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Le conseil de sécurité dans l'après 11 septembre

RESENHA

Le conseil de sécurité dans l'après 11 septembre

Tarcisio Corrêa de Brito

Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; mestre em Relações Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade Panthéon-Assas, Paris; doutorando em Direito Público, com especialidade em Direito Internacional na Faculdade de Direito da Universidade Panthéon-Assas; e juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, Minas Gerais

Serge Sur. Paris, LGDJ, 2004, 162 páginas.

Principal órgão de uma organização quase sexagenária, o Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU), ao longo de décadas, sobreviveu às contradições e às tensões decorrentes de sua atuação, entre ambigüidades, fragilidade e sucesso. De um ponto de vista mais amplo, inserida sua ação na perspectiva do sistema de segurança coletiva, temas como o direito natural de legítima defesa (artigo 51 da Carta da ONU), a responsabilidade principal do CS em matéria de paz e segurança internacionais (artigo 24, capítulo VII) e os limites e condições de controle de determinadas "situações" internacionais encontram-se, hoje, política, militar e midiaticamente na ordem do dia da diplomacia multilateral. A eficácia desse sistema que repousa tanto sobre a fragmentação (sistemas de equilíbrio) quanto sobre a aglomeração (sistemas de dominação) somente será atingida a partir da realização de duas séries de objetivos complementares: preventivo ou dissuasivo, de um lado, e corretivo ou coercitivo do outro.

Conhecido pesquisador das questões relativas à pazeàsegurança internacionais, o professor Serge Sur transita, com maestria, entre os temas contemporâneos do direito internacional público e das relações internacionais, sendo hoje, reconhecidamente, um dos maiores especialistas na área, em língua francesa. Sua mais recente obra, "Le Conseil de Sécurité dans l'après 11 Septembre", inserida no contexto de continuidade de suas reflexões no domínio das relações internacionais, oferece uma abordagem dinâmica do CS, convidando à reflexão e ao diálogo, em três perspectivas complementares: visão de longe (problemas permanentes em síntese), visão de perto (problemas existenciais, considerando suas principais crises no pós-11 de Setembro e as reações subseqüentes) e visão em movimento (dinâmica e perspectivas da evolução e reforma do CS).

Sur considera que, visto de longe, o CS pode ser apreendido tanto a partir da análise da ação dos membros permanentes (P5)1 1 . República da China, França, Rússia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da América. , os "mestres do sistema", quanto da perspectiva do alcance e dos limites do exercício do direito natural de legítima defesa previsto no artigo 51 da Carta da ONU. Na primeira perspectiva, torna-se evidente que as deficiências estruturais do órgão se encontram calcadas na existência do direito de veto de ordem constitucional. Do ponto de vista material, este direito, ainda que considerado em sua "lógica de fusível", funciona como um instrumento de discriminação legal entre os Estados-membros, contraditoriamente reconhecido no seio de uma organização fundada sobre o princípio da igualdade soberana de seus membros (artigo segundo, parágrafo primeiro da Carta). Do ponto de vista procedimental, a atuação dos membros do P5 acaba por criar um "efeito de meio" imposto a cada membro do CS, uma lógica de diplomacia multilateral, mesclando igualmente individualismo e colegiado, igualdade e hierarquia. Assim, no que diz respeito à composição do CS, prevalece a lógica de eficácia sobre a lógica de representação: a primeira identifica-se com o poder efetivo de contribuição político-militar de cada membro permanente (capacidade efetiva de decisão e de ação); a segunda, com os membros não-permanentes e o papel significativo a eles atribuído na composição de interesses no caso de divergências no plano de decisão entre os membros do P5, desde que não exercido, de maneira afirmativa, o direito de veto.

