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Dataficação da vida

Dataficación de la vida

Datafication of life

Resumo:

Este artigo discute a dataficação da vida na atual fase de desenvolvimento da cultura digital a partir de três eixos: relações sociais, conhecimento e natureza. A dataficação se dá no rastreamento das relações sociais mediadas por plataformas digitais e como “requisição” do mundo sob a forma de dados operacionalizáveis em dois amplos domínios: a natureza e o conhecimento. A primeira forma de requisição é produzida pela retirada de minério e de energia para a produção de equipamentos e para alimentar a captura, o tratamento, a circulação de dados. A segunda é a tradução do mundo em dados, gerando uma algocracia epistocrática que pode decidir sobre o conhecimento e a gestão da coisa pública. Relacionando a dataficação da vida como os quatro bios aristotélicos e com a comunicação a partir do seu modo de existência, podemos concluir que ela não pode ser reduzida nem a toda a esfera da comunicação, nem ser identificada a um bios midiático. A dataficação da vida está na base da comunicação contemporânea e é transversal aos quatro bios.

Palavras-chave:
Bios ; Comunicação; Dataficação; Plataformas

Abstract:

This paper aims to discuss the datafication of life in the current phase of the development of digital culture based on three axes: social relations, knowledge and nature. Datafication takes place in the tracking of social relations mediated by digital platforms, and as “requisition” of the world in the form of data that can be operated in two main domains: nature and knowledge. The first form of requisition is produced by the harvesting of mineral and energy to produce machines and devices and to feed the capture, treatment, and circulation of data. The second is a world translation into data, generating an epistocratic algocracy that can decide on the knowledge and management of public affairs. Relating datafication of life as the four Aristotelian bios and communication based on their mode of existence, we can conclude that it cannot be reduced to the whole sphere of communication, nor to be identified to a bios of mediatization. Datafication of life is at the base of contemporary communication and is transversal to the four bios.

Keywords:
Bios ; Communication; Datafication; Platforms

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo discutir la datificación de la vida en la fase actual del desarrollo de la cultura digital a partir de tres ejes: relaciones sociales, conocimiento y naturaleza. La datificación tiene lugar en el seguimiento de las relaciones sociales mediadas por plataformas digitales y como “requisición” del mundo en forma de datos que pueden ser operados en dos dominios principales: naturaleza y conocimiento. La primera forma de requisición se produce mediante la recolección de minerales y energía para producir máquinas y dispositivos y para alimentar la captura, tratamiento y circulación de datos. El segundo es una traducción del mundo en datos, generando una algocracia epistocrática que puede decidir sobre el conocimiento y la gestión de los asuntos públicos. Relacionando la datificación de la vida como los cuatro bios aristotélicos y la comunicación en función de su modo de existencia, podemos concluir que ella no puede reducirse al ámbito de la comunicación en su conjunto, ni identificarse a un bios de la mediatización. La datificación de la vida está en la base de la comunicación contemporánea y es transversal a los cuatro bios.

Palabras clave:
Bios ; Comunicación; Dataficación; Plataformas

Introdução

No atual estado da cultura digital, vivenciamos uma profunda e global dataficação da vida. Vamos explicar, em um primeiro momento, as diferenças entre os processos de digitalização e dataficação. Em seguida descrevemos a dataficação da vida na atual sociedade de plataformas e da natureza por uma dupla requisição digital: primeiro a retirada de matéria, energia para a produção de artefatos e tratamento dos dados e, em seguida, como tradução do mundo em bits balizando uma forma de produzir conhecimento. Na última parte, concluímos indicando como a dataficação da vida está na base do modo de existência da comunicação, atuando de forma transversal na afetação dos bios theoretikos, politikos, apolautikos e “midiático” (Sodré 2002Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes.).

