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Reconhecimento datificado em plataformas digitais: lógicas e implicações

Datafied recognition on digital platforms: logics and implications

Reconocimiento datificado en las plataformas digitales: lógicas y implicaciones

Resumo:

O presente artigo propõe que a datificação dos processos de reconhecimento modifica como os sujeitos se relacionam com o mundo e com suas próprias identidades. A sociologia da comunicação, com frequência, pensa as plataformas digitais como potenciais amplificadoras das vozes de grupos historicamente silenciados que lutam para serem reconhecidos nas suas diferentes dimensões pela sociedade. Partindo de uma perspectiva alternativa, com foco nos processos de datificação que atravessam essas plataformas, o artigo propõe uma reflexão sobre os modos e as lógicas que permeiam os processos de reconhecimento que ocorrem no Facebook, no Twitter e em outras plataformas similares. Em última análise, o trabalho sugere que os processos de vigilância, metrificação e processamento das sociabilidades online, dentro das lógicas econômicas vigentes, restringem possibilidades expressivas do sujeito que não se enquadrem em modelos individualizados de autopromoção.

Palavras-chave:
Reconhecimento datificado; Plataformas digitais; Subjetividade

Abstract:

This article proposes that the datification of the processes recognition changes how the subjects relate to the world and to their own identities. The sociology of communication often treats digital platforms as potential amplifiers of the voices of historically silenced groups that struggle to be recognized in their different dimensions by society. Starting from an alternative perspective, with a focus on the datification processes that cross these platforms, the article proposes a reflection on the modes and logics that permeate the recognition processes occurring on Facebook, Twitter and other similar platforms. Ultimately, the work suggests that the processes of surveillance, metrification and processing online sociability, within the current economic logics, restrict expressive possibilities of the subject that do not fit into individualized models of self-promotion.

Keywords:
Datafied recognition; Digital Platforms; Subjectivity

Resumen:

Este artículo propone que la datificación de los procesos de reconocimiento cambia la forma en que los sujetos se relacionan con el mundo y con sus propias identidades. La sociología de la comunicación a menudo piensa en las plataformas digitales como amplificadores potenciales de las voces de grupos históricamente silenciados que luchan por ser reconocidos en sus diferentes dimensiones por la sociedad. Partiendo de una perspectiva alternativa, con enfoque en los procesos de datificación que atraviesan estas plataformas, el artículo propone una reflexión sobre los modos y lógicas que permean los procesos de reconocimiento que ocurren en Facebook, Twitter y otras plataformas similares. En definitiva, el trabajo sugiere que los procesos de vigilancia, metrificación y procesamiento de la sociabilidad online dentro de la lógica económica actual restringen posibilidades expresivas del sujeto que no encajan en modelos individualizados de autopromoción.

Palabras clave:
Reconocimiento datificado; Plataformas digitales; Subjetividad

Introdução

Todos desejam ser reconhecidos como membros úteis da sociedade. Como seres humanos, desenvolvemos nosso senso de identidade por meio da interação com outras pessoas. Queremos compartilhar valores e fazer parte de grupos sociais, ser visíveis e reconhecidos como dignos de respeito e estima pelos nossos pares. Na contemporaneidade, contudo, tais processos são, em parte, atravessados por práticas que ocorrem em plataformas digitais. As interações com amigos e familiares, o compartilhamento de detalhes do cotidiano e mesmo as discussões de questões ligadas à esfera pública têm acontecido não somente em momentos específicos de encontros no dia a dia, em uma conversa no bar, no ambiente de trabalho ou em um bate-papo ao telefone, mas espargidas no tempo por meio de tecnologias móveis digitais que misturam tais ações na rotina, muitas vezes, em paralelo a atividades que tradicionalmente compõem a vida pessoal e profissional dos indivíduos.

Entretanto, o que parece mais marcante nas dinâmicas contemporâneas de sociabilidade atravessadas por plataformas digitais é a transformação nas próprias demandas por reconhecimento. Cada vez mais, indivíduos querem ser reconhecidos como membros úteis da sociedade por meio de demonstrações de aprovação e valor em plataformas digitais. Essas convertem curtidas, compartilhamentos e publicações em dados que são, por sua vez, tabulados, analisados e vendidos. Deste modo, o reconhecimento datificado transforma algumas das premissas que estruturam as formas tradicionais de reconhecimento, uma vez que seu objetivo principal é a produção de capital.

Diferentemente da narrativa usualmente disseminada por plataformas de redes sociais, Facebook, Instagram e YouTube não são simples exemplos de tecnologias neutras que possibilitam novas formas de comunicação, conexão e democratização das diferentes vozes que compõe a sociedade (Gillespie 2010Gillespie, Tarleton. 2010. The politics of ‘platforms’. New Media & Society 12(3): 347-364. https://doi.org/10.1177/1461444809342738.
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; Bucher 2018Bucher, Taina. 2018. If… then: algorithmic power and politics. Oxford: Oxford University Press.). Ninguém duvida, naturalmente, que as plataformas digitais têm papel crítico na atuação política. Inúmeras pesquisas sobre o papel das redes sociais em disputas políticas, às vezes alimentadas pelas chamadas fake news, demonstram de modo bastante evidente esta capacidade (por exemplo, Lazer et al. 2018Lazer, David, Matthew A. Baum, Yochai Benkler et al. 2018. The science of fake news. Science 359: 1094-1096. https://doi.org/10.1126/science.aao2998.
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). Porém, essa atuação política não ocorre somente no sentido clássico do termo. Ela acontece, de maneira central, na sua capacidade de exercer governança sobre o sensível, ou seja, sobre o horizonte do que pode ser visto, escutado, dito e pensado (Ranciére 2009Ranciére, Jacques. 2009. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34.). Esses dispositivos agem diretamente no ordenamento que as pessoas fazem do mundo e no modo como elas se apresentam a ele para, com isso, conseguirem prever ou mesmo persuadir as ações de seus usuários. As mais distintas formas de sociabilidade são transformadas em dados que são quantificados, agregados e processados dentro de lógicas econômicas próprias, a maioria das vezes, ignoradas pelas pessoas.