Superando essa aparente contradição inicial que privilegia a ação hegemônica do P5 em detrimento da igualdade formal entre os Estados-membros da ONU, Sur afirma, na segunda perspectiva, que a discricionariedade e a arbitrariedade da atuação do Conselho é reconhecida no capítulo VII da Carta (que trata da ação em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e atos de agressão), além de sua lógica política e hegemonia coletiva, baseadas mais nos interesses vitais do que em uma consideração objetiva da paz e da segurança internacionais. É, pois, esse aspecto que permite ao CS adaptar-se de maneira flexível à evolução dos problemas de segurança internacional, tais como os conflitos regionais de caráter internacional, o hiperterrorismo e a proliferação de armas de destruição massiva, o que explica por que se preferiu criar um órgão político em vez de dotá-lo de uma natureza judiciária ou de submeter suas decisões a tal controle.

Quanto à possibilidade desse controle, a resistência de Sur é infundada, por algumas razões. Primeiramente, é importante observar que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) é um elemento do sistema para a manutenção da paz estabelecido pela Carta da ONU, constituindo o órgão judiciário principal do sistema onusiano. É inegável, ainda, que a própria Carta distingue as competências conferidas ao CS e à Corte no que diz respeito às questões relativas ao uso da força nas relações internacionais e da legítima defesa, explicitadas pela CIJ em vários casos por ela julgados: Companhia de Petróleo Anglo-Iraniana (1952); Plataforma Continental do Mar Egeu (1978); pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos em Teerã (1980); atividades militares e paramilitares em Nicarágua (1984) ; e questões de interpretação e de aplicação da Convenção de Montreal de 1971 resultantes do incidente aéreo de Lockerbie (1992). Argumentativamente, a Corte estabeleceu que, embora as questões sejam submetidas ao CS, nada impede que a CIJ tome conhecimento delas, podendo os dois procedimentos - político e judicial - serem conduzidos paralelamente, situação, por certo, diferente daquela prevista no artigo 12 da Carta.

Em segundo lugar, contrariamente à interpretação de Sur, a responsabilidade principal reconhecida pela Carta ao CS nos moldes de seu artigo 24 não significa exclusividade quanto ao sujeito da manutenção da paz e da segurança internacionais, consagrando-se a idéia do "paralelismo funcional" (artigo 36, parágrafo terceiro da Carta). Isso demonstra, ainda, que o argumento da importância política do conflito, avatar moderno dos interesses de poder, não tem conseqüência jurídica e não constitui obstáculo ao exercício de jurisdição da Corte. Afinal, a política judiciária desta é inspirada nas exigências de manutenção da paz. Inegavelmente, contudo, a utilização desse meio continuará sendo da livre escolha que emana da política jurídica exterior dos Estados envolvidos. O que está em jogo não é uma análise de legitimidade, mas de ilicitude com relação ao descumprimento das obrigações oriundas da própria Carta, por eventual decisão do Conselho.

Isso não significa que se defenda a possibilidade de revisão de decisões do CS, visto que a posição da Corte, nesse tema, já é conhecida desde a decisão no Aviso Consultivo "Conseqüências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia"2 2 . CIJ - Corte Internacional de Justiça. (1971), Aviso Consultivo, 21 de junho. Recueil, pp. 16 e ss. . Por certo, e reproduzindo a argumentação dessa sentença, se inexiste previsão na Carta e no estatuto da CIJ autorizando a revisão judicial, a mesma não é possível, não podendo valer-se o intérprete, para tanto, da "teoria das competências implícitas", distinguindo-se, pois, a natureza política do Conselho e judicial da Corte. Contudo, com base em suas funções, a Corte pode não se intimidar a se pronunciar pela conformidade dos atos do Conselho com a Carta, tanto no caso da jurisdição contenciosa quanto dos avisos consultivos, o controle político sendo exercido pelos próprios Estados-membros a partir de uma técnica de contra-poderes.

