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Políticas da toxicidade: práticas de convivência e hipointervenções em uma área continuamente poluída

Toxicity politics: coexistence and hypointervention practices in a continuously polluted area

Políticas de toxicidad: prácticas de convivencia e hipointervención en un área continuamente contaminada

Resumo:

Este artigo analisa as estratégias e as hipointervenções utilizadas pelos moradores da Fercal, no Distrito Federal, Brasil, para lidar com a presença ubíqua, desigual e contínua da poluição do ar por partículas totais em suspensão (PTS), derivada da atuação de duas fábricas de cimento locais, a Votorantim Cimento e a Cimento Planalto (Ciplan). A pesquisa foi operacionalizada através da realização de 30 entrevistas semiestruturadas, entre os anos de 2017 e 2018. Levando em consideração o caráter lento e contínuo deste tipo de toxicidade, ressaltamos as relações de assimetria, sentimentos de desconfiança e de frustração com a insolubilidade da poluição do ar entre população, fábricas e o poder público, indicando que práticas de limpeza, de cuidado comunitário e negociações feitas diretamente com as empresas foram formas encontradas pelo público para permanecer com alguma qualidade de vida em um local insalubre.

Palavras-chave:
Políticas da toxicidade; Risco; Hipointervenções; Violência lenta

Abstract:

This paper analyzes the strategies and hypointerventions used by Fercal residents in the Federal District, Brazil, to deal with the ubiquitous, uneven and continuous presence of airborne particulate matter (PTS) air pollution, derived from the operation of two cement plants. Votorantim Cimento and Cimento Planalto (Ciplan). The research was operationalized through 30 semi-structured interviews between 2017 and 2018. Taking into account the slow and continuous character of this type of toxicity, we highlight the relations of asymmetry, feelings of distrust and frustration with insolubility. the air pollution between population, factories and the public authorities, indicating that cleaning practices, community care and negotiations made directly with the companies were ways found by the public to remain with some quality of life in an unhealthy place.

Keywords:
Toxicity politics; Risk; Hypointerventions; Slow violence

Resumen:

Este artículo analiza las estrategias e hipointervenciones utilizadas por los residentes de Fercal en el Distrito Federal, Brasil, para hacer frente a la presencia ubicua, desigual y continua de la contaminación del aire por partículas en suspensión (PTS), derivada de la operación de dos fábricas. cementeras, Votorantim Cimento y Cimento Planalto (Ciplan). La investigación se puso en funcionamiento a través de 30 entrevistas semiestructuradas entre 2017 y 2018. Teniendo en cuenta el carácter lento y continuo de este tipo de toxicidad, destacamos las relaciones de asimetría, sentimientos de desconfianza y frustración con la insolubilidad. La contaminación del aire entre la población, las fábricas y las autoridades públicas, lo que indica que las prácticas de limpieza, el cuidado de la comunidad y las negociaciones realizadas directamente con las empresas fueron formas en que el público se mantuvo con cierta calidad de vida en un lugar poco saludable.

Palabras clave:
Políticas de toxicidad; Riesgo; Hipointervenciones; Violencia lenta

É lamentável, né, mas infelizmente são consequências que a gente enfrenta e a gente sabe que não vai ter solução, porque até hoje nunca teve, você acha que vai ter? Não vai ter solução.

—Carmem

Carmem nasceu em Sobradinho, região administrativa do Distrito Federal, mas viveu todos os seus quarenta e cinco anos em outra região próxima, recentemente independente da primeira, a Fercal.2 2 Todos os nomes utilizados neste artigo são fictícios e foram alterados para preservar o anonimato dos(as) colaboradores(as) da pesquisa, sendo que cada nome se refere a um(a) entrevistado(a) em específico. “Sempre teve essas fábricas”, conta ela, referindo-se às duas imponentes fábricas de cimento presentes na Fercal desde os anos de 1960, a Votorantim Cimentos e a Cimentos Planalto Ltda (Ciplan). Acompanhando a consolidação da indústria de cimento nacional, e instaladas com o objetivo de aproveitar o calcário presente em abundância, as duas fábricas contribuíram com matérias-primas para a construção de Brasília, ao mesmo tempo em que induziram a expansão urbana da região ao seu redor (Aveline, Bodens e Braga 2011Aveline, Igor, Johannes Bodens e Ligier Braga. 2011. A formação do urbano na Fercal a partir de agentes sociais: um estudo de caso em regiões esquecidas do Distrito Federal. Revista Geográfica de América Central 2: 1-14.; Santos 2011Santos, Leandro B. 2011. A indústria de cimento no Brasil: origens, consolidação e internacionalização. Sociedade & Natureza 23 (1): 77-94. https://doi.org/10.1590/S1982-45132011000100007.
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). As fábricas movimentam, ainda hoje, grande parte da economia local, seja gerando empregos diretamente ou indiretamente, como no setor de serviços e no comércio. O marido de Carmem, Vitor, natural do estado de Pernambuco, presta serviços terceirizados às empresas como caminhoneiro. Ele é um exemplo do movimento migratório que várias famílias empreenderam entre 1960 e 1980, vindas principalmente das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste para a Fercal, cujo objetivo primordial era empregar-se na indústria cimenteira, buscando melhores condições de vida.3 3 A população urbana estimada da Fercal é de 8.746 habitantes, dos quais 55,67% nasceram no Distrito Federal e 44,33% são imigrantes. A maioria dos imigrantes, 64,69%, são naturais do Nordeste, seguido por 16,92% do Centro-Oeste, sem contar o Distrito Federal, e 14,49% do Sudeste. O estado da Bahia é o mais representativo, com 23,85%, seguido por Goiás, com 16,79% e Piauí, com 15,09%, sendo que 31,88% do total de moradores migrou à procura de trabalho (Codeplan 2015).

Nas últimas seis décadas, os moradores da Fercal têm coexistido com as consequências às quais Carmem menciona na abertura deste artigo, especialmente nas duas comunidades adjacentes às fábricas, a Fercal II, próxima à Votorantim Cimentos, e em Queima Lençol, cujas primeiras casas despontam a poucos metros da portaria da Ciplan. Essas consequências, que os moradores “sabem que não vai ter solução”, é a poluição do ar por partículas totais em suspensão (PTS), implicações inevitáveis de um processo industrial tóxico e que não dá sinais de exaustão (Santi e Sevá 2004Santi, Auxiliadora M. M. e Arsênio O. Sevá Filho. 2004. Combustíveis e riscos ambientais na fabricação de cimento: casos na Região do Calcário ao norte de Belo Horizonte e possíveis generalizações. GT06: Energia e Meio-ambiente. II Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade – ANPPAS. http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/index.html#4.
http://www.anppas.org.br/encontro_anual/...
).

No idioma tecnocientífico, problemas cardiovasculares, asmas, rinites e bronquites são os impactos negativos à saúde associados à poluição do ar derivada da indústria cimenteira (Braga et al. 2001Braga, Alfesio, Luiz Alberto Amador Pereira, György Miklós Böhm, Paulo Saldiva. 2001. Poluição atmosférica e saúde humana. Revista USP 51: 58-71. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i51p58-71.
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; Castro, Silva e Araújo 2013Castro, Antonio H., Glória M. Silva e Rinaldo S. Araújo. 2013. Qualidade do ar – parâmetros de controle e efeitos na saúde humana: uma breve revisão. Holos 29 (5): 107-121. https://doi.org/10.15628/holos.2013.1242.
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), desde que as concentrações diárias de PTS ultrapassem o limite médio anual de 80μg/m3 estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).4 4 Ministério do Meio Ambiente. Resolução nº 03, de 1990. Acessado 15 jun. 2021, http://www2.mma.gov.br/port/conama/res/res90/res0390.html. No ano de 2017, as médias anuais referentes à qualidade do ar nas estações de monitoramento do Engenho Velho e da Ciplan foram de 151,39 μg/m3 e 469,44 μg/m3 respectivamente, superiores ao padrão primário regulamentado, indicando que a saúde da população pode ser afetada (Ibram 2017Ibram (Instituto Brasília Ambiental). 2017. Relatório anual da rede de monitoramento da qualidade do ar no Distrito Federal. Brasília: Ibram.).5 5 “São padrões primários de qualidade do ar as concentrações de poluentes que, ultrapassados, poderão afetar a saúde da população e podem ser entendidos como níveis máximos toleráveis de concentração de poluentes atmosféricos, constituindo-se em metas de curto e médio prazo” (Ibram 2017, 9). Como Carmem explica, a vizinhança da fábrica vive “gripado o tempo todo, ainda mais criança, que tem a imunidade bem baixa”, pois na parte da noite “soltam aquele fumação”, cujos impactos só não seriam mais sentidos “mudando daqui”.