Digitalização e dataficação

A fase de digitalização da cultura digital, iniciada na segunda metade do século 20, está atualmente sendo absorvida pela dataficação. Essa é um processo de tradução da vida em dados digitais rastreáveis, quantificáveis, analisáveis, performativos. Mesmo que processos de digitalização continuem a acontecer (criar um website, quantificar o número de passos de uma pessoa por dia, transformar um livro impresso em e-book, entre outros), eles estão inseridos em procedimentos algoritmos mais amplos de tratamento e captação de dados (Big Data, machine learning). A dataficação possibilita a conversão de toda e qualquer ação em dados digitais rastreáveis, produzindo diagnósticos e inferências nos mais diversos domínios.

Com o surgimento da microinformática e da internet, tem início, entre os anos 1970 e 1990, o processo de digitalização. O desenvolvimento das redes sociais, da computação nas nuvens e do desenvolvimento da inteligência algorítmica, coloca em marcha a dataficação. Certamente o estado atual de conversão do mundo em dados tem sua origem no “culto aos números”, nos séculos 17 e 18, que “entroniza a matemática como modelo do raciocínio e da ação útil” (Mattelart 2006Mattelart, Armand. 2006. História da sociedade da informação. São Paulo: Loyola., 7). Esse pensamento torna-se o modelo do discurso que dá origem à sociedade da informação.

O termo “datafication” foi proposto em 2013 por Mayer-Schoenberger e Cukier (2013Mayer-Schönberger, Viktor e Kenneth Cukier. 2013. Big data: a revolution that will transform how we live, work, and think. Boston: Houghton Mifflin Harcourt., 28) ao se referirem às formas de transformação de ações em dados quantificáveis, permitindo amplo rastreamento e análises preditivas. Qualquer ação pode ser não apenas digitalizada, mas quantificada em métodos precisos de monitoramento e projeção de cenários em tempo real ou futuro. Mai (2016Mai, Jens-Erik. 2016. Big data privacy: the datafication of personal information. The Information Society 32 (3): 192-99. https://doi.org/10.1080/01972243.2016.1153010.
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, 195)2 2 Todas as traduções no corpo do texto são minhas. fala de “análise de informações de maneiras mais sofisticadas”,3 3 “datafication allows analysis of information in more sophisticated ways and allows analyses across large datasets.” Couldry e Yu (2018Couldry, Nick e Jun Yu. 2018. Deconstructing datafication's brave new world. New Media & Society 20 (12): 4473-91. https://doi.org/10.1177/1461444818775968.
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, 4473) de conversão de “processos vitais […] em fluxos4 4 “the process whereby life-processes must be converted into streams of […]”. e Dijck, Poell e de Waal (2018Dijck, José van, Thomas Poell e Martijn de Waal. 2018. The platform society. New York: Oxford University Press., 37) de “prática do usuário”.5 5 “it can concurrently be regarded as a user practice”.

Com a dataficação, não se trata apenas da conversão de um objeto analógico em digital, mas da modificação de ações, comportamentos e conhecimentos baseados na performance dos dados elaborada por sistemas de inteligência algorítmica. Esta deve ser pensada como um conjunto de métodos de coleta, processamento e tratamento de dados para realizar predições. Não se trata apenas de procedimentos com dados demográficos ou perfis socioeconômicos, por exemplo, mas de análise dinâmica a partir de metadados comportamentais.

Por exemplo, um livro digitalizado não é apenas um objeto que pode ser lido em um e-reader por determinado público. Pela dataficação, é a ação de ler (e de escrever) que é (são) quantificada(s) e analisada(s), gerando conhecimento e predições sobre, por exemplo, velocidade de leitura, citações mais destacadas por leitores, poética da escrita etc.6 6 Sobre o exemplo do livro ver Mayer-Schönberger e Cukier (2013). Essa ação vai além da digitalização em direção a uma performatividade dos dados com vistas a balizar novas ações, comportamentos e conhecimentos. Por performance queremos apontar o tratamento e a análise dos dados para fazer inferências, gerar recomendações e auxiliar na tomada de decisão. Indo além da digitalização, a dataficação é a tradução de intenções, ações, reflexos, sentimentos em dados operacionalizáveis para gerar novas ações preditivas (coletivas ou individuais) partir de coleta extensiva de informações.