Neste sentido, o presente artigo2 2 O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). argumenta que a datificação dos processos de reconhecimento do indivíduo modifica como os sujeitos se relacionam com o mundo e com suas próprias identidades. Conforme será visto mais à frente, a ação de reconhecer o outro tem relação com a necessidade de reforçar a noção de igualdade entre as pessoas e, ao mesmo tempo, com a vontade de afirmar as singularidades e as diferenças entre indivíduos e grupos sociais. Argumenta-se aqui, contudo, que o reconhecimento datificado erode certas percepções morais que enxergam os sujeitos como detentores de uma dignidade comum e universal e, simultaneamente, restringe possibilidades expressivas não comprometidas com lógicas de transformação do sujeito em mercadoria de si mesmo. O objetivo do presente artigo é, deste modo, lançar algumas reflexões sobre os desafios impostos por processos de reconhecimento intersubjetivo ocorrendo em uma sociedade que se torna cada vez mais datificada (Schäfer e van Es 2017Schäfer, Mirko T. e Karin van Es, orgs. 2017. The datafied society: studying culture through data. Amsterdam: Amsterdam University Press.).

O reconhecimento

Ao longo da história, as sociedades desenvolveram instituições e sistemas que atuam nos processos de valorização do que as pessoas fazem, alcançam ou representam (como religião, sistemas jurídicos ou mesmo o mercado). Axel Honneth (2014)Honneth, Axel. 2014. Freedom's right: the social foundations of democratic life. New York: Columbia University Press. descreve tais instituições como instituições de reconhecimento. Desde o século 19, filósofos e acadêmicos de diferentes áreas têm explorado o conceito de reconhecimento e suas implicações para a formação de identidades pessoais e até mesmo para a transformação da sociedade. Essas discussões ganharam impulso no início da década de 1990, quando debates ligados à política de identidade, multiculturalismo e movimentos sociais passaram a abordar a questão do reconhecimento e, talvez mais importante, a questão da falha ou mesmo do não reconhecimento, e o que ele significa para a constituição de subjetividades (Taylor 1994Taylor, Charles. 1994. Multiculturalism. Princeton: Princeton University Press.; Honneth 1995Honneth, Axel. 1995. The struggle for recognition: the moral grammar of social conflicts. Cambridge: MIT Press.).

Nas palavras de Hegel (citado por Honneth 2014Honneth, Axel. 2014. Freedom's right: the social foundations of democratic life. New York: Columbia University Press., 44), reconhecer é “estar consigo mesmo no outro”. As relações de reconhecimento mútuo são uma pré-condição para a autorrealização. O filósofo alemão do século 19 pensa no processo de reconhecimento como uma forma de aumentar a autoconsciência do sujeito. Nessa perspectiva, uma vez que sou reconhecido por outra pessoa, me aproximo desse outro e, ao mesmo tempo, ganho maior consciência sobre as características e peculiaridades da minha própria identidade, que, por sua vez, também exigem reconhecimento. Hegel propõe que o processo de reconhecimento ocorre em três dimensões práticas: amor, jurídica e solidariedade. Cada uma dessas dimensões, por sua vez, está relacionada a uma instituição diferente: casamento, estado e sociedade civil, respectivamente.

Axel Honneth (1995)Honneth, Axel. 1995. The struggle for recognition: the moral grammar of social conflicts. Cambridge: MIT Press. aprofunda a proposta de Hegel ao avançar as dimensões práticas do reconhecimento. Não somente o amor, sugere Honneth, mas também a amizade e as relações familiares são fundamentais para a formação da autoconfiança básica do sujeito. Os chamados “relacionamentos primários” são caracterizados por laços emocionais compartilhados por um número relativamente pequeno de indivíduos e são essenciais para o desenvolvimento do sujeito desde a primeira infância. Mesmo na adolescência e na idade adulta o sujeito precisa ter certeza de que é amado pela família e pelos amigos para que tenha a autoconfiança necessária para desempenhar um papel produtivo na sociedade (Honneth 1995Honneth, Axel. 1995. The struggle for recognition: the moral grammar of social conflicts. Cambridge: MIT Press., 104). Vínculos afetivos fortes desenvolvidos ao longo da vida adulta possibilitam o estabelecimento de uma relação emocional equilibrada, que se assemelha ao estado emocional vivido entre mãe e filho. O amor familiar e a amizade, entretanto, representam um tipo específico de reconhecimento, na medida em que não obrigam o indivíduo a refletir sobre as normas vigentes de regulação social.

A dimensão seguinte analisada pelo autor, a das relações jurídicas, também se conecta à dinâmica de reciprocidade que atravessa a dimensão do amor, mas, diferentemente dessa, ela se constituiu durante uma lenta e, muitas vezes, árdua evolução histórica. Somente com a chegada da modernidade, e sua concepção universal de indivíduo, é que foi possível conceber a ideia de uma igualdade de direitos. Conforme Berger (1983)Berger, Peter. 1983. On the obsolescence of the concept of honor. In Revisions: changing perspectives in moral philosophy, organizado por Stanley Hauerwas e Alasdair MacIntyre, 172-181. Notre Dame: University of Notre Dame Press. argumenta, a honra e o status familiar perderam sua centralidade como motores morais da organização social, que foi se tornando menos rígida e hierárquica a partir dos séculos 18 e 19. Neste contexto, George Mead (1972)Mead, George. 1972. Movements of thought in the nineteenth century. Chicago: University of Chicago Press., uma referência fundamental no trabalho de Honneth, propõe que a ideia de “dignidade” gradualmente substituiu o código moral da honra como base para o reconhecimento. Afinal, todos podem ter dignidade, enquanto apenas alguns podem ter honra. Essas mudanças ocorreram junto ao desenvolvimento de um tipo de reconhecimento não fundado em sentimentos de afeto pessoal, mas em atitudes individuais de empatia para com a comunidade. Essa dimensão decorre da expansão gradual do direito moderno que amplia o reconhecimento jurídico do indivíduo em suas esferas civil, política e social (Marshall 1950Marshall, Thomas H. 1950. Citizenship and social class and other essays. Cambridge: Cambridge University Press.). A introdução da ideia de igualdade no direito moderno avançou junto com o entendimento de que os indivíduos precisam de acesso educacional e cultural, bem como de segurança econômica. Esses princípios constituem a base do Estado de bem-estar social e são vitais para o estabelecimento de um sentimento de autorrespeito e dignidade do sujeito. Honneth (1995)Honneth, Axel. 1995. The struggle for recognition: the moral grammar of social conflicts. Cambridge: MIT Press. argumenta que somente quando o indivíduo se reconhece em outra pessoa é que percebe que essa outra pessoa tem os mesmos direitos e deveres que ele, o que possibilita sua ampla participação na vida pública.