Visto de perto, Sur analisa o CS na linha de continuidade e/ou de ruptura da lógica de sua ação em quatro momentos paradigmáticos: a) da crise de Cuba de 1962 ao fracasso das operações de paz na África, no início dos anos 1990; b) a questão do Kosovo em 1999; c) o pós-11 de Setembro de 2001; d) a segunda guerra dos Estados Unidos contra o Iraque em 2003.

Se o período que vai de 1960 ao início de 1990 é marcado, grosso modo, pelo confronto ideológico leste-oeste, dissuasão nuclear, arms control, primeira guerra do Iraque e relativo fracasso de algumas operações de paz na África (Somália, Serra Leoa, Libéria, Ruanda, República Democrática do Congo e Costa do Marfim), a solução encontrada no âmbito do Conselho para "resolver" os conflitos no Kosovo marcará uma antecipação das vicissitudes vivenciadas pelo CS nos anos posteriores. Isso fica claro com a aprovação da Resolução 1.244 da ONU (1999) e com a atuação das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da União Européia como concorrentes do Conselho na questão da paz e da segurança internacionais no Kosovo.

Já o tema do terrorismo internacional, embora não fosse inédito no seio do CS, ganhará novo enquadramento após os atentados de 11 de Setembro em Nova Iorque, com a aprovação das resoluções 1.368 (2001) e 1. 373 (2001), tema central da obra de Sur. A primeira resolução considera o caso como questão de segurança internacional, qualificando-o, com base no artigo 39 da Carta, como uma agressão armada (mesmo que não se identificasse a ação direta ou indireta de um Estado) e reconhecendo aos Estados Unidos o exercício do direito natural de legítima defesa, sem limitar, quanto à sua natureza e sua intensidade, a reação militar americana. Mas é Sur quem observa que, na condução da intervenção coercitiva propriamente dita, a ação é realizada sob "autorização" do CS e não sob sua "autoridade", o que evidencia a sua efetiva "perda de responsabilidade" nessa gestão da crise internacional.

Por outro lado, com a resolução 1.373 (2001), estabeleceu-se um verdadeiro programa de prevenção e de luta contra o terrorismo internacional, com um inegável poder normativo de natureza não legislativa. Seu texto comporta um programa amplo e obrigatório de cooperação para os Estados-membros e organizações internacionais, de caráter civil, penal, policial e financeiro. Assim, seguindo-se uma lógica contínua de enquadramento jurídico, a resolução 1.368 (que situa a ação americana nos moldes da Carta) fundamenta a 1.373 (que situa o Conselho no centro da ação jurídica), ainda que elas sejam dissociadas em seus meios e técnicas de aplicação. Nesse caso, o que se evidencia é que o artigo 51 da Carta acaba por exceder a competência do CS prevista no capítulo VII da mesma, constituindo a legítima defesa uma modalidade particular de segurança coletiva, superior às demais disposições da Carta.

Nessa linha de argumentação, o autor considera, ainda que de maneira não explícita, que esse "enquadramento" condicionou todas as ações internacionais subseqüentes quanto ao tema da paz e segurança (coletiva) internacionais, podendo-se citar, por exemplo, as resoluções 1.526 (2004), 1.530 (2004), 1.535 (2004) e 1.566 (2004). Pode-se dizer, contudo, que, com a resolução 1.530 (2004), o CS, condenando os atentados terroristas perpetrados em Madri no dia 11 de março de 2004, de maneira apressada e equivocada, mas na mesma lógica das resoluções que identificaram o Talibã e a Al Qaeda como grupos terroristas, errou ao apontar o grupo radical basco ETA como o principal responsável pelos atentados, constatação que se provou falsa a posteriori. Nota-se, portanto, os riscos dessa interpretação do artigo 51 e da possibilidade política de generalizar, flexibilizando ao máximo e descontroladamente, a identificação de determinados grupos terroristas. Em outra perspectiva, o reconhecimento pela Espanha da competência universal de sua jurisdição para crimes contra a humanidade e o início do julgamento de alguns dos implicados no atentado demonstraram a importância reconhecida por esse país europeu a esse modo pacífico de solução de controvérsias.

