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Fratura geracional no Brasil no início do século 21? Análise das oportunidades de vida da geração jovem no Brasil entre 2012 e 2019

Generational fracture in Brazil in the beginning of the 21st century? Analysis of the life chances of the young generation in Brazil between 2012 and 2019

¿Fractura generacional en Brasil a principios del siglo 21? Análisis de las oportunidades de vida de la generación joven en Brasil entre 2012 y 2019

Resumo:

O declínio em indicadores sociais e econômicos no Brasil na segunda década do século 21 abre a questão sobre quais serão os impactos dessa conjuntura negativa sobre as gerações jovens. Analisamos esse cenário aliando a teoria sobre fratura geracional com a teoria bourdieusiana de classe, em especial o conceito de efeito de trajetória, para compreender as estratégias dos agentes sociais a partir da relação entre estrutura de capitais e instrumentos de reprodução de capital. Utilizamos uma técnica de análise de correspondência para construir um mapa das variáveis com dados da Pnad-C do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comparando a situação da geração jovem entre 2012 e 2019. Os resultados apontam para uma redução das ocupações de classe média no Brasil, que foi mais sentida pela geração jovem, bem como para o aumento de jovens com alta escolaridade em classes de trabalhadores manuais. Essas evidências apontam indícios de uma possível fratura geracional na segunda década do século 21.

Palavras-chave
Fratura geracional; Efeito de trajetória; Juventudes

Abstract:

The decline in social and economic indicators in Brazil in the second decade of the 21st century raises the question of which will be the impacts of this negative situation on the young generations. We analyze this scenario by combining the theory of generational fracture with the bourdieusian theory of class, in particular the concept of trajectory effect, to understand the strategies of social agents based on the relationship between capital structure and capital reproduction instruments. We used the correspondence analysis technique to build a map of the variables with data from Pnad-C of the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comparing the situation of the young generation between 2012 and 2019. The results point to a reduction in middle class occupations in Brazil, which was more felt by the younger generation, as well as by the increase of highly educated young people in manual workers classes. These evidences indicates a possible generational fracture in the second decade of the 21st century.

Keywords
Generational fracture; Trajectory effect; Youths

Resumen

El declive de los indicadores sociales y económicos en Brasil en la segunda década del siglo 21 plantea la pregunta de cuáles serán los impactos de esta situación negativa en estas jóvenes generaciones. Analizamos este escenario combinando la teoría de la fractura generacional con la teoría de clase bourdieusiana, en particular el concepto de efecto de trayectoria, para comprender las estrategias de los agentes sociales a partir de la relación entre la estructura del capital y los instrumentos de reproducción del capital. Utilizamos la técnica de análisis de correspondencias para construir un mapa de las variables con datos de la Pnad-C del Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comparando la situación de la generación joven entre 2012 y 2019. Los resultados apuntan a una reducción de las ocupaciones de clase media en Brasil, que fue más sentido por la generación más joven, así como por el aumento de jóvenes altamente educados en trabajadores manuales. Estas evidencias apuntam indicios de una posible fractura generacional en la segunda década del siglo 21.

Palabras clave
Fractura generacional; Efecto de trayectoria; Juventud

Introdução

Após um período de crescimento econômico, aumento na distribuição de renda, elevação do poder de consumo e da escolaridade média da população brasileira na década de 2000-2010 (Scalon 2013Scalon, Celi. 2013. Social stratification and its transformation in Brazil. In Handbook on social stratification in the Bric countries: changes and perspectives, organizado por Li Peilin, Mikhail K. Gorshkov, Celi Scalon, K L Sharma, 3-19. Cingapura: World Scientific Publishing.; Costa e Scalon 2013Costa, Luana e Celi Scalon. 2013. Income inequality and social stratification in Brazil: key determining factors and changes in the first decade of the 21st century. In Handbook on social stratification in the Bric countries: change and perspective, organizado por Li Peiling, Mikhail K. Gorshkov, Celi Scalon and K L Sharma, 421-38. Cingapura: World Scientific Publishing.; Vasconcelos 2016), o Brasil passou por uma década de declínio econômico e crises políticas e sociais, entre 2010 e 2020, agravadas recentemente pela pandemia de coronavírus (Pochmann 2018Pochmann, Márcio. 2018. Tendências estruturais do mundo do trabalho no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. 25 (1): 89-99. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.29562019.
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; Scalon, Caetano e Chaves 2021Scalon, Celi, André Junqueira Caetano, Hugo Chaves, Luana Costa. 2021. Back to the past: gains and losses in Brazilian society. The Journal of Chinese Sociology 8 (1): 1-16. https://doi.org/10.1186/s40711-020-00132-9.
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). Neste contexto, a geração jovem vem apresentando dificuldades em construir sua inserção na sociedade por meio do aumento da escolaridade, inserção no mercado de trabalho e autonomia em relação à família de origem, originando frustrações sobre suas oportunidades de vida (Sposito, Souza e Silva 2018Sposito, Marilia P., Raquel Souza, Fernanda A. Silva. 2018. A pesquisa sobre jovens no Brasil: traçando novos desafios a partir de dados quantitativos. Educação e Pesquisa 44:1-24. https://doi.org/10.1590/S1678-4634201712170308.
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; Gomes, Oliveira e Andrade 2019Gomes, Hellen B., Selma S. B. de Oliveira, Márcia I. P. Andrade. 2019. Desemprego, juventude e crise estrutural do capital: o precariado na cena contemporânea. Revista Internacional Interdisciplinar Interthesis 16 (3): 18-38. https://doi.org/10.5007/1807-1384.2019v16n3p18.
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).