A terceira e última dimensão do reconhecimento explorada por Honneth está relacionada à ideia de estima social. Diferentemente da relação de autorrespeito desenvolvida a partir do princípio da igualdade universal entre os sujeitos, a autoestima envolve a percepção de que cada indivíduo possui uma individualidade única em relação aos demais. Essa terceira dimensão do reconhecimento é orientada por um sujeito biograficamente individuado (Honneth 1995Honneth, Axel. 1995. The struggle for recognition: the moral grammar of social conflicts. Cambridge: MIT Press., 127). Neste sentido, as realizações individuais do sujeito são consideradas, na modernidade, mais relevantes do que, por exemplo, a posição social hierárquica, valorizada na sociedade tradicional baseada na honra. Segundo Honneth (1995Honneth, Axel. 1995. The struggle for recognition: the moral grammar of social conflicts. Cambridge: MIT Press., 128), o reconhecimento da estima é caracterizado por relações fundadas em um princípio de simetria que promove a individualização e a autonomia dos sujeitos, que se percebem semelhantes entre si, ao mesmo tempo em que mantém o interesse pelas particularidades dos outros. Tais relações podem desencadear um sentimento de solidariedade, que ocorre quando cada membro da sociedade se sabe estimado por todos os outros no mesmo grau, mesmo que a partir de diferentes tipos de realizações individuais e modos de vida.

Em comum, as discussões acima compartilham a preocupação com a questão do poder, mesmo que isso não ocorra de modo saliente. Buscar o reconhecimento de alguém ou de uma instituição é reconhecer sua autoridade e poder sobre a pessoa que quer ser reconhecida (McBride 2013McBride, Cillian. 2013. Recognition. Cambridge: Polity Press.).

Apesar da importância do reconhecimento para a compreensão da essência relacional da formação subjetiva, só recentemente o conceito começou a ser explorado por acadêmicos da área de comunicação e estudos de mídia. Essa constatação chama ainda mais atenção quando se leva em conta a importância das relações institucionais de poder nos processos intersubjetivos. Os trabalhos de Couldry (2010)Couldry, Nick. 2010. Why voice matters: culture and politics after neoliberalism. Londres: Sage., Faimau (2013)Faimau, Gabriel. 2013. Socio-cultural construction of recognition: the discursive representation of Islam and Muslims in the British christian news media. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing., Maia (2014)Maia, Roseley. 2014. Recognition and the media. Nova York, NY: Palgrave Macmillan., Lorenzana (2016)Lorenzana, Jozon. 2016. Mediated recognition: the role of facebook in identity and social formations of filipino transnationals in indian cities. New Media & Society 18 (10): 2189-2206. https://doi.org/10.1177/1461444816655613.
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, Nærland (2017)Nærland, Torgeir. 2017. Altogether now? Symbolic recognition, musical media events and the forging of civic bonds among minority youth in Norway. European Journal of Cultural Studies 22 (1): 78-94. https://doi.org/10.1177/1367549417719013.
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, Nikunen (2018)Nikunen, Kaarina. 2018. Once a refugee: selfie activism, visualized citizenship and the space of appearance. Popular Communication 17 (2): 154-170. https://doi.org/10.1080/15405702.2018.1527336.
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e Balleys et al. (2020)Balleys, Claire, Florence Millerand, Christine Thoër e Nina Duque. 2020. Searching for oneself on YouTube: teenage peer socialization and social recognition processes. Social Media + Society 6 (2): 1-11. https://doi.org/10.1177%2F2056305120909474.
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são informativos nesta discussão, pois tratam a mídia como instituição que atua sobre os processos de reconhecimento necessários ao desenvolvimento de sociedades mais democráticas e livres. Jornais, televisão e plataformas de redes sociais, segundo suas perspectivas, são instituições culturais e tecnológicas que interferem positivamente (ou negativamente, quando ocorrem falhas de reconhecimento) na formação de subjetividades passíveis de autorrealização. A mídia é, deste modo, retratada como tendo papel fundamental na formação de uma cidadania cultural capaz de ampliar questões relacionadas à politização do cotidiano (Stevenson 2001Stevenson, Nick. 2001. Culture and citizenship. Londres: Sage., 5). Nesse sentido, Lorenzana (2016)Lorenzana, Jozon. 2016. Mediated recognition: the role of facebook in identity and social formations of filipino transnationals in indian cities. New Media & Society 18 (10): 2189-2206. https://doi.org/10.1177/1461444816655613.
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e Nikunen (2018)Nikunen, Kaarina. 2018. Once a refugee: selfie activism, visualized citizenship and the space of appearance. Popular Communication 17 (2): 154-170. https://doi.org/10.1080/15405702.2018.1527336.
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, por exemplo, mostram como o Facebook e o Twitter proporcionam espaços comunicativos onde grupos minoritários podem ter visibilidade e voz. Eles argumentam que essas plataformas fornecem recursos simbólicos e espaços de visibilidade que podem ser usados por imigrantes e refugiados para mostrar suas conquistas, aumentando, assim, as possibilidades de serem socialmente valorizados.