Por outro lado, a administração da crise iraquiana pelo CS, entre os conflitos de 1991 e 2003, demonstrou a evolução dessa "situação" regional que, segundo Serge Sur, não se fundamenta exclusivamente na continuidade das resoluções motivadas pelos atentados de 11 de setembro de 2001, a não ser pela inclusão do Iraque no denominado "eixo do mal". Relembre-se, por exemplo, a resolução 1.441 (2002), que organizou um novo processo de inspeções coercitivas com o objetivo de realizar o desarmamento iraquiano e assegurar a eficácia dos mecanismos de verificação do sistema onusiano. O debate público internacional decorrente disso se dividiu entre a posição americana (sistema de verificação negativa), com apoio britânico e de outros países europeus, que pretendia o emprego imediato da força armada, e a posição franco-germânica, que não recusava totalmente o recurso à guerra, mas subordinava-o, como ultima ratio, a uma decisão do Conselho se comprovada "flagrante" a violação pelo Iraque de suas obrigações internacionais (sistema de verificação positiva).

Apesar de a ação unilateral americana, que se seguiu, parecer desprezar a responsabilidade principal do Conselho em matéria de paz e segurança internacionais, Sur afirma que não se contestou o fato de esse órgão agir (otimização restritiva) na "organização" da luta internacional contra o terrorismo. O novo dado que surge nesse contexto é o da "guerra preventiva" ou "guerra por escolha ou por necessidade", que modifica, de certa maneira, a amplitude do recurso pretendido à força. Se for apreendida institucionalmente, a resolução 1.483 (2003) consagrará a criação de uma autoridade de ocupação3 3 . Representantes permanentes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e dos Estados Unidos da América enquanto potências ocupantes agindo sob comando unificado, em virtude do direito internacional aplicado. - principal responsável pela promoção do bem-estar da população iraquiana, assegurando uma administração eficaz do território e contribuindo ainda para restabelecer a segurança e a estabilidade, além de criar condições de reconstrução futura do Iraque - e de um representante especial do secretário-geral da ONU. Isso evidencia que, no conjunto dos processos de reconstrução e de reconstituição de uma autoridade política iraquiana, a atuação do CS não é nem residual, nem subalterna, ainda que permaneça, também em matéria de desarmamento, virtual.

Para além da análise de Sur, no que diz respeito à situação precária do Iraque, passadas as eleições gerais do início de 2005, permanece evidente a dificuldade de administração da crise interna iraquiana pela coalizão internacional e pela própria ONU, não se podendo esquecer ainda do atentado que vitimou, em 2004, o primeiro representante especial no Iraque, o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Esse contexto de instabilidade interna (atentados e seqüestros de estrangeiros) desafia uma nova reflexão sobre os limites e conseqüências do exercício do direito natural de legítima defesa (sua extensão "política" a conflitos em outras regiões, como, por exemplo, no caso da Rússia, Palestina, Afeganistão e da ação contra os "rogue states" - Coréia do Norte, Síria e Irã -, integrantes do "eixo do mal") e da prevalência da defesa de "interesses vitais" (realismo estratégico) contra a implementação das obrigações convencionais internacionais em vigor.

Vista em movimento, quanto às dinâmicas e perspectivas futuras do CS, segundo Serge Sur, a discussão organiza-se em quatro itens: (I) a continuação das ações ordinárias desse órgão no que diz respeito à renovação e à ampliação das operações de paz; (II) os vínculos entre as instituições internacionais nos domínios da segurança, entre a cooperação e a concorrência; (III) a pretendida reforma do Conselho; e (IV) a conservação, pelo CS, e para o futuro, de suas capacidades e virtualidades.