Como veremos adiante, a gestão algorítmica é uma consequência da dataficação. Pela aprendizagem e geração de padrões, comportamentos e novas ações, ela envolve, simultaneamente, a digitalização das coisas (transformar em dados digitais), a performatividade dos dados (ação captada e induzida) e uma forma de conhecer. Ela atua a partir dessas três modulações. Por exemplo, em projetos atuais de cidades inteligentes (Kitchin 2014aKitchin, Rob. 2014a. The real-time city? Big data and smart urbanism. GeoJournal 79 (1): 1-14. https://doi.org/10.1007/s10708-013-9516-8.
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), podemos dizer que a dataficação começa na digitalização, com sensores captando emissão de CO2 em uma cidade, passando pela performance desses dados gerando modelos algorítmicos que visem implementação de políticas públicas, tendo por consequência uma maneira de executar a gestão urbana pública.

Dataficação da vida social na sociedade de plataformas

A dataficação está na base do surgimento da sociedade de plataformas (Gillespie 2010Gillespie, Tarleton. 2010. The politics of ‘platforms’. New Media & Society 12 (3): 347-64. https://doi.org/10.1177/1461444809342738.
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; Srnicek e de Sutter 2016Srnicek, Nick e Laurent De Sutter. 2016. Platform capitalism. Série theory redux. Cambridge: Polity Press.; Dijck, Poell, e Waal 2018Dijck, José van, Thomas Poell e Martijn de Waal. 2018. The platform society. New York: Oxford University Press.) alimentada por um amplo fluxo de dados (Cheney-Lippold 2017Cheney-Lippold, John. 2017. We are data: algorithms and the making of our digital selves. New York: New York University Press.; Couldry 2020Couldry, Nick. 2020. Recovering critique in an age of datafication. New Media & Society 22 (7): 1135-51. https://doi.org/10.1177/1461444820912536.
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; Kitchin 2014bKitchin, Rob. 2014b. Big data, new epistemologies and paradigm shifts. Big Data & Society 1 (1): 1-12. https://doi.org/10.1177/2053951714528481.
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; Mayer-Schönberger e Cukier 2013Mayer-Schönberger, Viktor e Kenneth Cukier. 2013. Big data: a revolution that will transform how we live, work, and think. Boston: Houghton Mifflin Harcourt.). A partir dela, as plataformas transformam em dados comportamentos os mais diversos. Elas constituem uma nova datastructure (máquinas, dados, programas), cujo modelo de negócios oferece serviços baseados na captação, análise e inteligência de dados. Para Casilli e Posada (2019Casilli, Antonio A. e Julian Posada. 2019. The platformization of labor and society. In Society and the Internet, organizado por Antonio A. Casilli e Julian Posada, 293-306. Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oso/9780198843498.003.0018.
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, 3), plataforma é uma “infraestrutura de software ou hardware na qual usuários, empresas e até mesmo governos criam aplicativos, serviços e comunidades”.7 7 “software or hardware infrastructure on which users, companies, and even governments build applications, services, and communities. Para Poell, Nieborg, e Dijck (2020Poell, Thomas, David Nieborg e José van Dijck. 2020. Plataformização. Fronteiras – estudos midiáticos 22 (1): 2-10. https://doi.org/10.4013/fem.2020.221.01.
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, 4), elas são “infraestruturas digitais (re)programáveis que facilitam e moldam interações personalizadas entre usuários finais e complementadores, organizadas por meio de coleta sistemática, processamento algorítmico, monetização e circulação de dados”. Ou seja, são infraestruturas que dependem de “dataficação”, “comodificação” e “seleção” (Van Dijck, Poell, e de Waal 2018Dijck, José van, Thomas Poell e Martijn de Waal. 2018. The platform society. New York: Oxford University Press., 36).8 8 “datafication”, “commodification”, and “selection”.