O que chama atenção nos trabalhos que tratam do “reconhecimento mediado” é que, se discussões acerca do poder da mídia costumam ser centrais nas investigações que envolvem os meios de comunicação tradicionais, como televisão e jornais, elas quase não estão presentes nas análises que abordam as plataformas digitais. Um bom exemplo é o livro Recognition and the Media, talvez um dos esforços mais sensíveis para aplicar a teoria de reconhecimento de Honneth a práticas relacionadas a diferentes contextos mediáticos. No livro, Maia (2014)Maia, Roseley. 2014. Recognition and the media. Nova York, NY: Palgrave Macmillan. e seus colaboradores aplicam uma série de metodologias para refletir sobre representações de grupos sociais minoritários em meios de comunicação massivos, além de pensar como plataformas digitais e blogs na internet se misturam a práticas da vida cotidiana que abarcam os domínios do privado, do social e do político. A articulação entre poder e mídia é discutida, principalmente, em relação à construção de discursos e representações de grupos desfavorecidos na televisão e no jornal, e como esses grupos buscam exercer pressão para mudar as práticas de organização dos meios de comunicação a fim de promover uma sociedade mais inclusiva. De acordo com os casos analisados pela autora e seus colaboradores, ao mesmo tempo em que os meios de comunicação de massa tradicionais exercem seu poder por meio de decisões relacionadas à criação e à circulação de representações sociais, os grupos minoritários retratados conseguem, em certas circunstâncias, desafiar de modo bem-sucedido tais escolhas. Os capítulos que investigam as lutas por reconhecimento no contexto online, porém, dão reduzida atenção ao poder exercido pelas plataformas digitais, como Facebook ou YouTube. Essa última, por exemplo, é basicamente retratada como uma plataforma que possibilita a diversos atores sociais se tornarem produtores de conteúdo. Ou seja, o YouTube é descrito como espaço onde visões plurais e conflitantes podem coexistir, o que certamente reflete, até certo ponto, o seu papel na sociedade (Maia 2014Maia, Roseley. 2014. Recognition and the media. Nova York, NY: Palgrave Macmillan., 161). Mas tal descrição deixa de fora um tipo de governança que seus algoritmos desempenham acerca do que é publicado, e que reconfigura a distribuição daquilo que pode ser visto, escutado e pensado (Gillespie 2010Gillespie, Tarleton. 2010. The politics of ‘platforms’. New Media & Society 12(3): 347-364. https://doi.org/10.1177/1461444809342738.
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). A materialidade do YouTube é, portanto, tratada de modo bastante tênue.

Em suma, as discussões apresentadas nos estudos de caso analisados por Maia (2014)Maia, Roseley. 2014. Recognition and the media. Nova York, NY: Palgrave Macmillan. giram em torno dos vídeos veiculados por seus usuários e dos comentários de suas audiências, ao mesmo tempo em que ignoram lógicas estruturantes dessas plataformas que atuam no horizonte de possibilidades subjetivas de seus usuários.

Esse tipo de perspectiva também pode ser encontrado na etnografia de Lorenzana (2016)Lorenzana, Jozon. 2016. Mediated recognition: the role of facebook in identity and social formations of filipino transnationals in indian cities. New Media & Society 18 (10): 2189-2206. https://doi.org/10.1177/1461444816655613.
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com cidadãos transnacionais filipinos morando na Índia. No trabalho, o pesquisador analisa como práticas cotidianas de migrantes filipinos no Facebook são usadas como estratégia para que possam ganhar estima e reconhecimento social. A pesquisa mostra de que modo a publicação de fotos e textos que evidenciam conquistas profissionais e afirmam conexões sociais desempenha papel fundamental na formação identitária desses indivíduos. Isso ocorre particularmente nos momentos em que os membros da comunidade migrante mostram nas plataformas sociais suas habilidades e contribuições para a sociedade indiana (Lorenzana 2016Lorenzana, Jozon. 2016. Mediated recognition: the role of facebook in identity and social formations of filipino transnationals in indian cities. New Media & Society 18 (10): 2189-2206. https://doi.org/10.1177/1461444816655613.
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, 4). Embora Lorenzana reconheça que o Facebook predispõe os usuários à autorrepresentação, ele não avança a proposta de investigar como isso ocorre e quais as implicações dessa constatação. Em última análise, pesquisas como as de Lorenzana (2016)Lorenzana, Jozon. 2016. Mediated recognition: the role of facebook in identity and social formations of filipino transnationals in indian cities. New Media & Society 18 (10): 2189-2206. https://doi.org/10.1177/1461444816655613.
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, Maia (2014)Maia, Roseley. 2014. Recognition and the media. Nova York, NY: Palgrave Macmillan. e Balleys et al. (2020)Balleys, Claire, Florence Millerand, Christine Thoër e Nina Duque. 2020. Searching for oneself on YouTube: teenage peer socialization and social recognition processes. Social Media + Society 6 (2): 1-11. https://doi.org/10.1177%2F2056305120909474.
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analisam de modo sensível dinâmicas específicas de sociabilidade capazes de produzir reconhecimento, porém não se perguntam como a datificação das sociabilidades ocorrendo nas plataformas digitais que os autores pesquisam são capazes de transformar os próprios processos de reconhecimento do sujeito. Datificar um fenômeno significa “colocá-lo em uma forma quantificada de modo que ele possa ser tabulado e analisado” (Mayer-Schönberger e Cukier 2013Mayer-Schönberger, Viktor e Kenneth Cukier. 2013. Big Data: a revolution that will transform how we live, work, and think. Londres: John Murray Publishers., 165). Para Couldry e Hepp (2017Couldry, Nick e Andreas Hepp. 2017. The mediated construction of reality. Cambridge: Polity Press., 126), datificar possibilita a transformação de aspectos distantes e intratáveis do mundo em uma realidade ordenada, mensurável e gerenciável. A “onda da datificação” seria, para os autores, o quarto e mais recente estágio do longo processo de midiatização que a sociedade ocidental tem atravessado nos últimos séculos.

Nesse contexto, este artigo propõe alguns caminhos de investigação que ajudem a pensar de modo amplo sobre as implicações da datificação dos processos intersubjetivos de reconhecimento. Naturalmente, seria impossível esgotar todas as possibilidades analíticas em um único livro, muito menos em um artigo. O que se pretende aqui, portanto, é um esforço embrionário de sistematização, a partir da perspectiva do reconhecimento, de questões que se colocam em decorrência da expansão das plataformas digitais em diferentes esferas da vida social.