Analisamos este cenário com a teoria da fratura geracional, que busca mensurar o quanto uma geração pode ser marcada por um “efeito cicatriz”, quando se observa uma conjuntura negativa no período dos primeiros contatos com o mundo do trabalho (Chauvel 2008Chauvel, Louis. 2008. Social generations, life chances and welfare regime sustainability. In Changing France: the politics that markets makes, organizado por Pepper Culpepper, Peter Hall and Bruno Palier, 150-175. Londres: Palgrave Macmillan.). Propomos aliar a teoria da fratura geracional com o conceito de efeito de trajetória, de Bourdieu (2011a)Bourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk., a fim de analisar as classes sociais a partir das estratégias que os agentes sociais encontram em suas trajetórias, alicerçadas na relação entre as estruturas de capitais e os instrumentos de reprodução de capital, comparando-as com a geração anterior.

O objetivo da pesquisa foi comparar as oportunidades de vida da geração jovem no início da segunda década do século 21 com o final dessa década, com base na estrutura de capitais econômico e cultural. Partimos das seguintes hipóteses: (a) mesmo com o aumento da escolaridade, a geração jovem teve oportunidades de trabalho mais restritas no final da segunda década do século 21, em comparação com o início desta década; e (b) essas restrições se relacionam com o retardamento ou retrocesso no acesso dessa geração às classes médias no Brasil. Para verificar essas hipóteses utilizamos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua (Pnad-C) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os analisamos comparando as condições de ocupação, renda e escolaridade das gerações jovens com a geração dos seus pais. Empregamos uma técnica de análise de correspondência, orientada pela perspectiva bourdieusiana, para visualizar a correlação entre as variáveis, comparando 2012 e 2019.

Gerações e classes sociais no Brasil do século 21: novas trajetórias e novos sentidos

O tema das gerações sociais é antigo na sociologia, mas vem sendo retomado recentemente, em especial nas pesquisas sobre juventudes (Weller 2010Weller, Wivian. 2010. A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim. Sociedade e Estado 25 (2): 205-24. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/5530.
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). O conceito de gerações sociais propõe um meio termo entre gerações demográficas, definidas somente em termos populacionais, e gerações históricas, delimitadas apenas pelo contexto histórico, abarcando ambos os critérios. Assim, o estudo das gerações sociais delimita um determinado contingente populacional de acordo com faixas etárias, mas busca compreender sua diversidade ou homogeneidade, suas identidades sociais, individuais ou coletivas e seus padrões de compreensão da realidade.

A comparação entre gerações nos permite verificar se as pessoas nascidas em diferentes períodos históricos possuem as mesmas oportunidades de vida durante a mesma faixa etária. Posto o recente período de retrocesso econômico e aumento das desigualdades sociais, se comparado à primeira década do século 21, é imperativo medirmos o quanto as oportunidades de vida das juventudes se modificaram nesse período. Este é um cenário similar à análise empreendida por Louis Chauvel (2008)Chauvel, Louis. 2008. Social generations, life chances and welfare regime sustainability. In Changing France: the politics that markets makes, organizado por Pepper Culpepper, Peter Hall and Bruno Palier, 150-175. Londres: Palgrave Macmillan. sobre a inconstância nas condições de vida da juventude francesa, que o levou à noção de fratura geracional.

A teoria sobre fratura geracional parte de duas hipóteses: a primeira, “long-term generational progress” (LTGP), que pode ser traduzida como “progresso geracional de longo prazo”, parte do princípio de que as gerações mais novas normalmente terão melhores condições econômicas, sociais e de vida do que as gerações mais velhas, sendo beneficiadas pelo progresso tecnológico e social. As gerações mais novas tendem, portanto, a criar maiores expectativas de vida do que as gerações precedentes, na medida em que naturalizam melhores condições de vida em sua socialização primária. Quando as novas gerações passam por um período de retrocesso nas condições e oportunidades de vida, é possível que haja algum tipo de descontentamento ou frustração generalizados, que podem ser manifestados de diferentes formas, tanto por meio de crises pessoais de caráter individual, quanto por insatisfações compartilhadas sobre as instituições sociais vigentes.

A segunda hipótese da teoria da fratura geracional, “short term amplifying role” (Star), que pode ser traduzida como “papel amplificador de curto prazo”, entende que a socialização das gerações jovens durante sua inserção na sociedade cumpre um papel que vai influenciar o resto da vida dos indivíduos, em especial as condições de estudo e trabalho. Assim, durante um período de crescimento econômico e social, uma geração jovem tende a se estabelecer em ocupações com melhor qualidade de vida e maior conquista de direitos, os quais tendem a garantir melhores condições durante sua vida. Já durante períodos de declínio econômico e crises sociais, a geração jovem possui mais dificuldade em se inserir na sociedade, se adaptando a padrões de trabalho e ocupações com piores condições de vida. Em períodos de dificuldades, as gerações que foram favorecidas durante sua inserção na sociedade tendem a ter mais vantagens por estarem em ocupações mais protegidas, enquanto as gerações desfavorecidas estão mais propensas a terem menos condições de se proteger, aprofundando a desigualdade geracional. Este processo é denominado de “efeito cicatriz”, quando uma geração fica marcada pelas condições negativas que encontrou no momento de entrada no mercado de trabalho.

No caso da sociedade brasileira do início do século 21, a teoria da fratura geracional pode apontar uma ruptura entre gerações devido às mudanças socioeconômicas ocorridas no Brasil na virada da primeira década para a segunda, como podemos observar no Gráfico 1, abaixo, que revela a mudança abrupta da taxa anual do PIB brasileiro.