Se é possível mencionar a existência de "gerações" de operações de manutenção da paz fundadas nos capítulos VI e VII da Carta, por outro lado, na perspectiva de uma cooperação/concorrência na ação do Conselho com outros órgãos da ONU ou organizações internacionais, o especialista francês aponta o precedente histórico da Resolução Acheson de 1950 perante a Assembléia Geral da ONU; a exclusão do exercício do direito de veto nos limites propostos no Relatório Evans-Sahnoun de 2001; a possibilidade discutível de controle jurisdicional dos atos do Conselho pela Corte Internacional de Justiça e mesmo a influência das organizações não-governamentais (ONGs) no estabelecimento da Corte Penal Internacional. Como alternativas a essa concorrência, discute-se o papel da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) como novo instrumento institucional de segurança internacional; o G7/8 como instância de "concertação internacional"; e a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) como idéia de uma "segurança cooperativa" herdada da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). Importa ainda relembrar a competência do Conselho em criar, como órgãos de cooperação na manutenção e/ou restabelecimento (prevenção/coerção) da paz internacional, os tribunais penais ad hoc e especiais no caso de violações ao direito humanitário internacional, verdadeiro princípio/regra de jus cogens (ordem penal internacional e competência penal universal).

Em princípio, é inegável a flexibilidade do Conselho em criar tribunais internacionais ad hoc, baseando-se em uma lógica não de paz pelo direito, mas de considerações de ordem política, segundo a apreciação e discricionariedade que são próprias ao Conselho. Serge Sur poderia, pois, completar sua análise acrescentando que a criação desses tribunais representa o fracasso do sistema de segurança coletiva, o que significa que tanto o mecanismo dissuasivo não funcionou quanto, no mais, o próprio Conselho não conseguiu impedir ou prevenir os comportamentos individuais ou coletivos "tipificados" como (1) crime contra a paz, (2) de genocídio, (3) contra a humanidade ou (4) crime de guerra. Revitaliza-se, assim, a teoria da responsabilidade individual originária dos tribunais militares de Tokyo e de Nuremberg de 1945 e 1946.

Contudo, nota-se que o próprio CS não tem conseguido, embora sua natureza assim o impusesse, a cooperação dos Estados no caso dos tribunais penais internacionais ad hoc, o que tem retardado os trabalhos, da fase de inquérito e de entrega dos acusados a essas jurisdições internacionais (impossibilidade de julgamento por contumácia) à finalização do procedimento e decisão final, após recurso. As sucessivas resoluções sobre esse tema demonstram que um compromisso internacional efetivo ainda não foi encontrado. A própria evolução e desenvolvimento desses tribunais penais ad hoc para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, quando analisados de perto, demonstram a sua precariedade institucional, que representará um desafio, inclusive, para a Corte Penal Internacional, diante da posição americana, respaldada pelo próprio Conselho, e da possibilidade de criação de outros tribunais ad hoc concorrentes para situações especiais, a critério do mesmo.

No que diz respeito à reforma do Conselho, o que se encontra em jogo, segundo Sur, é o "espírito" mesmo da instituição, por ser inexeqüível o concerto político que prevalece apenas em um contexto de paz estrutural. Para o autor, uma reforma calcada no estabelecimento de um "regionalismo de descentralização" incluiria: fazer o exercício do veto preceder de um "concerto regional" ou de outro processo de decisão formal; substituí-lo pela técnica do consenso, relativizando o exercício desse direito em decorrência da ampliação do número de membros permanentes. Na verdade, tais proposições contornam a "lógica de eqüidade" que emana dessa reforma, contrária e incompatível com a natureza desse órgão. Outra proposta a ser considerada é: a criação de conselhos de segurança regionais ou de outro(s) órgão(s) ad hoc de natureza consultiva, mantendo-se, porém, a competência de decisão do CS. Esse procedimento poderia, pois, atualizar de maneira menos radical a composição do Conselho, sem representar, na base, um processo de fragmentação ou de desmembramento do órgão.