Conforme aludido na introdução deste artigo, todos querem ser reconhecidos enquanto indivíduos de valor em seus grupos sociais. Essa característica faz parte da própria concepção de sujeito. Contudo, o que torna o contexto hodierno excepcional no que diz respeito à questão do reconhecimento é a existência de tecnologias que possibilitam a valoração quase imediata por parte de dezenas, quando não centenas ou mesmo milhares de pessoas às formas mais triviais de expressão do indivíduo comum. Curtir, compartilhar, comentar, seguir e, em última análise, reconhecer, se tornam ações absolutamente triviais na contemporaneidade. Porém, mais do que tecnologias que permitem a expressão e o reconhecimento de estima social das diversas vozes que compõem a sociedade, as plataformas digitais restringem e condicionam relações intersubjetivas, dentro de dinâmicas que privilegiam práticas intimamente ligadas a lógicas capitalistas (Fisher 2009Fisher, Mark. 2009. Capitalism realism. Hampshire: O Books.). Ou seja, propõe-se aqui que o simples ato de curtir uma fotografia publicada por um amigo em uma plataforma de rede social legitima, mesmo que subliminarmente, um tipo de poder que reifica as relações sociais (Honneth e Butler 2008Honneth, Axel e Judith Butler. 2008. Reification: a new look at an old idea. Oxford: Oxford University Press.).

Como programa inicial de exploração destas transformações, este artigo propõe pensar como as plataformas de redes sociais traduzem e operacionalizam aquilo que Honneth chama de “gestos expressivos de reconhecimento”, ou seja, a demonstração da “prontidão emocional para se engajar moralmente com o outro” (Honneth e Margalit 2001Honneth, Axel e Avishai Margalit. 2001. Recognition. Proceedings of the Aristotelian Society. Supplementary Volumes 75: 111-139., 122). Embora Honneth e Margalit refiram-se a sorrisos, cumprimentos respeitosos ou acenos de cabeça quando exemplificam estes gestos expressivos no mundo presencial, podemos imaginar que curtidas ou compartilhamentos de algum conteúdo nas plataformas sociais também possam ser vistos como um tipo de gesto expressivo de reconhecimento. Assim sendo, sugere-se aqui o exame das implicações das plataformas digitas nas ações expressivas de reconhecimento por meio da análise de quatro esferas, são elas: a configuração dos gestos; a captura deles pelas plataformas; o tratamento dado a estes gestos; e, por fim, o agenciamento de tais processos pelos sujeitos de modo a amplificar as expressões de reconhecimento nas plataformas.

A configuração dos gestos expressivos de reconhecimento diz respeito à transformação de toda e qualquer forma de ação humana desempenhada nas plataformas digitais em métricas e dados quantitativos economicamente conversíveis. Já a captura refere-se às estratégias de vigilância exercidas pelas plataformas, responsáveis pela extração e posterior processamento desses dados. O tratamento dos gestos expressivos em plataformas digitais é realizado por sistemas algoritmos de inteligência artificial que buscam processar esses dados capturados de modo a prever e até mesmo persuadir o comportamento dos usuários, com vistas na geração de ganho econômico. Por fim, o agenciamento dos usuários pode ser pensado por meio da incorporação de disposições emocionais, psicológicas e comportamentais que naturalizam essas lógicas, permitindo, assim, a aderência a práticas que amplificam a capacidade do sujeito de ser reconhecido em plataformas digitais. Cada uma das quatro esferas responsáveis pelo reconhecimento datificado representa um campo de pesquisa amplo, com especificidades que estão em constante mudança e que se constituem de modo diferente dependendo da plataforma analisada. Portanto, a proposta apresentada abaixo apresenta uma problematização inicial da datificação dos processos intersubjetivos de reconhecimento, ao mesmo tempo em que propõe uma sistematização para a realização de pesquisas futuras sobre o fenômeno.

Métricas e datificação do indivíduo

Em 2007, Gary Wolf e Kevin Kelly, ambos editores da revista Wired, desenvolveram o “Movimento do Self Quantificado” (Self-Quantified Moviment),3 3 Quantified Self. 2007. Acessado 14 jan. 2021, https://quantifiedself.com. projeto que prega o “autoconhecimento por meio de números” (Self-knowledge through numbers). A iniciativa tem como objetivo reunir pesquisadores, programadores e curiosos interessados em desenvolver novos métodos quantitativos de autoconhecimento do sujeito. Para os participantes do movimento, aquilo que não pode ser mensurado numericamente, não pode ser melhorado. Neste sentido, Wolf e Kelly propõem que a metrificação das atividades físicas, de taxas funcionais do corpo humano, do consumo de alimentos e mesmo da vida social das pessoas é fundamental para o melhoramento do sujeito. Longe de ser uma excentricidade, essa iniciativa reflete um movimento mais amplo observado na contemporaneidade de metrificação do cotidiano.

O uso de métricas na sociedade não é, contudo, algo novo. Hacking (1990Hacking, Ian. 1990. The taming of chance. Ideas in context. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511819766.
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, vii) nos lembra de que a crescente utilização de estatísticas, tabelas e médias no século 19 desencadeou novas formas de engenharia social que davam substância ao que se convencionou chamar de “pessoa normal”. O objetivo, segundo Hacking (1990)Hacking, Ian. 1990. The taming of chance. Ideas in context. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511819766.
https://doi.org/10.1017/CBO9780511819766...
, era intervir no comportamento das “classes indesejadas”, a partir da análise de taxas de crime e suicídio nas cidades, usadas como parâmetros para políticas públicas de segurança e manejo de grupos sociais específicos.

Segundo Ajana (2018)Ajana, Btihaj, org. 2018. Metric culture: Ontologies of self-tracking practices. Bingley: Emerald Publishing Limited., contudo, o uso de métricas para avaliação do indivíduo alcançou novos patamares nas últimas décadas. Conforme pode ser observado no Movimento do Self Quantificado, a ampla utilização de avaliações quantitativas deixa de se restringir às esferas governamentais, institucionais e empresariais, e passa a fazer parte do cotidiano do sujeito comum. A autora propõe que o desenvolvimento de tecnologias digitais tornou possível a ampla adoção de dispositivos de autorrastreamento, como dispositivos Fitbits ou Smart Watches, e de plataformas de mídia social que utilizam princípios métricos para avaliar as mais diversas práticas cotidianas. O que chama mais atenção no fenômeno, contudo, não é simplesmente o enorme volume de dados produzidos hodiernamente, mas, como aponta Ajana (2018)Ajana, Btihaj, org. 2018. Metric culture: Ontologies of self-tracking practices. Bingley: Emerald Publishing Limited., as racionalidades e os discursos criados a partir deles. Conforme Hacking (1990)Hacking, Ian. 1990. The taming of chance. Ideas in context. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511819766.
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chama atenção em seu estudo da objetificação do conhecimento no século 19, o uso de números tem servido historicamente como ferramenta de governo e controle de populações e indivíduos.