Gráfico 1
Taxa de crescimento do Produto Interno Bruto no Brasil (2000-2020).

Para analisar a relação entre gerações sociais e estrutura de classes considerando a escolaridade como propriedade significativa, nos baseamos nas perspectivas weberiana e bourdieusiana. Sucintamente, no sentido atribuído pela vertente weberiana, classe social é sinônimo de situação de classe, entendida como situação de mercado, ou seja, oportunidades de vida relacionadas às possibilidades de cada indivíduo se relacionar por meio da troca de bens e serviços no mercado (Weber 1999Weber, Max. 1999. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília.). Essa concepção relaciona outras dimensões teóricas à dimensão econômica, na medida em que um determinado agente social pode modificar suas oportunidades de vida a partir de diferenciais de qualificação, prestígio, ou status, por exemplo (Breen 2015Breen, Richard. 2015. Fundamentos de uma análise de classe neoweberiana. In Análise de classe: abordagens, organizado por Erik Olin Wright, 46-65. Petrópolis: Editora Vozes.). Além disso, Weber destaca a importância de se investigar o sentido atribuído pelos agentes sociais às propriedades disponíveis no mercado.

Inspiradas nas definições weberianas, uma vertente de estudos sobre classes sociais se desenvolve na sociologia, assentada “na construção de um esquema baseado em princípios que captam as dimensões principais da diferenciação de posições nos mercados de trabalho [...], relevantes para a distribuição de oportunidades de vida” (Breen 2015Breen, Richard. 2015. Fundamentos de uma análise de classe neoweberiana. In Análise de classe: abordagens, organizado por Erik Olin Wright, 46-65. Petrópolis: Editora Vozes., 63), tendo como principal referência as pesquisas de Goldthorpe (Goldthorpe, Llewellyn e Payne 1987Goldthorpe, John H., Catriona Llewellyn e Clive Payne. 1987. Social mobility and class structure in modern Britain. Oxford: Clarendon Press.). Uma das principais contribuições dessa vertente é a possibilidade de mensurar a mobilidade social entre classes e gerações, o que permite analisar o quanto os estratos da sociedade em estudo são mais fechados ou mais fluidos em determinados períodos históricos (Erikson, Goldthorpe e Portocarero 1979Erikson, Robert, John H. Goldthorpe e Lucienne Portocarero. 1979. Intergenerational class mobility in three western european societies: England, France and Sweden. The British Journal of Sociology 30 (4): 415-41. https://doi.org/10.2307/589632.
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).

No Brasil, muitas pesquisas seguem a tendência dessa vertente, demonstrando como o peso da qualificação por meio da educação é muito maior para a mobilidade social no final do século 20 (Silva e Hasenbalg 2000Silva, Nelson do V., Carlos Hasenbalg. 2000. Tendências da desigualdade educacional no Brasil. Dados 43 (3): 423-45. https://doi.org/10.1590/S0011-52582000000300001.
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), mesmo em um cenário de fortes barreiras entre trabalhadores manuais e não manuais, bem como entre o meio rural e urbano, que marcam a divisão sócio-ocupacional brasileira (Scalon 1999Scalon, Celi. 1999. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de Janeiro: Revan-Ipuerj-UCM.). Na primeira década do século 21, durante o ciclo de crescimento econômico, houve uma polêmica sobre o surgimento de uma nova classe social a partir da elevação da renda domiciliar per capita e do poder de consumo de camadas mais empobrecidas da população brasileira, denominada de “nova classe média”, ou “classe C” (Neri 2008Neri, Marcelo. 2008. A nova classe média. Rio de Janeiro: CPS-FGV.). Entretanto, muitas pesquisas levantaram um contraponto a esta interpretação, demonstrando que, na verdade, não haveria uma nova classe social, pois o aumento da renda e do poder de consumo ocorreu sem mobilidade social das classes de trabalhadores manuais qualificados e não qualificados, tanto urbanos quanto rurais (Pochmann 2012Pochmann, Márcio. 2012. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo Editorial.; Scalon e Salata 2012Scalon, Celi e André Salata. 2012. Uma nova classe média no Brasil da última década? O debate a partir da perspectiva sociológica. Sociedade e estado 27 (2): 387-407. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/5658.
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; Souza 2010Souza, Jessé. 2010. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: Editora UFMG.).

A emergência de classes médias e o processo de “middletization” das sociedades ocidentais nos mostra que o surgimento de uma nova classe média está relacionado com o aumento da escolaridade e das ocupações que exigem maior capital cultural, ligadas a qualificações certificadas pelo estado, em oposição à velha classe média, mais ligada ao capital econômico, ao mercado e às propriedades (Chauvel 2020Chauvel, Louis. 2020. The western middle classes under stress: welfare state retrenchments, globalization, and declining returns to education. Mir Rossii 29 (4): 85-111. https://doi.org/10.17323/1811-038X-2020-29-4-85-111.
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; Chauvel et al. 2021Chauvel, Louis, Eyal B. Haim, Anne Hartung, Emily Murphy. 2021. Rewealthization in twenty-first century Western countries: the defining trend of the socioeconomic squeeze of the middle class. The Journal of Chinese Sociology 8 (1): 1-17. https://doi.org/10.1186/s40711-020-00135-6.
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). No Brasil, pesquisas sobre a expansão dos ensinos médio e superior demonstram que o acesso de jovens oriundos de estratos da população brasileira historicamente excluídos destes níveis de escolaridade está, de fato, aumentando, mesmo que ainda se observem desigualdades de acesso (Salata 2018Salata, André. 2018. Ensino superior no Brasil das últimas décadas: redução nas desigualdades de acesso? Tempo Social 30 (2): 219-53. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.125482.
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; Sposito, Souza e Silva 2018Sposito, Marilia P., Raquel Souza, Fernanda A. Silva. 2018. A pesquisa sobre jovens no Brasil: traçando novos desafios a partir de dados quantitativos. Educação e Pesquisa 44:1-24. https://doi.org/10.1590/S1678-4634201712170308.
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).