Apesar do reconhecimento dos malefícios causados pela toxicidade exacerbada, Carmem e outros moradores locais permanecem residindo nos arredores das fábricas, dando sentido à poluição do ar através de uma gama heterogênea de elementos, sensoriais, materiais e socioculturais (Irwin, Simmons e Walker 1999Irwin, Alan, Paul Simmons, e Gordon Walker. 1999. Faulty environments and risk reasoning: the local understanding of industrial hazards. Environment and planning A 31 (7): 1311-1326. https://doi.org/10.1068/a311311.
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). Todos os dias “eles [as fábricas] soltam um pozinho, a gente vê a olho nu um pozinho bem fininho, parece uma farinha”, explica Thaís, moradora da Fercal II. Os moradores, assim como Thaís, não só dão sentido ao fenômeno como respondem, ainda, através de um repertório articulado de comportamentos, atitudes, sentimentos e ações para lidar com o insolúvel, ou como Haraway (2016)Haraway, Donna. 2016. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press. https://doi.org/10.1215/9780822373780.
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sugere, a partir da proliferação de práticas para se “ficar com o problema”. “Quem mora aqui se adapta”, disse outro morador, João, ou como notou Fernanda, “aqui só quem já nasceu pra conseguir” conviver com a poluição.

A poluição que os moradores têm de lidar diariamente na Fercal é constante, em contraste a eventos de toxicidade aguda, em que a exposição à contaminação do ar, solo ou água é escancarada e elevada a níveis astronômicos rapidamente. Trata-se de uma área continuamente poluída, pois padece de um tipo de toxicidade que ocorre lentamente, cronicamente e regularmente, um tipo de desastre lento, caracterizado pela onipresença e pela desigualdade da distribuição dos ônus dos malefícios da produção cimenteira (Liboiron, Tironi e Cavillo 2018Liboiron, Max., Manuel Tironi e Nerea Calvillo. 2018. Toxic politics: Acting in a permanently polluted world. Social studies of science 48 (3): 331-49. https://doi.org/10.1177/0306312718783087.
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). Tal desigualdade afeta, frequentemente, os menos favorecidos economicamente e aqueles nas margens em termos de visibilidade política. Diferentemente dos desastres agudos, os desastres lentos são marcados por um tipo de violência igualmente lenta: uma que não é espetacular nem instantânea, mas sim incremental e agregativa, cujas repercussões calamitosas se desenrolam ao longo de uma série de escalas temporais (Nixon 2011Nixon, Rob. 2011. Slow Violence and the environmentalism of the poor. Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.4159/harvard.9780674061194.
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).

Nesse sentido, este artigo é sobre como Carmem, João, Fernanda e os demais moradores da Fercal II e de Queima Lençol lidam com a presença ubíqua da poluição do ar em suas vidas diárias. Em outras palavras, como convivem e como se adaptam ao fenômeno, tendo em conta os aspectos multidimensionais em que estão inseridos e o caráter regular do fenômeno em questão. Argumentamos que os moradores se utilizam de estratégias e engajamentos que não são necessariamente coletivamente unificadas e politicamente participativas. Em sintonia com o caráter lento em que a exposição às PTS ocorre e o entendimento que os moradores dela têm, procuramos analisar aquilo que Calvillo (2018Calvillo, Nerea. 2018. Political airs: From monitoring to attuned sensing air pollution. Social studies of science, 48 (3): 372-388. https://doi.org/10.1177/0306312718784656.
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, 374) denomina como “novos engajamentos com ar tóxico em contextos de violências lentas”, tipos de ativismos íntimos baseados em pequenas ações cotidianas e o conjunto de elementos, sentimentos e ações que conformam a convivência com a poluição do ar.

Discutiremos, no primeiro tópico, qual a natureza da toxicidade na Fercal, atentando-nos para as ideias de área continuamente poluída, violência lenta e no entendimento que os moradores têm da poluição. Em seguida, procuramos descrever a ligação entre a toxicidade local e os sentimentos de frustração que o público tem em relação à solubilidade da poluição contínua, para que, por fim, analisemos quais as estratégias adotadas para se manter o mínimo de qualidade de vida na região.

Áreas continuamente poluídas e a questão da violência lenta

Desastres de grandes proporções, que acarretam efeitos ambientais nocivos e imediatos, como o rompimento da barragem do Fundão em Mariana, Minas Gerais, no ano de 2015, não são eventos de caráter costumeiro. Muito menos raros são os casos em que efeitos maléficos são causados de forma gradual, regular e crônica, invisibilizados nas preocupações públicas, escondidas em prol do pretenso desenvolvimento nacional e relegadas às populações vulneráveis economicamente (Ureta, Mondaca e Landherr 2018Ureta, Sebastián, Florencia Mondaca e Anna Landherr. 2018. Sujetos de desecho: violencia lenta e inacción ambiental en un botadero minero abandonado de Chile. Canadian Journal of Latin American and Caribbean Studies/Revue canadienne des études latino-américaines et caraïbes 43 (3): 337-55. https://doi.org/10.1080/08263663.2018.1491685.
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). São resultados, no geral, da longevidade da produção industrial global, cujo espaço e tempo de atuação se alonga indefinitivamente. São consequências que denotam um tipo de desastre que ocorre lentamente, que afetam continuamente tanto a vida íntima quanto as relações sociais mais amplas daqueles que vivem em um mundo permanentemente poluído (Liboiron, Tironi e Cavillo 2018Liboiron, Max., Manuel Tironi e Nerea Calvillo. 2018. Toxic politics: Acting in a permanently polluted world. Social studies of science 48 (3): 331-49. https://doi.org/10.1177/0306312718783087.
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).

O ar poluído pelas indústrias cimenteiras da Fercal é um exemplo de desastre que ocorre lentamente. Trata-se de uma condição que se tornou onipresente na vida dos moradores nos últimos sessenta anos, como nos alertou Carmem no início do texto. A produção de cimento e agregados foram, são e continuarão sendo produzidos, perpassando gerações e mais gerações, naturalizadas na vida dos moradores como instituições que sempre estiveram ali, imersas em “uma temporalidade de cronicidade e continuidade” (Tironi 2018Tironi, Manuel. 2018. Hypo-interventions: intimate activism in toxic environments. Social studies of science 48 (3): 438-455. https://doi.org/10.1177/0306312718784779.
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, 442). Em contraste à ideia de Liboiron, Tironi e Cavillho (2018Liboiron, Max., Manuel Tironi e Nerea Calvillo. 2018. Toxic politics: Acting in a permanently polluted world. Social studies of science 48 (3): 331-49. https://doi.org/10.1177/0306312718783087.
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) de um mundo permanentemente poluído, em que os efeitos pervasivos da atividade humana industrial alcançariam escalas planetárias, a Fercal caracteriza-se como uma área continuamente tóxica. Uma área, pois, diz respeito aos contornos de uma região administrativa do DF, e que é continuamente tóxica pois a toxicidade pode não ser uma condição permanente, já que é provável que os índices de poluição por PTS diminuam consideravelmente uma vez que a produção de cimento cesse.