Neste contexto, o que parece ser mais preocupante na atualidade é o adensamento dos processos de quantificação das ações e das relações sociais do indivíduo dentro de um cenário de valoração de identidades a partir de perspectivas numéricas. Esse fenômeno é particularmente evidente nas plataformas de mídia social, amplamente utilizadas na atualidade. O próprio modelo de negócio desses espaços é baseado na conversão de dinâmicas intersubjetivas de reconhecimento entre seus usuários em números e pontuações. A introdução do botão de “curtir” pelo Facebook em 2010, por exemplo, abriu caminho para a transformação das sociabilidades em métricas que, não somente otimizam a monetização dos dados e das pontuações de seus usuários pelas plataformas, mas igualmente facilitam estratégias de criação de engajamento. Gerlitz e Helmond (2013)Gerlitz, Carolin e Anne Helmond. 2013. The like economy: social buttons and the data-intensive Web. New Media & Society 15 (8): 1348-1365. https://doi.org/10.1177/1461444812472322.
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afirmam que tanto o botão de “curtir”, quanto outros plug ins sociais, são potenciais desencadeadores de inúmeros processos que visam produzir mais participação online. De acordo com os autores, as pessoas se engajam mais com conteúdos em plataformas que demonstram maior número de curtidas ou compartilhamentos, um nítido processo que favorece lógicas de retroalimentação.

Bucher (2018Bucher, Taina. 2018. If… then: algorithmic power and politics. Oxford: Oxford University Press., 77-78) também argumenta que, quanto mais reações uma publicação no Facebook gera, mais “bordas” (edges) são designadas a ela pela plataforma. A borda é uma espécie de atributo da interação e é composta por três dimensões, cada uma com sua própria pontuação, são elas: o tipo de interação (comentários, compartilhamentos, curtidas etc. têm pesos diferentes); a temporalidade da interação (interações mais recentes costumam ter peso maior), e quem foi responsável por realizá-la (maior afinidade entre um usuário e um seguidor ou amigo na rede resulta em mais peso). Para estimar um objeto dentro do Facebook – que pode ser uma imagem publicada, um post, um vídeo ou algo semelhante –, o algoritmo multiplica os valores de cada borda que ele gera, para, a partir da pontuação aferida, decidir a hierarquização desse objeto nas linhas do tempo (newsfeeds) dos usuários da rede. Os pesos dessas valorações, assim como as decisões acerca do ranqueamento dos objetos, são elementos dinâmicos e definidos por sistemas de inteligência artificial que buscam uma permanente otimização capaz de gerar mais engajamento e tempo despendido nas plataformas pelos usuários.

O modelo acima, descrito em detalhes há alguns anos por Sanghvi e Steinberg –engenheiros responsáveis pelo desenvolvimento da linha do tempo do Facebook – já sofreu inúmeras modificações e se complexificou, conforme demonstra De Vito (2016)De Vito, Michael A. 2016. From Editors to Algorithms. Digital Journalism 5 (6): 753-773 https://doi.org/10.1080/21670811.2016.1178592.
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em suas análises das patentes aprovadas pela plataforma ao longo dos anos. O próprio conceito de “Ranque de Bordas” (EdgeRank), utilizado pelo Facebook no início da década de 2010, caiu em desuso depois de pouco tempo. No entanto, mesmo que o ranqueamento de diferentes tipos de publicação na linha do tempo tenha incorporado outras dimensões, como engajamento prévio, prioridade da plataforma, qualidade do conteúdo, entre inúmeros outras, uma característica essencial parece se manter estável ao longo dos anos: a constante criação e redefinição de diferentes escalas de pontuação de afinidade entre usuários e objetos no Facebook.

Essas escalas de pontuação de afinidade são a espinha dorsal dos sistemas algoritmos de plataformas sociais digitais. Bucher (2018Bucher, Taina. 2018. If… then: algorithmic power and politics. Oxford: Oxford University Press., 11) argumenta que a valoração dada pelo Facebook às amizades online, baseada em diferentes critérios de afinidade, “desemprenha papel essencial na sustentação da própria rede”. Em última instância, quanto maior a pontuação de afinidade dentro de uma amizade na plataforma, maior a chance de o Facebook usar essa relação na promoção de seus produtos. Para a autora, “amizades [na perspectiva desses dispositivos] nada mais são do que uma equação voltada para maximizar o engajamento com a plataforma” (Bucher (2018Bucher, Taina. 2018. If… then: algorithmic power and politics. Oxford: Oxford University Press., 11).

A metrificação das amizades no Facebook e em outras plataformas sociais, contudo, ultrapassa a sistematização computacional das conexões. Ela é parte vital da experiência visual de seus usuários, que, conforme aponta Grosser (2014), influencia a valoração que esses fazem acerca do que é lido, visto e assistido. Deste modo, a visualização do número de curtidas ou compartilhamentos recebidos por um objeto influencia diretamente na decisão de um usuário de reagir a esse mesmo objeto. Ou seja, quanto mais eloquentes os números de engajamento ou gestos expressivos de reconhecimento uma publicação receber, mais ela será percebida como relevante pelos usuários. Deste modo, as dinâmicas de reconhecimento social se mostram dependentes dos processos de valoração desenvolvidos por sistemas computacionais, seguindo, portanto, uma espécie de lógica circular ditada por fórmulas algorítmicas.

Ao mesmo tempo em que as plataformas digitais facilitam o estabelecimento de conexões intersubjetivas nas mais diversas formas e as transformam em métricas, elas concomitantemente monitoram e vigiam tais conexões, mesmo que isso ocorra de modo imperceptível pelos usuários. Trocar curtidas, fazer comentários, publicar e assistir a fotos e vídeos online são ações que resultam em uma enorme quantidade de dados que são processados de modo a transformar as relações intersubjetivas dos usuários em mercadoria (Couldry e Mejias 2019Couldry, Nick e Ulises Mejias. 2019. The costs of connection: how data is colonizing human life and appropriating it for capitalism. Stanford: Stanford University Press.).