A expansão do ensino vem criando novas possibilidades de mobilidade social no Brasil, bem como adquirindo um novo sentido para a população brasileira, o que incide sobre as expectativas de futuro e as identidades individuais e coletivas vivenciadas pela população (Salata e Scalon 2020Salata, André e Celi Scalon. 2020. Socioeconomic mobility, expectations and attitudes towards inequality in Brazil. Sociologia & Antropologia 10 (2): 647-76. https://doi.org/10.1590/2238-38752020v10213.
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). Nesse contexto, a teoria de classes de Bourdieu traz vantagens analíticas que permitem, segundo Savage (2016)Savage, Mike. 2016. A queda e o crescimento da análise de classes na sociologia britânica, 1950-2016. Tempo Social 28 (2): 57-72. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2016.110570.
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, um retorno à análise de classes (revival of class analysis) no início do século 21, a partir de uma virada cultural (cultural turn) na qual a análise de classes passa a investigar os critérios de distinção entre as classes conjugando as dimensões simbólica e econômica.

Em seu estudo clássico sobre análise de classe, A distinção, Bourdieu (2011a)Bourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk. busca repensar a oposição formulada por Weber entre classes e grupos de status, ao relacionar as lutas materiais com lutas classificatórias, preocupação que carrega ao longo de sua obra (Weininger 2015Weininger, Elliot. 2015. Fundamentos de uma análise de classe de Pierre Bourdieu. In Análise de classe: abordagens, organizado por Erik Olin Wright, 46-65. Petrópolis: Editora Vozes.). Constrói, assim, uma teoria de classes baseada na noção de espaço social “construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição constituídos pelo conjunto das propriedades que atuam no universo social considerado” (Bourdieu 2011bBourdieu, Pierre. 2011b. O Poder Simbólico. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., 134), no qual reconhece como propriedades atuantes não apenas o capital econômico, mas também o capital cultural e o capital social. Para compreender a estrutura de classes com esses princípios, o autor relaciona práticas culturais com classes sociais e evidencia um padrão multidimensional de estrutura em quiasma, oriunda da distinção entre capital econômico e capital cultural na disputa pelo poder e pelos princípios de dominação, onde encontram-se, em uma dimensão de análise, o volume total de capital, em outra, a composição de capital (econômico ou cultural), e, na terceira, a trajetória das classes ou frações de classes (Bourdieu 2011aBourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk.).

A partir dessa base teórica, Bourdieu (2011aBourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk.,122) aponta dois fatores dos quais as estratégias de reprodução ou aumento do volume de capital das classes ou frações de classes são diretamente dependentes: (a) “volume e a estrutura do capital a ser reproduzido, ou seja, o volume atual e potencial do capital econômico, do capital cultual e do capital social” ; e (b) “sistema dos instrumentos de reprodução, institucionalizados ou não (estados dos costumes, lei sucessória, mercado de trabalho, sistema escolar etc.)”. A relação entre esses dois fatores, ou seja, entre volume e estrutura de capitais e instrumentos de reprodução de capital consiste, justamente, nas estratégias encontradas em um determinado período histórico para a mobilidade social, se configurando em sistemas. Quaisquer mudanças que ocorrem nos fatores supracitados podem implicar em reestruturação no sistema das estratégias de reprodução de capital, e consequentemente em transformações da estrutura patrimonial das classes ou frações de classes. Essas mudanças são denominadas por Bourdieu de deslocamentos, os quais podem ser verticais, quando há aumento de volume de capital no mesmo setor do espaço social (econômico, cultural ou equilibrado), ou transversais, quando há deslocamentos em planos diferentes (do cultural para o econômico, por exemplo). Tais deslocamentos podem acarretar o que o autor denomina de efeito de trajetória.

A correlação entre uma prática e a origem social é a resultante de dois efeitos: por um lado, o efeito de inculcação diretamente exercido pela família ou pelas condições originais de existência; por outro, o efeito de trajetória social propriamente dita, ou seja, o efeito exercido sobre as disposições e as opiniões pela experiência da ascensão social ou do declínio. [...] Este efeito de trajetória [...] orienta a representação da posição ocupada no mundo social e, por conseguinte, a visão desse mundo e de seu futuro. (Bourdieu 2011aBourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk., 105, grifos do autor).

No caso da sociedade brasileira, Salata e Scalon (2020)Salata, André e Celi Scalon. 2020. Socioeconomic mobility, expectations and attitudes towards inequality in Brazil. Sociologia & Antropologia 10 (2): 647-76. https://doi.org/10.1590/2238-38752020v10213.
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evidenciam, em pesquisa sobre as expectativas de jovens oriundos de classes de trabalhadores manuais em 2012 e 2016, como esses jovens começam a criar horizontes de ascensão social no recente contexto de melhoria das condições socioeconômicas vivenciadas pelas famílias dessas classes. Uma das melhorias é exatamente o aumento da escolaridade média das classes de trabalhadores manuais, a qual podemos interpretar como uma mudança nos instrumentos tradicionais de reprodução do capital cultural no Brasil, na medida em que esses se abrem para novas classes sociais, o que poderá gerar novas estratégias na relação entre volume e estrutura de capital dessas classes com tais instrumentos, como escolas, faculdades e universidades. Assim, essa mudança de expectativas dos jovens pode corresponder justamente ao efeito de trajetória resultante desse processo.