Apesar de a poluição do ar não ser um tipo de toxicidade que, teoricamente, é ininterrompível, é uma condição cuja distribuição é sistematicamente desigual, pois incide, no geral, em contextos de acentuada vulnerabilidade socioeconômica. A Fercal é composta por comunidades de baixa renda e com baixo acesso a serviços públicos básicos, sendo que os ônus da atividade cimenteira, a poluição, em contraponto aos grandes lucros gerados em sua produção, recai precisamente sobre a população que não colhe os bônus dessa produção, em uma clara situação de injustiça socioambiental (Zhouri 2007Zhouri, Andréa. 2007. Conflitos sociais e meio ambiente urbano. Série Documenta 1: 1-8.). O caráter socialmente e ambientalmente injusto das operações de empreendimentos como a produção de cimento na Fercal alude à prevalência do uso dos territórios e a apropriação de recursos naturais por parte de certos grupos sociais, em detrimento dos usos e das percepções de outros grupos (Acselrad 2010Acselrad, Henri. 2010. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados 24 (68): 103-119.). Em situações como essa deflagram-se, no geral, divergências, disputas e conflitos sobre os diferentes usos e representações sobre o meio ambiente, em que

as relações de poder entre os sujeitos sociais que conjugam determinados significados de meio ambiente, espaço e território, consolidam certos sentidos, noções e categorias que passam a vigorar como as mais legítimas e passíveis de sustentar as ações sociais e políticas. Em consequência, produzem um efeito silenciador e, portanto, excluem outras visões e perspectivas concorrenciais (Zhouri 2007Zhouri, Andréa. 2007. Conflitos sociais e meio ambiente urbano. Série Documenta 1: 1-8., 2).

Nesse sentido, na perspectiva conceitual que foca no caráter conflituoso da relação entre meio ambiente e sociedade, particularmente na sociologia ambiental brasileira, estamos falando de situações marcadas pela assimetria de poder entre grupos sociais distintos, cujas dinâmicas sociais e políticas, de forma situada, privilegiam a continuidade de determinadas formas sociais de existência em detrimento de outras (Ferreira 2004Ferreira, Leila. 2004. Ideias para uma sociologia da questão ambiental – teoria social, sociologia ambiental e interdisciplinaridade. Desenvolvimento e Meio Ambiente 10: 77-89.). Dessa forma, uma das facetas da toxicidade lenta que recai sobre os moradores da Fercal perpassa a reprodução de relações de poder e de injustiça ambiental e social que são, no geral, assimétricas, entre os próprios moradores, as fábricas e, também, o GDF. Como alerta Elaine, sobre os benefícios sociais conferidos pelo GDF e sua relação com os lucros das fábricas:

Por aqui não vem nada […]. Só sai. Sai o que? É dinheiro das fábricas que vai pro governo e pra aqui não vem nada. Colégio, não tem. Posto, não tem, de saúde, não tem. Aqui não tem nada, só nós (Elaine, com. pess., 25 jul. 2018)

“Só nós”, as pessoas sem recursos financeiros, com baixa escolaridade e desassistidos pelo GDF, tanto em termos de serviços públicos quanto em relação à mitigação dos efeitos negativos da poluição do ar, é que permanecem na Fercal. Em um contexto de desastre lento, em que as calamidades são lentas e duradouras, e cuja devastação se dispersa pacientemente e fora do radar, a população é assolada por tipos de violências igualmente lentas, conforme sugere Nixon (2011)Nixon, Rob. 2011. Slow Violence and the environmentalism of the poor. Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.4159/harvard.9780674061194.
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. Trata-se de um tipo de violência que ocorre gradualmente, dispersa pelo tempo e pelo espaço, um tipo de violência de destruição desacelerada, e que tipicamente não é vista como tal:

O funcionamento insidioso da violência lenta deriva em grande parte da atenção desigual dada ao tempo espetacular e nada espetacular. […]. A violência química e radiológica, por exemplo, é impulsionada para dentro, somatizada em dramas celulares de mutação que, particularmente nos corpos dos pobres, permanecem em grande parte despercebidos, não diagnosticados e não tratados (Nixon 2011Nixon, Rob. 2011. Slow Violence and the environmentalism of the poor. Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.4159/harvard.9780674061194.
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, 6).

O caráter contínuo, desigual e lentamente violento da toxicidade na Fercal influi não só naquilo que pode ser feito, nas políticas para se lidar com a toxicidade, mas também na forma como seus moradores dão sentido à própria poluição do ar. “Dar sentido”, na acepção que aqui utilizamos, se refere à forma como o público, em nosso caso, os moradores da região, entendem, selecionam, definem, configuram e significam os riscos derivados de atividades industriais, tal como a poluição do ar na Fercal (Bertanha 2019Bertanha, Carolina F. 2019. “Quem mora aqui se adapta”: entendimento público de riscos e práticas de convivência com a poluição do ar na Fercal-DF. Dissertação em Sociologia. Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/35280.
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). Para os estudos sociais de ciência e tecnologia (ESCT), em particular aqueles dedicados ao entendimento público da ciência e da tecnologia, dar sentido às implicações da tecnociência é um processo complexo, multidimensional e situado socioculturalmente, politicamente e historicamente (Hilgartner 1992Hilgartner, Stephen. 1992. The social construction of risk objects: or how to try to open networks of risk. In Organizations, Uncertainties and Risk, organizado por James Short e Lee Clarke, 39-57. Boulder: Westview Press.; Irwin 1995Irwin, Alan. 1995. Citizen science: a study of people, expertise and sustainable development. London and New York: Routledge.; Wynne 1996aWynne, Brian. 1996a. May the sheep safely graze? A reflexive view of the expert-lay knowledge divide. In Risk, environment and modernity: towards a new ecology, organizado por Scott Lash, Bronislaw Szerszynski e Brian Wynne, 44-83. London: Sage.).6 6 Esta subárea dos ESCT é particularmente fecunda na análise de riscos tecnológicos por realizar estudos de caso que frequentemente desmistificaram a noção de que o público em geral opera a partir de um déficit de conhecimento científico confiável quando lidam com inovações tecnocientíficas, sugerindo que as interações entre comunidades, conhecimento e contexto são socialmente e culturalmente mais complexas (Bertanha 2019, 29). Alguns desses estudos podem ser encontrados em Epstein (1995), Brown (1992), Durant, Evans e Thomas (1992), Irwin (2001) e no clássico estudo de caso sobre os fazendeiros de ovelhas de Cumbria, Noroeste da Inglaterra, de Wynne (1996b). Elementos heterogêneos, tais como fatores sensoriais, materiais, sociais, políticos e culturais, influem na construção social daquilo que é ou pode vir a ser prejudicial às populações que vivem próximas a atividades industriais, uma vez que essas são formuladas a partir das experiências práticas cotidianas (Wynne 1996bWynne, Brian. 1996b. Misunderstood misunderstanding: social identities and public uptake of science. In Misunderstanding science? The public reconstruction of science and technology, organizado por Brian Wynne e Irwin Alan, 19-46. Cambridge: University Press.). Ou seja, o público reconhece e define os riscos e as informações sobre riscos em uma rede de relações sociais, envolvendo os papéis de diferentes grupos sociais, como cientistas, reguladores, legisladores e empresas, e incluindo-se aí a relação do público com elas (Irwin e Michael 2003Irwin, Alan e Mike Michael. 2003. Science, social theory and public knowledge. Maidenhead: Open University Press.). Isso significa que as definições do que configura um risco podem ser distribuídas e redistribuídas em termos de responsabilidade, controle e poder, de acordo com o significado que é construído socialmente e discutido em espaços públicos específicos (Kuchinskaya 2014).

Tendo isso em mente, apesar da continuidade com que a poluição se apresenta na Fercal, os níveis de poluição nem sempre foram os mesmos nos sessenta anos das fábricas Votorantim Cimentos e Ciplan. A percepção que os moradores têm da poluição mudou com o passar do tempo, principalmente nos últimos dez anos, indicando que a instabilidade das concentrações de poluentes pode ser “sentida” pela população, cuja ação em relação à toxicidade depende diretamente. Espacialmente falando, os moradores identificam a preponderância da poluição nas imediações das fábricas Votorantim Cimentos e Ciplan, cuja vegetação é esbranquiçada, em que os casos de doenças respiratórias são numericamente superiores a outras regiões da Fercal e que, ainda, são afetadas pelos ruídos da operação das fábricas e da detonação de dinamites para a extração do calcário (Bertanha 2019Bertanha, Carolina F. 2019. “Quem mora aqui se adapta”: entendimento público de riscos e práticas de convivência com a poluição do ar na Fercal-DF. Dissertação em Sociologia. Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/35280.
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).

