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Pertencimentos, individualização e subjetividades

Belonging, individualization and subjectivations

Distanciando-se de possíveis usos reificados da palavra família, os artigos apresentados no dossiê Pertencimentos, individualização e subjetividades colocam em evidência a dinamicidade dos processos socioculturais que produzem as experiências de família através das quais os sujeitos se constituem, recriando-as em permanência. Apoiadas em linhagens teóricas diversas, as análises colocam o foco em práticas e discursos de e para as diferentes idades da vida, deixando entrever a dimensão relacional que as caracteriza. Ao trazer à tona o que pode estar em jogo na colocação do nome paterno na certidão de nascimento, em deslocamentos residenciais ou na expressão de sentimentos, em práticas de mercado ou em atuações que visam garantir direitos, estes artigos desacomodam evidências. Assim procedendo, expõem limites do “olhar organizador” que segmenta infância, juventude ou velhice podendo obscurecer tanto a fluidez de suas fronteiras quanto de suas relações cotidianas. Para além de constatar os processos de individualização em curso em sociedades ocidentais, o que vemos emergir são sujeitos envolvidos em reconfigurações relacionais, rearranjos de poder, construções de si em referência a lugares, filhos, leis, juízes, pais, agentes de políticas, parceiros...

As conclusões avançadas nos trabalhos aqui apresentados fundamentam-se em sólidas experiências de pesquisa realizadas no Brasil e na França, na primeira década dos anos 2000. Ao propiciar que estes dois contextos socioculturais sejam colocados em perspectiva, este dossiê da Civitas vem somar-se a uma já tradicional interlocução entre as Ciências Sociais praticadas nos dois países, interrogando expressões locais de processos internacionalizados. Os dados analisados no conjunto dos artigos foram obtidos através de recursos metodológicos diversificados – etnografia em ambientes institucionais (Fonseca/Ribeiro), enquetes mediante questionários (Gonçalves/Reguer), realização de entrevistas (Ramos/Gonçalves) ou análise de fontes escritas (Reguer/ Gotman).

Explorando a parceria entre antropologia do direito e teoria de biopolítica, o artigo de Claudia Fonseca, As novas tecnologias legais na produção da vida familiar: antropologia, direito e subjetividades, abre o dossiê demonstrando as influências por vezes inusitadas entre uma nova forma de conhecimento (a tecnologia de DNA), os rearranjos na hierarquia de poder entre homens e mulheres e a produção de novos modos de subjetivação, a partir do uso desta tecnologia em casos de investigação de paternidade.

Interrogando por outros caminhos o tema das origens e da construção de si, Elsa Ramos no artigo “Les origines”: la tension entre appartenance familiale et identité individuelle, parte deste pressuposto da sociologia compreensiva de que somos produtores ativos do mundo social, para explorar características do individualismo da sociedade francesa contemporânea tomando como objeto a construção do pertencimento familiar e da história pessoal, a partir do tema da mobilidade residencial.

Situando-se num outro tipo de deslocamento residencial (para um abrigo destinado a famílias ditas monoparentais em dificuldade), Fernanda Bittencourt Ribeiro, no artigo Lealdades, silêncios e conflitos: ser um dos “grandes” num abrigo para famílias, põe em relevo práticas e discursos cotidianos de crianças cujas identidades familiares são marcadas pela noção de risco ou perigo e que se encontram tuteladas pelo sistema francês de proteção à infância.

Pesquisando também em instituição criada no âmbito das políticas de proteção à infância, Hebe Signorini Gonçalves e Thiago Sandes de Brito, no artigo Conselheiros Tutelares: um estudo acerca de suas representações e de suas práticas focalizam estes agentes cuja função foi criada no Brasil pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao entrevistá-los os autores colocam-se a escuta de suas representações acerca da prática como conselheiro tutelar e do lugar da família enquanto responsável pela garantia de direitos de crianças e adolescentes.

Colocando em questão pressupostos subjacentes às políticas públicas destinadas desta vez aos idosos, no artigo Familles et relations entre les générations: autonomisation et lien social, Daniel Reguer desvincula o medo da solidão – recorrente nos discursos de pessoas idosas – de uma demanda específica por relações intergeracionais, dando visibilidade à construção do termo “intergeracional” como uma categoria administrativa.

Apresentando o surgimento dos mercados de hipoteca reversa (inexistentes no Brasil), Anne Gotman, no artigo Towards the end of bequest? The life cycle hypothesis sold to seniors – Critical reflections on the reverse mortgage financial fashion vincula sua concretização a uma reversão do sentido antropológico da casa. Com esta interpretação, a autora interroga a redução da casa ao seu valor de mercado, o significado social da transmissão e o rumo da redistribuição de responsabilidades entre governo e cidadãos que este mercado indica.

Esperamos que a leitura dos artigos que compõem este número da Civitas provoque novas perguntas, fomente o debate e contribua com outras pesquisas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2011
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