Christl e Spiekermann (2016)Christl, Wolfie e Sarah Spiekermann. 2016. Networks of control: a report on corporate survaillance, digital tracking, big data and privacy. Viena: Facultas. mostram, por exemplo, como sofisticadas técnicas de computação vêm sendo usadas pelas plataformas digitais para formar uma imagem mais sutil e subjetiva dos indivíduos, oferecendo, assim, insights sobre traços de suas personalidades ou mesmo de seus estados emocionais. Esses últimos, inclusive, são foco de um subcampo da ciência da computação conhecido como computação afetiva. A computação afetiva adota técnicas que podem reconhecer expressões faciais de emoção em fotos publicadas, variações nas entonações vocais nas trocas com assistentes pessoais digitais (como Siri, Alexa ou Google Assistant) ou alterações sutis nos movimentos de digitação para, com isso, identificar e, eventualmente, influenciar a emoção dos usuários de dispositivos digitais (Christl e Spiekermann 2016Christl, Wolfie e Sarah Spiekermann. 2016. Networks of control: a report on corporate survaillance, digital tracking, big data and privacy. Viena: Facultas., 20). Nem mesmo o simples ato de escutar música escapa desse tipo de vigilância. Tom Connaughton, diretor para o Reino Unido do serviço de streaming de música Spotify, declarou em entrevista recente que a plataforma é capaz de identificar, para compartilhamento com seus anunciantes, os estados emocionais de seus usuários a partir da análise comparativa de suas escolhas musicais.4 4 BBC. 2020. Entrevista concedida para o programa The Media Show. BBC, 9 de set. 2020. Acessado 14 de jan. de 2021. https://www.bbc.co.uk/programmes/m000mb2q. Deste modo, os anunciantes da plataforma podem direcionar anúncios com maior capacidade de influenciar os hábitos de consumo do ouvinte, dependendo de seu estado emocional em cada momento de escuta.

Sistemas de inteligência artificial (IA) também ajudam no desenvolvimento de tecnologias que reconhecem aspectos básicos da personalidade de um indivíduo. O Facebook, por exemplo, possui uma série de patentes baseadas em técnicas psicométricas que usam inputs verbais e não verbais para estabelecer se o usuário é aberto a novas experiências, é tímido, tem temperamento nervoso e assim por diante (Farnadi et al. 2016Farnadi, Golnoosh, Geetha Sitaraman, Shanu Sushmita et al. 2016. Computational personality recognition in social media. User model user-adap inter 26: 109-142. https://doi.org/10.1007/s11257-016-9171-0.
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). Esses são alguns dos traços de personalidade que formam o Modelo Big Five, usado por psicólogos comportamentais já há algumas décadas para prever como as pessoas reagem em contextos distintos. Tradicionalmente, o estabelecimento de características marcantes da personalidade de indivíduos é feito por meio de longos questionários a serem preenchidos pelos próprios. No entanto, plataformas como Facebook desenvolveram técnicas para estabelecer a personalidade de uma pessoa sem que a mesma esteja ciente disso, usando como base as práticas midiáticas corriqueiras dos próprios usuários. Textos curtos, postagens, ou mesmo o simples uso de plug ins sociais são capazes de oferecer retratos surpreendentemente acurados da personalidade das pessoas (Christl e Spiekermann 2016Christl, Wolfie e Sarah Spiekermann. 2016. Networks of control: a report on corporate survaillance, digital tracking, big data and privacy. Viena: Facultas., 16). As implicações dessas capacidades não podem ser exageradas. Elas vão além da simples habilidade de oferecer anúncios personalizados aos consumidores. Na verdade, podem fornecer as ferramentas para influenciar a forma como as pessoas reagem a questões sociais e políticas.

Um bom exemplo é o notório escândalo com a Cambridge Analytica. A capacidade da extinta empresa britânica de comunicação estratégica de atingir cada indivíduo de modo singular em campanhas políticas, com anúncios moldados à personalidade individual – por exemplo, com vídeos enfatizando a “ameaça” de imigrantes ilegais dirigido a pessoas percebidas como mais ansiosas e resistentes a mudanças – possibilitou à Cambridge atuar de modo mais efetivo no público-alvo em questão. Alexander Nix, o ex-CEO da empresa, deixou isso claro em uma apresentação de 2016 para o Concordia Annual Summit quando afirma que eles poderiam “pegar um problema específico e comunicá-lo de várias maneiras para diferentes públicos, dependendo de suas personalidades para, com isso, conseguir algum tipo de engajamento”.5 5 Youtube. 2016. Acessado em 14 jan. 2021, https://www.youtube.com/watch?v=n8Dd5aVXLCc. Em outras palavras, as plataformas de mídia social e, em certa medida, seus anunciantes e parceiros comerciais, podem apresentar estrategicamente o mundo em diferentes tons, de acordo com o público-alvo individual. Eles têm a capacidade de decidir o que pode ser visível, quando e para quem, com base em como as pessoas se fazem reconhecidas pelos outros e, por consequência, pelas plataformas.

Considerações finais

As discussões acima deixam claro que os processos de reconhecimento intersubjetivo vêm sendo transformados de modo profundo com a expansão das plataformas digitais em todos os aspectos do cotidiano. Isto é particularmente evidente nos “processos horizontais” de reconhecimento, conforme definição proposta por Ikäheimo (2015)Ikäheimo, Heikki. 2015. Conceptualizing causes for lack of recognition—capacities, costs and understanding. Studies in Social & Political Thought, 25: 25-43. https://doi.org/10.20919/sspt.25.2015.45.
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. O pesquisador finlandês sugere que o reconhecimento do sujeito pode ser “horizontal” ou “vertical”. A dimensão do reconhecimento ligada às relações jurídicas, por exemplo, ocorre de modo “vertical”, uma vez que envolve a mediação de normas impessoais e instituições.6 6 Salvo quando ocorre por meio de indivíduos que representam instituições legais. Nesses casos, os processos se caracterizam pela horizontalidade (mesmo que mediados normativamente). Já as dimensões do amor e estima social resultam de um processo “horizontal” de reconhecimento, pois tratam de relações intersubjetivas puras, que devem ocorrer de modo incondicional. Ou seja, de acordo com Ikäheimo (2015)Ikäheimo, Heikki. 2015. Conceptualizing causes for lack of recognition—capacities, costs and understanding. Studies in Social & Political Thought, 25: 25-43. https://doi.org/10.20919/sspt.25.2015.45.
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, a preocupação com a realização pessoal e o bem-estar de quem é reconhecido, e não daquele que reconhece, é elemento-chave para que o reconhecimento ocorra de modo pleno. Os valores e as conquistas do outro devem ser percebidas como importantes para a sociedade como um todo para que este outro adquira autoconfiança e autoestima.