O entendimento que a população tem sobre a poluição do ar não se baseia unicamente nas medições da qualidade do ar realizadas pelo Governo do Distrito Federal (GDF), informações que apesar de públicas, não chegam nas ruelas empoeiradas da Fercal. Os dados retirados das estações de monitoramento raramente são conhecidos pelos moradores. Na falta de informações técnicas sobre as partículas gasosas que permeiam o ar local e seus malefícios, o que os informa sobre os riscos à saúde é formado pelo que é “visível em primeira mão”, ou seja, o que os moradores podem sentir, cheirar e enxergar (Gould 1993Gould, Kenneth. 1993. Pollution and perception: social visibility and local environmental mobilization. Qualitative Sociology 16 (2): 157-178. https://doi.org/10.1007/BF00989748.
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). Uma moradora, Angélica, nos conta que “dá pra observar, você limpa a casa de manhã, quando é a tarde você vê um pó cinza, misturado, parece até uma graxa. Então é bem visível”. Essas partículas “fora do lugar”, que adentram o ambiente doméstico, que possuem cor, forma e textura, se inserem à força na vida cotidiana dos moradores através dos sentidos e do corpo (Bickerstaff e Walker 2003Bickerstaff, Karen e Gordon Walker. 2003. The place(s) of matter: matter out of place – public understanding of air pollution. Progress in Human Geography 27 (1): 45-67. https://doi.org/10.1191/0309132503ph412oa.
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). Partículas poluidoras afetam e interagem com corpos, coisas, práticas e lugares em contextos e temporalidades específicas, tornando a toxicidade uma rede de relações e processos, e não apenas uma quantificação de PTS presente no ar.

Assim, a forma como os moradores entendem, ou dão sentido a essas relações corporificadas é o que os informa sobre as possibilidades e espaços possíveis de ação e intervenção, como veremos no tópico a seguir. Em um contexto continuamente poluído, e em que um tipo de violência ambiental lenta e invisível permeia essas relações corporificadas, como os moradores da Fercal lidam com o ar tóxico? Quais comportamentos, sentimentos e ações podem ser realizadas coletivamente e individualmente para que seja possível viver em uma área como essa? Veremos que as respostas e aquilo que pode ser feito de fato em relação à toxicidade contínua não é formado apenas pelo que pode ser “visto” ou “cheirado”, mas também estão intrinsecamente ligados às relações de poder estabelecidas entre os residentes e demais atores envolvidos, particularmente o GDF e as duas fábricas. Assim, são comportamentos, atitudes e sentimentos socialmente e politicamente construídos, em que a desigualdade de distribuição dos ônus da indústria cimenteira e a violência lenta típica de casos como esse são elementos constitutivos do senso de insolubilidade do problema da poluição do ar, de frustração em relação à situação presente e de desconfiança e, por vezes, até de alianças com as fábricas em busca de melhoras na vida cotidiana (Bertanha 2019Bertanha, Carolina F. 2019. “Quem mora aqui se adapta”: entendimento público de riscos e práticas de convivência com a poluição do ar na Fercal-DF. Dissertação em Sociologia. Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/35280.
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).

Desconfiança, omissões e frustrações

Eu mesma, por mim, já tinha saído daqui, porque eu não aguento essa poeira. Mas quando a gente faz uma casinha, se você não tem condições de fazer outra, você tem que ficar ali mesmo

—Raimunda

A preocupação e o receio com os malefícios que a poluição do ar pode causar à saúde esteve presente todo o tempo nos relatos apresentados pelos moradores da Fercal durante a presente pesquisa. Apesar disso, como explica Raimunda, “você tem que ficar ali mesmo”, a despeito das potenciais consequências negativas para a saúde, principalmente, “se você não tem condições de fazer outra” casa, de manter os mesmos padrões de qualidade de vida que na Fercal, ou ter um emprego fixo. Wellington, outro morador com quem conversamos explicita claramente a situação: “Essas fábricas é fonte de renda, né, se não tivesse elas aqui isso aqui era só um nada, um sertão. Não ia ter nada. Então melhor ela aí com a poluição do que sem ela”.

Vizinhos, irmãos, pais e filhos trabalham e dependem da renda advinda da indústria, além de existir uma rede interligada de serviços que se relacionam com a presença das fábricas em um sentido mais amplo. De alguma maneira, a maioria dos moradores está envolvido no comércio, na prestação de serviços ou no trabalho direto com as fábricas. Em outras palavras, há uma relação evidente entre a permanência em uma área continuamente poluída e a dependência da renda gerada pela empregabilidade direta ou indireta proporcionada pela fabricação de cimento:

Eu acredito que se não existisse essas fábricas a comunidade seria muito pequena. Aqui não tem nada pra pessoa viver se não for das fábricas. Então assim, a grande maioria das pessoas aqui vivem das fábricas. Então, causam alguns transtornos? Sim. Mas também existem retornos. […] O emprego (Raíssa, com. pess., 16 maio 2018, grifos meus).

Para além da dependência da renda gerada pelas duas fábricas, um segundo conjunto de questões, menos evidentes do que a primeira, desponta no horizonte fercalense relacionado à permanência em uma área continuamente poluída e às perspectivas de resolução da problemática: o descrédito e a insatisfação em relação às ações do GDF, que para os moradores se omite tanto na fiscalização e na punição relacionados aos altos índices de emissão de PTS quanto na oferta de serviços básicos tidos como urgentes pela população; e a desconfiança nas intenções de uma das fábricas em especial, a Ciplan. A falta de resoluções imediatas e alcançáveis a curto prazo para os riscos de se viver em um local continuamente poluído se deve, principalmente, às omissões do poder público e à relação assimétrica de poder que os moradores têm em relação às fábricas, relação essa geradora de desconfiança e de um senso de frustração (Bertanha 2019Bertanha, Carolina F. 2019. “Quem mora aqui se adapta”: entendimento público de riscos e práticas de convivência com a poluição do ar na Fercal-DF. Dissertação em Sociologia. Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/35280.
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). Nos remetemos novamente a Elaine, que duramente argumenta no sentido de

Que que essas fábricas faz, pelo amor de Deus? Só apurando a gente. […] Elas não dão, não ajudam a gente não. Elas falam que ajudam. Quem devia ajudar a gente era o governo, porque o dinheiro delas, não tem o dinheiro delas, que elas manda pro governo? Cadê o dinheiro que elas paga? […] Nada de governo pro lado de cá (Elaine, com. pess., 25 jul. 2018).

As omissões do poder público e a relação assimétrica entre os moradores e as fábricas podem ser visualizados em uma série de conflitos que perduraram entre os anos 2000 e 2010, especialmente na comunidade de Queima Lençol, próxima à Ciplan. Tais conflitos ganharam contornos a partir de alguns elementos, como: a enorme quantidade de pó de cimento visível no ar, aliado aos altos índices de adoecimento reportados pelos moradores da comunidade; a falta de asfalto rodovia DF-150, principal pista local, que colaborava com a maior dispersão da poeira que cai dos caminhões; acidentes envolvendo materiais depositados irregularmente pelas fábricas, que levaram a ocorrências graves com moradores; ao fechamento de uma escola e de um posto de saúde localizado próximo à Ciplan, ambas por ação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT); e, por fim, à possível remoção dos moradores da comunidade Queima Lençol, por iniciativa do GDF.