Entretanto, como já dito, vivenciamos um cenário de declínio econômico e aumento das desigualdades sociais. Logo, é preciso verificar o quanto as expectativas de ascensão social dos jovens poderão ser realizadas, dado o contexto vivenciado pela geração jovem a partir de 2012. Pretendemos contribuir com este debate a partir da observação das mudanças na estrutura de classes brasileira entre o início da segunda década do século 21, quando a sociedade brasileira começa a apresentar um cenário negativo, e o final dessa década, quando seus efeitos já puderam ser mais sentidos pela população, visando a identificar se essas mudanças poderão caracterizar uma fratura geracional que pode deixar “cicatrizes” de longo prazo, configurando um efeito de trajetória comum nas gerações jovens a partir da constituição de trajetórias muito distantes das expectativas desta geração social.

Metodologia

Realizamos um estudo com métodos quantitativos comparando dados de 2012, último ano antes de iniciar o período de crise econômica e política no Brasil, com dados de 2019, quando os efeitos da crise já podem ser mais bem mensurados. Como utilizamos dados sobre a ocupação dos jovens, a geração jovem foi definida pela faixa etária de 25 a 35 anos, devido ao tempo necessário para entrada e consolidação no mercado de trabalho (Chauvel 2008Chauvel, Louis. 2008. Social generations, life chances and welfare regime sustainability. In Changing France: the politics that markets makes, organizado por Pepper Culpepper, Peter Hall and Bruno Palier, 150-175. Londres: Palgrave Macmillan.). Para efeito de comparação com a geração que representa seus pais ou responsáveis, a geração dos pais foi definida pela faixa etária de 50 a 60 anos, devido à média de idade dos pais no Brasil, de 25 anos (Miranda-Ribeiro, Garcia e Faria 2019Miranda-Ribeiro, Adriana, Ricardo A. Garcia e Tereza C. de A. B. Faria. 2019. Baixa fecundidade e adiamento do primeiro filho no Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População 36, 1-18. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0080.
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).

Fizemos primeiramente uma análise comparativa entre 2012 e 2019 a partir da análise descritiva dos dados, onde verificamos as mudanças na estrutura de classes brasileira, visando a identificar o aumento ou diminuição da classe média, em diálogo com o estudo de Salata e Scalon (2012)Scalon, Celi e André Salata. 2012. Uma nova classe média no Brasil da última década? O debate a partir da perspectiva sociológica. Sociedade e estado 27 (2): 387-407. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/5658.
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. Após, realizamos a análise dos efeitos dessas mudanças nas diferentes gerações: (a) comparação da geração jovem de 2012 com a geração jovem de 2019; e (b) comparação da geração jovem com a geração dos pais em ambos os anos.

Após, foi realizada análise de correspondência para cada ano de referência, visando a analisar de forma estrutural a correlação entre estrutura sócio-ocupacional, capital cultural, capital econômico e gerações sociais. A análise de correspondência foi realizada tendo como referência a teoria bourdieusiana, a qual pressupõe a multidimensionalidade do espaço social considerado, assentando-se principalmente em três dimensões: volume de capital, composição de capital e trajetória (Bourdieu 2011aBourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk., 2011bBourdieu, Pierre. 2011b. O Poder Simbólico. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Rouanet, Ackermann e Le Roux 2000Rouanet, Henry, Wemer Ackermann, Brigitte Le Roux. 2000. The geometric analysis of questionnaires: the lesson of Bourdieu’s La Distinction. Bulletin de Méthodologie Sociologique 65 (1): 5-18. https://doi.org/10.1177/075910630006500103.
https://doi.org/10.1177/0759106300065001...
). No caso em tela, os capitais econômico e cultural foram utilizados como variáveis ativas na construção do espaço social. Para isso, utilizamos a técnica de Análise Fatorial Múltipla, que permite a associação entre variáveis quantitativas e qualitativas na mesma análise de correspondência (Hair Jr. et al. 2014Hair Jr., Joseph F., William C. Black, Barry J. Babin, Rolph E. Anderson e Ronald L. Tatham. 2009. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman.). Com essa técnica, pudemos colocar apenas os capitais econômico e cultural como variáveis ativas contínuas, e as demais como suplementares, que não influenciam na construção das dimensões da análise de correspondência, atingindo alta inércia dos dados e evitando o efeito Guttman, muito comum nas análises de correspondência múltipla realizadas com estratos ou classes sociais (Husson et al. 2020).

Os dados utilizados provêm da Pnad-C do IBGE dos anos 2012 e 2019, examinados com o Software R. O capital econômico foi determinado pela renda domiciliar per capita mensal familiar. É preciso esclarecer que a renda domiciliar mensal não representa o capital econômico total de uma família, pois não inclui o capital acumulado em bens e valores monetários. Como tais informações não são coletadas pela Pnad-C, a renda é a principal variável econômica disponível nesta pesquisa. O capital cultural foi mensurado pela quantidade de anos de estudo, tendo o capital escolar como principal referência. Cabe ressaltar que, segundo a teoria bourdieusiana, capital cultural não se resume apenas ao capital escolar (Bourdieu 2011aBourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk.). Assim, esta variável é associada às demais, permitindo uma análise mais ampla do capital cultural em jogo.

