a conclusão de Tavares de Araújo se baseia em estudos feitos em meados da década de 1980.
  • 29
    . O próprio José Tavares de Araújo, responsável pela reforma tarifária de 1988, embora tivesse defendido em textos da época que a sociedade deveria se engajar em um debate sobre a liberalização, comenta, em entrevista, que, quando assumiu o posto, passava suas tardes atendendo a empresários que lhe vinham solicitar benesses na definição da alíquota.
  • 30
    . Marcelo de Paiva Abreu, em entrevista ao autor em 18 de fevereiro de 2009.
  • 31
    . Rubens Ricupero, em entrevista ao autor em 28 de dezembro de 2008, afirma que Funaro se identificava com a linha tradicional do Itamaraty, de proteção às indústrias pelo Estado, que deveria ser o principal agente do desenvolvimento.
  • 32
    . José Tavares de Araújo, em entrevista ao autor em 21 de janeiro de 2009.
  • 33
    . O grupo completo era Winston Fritsch, Gustavo Franco, Eduardo A. Guimarães, Wilson Suzigan, José Roberto Mendonça de Barros e Fátima Dibb. Privilegio as ideias de Fritsch e Franco, antes de tudo, porque foi Fritsch quem escolheu sua equipe de trabalho, com os quais tinha afinidade; e, depois, porque publicou diversos trabalhos conjuntos com Gustavo Franco.
  • 34
    . Decreto n. 99.244, de 10/05/90.
  • 35
    . Marcelo de Paiva Abreu, em entrevista ao autor em 18 de fevereiro de 2009.
  • *
    Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado apresentada no Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio), intitulada "O fim do consenso de o consenso do fim: a reforma da política comercial brasileira entre 1985 e 1994". Agradeço sinceramente os comentários valiosos de Letícia de Abreu Pinheiro, Maria Regina Soares de Lima e Carlos Pio, ressalvando que todos os erros são de minha autoria.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      Ago 2010
    • Recebido
      Abr 2010
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