Frequentemente nesses episódios, Carvalho (2008)Carvalho, Maria Beatriz Maury. 2008. Impactos e conflitos da produção de cimento no Distrito Federal. Dissertação em Desenvolvimento Sustentável (Interdisciplinar). Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/1878.
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e Otoni (2013)Otoni, Priscilla. 2013. Relações de poder entre estado, mercado e sociedade no contexto do capitalismo desregulamentado: estudo de caso sobre a indústria de cimento no Distrito Federal. Dissertação em Desenvolvimento Sociedade e Cooperação Internacional (Interdisciplinar). Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. http://repositorio.unb.br/handle/10482/15397.
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identificaram a tímida participação dos moradores das comunidades da Fercal em espaços de tomada de decisão, em ampla desvantagem em relação ao poder econômico das fábricas, apesar de pontualmente terem se organizado e atuado em intervenções diretas, como o fechamento da DF-205, rodovia que liga a Fercal ao restante do DF, no ano de 2007 contra a remoção dos moradores de Queima Lençol. Atualmente, o cenário conflituoso se apresenta em sua forma latente, entretanto os episódios de intensas movimentações, demandas ou mobilizações em torno da questão da poluição do ar esfriou (Little 2006Little, Paul. 2006. Ecologia política como etnografia: um guia teórico e metodológico. Horizontes Antropológicos 12 (25): 85-103. https://doi.org/10.1590/S0104-71832006000100005.
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), devido a algumas ações de efeitos remediadores: a instalação de filtros nas chaminés de ambas as fábricas, em meados dos anos 2000; ao asfaltamento de grande parte da DF-150 e dos dois braços da DF-205, em 2008; à construção de um estacionamento próximo à Ciplan, em 2010; o cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o MPDFT e a fábrica Ciplan, firmado em 2005, que teve como objeto a construção da escola e do posto de saúde citado acima em outro local, finalmente aberta no ano de 2018; aproximação gradual da fábrica Ciplan com a comunidade a partir de ações sociais; e a construção dos espaços físicos dos centros comunitários na região pela fábrica Votorantim.

Apesar dessas mudanças e do esfriamento dos conflitos entre comunidade, poder público e fábricas de cimento, o frágil diálogo entre as fábricas (especialmente a Ciplan e a comunidade Queima Lençol) e a população, assim como o senso de que o GDF se omite em suas funções, permanecem. A população de Queima Lençol desconfia abertamente das ações e intenções da fábrica Ciplan. Há um consenso entre os moradores entrevistados de que esta fábrica polui mais do que a Votorantim Cimentos. Como dito por Hiago, a postura menos responsável ambientalmente por parte da Ciplan se dá

Pela questão, tipo assim, por interesse da Ciplan. Porque eles não se importam mesmo com o meio ambiente. Por exemplo, se você for por uma dessas fazendas e chácaras, metade do caminho, tudo pertence à Ciplan. E o que eles pretendem utilizar isso, com esses terrenos, que não tem cimento, não tem a matéria pra fazer o cimento, é transformar em aterros. Jogar brita, destruir a fauna, a vida naqueles locais. Eles estão comprando as terras pra fazer aterro (Hiago, com. pess., 16 maio 2018, grifos meus)

Ou seja, há um entendimento de que a prática do depósito irregular de materiais continua a ser realizada apesar das sanções que a empresa recebeu anteriormente, indicando, de forma correlata, a sensação de omissão do poder público em fiscalizar e aplicar sanções cabíveis a essa prática. Ainda, Hiago salienta que os moradores desconfiam frequentemente que a fábrica deseja adquirir essas terras para “fechar os caminhos” disponíveis entre as comunidades, de forma que “o caminho se torne maior” e eles sejam obrigados a dar voltas cada vez mais extensas para se deslocar dentro da Fercal. Dessa forma, ficou claro que os moradores desconfiam que a Ciplan teria o desejo de retirá-los da comunidade Queima Lençol, “pra explorar mais o território”, movimento que se apoiaria na omissão do poder público. Sem o apoio desse para defendê-los das possíveis intenções de compra de terrenos que consequentemente dificultariam ainda mais a vida cotidiana dos moradores, eles percebem-se de mãos atadas frente ao poderio financeiro da fábrica.

Ainda, somando-se à percepção por parte dos moradores de haver um suposto conluio entre a fábrica e o poder público, houve uma tentativa de retirar os moradores de Queima Lençol da comunidade, ocorrida em meados dos anos 2000. Esse episódio continua sendo um ponto relembrado e comentado pelos residentes de Queima Lençol, ilustrando o sentimento de insatisfação com as decisões tomadas unilateralmente pelo GDF. Apesar de ter sido uma tentativa veementemente negada como resolução para o problema da poluição do ar pela população, inclusive através de consulta pública. Foi-nos relatado que representantes do estado passaram nas casas da comunidade “pressionando” alguns moradores a aceitarem se mudar para casas que seriam construídas ou na comunidade Lobeiral, na própria Fercal, ou na região administrativa do Paranoá. Houve, então, uma mobilização local que culminou no fechamento da rodovia DF-205 em frente à Ciplan em janeiro de 2007, cuja pauta era impedir a remoção dos moradores, tendo obtido êxito. Comentando esse episódio, Hiago explica que a proposta de remoção dos moradores não era justa, ou seja, contemplava apenas as intenções de expansão das fábricas e a solução tecnocrata de retirar aqueles que “estão no lugar errado”, sem considerar os desejos, percepções e pequenas vitórias dos moradores em termos de infraestrutura:

Parece que foi um acordo entre a Ciplan com o governador da época. Aí era assim, eles iam tirar a gente daqui e iam dar uma terra, tipo esses Minha Casa Minha Vida, um apartamento, um local pra você morar e tudo isso, na comunidade aqui ao lado, no Lobeiral. Só que a questão é o que, não tem asfalto, não tem essa infraestrutura que aqui ainda tem. Que é o asfalto, que era o posto, que era a escola, praticamente ao lado aqui. […] Ninguém aceitou. Porque ninguém achou justo (Hiago, com. pess., 16 maio 2018, grifos meus).

A retirada da escola e do posto de saúde de Queima Lençol foram outros episódios em que a desconfiança e a insatisfação da população em relação às instituições sociais com poder de decisão se desvelaram, dessa vez, particularmente, em relação ao poder público. Na ocasião, a Secretaria de Educação do Distrito Federal estudou desativar a referida escola, pois “os professores reclamavam muito por causa da poluição” (Mara, com. pess., 20 abr. 2018), que representaria um risco à saúde dos alunos, professores e funcionários. A escola e o posto de saúde foram, de fato, removidos. No entanto, uma outra moradora questiona as retiradas, lembrando que, apesar de as crianças terem passado a estudar em Sobradinho II, o resto do tempo (e o restante dos moradores) continuariam a respirar o ar poluído da mesma forma. Novamente há, em certo nível, um sentimento de insatisfação por parte dos moradores em relação às ações tomadas pelo poder público para a resolução da problemática da poluição. Essa seria, nas palavras da moradora Raíssa “uma das revoltas da comunidade”, pois “tirou a nossa escola daqui quando falaram que aqui não podia morar gente. Por causa da poluição. Aí começaram tirando a escola, o posto”. Conclui, questionando pertinentemente, “mas poxa, será que a escola deveria ter saído?”. Os moradores entendem que a retirada da escola e do posto de saúde é mais um sinal claro do “esquecimento” do qual a Fercal padece por parte do GDF, desatendida de serviços públicos básicos, como saúde, educação, e saneamento básico. Além disso, nesses três episódios foi possível observar um entendimento consensual de que o poder público e a fábrica frequentemente jogaram a responsabilidade da remoção e da reconstrução da escola e do posto um para o outro, situação que colaborou ainda mais para a desconfiança e a insatisfação da comunidade em relação aos dois atores sociais.

Outro sintoma da insatisfação aparece na relação entre as fábricas e os moradores, e sobre a existência ou não de diálogo entre essas duas partes e o poder público em prol da melhoria da qualidade do ar. A Ciplan, de acordo com a maioria dos moradores, não tem o costume de estar aberta ao diálogo com as comunidades ou com representantes da Associação de Moradores de Queima Lençol, aliada à complexa estrutura administrativa da empresa que também dificulta o acesso e o diálogo. Em contraste, o cenário que se desdobra na comunidade Fercal II é sensivelmente divergente com relação à fábrica Votorantim Cimentos. Há maior proximidade entre representantes desta fábrica e a comunidade, através de projetos que envolvam o aperfeiçoamento profissional de jovens e de projetos esportivos, e no recebimento mais amplo das demandas dos moradores da Fercal II, “pra tentar amenizar um pouco”, nas palavras de Thaís.