Com essas e outras questões em mente, explorei em artigo recente algumas das implicações do desenvolvimento de certas práticas ligadas ao mundo da mídia para a formação das identidades contemporâneas (Campanella 2019Campanella, Bruno. 2019. Em busca do reconhecimento midiático: a autorrealização do sujeito na sociedade midiatizada. E-COMPÓS 22: 1-19. https://doi.org/10.30962/ec.1499.
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). Argumentei que fenômenos como a popularização da “cultura de selfies”, o crescente destaque de YouTubers e influenciadores digitais e mesmo a expansão dos reality shows favorecem formas individualizadas de reconhecimento que legitimam o poder simbólico das mídias e suas lógicas econômicas. Para ser reconhecido em um mundo saturado pelas mídias, o indivíduo precisa incorporar predisposições emocionais, comportamentais e psicossociais que o capacitem a ganhar visibilidade em plataformas digitais e em meios de comunicação. O presente trabalho avança essa discussão ao direcionar o foco para a questão da datificação das relações sociais. Propõe-se aqui aprofundar o entendimento da busca por reconhecimento em ambientes online que transformam práticas cotidianas em dados que podem ser medidos, tabulados e analisados. Chamamos esse tipo de processo de reconhecimento datificado uma vez que ele implica no processamento automatizado de tais práticas de modo a capturá-las e a transformá-las em dados-mercadorias a serem vendidos a anunciantes (Couldry e Mejias 2019Couldry, Nick e Ulises Mejias. 2019. The costs of connection: how data is colonizing human life and appropriating it for capitalism. Stanford: Stanford University Press.). Conforme visto aqui, a metrificação das práticas sociais transforma a nossa relação com elas. Hearn (2017)Hearn, Alison. 2017. Verified: Self-presentation, identity management, and selfhood in the age of big data. Popular Communication 15(2): 62-77. https://doi.org/10.1080/15405702.2016.1269909.
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, por exemplo, chama atenção para o surgimento de novas formas de validação do sujeito sendo criadas em ambientes datificados. Esse é o caso do sistema de verificação de contas criado pelo Twitter, posteriormente introduzido também em outras plataformas de rede social. Possuir uma conta verificada no Twitter não somente faz com que o algoritmo da plataforma incremente a visibilidade das publicações do usuário em questão, como também oferece mais credibilidade ao que é publicado. De acordo com Hearn (2017Hearn, Alison. 2017. Verified: Self-presentation, identity management, and selfhood in the age of big data. Popular Communication 15(2): 62-77. https://doi.org/10.1080/15405702.2016.1269909.
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, 69), o capital simbólico conferido pela plataforma por meio da verificação da conta produz “reconhecimento social e, potencialmente, lucro [para o usuário]”. Não se pode perder de vista, contudo, que o Twitter é o único árbitro deste processo. Ele tem o poder exclusivo de definir e atribuir tal reconhecimento por meio de critérios opacos que, em grande parte, são baseados em métricas que avaliam a reputação e a influência dos usuários. Neste sentido, a verificação de contas pode ser lida como parte de um processo disciplinador que regula as ações dos indivíduos de modo que esses publiquem com a frequência e o efeito desejados pela plataforma.

Conforme os trabalhos de Maia (2014)Maia, Roseley. 2014. Recognition and the media. Nova York, NY: Palgrave Macmillan., Lorenzana (2016)Lorenzana, Jozon. 2016. Mediated recognition: the role of facebook in identity and social formations of filipino transnationals in indian cities. New Media & Society 18 (10): 2189-2206. https://doi.org/10.1177/1461444816655613.
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e Balleys et al. (2020)Balleys, Claire, Florence Millerand, Christine Thoër e Nina Duque. 2020. Searching for oneself on YouTube: teenage peer socialization and social recognition processes. Social Media + Society 6 (2): 1-11. https://doi.org/10.1177%2F2056305120909474.
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propõem, Twitter, YouTube e Facebook permitem a amplificação de vozes de grupos historicamente silenciados e que lutam para serem reconhecidos pela sociedade nas suas dimensões jurídicas e simbólicas. Porém, ao mesmo tempo, também parece evidente que essas mesmas plataformas operam dentro de racionalidades econômicas que enquadram as sociabilidades em regimes de vigilância, pontuação e ranqueamento que, conforme argumentam Duffy e Poolley (2019)Duffy, Brooke Erin e Jefferson Pooley. 2019. Idols of promotion: the triumph of self- branding in an age of precarity. Journal of Communication 69: 26-48. https://doi.org/10.1093/joc/jqy063.
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, restringem possibilidades expressivas que não se enquadrem em modelos individualizados de autopromoção.

  • Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do autor antes da publicação.
  • 2
    O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
  • 3
    Quantified Self. 2007. Acessado 14 jan. 2021, https://quantifiedself.com.
  • 4
    BBC. 2020. Entrevista concedida para o programa The Media Show. BBC, 9 de set. 2020. Acessado 14 de jan. de 2021. https://www.bbc.co.uk/programmes/m000mb2q.
  • 5
    Youtube. 2016. Acessado em 14 jan. 2021, https://www.youtube.com/watch?v=n8Dd5aVXLCc.
  • 6
    Salvo quando ocorre por meio de indivíduos que representam instituições legais. Nesses casos, os processos se caracterizam pela horizontalidade (mesmo que mediados normativamente).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2021
  • Aceito
    14 Abr 2021
  • Publicado
    24 Ago 2021
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