Atualmente, a discussão da reforma do Conselho com a inclusão do G4 (Brasil, Alemanha, Japão e Índia) sofre resistências regionais por parte da Argentina, Colômbia, Nicarágua, México, Venezuela, Itália, China e Paquistão, com base na acusação de que os países do G4 não representam legitimamente as correspondentes regiões (América, Europa e Ásia). Os países do G4 enfrentam ainda a falta de apoio do continente africano, que procura apresentar candidatos próprios entre Egito, Nigéria, África do Sul, Argélia, Quênia e Senegal. Recentemente, ainda em junho de 2005, a ação diplomática do G4 incluiu até mesmo a tentativa de submeter uma proposta ao Conselho de Segurança de renúncia por quinze anos do exercício do direito de veto, propondo a ampliação do número de membros permanentes do CS de cinco para onze.

Nesse contexto, por exemplo, o Brasil mobilizou-se quando do comando da Força criada no âmbito da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), instituída pela resolução S/RES/1542/2004 (que substituiu a Força Multinacional Interina estabelecida pela resolução S/RES/1529/2004), prorrogada até junho de 2005. Recentemente, a decisão de enviar militares norte-americanos para a estabilização do Haiti reforçou a acusação de falta de profissionalismo e de coesão do comando do general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira (substituído pelo General Urano Bacellar), o que compromete a "publicidade eleitoral" em torno dessa operação, que representa o maior contingente enviado ao exterior pelo Brasil desde a Segunda Guerra Mundial.

Sur afirma que o CS não pretende ser um espaço de representação, mas de eficácia. Com isso, a contestável atuação da força internacional comandada pelo Brasil no Haiti, dentro, ainda, do contexto de fracasso generalizado das operações de paz onusianas no continente africano, torna discutível a reforma apressada e não refletida sobre a composição dos membros permanentes do CS. Ainda que os Estados que integram o P5 representem a lógica do pós-Segunda Guerra Mundial, dificilmente se encontrará, para o respeito à eficácia de suas decisões, uma "nova" composição que faça coabitar a legitimidade decorrente de maior representação e a eficácia decorrente do poder de mobilização para as situações que violem a paz e a segurança internacionais. O livro de Sur, por outro lado, tem o mérito de demonstrar que, mesmo a hiperpotência norte-americana, contra a qual parece inexistir recurso, não prescinde das instâncias multilaterais e do Conselho de Segurança enquanto instrumentos de legitimação, pois esta não se fundamenta única e exclusivamente no seu exercício individual de poder.

Por esse motivo, e conclusivamente, Serge Sur constata que o CS se torna um instrumento complexo e sutil de cooperação entre as grandes potências e uma "câmara de eco" para os pequenos países. É um catalisador, fonte de legitimidade internacional e não um mero instrumento de hegemonia de um único Estado. Por outro lado, esse órgão da ONU tem a necessidade de ser alimentado por fontes exteriores, principalmente pelos Estados. Criado em um momento de urgência, alterna hoje, instrumentalmente, a necessidade de correção de (novas) situações e a adoção de medidas repressivas, ainda que precárias do ponto de vista de sua atuação operacional, baseada, sobretudo, em uma lógica de eficácia.

A obra de Serge Sur representa, pois, de maneira inegável, um instrumento de consulta e de reflexão fundamental na apreensão do tema central da paz e da segurança nas relações internacionais contemporâneas.

Notas

Resenha recebida em julho e aceita para publicação em setembro de 2005.

  • 1
    . República da China, França, Rússia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da América.
  • 2
    . CIJ - Corte Internacional de Justiça. (1971), Aviso Consultivo, 21 de junho. Recueil, pp. 16 e ss.
  • 3
    . Representantes permanentes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e dos Estados Unidos da América enquanto potências ocupantes agindo sob comando unificado, em virtude do direito internacional aplicado.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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