No que diz respeito ao diálogo com o poder público, os moradores da comunidade Fercal II enxergam sua relação de forma correlata aos moradores de Queima Lençol. Alguns afirmam que “nunca viram o GDF” (Sandra, com. pess., 9 ago. 2018), nem presenciaram ou ouviram falar de algum diálogo com qualquer órgão público distrital, nem mesmo com a Administração Regional da Fercal. Representantes da Associação de Moradores da Fercal também deixaram claro que o diálogo com representantes do GDF é infrutífero, motivo pelo qual a alternativa de dialogar com a fábrica Votorantim Cimentos se apresenta como muito mais produtiva no sentido de resolver aquilo que pode ser resolvido e que seja benéfico para a comunidade:

A gente começou um contato com a própria fábrica, de conversar com eles, eu acho que o diálogo é muito importante para esse momento, né? Não adianta você chegar e já ir pro confronto, né? Se você quer resultado você tem que ir pro diálogo. […] A gente procura fazer um trabalho totalmente desapegado dos órgãos públicos. Não temos nada contra o governo, às vezes quando é necessário a gente chama também. Mas, na maioria das vezes, a gente deixa o governo de fora. A gente se sente muito mais, que com a gente [a associação] tem um resultado maior (Marcela, com. pess., 25 mar. 2017, grifos meus).

Dessa forma, a dinâmica socioeconômica da Fercal, que deixa o público em desvantagem no que fiz respeito às possibilidades de influir nas decisões tomadas pelas fábricas (Queima Lençol) e pelo poder público (Queima Lençol e Fercal II), indicam um quadro complexo de interações e de relações sociais que moldam a forma como o processo de coexistência com os riscos da poluição ocorre na prática cotidiana. Esses fatores são indicativos da violência lenta que poluições graduais e constantes submete aos moradores dos locais próximos às fontes poluidoras, violência que se materializa no impedimento de o público tomar parte nas decisões relativas ao controle da qualidade do ar, restando a eles ou “deixar quieto” ou se desvincular do poder público e organizar-se de forma a ter maior diálogo diretamente com uma das fábricas. Há um sentimento relacionado a um cansaço e à frustração em relação à falta de atuação das fábricas e do poder público em direção a uma solução estável para a problemática da poluição do ar. Raíssa comenta que o pessoal “tá calejado”, pois

é aquele negócio, você, insiste, insiste e nada é resolvido, chega uma hora que você “ah, não vai resolver mesmo, vou deixar pra lá”. E deixa! Quem somos nós numa comunidade pequena como essa, em relação a uma fábrica que paga tantos impostos? (Raíssa, com. pess., 16 maio 2018, grifos meus).

Ao insistir sem resultados, e diante da compreensão de que numericamente os moradores constituem a maioria, mas que continuam nas margens em termos de participação política, os afetados pela violência lenta de uma área continuamente poluída se veem duplamente invisibilizados e esquecidos (Nixon 2011Nixon, Rob. 2011. Slow Violence and the environmentalism of the poor. Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.4159/harvard.9780674061194.
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). Essa marginalidade é perpetuada por uma dialética do desastre comum, ou como preferimos, dos desastres lentos, em que

uma calamidade é incorporada à história e tornada esquecível e comum precisamente porque o peso do risco cai de forma desigual sobre os pobres e desprotegidos. Tais desastres são prontamente descartados da memória e do planejamento de políticas (Nixon 2011Nixon, Rob. 2011. Slow Violence and the environmentalism of the poor. Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.4159/harvard.9780674061194.
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, 65).

A percepção de que os moradores da Fercal “já estão calejados”, e que mesmo insistindo constantemente “nada é resolvido”, indica o que Singer (2011)Singer, Merrill. 2011. Down cancer alley: the lived experience of health and environmental suffering in Louisiana's chemical corridor. Medical Anthropology Quarterly 25 (2): 141-63. https://doi.org/10.1111/j.1548-1387.2011.01154.x.
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entende como um sentimento de frustração tóxica, ou seja, um senso palpável de consentimento com uma situação que não pode ser imediatamente resolvida, assim como o reconhecimento da falta de poder para resolvê-las. Este sentimento “não existe isolado de outros aspectos da experiência social, mas, ao contrário, é um componente de um senso profundo de desapontamento permanente, de injustiça social e de marginalização econômica” (Singer 2011Singer, Merrill. 2011. Down cancer alley: the lived experience of health and environmental suffering in Louisiana's chemical corridor. Medical Anthropology Quarterly 25 (2): 141-63. https://doi.org/10.1111/j.1548-1387.2011.01154.x.
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, 158). Resta a esses moradores conviver com a poluição, ou seja, coexistir com seus riscos e esperar que seus receios não se concretizem em situações tidas como mais graves, como mortes e acidentes com trabalhadores e moradores no geral. A frustração tóxica é, segundo Singer (2011)Singer, Merrill. 2011. Down cancer alley: the lived experience of health and environmental suffering in Louisiana's chemical corridor. Medical Anthropology Quarterly 25 (2): 141-63. https://doi.org/10.1111/j.1548-1387.2011.01154.x.
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, aquela apresentada em situações nas quais os afetados têm um nível de certeza razoável de que o mundo ao seu redor não é saudável, apontam as indústrias locais e seus produtos como as fontes primárias das violências lentas que sofrem, mas acreditam que pouco se pode fazer contra o poder econômico das fontes de poluição. Nosso caso aponta para essa direção, uma vez que, como vimos, o público reconhece que a área ao seu redor é continuamente poluída, entretanto, o público crê, ao mesmo tempo, que pouco se pode fazer devido ao processo histórico e bem conhecido de omissões do poder público, de desconfiança com as intenções das fábricas, e no diálogo escasso e pouco produtivo.

Ativismos lentos e hipointervenções possíveis

Vimos no tópico acima que a violência lenta das áreas continuamente poluídas se associa diretamente ao sentimento de frustração com a insolubilidade a curto e médio prazo da problemática da poluição do ar na Fercal. Vimos, também, que apesar disso, os residentes não desejam se mudar do local, resistindo a serem retirados quando da possibilidade de remoção, questionando a atuação do poder público. Questionamos, então, quais as intervenções possíveis em um cenário em que as relações de poder entre os mais vulneráveis socioeconomicamente e as fábricas exploradoras de recursos minerais são obviamente assimétricas? E mais, em um cenário onde a população não possui diálogo com o poder público? Quais seriam as práticas para se continuar vivendo na Fercal, de se ficar com o problema e, ao mesmo tempo, preservar a integridade fisiológica e das relações sociais estabelecidas de longa data?

Utilizando as palavras dos próprios moradores, estamos interessados, nesse momento, em analisar quais práticas permitem que eles “convivam” e se “adaptem” à poluição do ar, quais os engajamentos com o ar tóxico em contextos de violência lenta. Ou seja, procuramos identificar quais as políticas da toxicidade contínua, apresentando-as em dois tópicos: as formas de ativismos lentos, que não envolvem necessariamente ações políticas organizadas, mas que tem por objetivo primordial o uso de estratégias de negociação com as fábricas, particularmente a Votorantim Cimentos; em segundo lugar, o uso de estratégias de amenização que Tironi (2018)Tironi, Manuel. 2018. Hypo-interventions: intimate activism in toxic environments. Social studies of science 48 (3): 438-455. https://doi.org/10.1177/0306312718784779.
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denomina de “hipointervenções”.

O senso de impotência que a frustração tóxica acarreta não leva, necessariamente, a atitudes submissas e de mera aceitação permanente dos efeitos perniciosos das atividades industriais próximas. A mobilização pública não é a única forma possível de resistência às contaminações lentas, graduais e contínuas. Existem outras formas de ação através das quais os moradores da Fercal procuram lidar com os problemas ambientais ao seu redor, outras formas de engajamento com a toxicidade, formas de “ativismos lentos”, que se baseiam, no caso da Fercal, em estratégias de amenização e em alianças potencialmente positivas para a qualidade de vida dos moradores. O que caracteriza essas práticas estratégicas, em contraste à eficiência buscada pelos processos de mobilização tradicionais, é o esforço calmo e persistente de melhorar a situação ou de impedir que a deterioração continue (Liboiron, Tironi e Cavillo 2018Liboiron, Max., Manuel Tironi e Nerea Calvillo. 2018. Toxic politics: Acting in a permanently polluted world. Social studies of science 48 (3): 331-49. https://doi.org/10.1177/0306312718783087.
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). Apesar de os residentes terem completa consciência de que uma resolução final para a situação não se encontra disponível, nem por isso se deixa cair em um estado de passividade, procurando modos ativos de diminuição dos efeitos nocivos da violência lenta e do sofrimento social presente, um processo não linear, aberto, recursivo, baseado em intervenções concretas e circunscritas aos limites da ação cotidiana (Ureta, Modaca e Landherr 2018Ureta, Sebastián, Florencia Mondaca e Anna Landherr. 2018. Sujetos de desecho: violencia lenta e inacción ambiental en un botadero minero abandonado de Chile. Canadian Journal of Latin American and Caribbean Studies/Revue canadienne des études latino-américaines et caraïbes 43 (3): 337-55. https://doi.org/10.1080/08263663.2018.1491685.
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, 12).