No que tange às classes sócio-ocupacionais, adotamos a classificação proposta por Scalon (1999)Scalon, Celi. 1999. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de Janeiro: Revan-Ipuerj-UCM., tendo como base um esquema de nove classes sócio-ocupacionais: profissionais, administradores, empregadores, não manual de rotina, conta própria, manual qualificado, manual não qualificado, proprietário rural e empregado rural. Quando nos referirmos à classe média, utilizaremos a definição sugerida por Scalon e Salata (2012)Scalon, Celi e André Salata. 2012. Uma nova classe média no Brasil da última década? O debate a partir da perspectiva sociológica. Sociedade e estado 27 (2): 387-407. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/5658.
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, mas aplicada ao esquema de nove classes anteriormente descrito. Logo, classe média fica definida como os cinco primeiros estratos desta classificação.

A fratura geracional da segunda década do século 21

A exposição de evidências que podem apontar para uma fratura geracional no Brasil no início do século 21 será feita em diálogo com as teorias sobre gerações sociais e classes sociais discutidas anteriormente. Inicialmente, demonstramos a variação da estrutura de classes sócio-ocupacionais brasileira. Na tabela 1, abaixo, é apresentada a população total ocupada no Brasil, que equivalia a 87,6 milhões de pessoas em 2012, passando a 94,6 milhões em 2019.

Tabela 1.
População ocupada no Brasil segundo classes sócio-ocupacionais (2012-2019)

A primeira observação que fazemos ao analisar a estrutura de classes sócio-ocupacionais no Brasil refere-se à diminuição proporcional das cinco classes que compõem o que denominamos aqui de classes médias. A variação nas classes médias acompanhou o cenário de declínio econômico, sofrendo redução de 36,2% para 33,9% da população ocupada no Brasil, uma variação de -2,3% em oito anos, revertendo a tendência observada por Scalon e Salata (2012)Scalon, Celi e André Salata. 2012. Uma nova classe média no Brasil da última década? O debate a partir da perspectiva sociológica. Sociedade e estado 27 (2): 387-407. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/5658.
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entre 2002 e 2009, quando verificou-se o aumento das classes médias de 30,9% para 32%. Como veremos a seguir esse cenário afeta diretamente as gerações jovens.

Em segundo lugar destacamos a variação interna das classes médias. Nesta classificação, podemos dividir as classes médias em: classes médias altas (profissionais, administradores e proprietários empregadores) e classes médias baixas (trabalhadores não manuais de rotina e proprietários por conta própria). Segundo essa divisão, é possível observar um decréscimo de 4,1% nas classes médias baixas, ao passo que as classes médias altas apresentam um aumento de 1,8%. Como já evidenciado por outras pesquisas (Scalon, Caetano e Chaves 2021Scalon, Celi, André Junqueira Caetano, Hugo Chaves, Luana Costa. 2021. Back to the past: gains and losses in Brazilian society. The Journal of Chinese Sociology 8 (1): 1-16. https://doi.org/10.1186/s40711-020-00132-9.
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; Salata e Scalon 2020Salata, André e Celi Scalon. 2020. Socioeconomic mobility, expectations and attitudes towards inequality in Brazil. Sociologia & Antropologia 10 (2): 647-76. https://doi.org/10.1590/2238-38752020v10213.
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), na primeira década do século 21 havia uma tendência de aproximação das classes médias baixas com as classes de trabalhadores manuais, não só devido ao crescimento da renda e do poder de consumo, mas também pelo aumento da escolaridade de jovens oriundos de famílias de classes de trabalhadores manuais, bem como por uma sensível mudança nas expectativas de ascensão social destes jovens.

Essa expectativa otimista está ligada diretamente à constituição de uma sociedade de classe média, ou o processo de “middletization” (Chauvel 2020Chauvel, Louis. 2020. The western middle classes under stress: welfare state retrenchments, globalization, and declining returns to education. Mir Rossii 29 (4): 85-111. https://doi.org/10.17323/1811-038X-2020-29-4-85-111.
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), quando é possível uma mudança nos sistemas de estratégias dos agentes sociais a partir de uma nova relação entre seu volume de capital e os instrumentos de reprodução de capital, neste caso, o capital cultural (Bourdieu 2011aBourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk.). Entretanto, o decréscimo das classes médias baixas pode evidenciar uma dinâmica oposta, ou seja, o aumento da distância entre classes médias e classes de trabalhadores manuais, o que pode estar relacionado ao aumento de 5,1% nas ocupações de trabalhadores manuais não qualificados. Essa classe sócio-ocupacional é composta por ocupações instáveis, de baixa remuneração e com baixa possibilidade de ascensão às classes médias (Scalon 1999Scalon, Celi. 1999. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de Janeiro: Revan-Ipuerj-UCM.; Salata 2018Salata, André. 2018. Ensino superior no Brasil das últimas décadas: redução nas desigualdades de acesso? Tempo Social 30 (2): 219-53. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.125482.
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), o que pode impactar diretamente as gerações jovens que se estabelecem nessa classe social no início de sua vida produtiva.

Na Tabela 2 demonstramos como a geração jovem sofre diferentemente os impactos das mudanças observadas anteriormente, se compararmos com a geração dos pais. Em números absolutos, a população de 25 a 35 anos ocupada no Brasil equivalia a 25,6 milhões de pessoas em 2012, tendo uma pequena redução para 25,5 milhões em 2019. Já a população de 50 a 60 anos ocupada no Brasil somava 13,6 milhões de pessoas em 2012, número que se eleva para 17,3 milhões de pessoas, acompanhando o envelhecimento geral da população brasileira.