Uma dessas intervenções, protagonizadas por moradores associados ao Conselho Comunitário da Fercal, cujos espaços físicos foram construídos pela empresa Votorantim Cimentos e que mantém uma representante da empresa nas reuniões mensais desse conselho, é realizada em direção a um diálogo mais eficaz com a empresa. Como explica Angélica (com. pess., 28 set. 2018), atualmente o diálogo com essa fábrica em específico é maior e mais aberto do que nos anos 2000, mesmo que o foco principal desses encontros não seja necessariamente a poluição do ar:

Antigamente eu lutava muito contra as fábricas. Por causa dessa poluição mesmo. Através da associação. Hoje em dia eu não bato tanto de frente porque tem algumas coisas que eles também, eles têm uma equipe, né, ambiental deles, né, que tão preocupado com isso, dizendo que eles querem dar conforto maior pra comunidade em relação a isso, fazer essa compensação ambiental.

Relacionado ao associativismo, o Conselho Comunitário da Fercal e seus representantes assumem regularmente o papel de intermediadora entre as comunidades e a fábrica Votorantim Cimentos, procurando dialogar em prol de melhorias consideradas realizáveis. Conforme relatado por Marcela (com. pess., 25 mar. 2017, grifos meus), os moradores tendem a procurar e contar com a figura do conselho por temerem perder seus empregos nas fábricas:

Quem se manifesta mesmo são as associações de moradores. Porque o morador em si, ele não se manifesta em relação a esses problemas, de poluição, da falta de estrutura, da falta de saneamento básico. Eles acionam as associações. Até mesmo porque como eu te falei, a maioria tem pessoas da família que trabalha na fábrica, eles não querem se comprometer. Com a fábrica a gente consegue ter um resultado positivo.

Marcela continua relatando como o Conselho Comunitário da Fercal dialogou no ano passado com o GDF de forma a agilizar o processo de liberação da licença ambiental das fábricas de cimento, para que não houvesse a interrupção da exploração. Apesar dessa atitude parecer, em um primeiro momento, contraditória, ela revela a saída encontrada pelos moradores da Fercal para que, concomitantemente, os trabalhadores das fábricas não saíssem perdendo e, com eles, o restante da população, direta ou indiretamente, e que o único diálogo benéfico com a Votorantim Cimentos pudesse continuar a beneficiar a população local. Nesse sentido, Marcela (com. pess., 25 mar. 2017). completa que “Se essa fábrica fechasse, nós íamos ser penalizados como Fercal. Nem por isso a gente fecha os olhos e deixa funcionar da forma que eles acharem por bem funcionar. A gente também vê essa questão porque é a nossa saúde, né, que está em jogo”. Outro exemplo dessas práticas de se lidar com a toxicidade contínua é a estratégia adotada pelos moradores de impedir que os caminhões das duas fábricas se desloquem pela DF-205, o que afeta o escoamento da produção cimenteira. É uma forma de tê-las como aliadas para a resolução de problemas que, por vezes, fogem de sua competência, mas cuja ação influencia na agilidade do poder público em resolvê-las. O intuito de tal movimento também é chamar a atenção da mídia para as suas demandas pontuais, tais como a resolução da falta de abastecimento de água pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) e a necessidade da presença de uma ambulância do SAMU que atendesse aos moradores especificamente da Fercal, caso ocorrido em 2014 (Bertanha 2019Bertanha, Carolina F. 2019. “Quem mora aqui se adapta”: entendimento público de riscos e práticas de convivência com a poluição do ar na Fercal-DF. Dissertação em Sociologia. Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/35280.
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).

Assim, o cenário que apreendemos diz respeito a um ativismo focado nas ações tomadas como as mais éticas, no sentido de proporcionar a continuidade das relações comunitárias, e as mais estratégicas, de forma a alcançar objetivos tidos como mais urgentes. São ações que preconizam estratégias alternativas de ativismo, que, entretanto, não excluem formas tradicionais de associativismo:

O ativismo lento não significa literalmente que as ações são lentas (embora possam ser), mas que os efeitos da ação demoram a aparecer ou a terem rastros. […] Ativismo lento não precisa ser imediatamente afetivo ou efetivo, baseado em uma antecipação resultado. Pode ser apenas bom (Liboiron, Tironi e Cavillho 2018Liboiron, Max., Manuel Tironi e Nerea Calvillo. 2018. Toxic politics: Acting in a permanently polluted world. Social studies of science 48 (3): 331-49. https://doi.org/10.1177/0306312718783087.
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, 341).

Para além das ações tomadas na figura das associações, os moradores, em geral, empregam um repertório articulado de estratégias e práticas que visam amenizar em suas vidas diárias os efeitos da poluição. É nesse sentido que apontam a necessidade de constantemente limpar as casas, os veículos e as roupas, sujas pela intensidade da presença de pó de cimento, poeira das pistas e das ruas sem asfalto, que se acumulam nas superfícies. Como explica Sandra, “todo dia você tira um monte de pó, da casa dos móveis, de tudo. Você não pode ter tapete, cortina. Aí é que junta mais. Acumula mais. Mas é muito mesmo, é uma coisa fora do comum” Sandra, com. pess., 9 ago. 2018),

Os moradores também procuram evitar ou amenizar os efeitos da poluição através de panos úmidos espalhados pelas residências ou baldes de água derramados nas ruas sem asfalto. É uma prática realizada, inclusive, pelas duas fábricas na rodovia DF-205, resultado da insistência dos que residem próximo a ela. Sandra (com. pess., 9 ago. 2018), quanto questionada sobre o que fazia para melhorar suas condições diárias, afirma que “quando tá nesse tempo seco, a gente costuma jogar água, sabe? Aí a gente faz como pode, a gente coloca pano molhado, a gente joga água, a gente se hidrata, é desse modelo”. A justificativa elencada para tais ações é exatamente pelo fato de que “não tem mesmo como prevenir”, os moradores vão “lidando com isso”, pois “prevenir não tem como”. Welligton (com. pess., 28 set. 2018) completa, insistindo que “a única coisa que se pode fazer é fechar as portas, dentro de casa. Usar aquele aparelhinho pra umidificar, é só isso mesmo”.

Tais ações podem, a princípio, parecer intervenções sem eficácia ou contraintuitivas, como limpar espaços que inevitavelmente estarão sujos no dia seguinte. No entanto, essas ações oferecem um repertório que frequentemente são abandonadas nas narrativas bem-sucedidas de resistência pública engajada à toxicidade. São repertórios que conformam modos de agir e pensar que estão sintonizadas com o ritmo cotidiano, “estabelecidos pelas pessoas para tornar aflições e condições de existência de outro modo intratáveis” (Tironi 2018Tironi, Manuel. 2018. Hypo-interventions: intimate activism in toxic environments. Social studies of science 48 (3): 438-455. https://doi.org/10.1177/0306312718784779.
https://doi.org/10.1177/0306312718784779...
). São feitos mundanos, mas propositais, que Tironi (2018)Tironi, Manuel. 2018. Hypo-interventions: intimate activism in toxic environments. Social studies of science 48 (3): 438-455. https://doi.org/10.1177/0306312718784779.
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denomina de hipointervenções. De acordo com o autor, o prefixo “hipo” indica uma ação, coisa ou relação que funciona sob ou abaixo do que é visível (como hipodérmico) ou o que é considerado normal (hipotenso). As hipointervenções são, então, maneiras de se adaptar, de conviver e fazer “a única coisa que se pode fazer”, seja ela fechar as portas e janelas, seja umidificar os cômodos de uma residência. São “ações mínimas e despretensiosas visando mudanças mínimas e despretensiosas no contexto de vidas mínimas e despretensiosas” (Tironi 2018Tironi, Manuel. 2018. Hypo-interventions: intimate activism in toxic environments. Social studies of science 48 (3): 438-455. https://doi.org/10.1177/0306312718784779.
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, 446).

Por fim, as ações diárias de Wellington, Sandra e tantos outros moradores da Fercal, no idioma das hipointervenções, permite que eles lidem com seu sofrimento cotidiano de forma a amenizar e reparar aquilo que pode ser mitigado de fato. Certamente limpar a casa duas vezes por dia não irá diminuir as altas emissões de PTS no ar, mas ajuda esses moradores a terem maior qualidade de vida no seio da vida íntima e doméstica, a manter a dignidade de uma moradia limpa, na qual seus parentes e amigos podem visitar sem se deparar com pilhas de poeira esbranquiçada.

Considerações finais

Este artigo procurou analisar a forma como os moradores da Fercal, uma área continuamente poluída, lidam com a poluição do ar por PTS em suas vidas cotidianas. Discutimos, inicialmente, a natureza da toxicidade em questão, contrastando-a aos desastres agudos e salientando o caráter “lento” típico de contaminações regulares, crônicas e contínuas. Insinuamos que se trata de uma condição onipresente na vida dos moradores da região nos últimos sessenta anos, cujas consequências negativas são distribuídas de forma desigual àqueles que pouco participam dos bônus da atividade industrial para além do necessário para a sobrevivência. Apontamos para o tipo de violência lenta característica que se impõem em casos marcados pela injustiça ambiental e pelo sofrimento dos mais vulneráveis socioeconomicamente.

Essas definições iniciais foram de suma importância para a reflexão acerca dos comportamentos, atitudes e sentimentos socialmente e politicamente construídos acerca das possibilidades de coexistência com um fenômeno tido como insolúvel. Vimos que as omissões do GDF em relação aos mandos e desmandos das fábricas, à fiscalização deficiente dos níveis de emissão e da atuação da indústria, assim como a falta de diálogo com o poder público são basilares no senso de frustração que os moradores possuem em relação à toxicidade local. Ainda, a desconfiança nas ações de uma das fábricas, a Ciplan, é um segundo elemento associado à frustração tóxica e ao sentimento de que “nada vai mudar”.

Apesar disso, procuramos mostrar que a atitude frustrada não desemboca em inação. Argumentamos que os moradores agem cotidianamente em um formato menos engessado de ação pública, na qual a aliança e o diálogo com a Votorantim Cimentos em busca de melhorias na qualidade de vida significam uma forma viável de solucionar, ou ao menos amenizar outros problemas tidos como urgentes. Ainda, indicamos que algumas práticas, nominadas de hipointervenções, são mobilizadas pelos residentes propositadamente, cujo objetivo é tornar o sofrimento e as duras condições de existência “vivíveis”. São pequenas ações sintonizadas com o ritmo do dia a dia, tais como jogar água nas ruelas das comunidades, procurando diminuir a quantidade de poeira que é movimentada, colocar baldes de água espalhados pela casa para umedecer o ambiente ou, ainda, a limpeza meticulosa e a retirada daquilo que denuncia a crua realidade de um tipo de poluição que é visível aos olhos. Por fim, gostaríamos de salientar que essas formas de ativismo e de hipointervenções têm tudo a ver com a invisibilidade e a ordinariedade que as violências lentas apresentam em relação àqueles que estão nas “margens do desenvolvimento”: comunidades empobrecidas, dependentes da renda da indústria, radicadas em zonas industriais de sacrifício e presentes majoritariamente na parte do mundo que convencionou-se chamar de Sul Global (Nixon 2011Nixon, Rob. 2011. Slow Violence and the environmentalism of the poor. Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.4159/harvard.9780674061194.
https://doi.org/10.4159/harvard.97806740...
; Tironi 2018Tironi, Manuel. 2018. Hypo-interventions: intimate activism in toxic environments. Social studies of science 48 (3): 438-455. https://doi.org/10.1177/0306312718784779.
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). Assim, essa pesquisa foi uma tentativa de discutir, através de um trabalho empírico, os tipos possíveis de engajamento, organização, mobilização, convivência e adaptação à toxicidade crônica específicos do contexto brasileiro.

  • Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.
  • 2
    Todos os nomes utilizados neste artigo são fictícios e foram alterados para preservar o anonimato dos(as) colaboradores(as) da pesquisa, sendo que cada nome se refere a um(a) entrevistado(a) em específico.
  • 3
    A população urbana estimada da Fercal é de 8.746 habitantes, dos quais 55,67% nasceram no Distrito Federal e 44,33% são imigrantes. A maioria dos imigrantes, 64,69%, são naturais do Nordeste, seguido por 16,92% do Centro-Oeste, sem contar o Distrito Federal, e 14,49% do Sudeste. O estado da Bahia é o mais representativo, com 23,85%, seguido por Goiás, com 16,79% e Piauí, com 15,09%, sendo que 31,88% do total de moradores migrou à procura de trabalho (Codeplan 2015Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal). 2015. Pesquisa Distrital Por Amostra de Domicílios – Fercal – PDAD 2015. Brasília, DF: Codeplan.).
  • 4
    Ministério do Meio Ambiente. Resolução nº 03, de 1990. Acessado 15 jun. 2021, http://www2.mma.gov.br/port/conama/res/res90/res0390.html.
  • 5
    “São padrões primários de qualidade do ar as concentrações de poluentes que, ultrapassados, poderão afetar a saúde da população e podem ser entendidos como níveis máximos toleráveis de concentração de poluentes atmosféricos, constituindo-se em metas de curto e médio prazo” (Ibram 2017Ibram (Instituto Brasília Ambiental). 2017. Relatório anual da rede de monitoramento da qualidade do ar no Distrito Federal. Brasília: Ibram., 9).
  • 6
    Esta subárea dos ESCT é particularmente fecunda na análise de riscos tecnológicos por realizar estudos de caso que frequentemente desmistificaram a noção de que o público em geral opera a partir de um déficit de conhecimento científico confiável quando lidam com inovações tecnocientíficas, sugerindo que as interações entre comunidades, conhecimento e contexto são socialmente e culturalmente mais complexas (Bertanha 2019Bertanha, Carolina F. 2019. “Quem mora aqui se adapta”: entendimento público de riscos e práticas de convivência com a poluição do ar na Fercal-DF. Dissertação em Sociologia. Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/35280.
    https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
    , 29). Alguns desses estudos podem ser encontrados em Epstein (1995)Epstein, Steven. 1995. The construction of lay expertise: Aids activism and the forging of credibility in the reform of clinical trials. Science, Technology & Human Values 20 (4): 408-437., Brown (1992)Brown, Phil. 1992. Popular epidemiology and toxic waste contamination: lay and professional ways of knowing. Journal of health and social behavior 33(3): 267-81., Durant, Evans e Thomas (1992Durant, John, Geoffrey Evans,e Geoffrey Thomas. 1992. Public understanding of science in Britain: the role of medicine in the popular representation of science. Public Understanding of science 1 (2): 161-182. https://doi.org/10.1088/0963-6625/1/2/002.
    https://doi.org/10.1088/0963-6625/1/2/00...
    ), Irwin (2001)Irwin, Alan. 2001. Constructing the scientific citizen: science and democracy in the biosciences. Public understanding of science 10 (1): 1-18. e no clássico estudo de caso sobre os fazendeiros de ovelhas de Cumbria, Noroeste da Inglaterra, de Wynne (1996b)Wynne, Brian. 1996b. Misunderstood misunderstanding: social identities and public uptake of science. In Misunderstanding science? The public reconstruction of science and technology, organizado por Brian Wynne e Irwin Alan, 19-46. Cambridge: University Press..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2019
  • Aceito
    03 Dez 2020
  • Publicado
    24 Ago 2021
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