Tabela 2.
Distribuição da população entre classes sócio-ocupacionais segundo geração no Brasil (2012-2019)

Podemos notar um aumento de 4,9% em ocupações de trabalhadores manuais na geração jovem, e um decréscimo de 3,3 % dos jovens na classe média, acima da média geral da população. A geração dos pais também apresentou um aumento de 4,9% em ocupações manuais, mas um decréscimo de apenas 2,5% de ocupações de classe média. Percebe-se que a geração jovem sofreu um impacto maior com a redução das classes médias no Brasil. É importante, no entanto, observar que a geração jovem possui maior representatividade nas ocupações de classe média, se comparado à geração dos pais. Esta redução nas classes médias e seu impacto sobre a geração jovem nos leva à questão: como este fenômeno se relaciona com o contínuo aumento da escolaridade dos jovens? Como os jovens que elevaram a escolaridade estão lidando com este retrocesso? No Gráfico 2 apresentamos o nível de escolaridade segundo gerações sociais, que permite visualizar a diferença de escolaridade entre a geração dos jovens e a geração dos pais.

Figure 2.
População ocupada de 25 a 35 e 50 a 60 anos no Brasil segundo escolaridade(2012-2019)

No Gráfico 2, percebemos que há um aumento de 17,8% para 25,5 % de concluintes do ensino superior na geração jovem. Se somados aos jovens com nível superior incompleto o número atinge um terço dessa geração. Já a geração dos pais só atinge em 2019 a quantidade de concluintes do ensino superior que havia na geração jovem de 2012. No outro extremo, 27,4 % da geração jovem não havia concluído o ensino básico em 2019, o que revela a diversidade dessa geração. Entretanto a situação é muito mais complicada para a geração dos pais, que ainda em 2019 possui mais da metade das pessoas sem ensino básico. Portanto, é nítido que a geração jovem possui escolaridade maior que a geração dos pais, e sua escolaridade continua crescendo significativamente no período observado, o que nos leva à questão: como os jovens com alta escolaridade estão lidando com a retração de postos de trabalho? No Gráfico 3 apresentamos a distribuição de ocupações da geração jovem segundo escolaridade. Agrupamos segundo participação em classes médias altas, classe médias baixas e classes de trabalhadores manuais.

Figure 3.
População ocupada de 25 a 35 anos no Brasil segundo escolaridade e classe sócio-ocupacional (2012-2019)

No Gráfico 3, é possível notar que houve um aumento das classes de trabalhadores manuais em todos os níveis de escolaridade. Dentre os jovens que haviam concluído o ensino superior, 10,5% não estavam trabalhando em ocupações de classe média em 2012, número que se eleva para 14,6% em 2019. Se somarmos ao número de jovens que estavam desempregados, verifica-se que 21% dos jovens economicamente ativos com ensino superior não estão em ocupações de classe média. Esses dados demonstram que as possibilidades de utilização dos instrumentos de reprodução de capital cultural ficaram mais restritas no período observado.

Para explicitar essa situação e compreendê-la a partir da estrutura de classes brasileira, é preciso analisar a correlação entre as estruturas de capital, os instrumentos de reprodução de capital e as gerações sociais como um todo. Visando construir esse “mapa”, efetuamos, para 2012 e 2020, a Análise Fatorial Múltipla com as variáveis de ocupação, renda domiciliar per capita, nível de escolaridade e geração social, tendo como base as dimensões comumente utilizadas na análise bourdieusiana, ou seja, volume de capital e composição de capital, tal como descrito na seção metodológica. As análises atingiram valor de 100% de inércia dos dados, ou seja, possui alta capacidade explicativa sobre a correspondência entre as variáveis, como pode ser observado na Tabela 3 e nos Gráfico 4 e Gráfico 5.

Tabela 3.
Autovalores das Análises Fatoriais Múltiplas com as variáveis renda, escolaridade, ocupação e geração (2012 e 2019)
Figure 4.
Análise Fatorial Múltipla com população ocupada de 25 a 35 e 50 a 60 anos no Brasil segundo renda, escolaridade, ocupação e faixa etária (2012)
Figure 5.
Análise Fatorial Múltipla com população ocupada de 25 a 35 e 50 a 60 anos no Brasil segundo renda, escolaridade, ocupação e faixa etária (2019)

Primeiramente cabe destacar a variação em torno do volume de capital, ou seja, do eixo vertical. Percebemos uma forte distinção entre as três classes sócio-ocupacionais consideradas aqui como classe média alta, as quais apresentam alto volume de capital e afastam-se ligeiramente das demais classes entre 2012 e 2019. Os profissionais apresentam maior volume de capital que os empregadores, o que se deve pelo fato de que esta última classe engloba desde grandes empregadores até médios e pequenos, reduzindo o volume de capital médio. Em seguida, observa-se uma visível separação entre as classes médias baixas, pois os trabalhadores não manuais de rotina exibem um volume de capital consideravelmente superior do que os proprietários por conta própria, que se assemelham bastante com os trabalhadores manuais qualificados em termos de volume de capital, mas continuam acima destes últimos.

A composição de capital, o seja, o eixo horizontal, permite que identifiquemos fortes diferenças entre as classes médias. Os empregadores predominam no campo do alto capital econômico, enquanto os profissionais compõem o polo oposto, com maior capital cultural, tendo como classe intermediária, com ambos os capitais equilibrados, os administradores. Essa tendência de distinção entre os estratos superiores guarda forte relação com o espaço social construído por Bourdieu (2011a)Bourdieu, Pierre. 2011a. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk. ao analisar a luta simbólica entre as classes sociais na França em meados do século 20. Também se assemelha às classificações observadas pelas pesquisas sobre classes médias que reconhecem a divisão entre a “velha” classe média, associada ao capital econômico e a “nova” classe média, associada ao capital cultural (Chauvel 2020Chauvel, Louis. 2020. The western middle classes under stress: welfare state retrenchments, globalization, and declining returns to education. Mir Rossii 29 (4): 85-111. https://doi.org/10.17323/1811-038X-2020-29-4-85-111.
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). As classes médias baixas também apresentam perceptível variação: os trabalhadores não manuais de rotina encontram-se no ponto mais extremo do capital cultural, mas com baixo capital econômico. Essa classe tem uma importância fundamental para jovens oriundos de classes de trabalhadores manuais que buscam a ascensão social por meio do aumento de capital cultural. Entretanto, essa classe também apresenta um ligeiro afastamento em relação às classes de menor volume de capital no período observado, evidenciando uma retração nesta “ponte” para as classes médias.

No que tange às gerações sociais, percebe-se que a geração jovem apresenta uma correlação maior com as classes que demandam maior escolaridade, em especial as classes profissionais e trabalhadores não manuais de rotina, enquanto a geração dos pais possui maior representatividade nas classes relacionadas ao capital econômico: proprietários empregadores e proprietários por conta própria. Essa é uma tendência observada em outros países, quando de fato começamos a vislumbrar uma geração social que se transforma na nova classe média, inicialmente mais próxima às classes de trabalhadores manuais, alicerçada no capital cultural como credencial de inserção na sociedade por meio de ocupações relacionadas ao conhecimento institucionalizado, técnico, mais complexo e geralmente certificado pelo estado (Chauvel 2020Chauvel, Louis. 2020. The western middle classes under stress: welfare state retrenchments, globalization, and declining returns to education. Mir Rossii 29 (4): 85-111. https://doi.org/10.17323/1811-038X-2020-29-4-85-111.
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; Chauvel et al. 2021Chauvel, Louis, Eyal B. Haim, Anne Hartung, Emily Murphy. 2021. Rewealthization in twenty-first century Western countries: the defining trend of the socioeconomic squeeze of the middle class. The Journal of Chinese Sociology 8 (1): 1-17. https://doi.org/10.1186/s40711-020-00135-6.
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).

Essa é uma indicação mais precisa do início de uma possível emergência da tão clamada nova classe média no Brasil, a partir do aumento da escolaridade dos jovens e do crescimento das ocupações de profissionais, administradores e trabalhadores não manuais de rotina, diferentemente da divulgação da emergência de uma nova classe média no Brasil apenas devido ao aumento da renda e do poder de consumo das classes de trabalhadores manuais (Neri 2008Neri, Marcelo. 2008. A nova classe média. Rio de Janeiro: CPS-FGV.), já devidamente contestada por diversas pesquisas (Scalon e Salata 2012Scalon, Celi e André Salata. 2012. Uma nova classe média no Brasil da última década? O debate a partir da perspectiva sociológica. Sociedade e estado 27 (2): 387-407. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/5658.
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; Pochmann 2012Pochmann, Márcio. 2012. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo Editorial.; Souza 2010Souza, Jessé. 2010. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: Editora UFMG.). Aparentemente essa é uma tendência que estava começando a tomar forma no Brasil no início do século 21, sendo, todavia, parcialmente restringida a partir da segunda década, e, provavelmente, ainda mais prejudicada com as consequências socioeconômicas da pandemia de coronavírus.

Considerações finais

Neste estudo, partimos primeiramente da hipótese que, mesmo com o aumento da escolaridade, houve maior restrição de oportunidades de trabalho para a geração jovem no Brasil no final da segunda década do século 21, o que se confirmou parcialmente. Por um lado, os dados apontam que, no mesmo período, os jovens aumentaram o nível médio de escolaridade, mas tiveram menos acesso a classes sócio-ocupacionais com maior volume de capital. Por outro lado, os resultados demonstram que a sociedade brasileira apresentava em 2012 uma tendência inicial de “middletization”, ou seja, aumento das ocupações mais ligadas ao capital cultural, as quais apresentaram também maior correlação com as gerações jovens. Esse fenômeno aparenta estar relacionado à mudança na relação entre baixo volume de capitais e instrumentos de reprodução do capital cultural, ocasionada pela abertura destes instrumentos. Ao que tudo indica, essa mudança modifica as estratégias dos jovens oriundos de famílias de baixo volume de capital, criando trajetórias no início do século 21, ao orientar a nova geração para ocupações distintas das ocupações da geração dos pais.

Em segundo lugar, tínhamos como hipótese que essas restrições se relacionam com o retardamento no acesso ao que definimos aqui como classes médias. Essa hipótese se confirmou, na medida em que verificamos, em 2019, um decréscimo nas ocupações de classe média, em especial as ocupações de classe média baixa, e o aumento de jovens em ocupações de trabalhos manuais, revelando um distanciamento entre as classes médias e as classes de trabalhadores manuais, mesmo com a contínua elevação da escolaridade da geração jovem. Essas evidências permitem que detectemos indícios de uma fratura geracional na sociedade brasileira na segunda década do século 21, o que pode marcar a trajetória da atual geração jovem a médio e longo prazo.

Por fim, não pretendendo ser um estudo exaustivo, a presente pesquisa suscita novas questões a serem exploradas em próximas investigações. Abre-se a possibilidade de aprofundar, a partir da teoria bourdieusiana, sobre as estratégias que os jovens oriundos de classes baixas adotam para ascender socialmente, em conexão com as possibilidades que se abrem em suas trajetórias. Um mapeamento dessas estratégias a partir das próprias interpretações, classificações e distinções dos jovens sobre o mundo social, relacionando as dinâmicas geracionais com a teoria dos capitais, aponta para um campo frutífero de pesquisa sobre a realidade da juventude brasileira e suas oportunidades de vida.

  • Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2021
  • Aceito
    13 Jan 2022
  • Publicado
    04 Out 2022
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