O motor desse processo de uso dinâmico de dados são os sistemas algorítmicos altamente performativos (Bucher 2018Bucher, Taina. 2018. If…then: algorithmic power and politics. New York: Oxford University Press.; Danaher et al. 2017Danaher, John, Michael J Hogan, Chris Noone, Rónán Kennedy, Anthony Behan, Aisling De Paor, Heike Felzmann et al. 2017. Algorithmic governance: developing a research agenda through the power of collective intelligence. Big Data & Society 4 (2): 1-21. https://doi.org/10.1177/2053951717726554.
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; Dourish 2016Dourish, Paul. 2016. Algorithms and their others: algorithmic culture in context. Big Data & Society 3 (2): 1-11. https://doi.org/10.1177/2053951716665128.
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; Finn 2017Finn, Ed. 2017. What algorithms want. Imagination in the age of computing. Cambridge: The MIT Press.; Gillespie 2014Gillespie, Tarleton. 2014. The relevance of algorithms. In Media technologies: essays on communication, materiality, and society, organizado por Tarleton Gillespie, Pablo J. Boczkowski e Kirsten A. Foot, 167-94. Cambridge: The MIT Press. https://doi.org/10.7551/mitpress/9780262525374.003.0009.
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; Striphas 2015Striphas, Ted. 2015. Algorithmic culture. European Journal of Cultural Studies 18 (4/5): 395-412. https://doi.org/10.1177/1367549415577392.
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) que vão induzir ações e prever eventos em uma nova fase do capitalismo, o capitalismo de dados ou de vigilância (Barassi 2020Barassi, Veronica. 2020. Datafied times: surveillance capitalism, data technologies and the social construction of time in family life. New Media & Society 22 (9): 1545-60. https://doi.org/10.1177/1461444820913573.
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; Zuboff 2019Zuboff, Shoshana. 2019. The age of surveillance capitalism: the fight for a human future at the new frontier of power. New York: PublicAffairs.). Plataformização, dataficação e performatividade algorítmica (PDPA) (Lemos 2020Lemos, André. 2020. Epistemologia da comunicação, neomaterialismo e cultura digital. Galáxia 43: 54-66. https://doi.org/10.1590/1982-25532020143970.
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) atuam a partir de três pilares centrais: a conversão de qualquer forma de expressão em dados operacionalizáveis (dataficação); o estímulo à produção, captura e fornecimento desses dados (data e capta) para megaestruturas de hardware e software (plataformização); e o agenciamento algorítmico projetar cenários de ação e de indução atual e futuro.

A dataficação da vida social se constitui pelo rastreamento generalizado de dados, em uma forma de vigilância distribuída (dataveillance), reforçando lógicas de controle e monitoramento de dados pessoais (Barassi 2020Barassi, Veronica. 2020. Datafied times: surveillance capitalism, data technologies and the social construction of time in family life. New Media & Society 22 (9): 1545-60. https://doi.org/10.1177/1461444820913573.
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; Fuchs 2009Fuchs, Christian. 2009. Social networking sites and the surveillance society: a critical case study of the usage of studiVZ, Facebook, and MySpace by students in Salzburg in the context of electronic surveillance. ICT&S Center Research Repor. Salzburg: Forschungsgruppe U.T.I.). Essas podem servir para o cuidado infantil ou do corpo (Charitsis 2019Charitsis, Vassilis. 2019. Survival of the (data) fit: self-surveillance, corporate wellness, and the platformization of healthcare. Surveillance & Society 17 (1/2): 139-144. https://doi.org/10.24908/ss.v17i1/2.12942.
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; Esmonde 2020Esmonde, Katelyn. 2020. ‘There's only so much data you can handle in your life’: accommodating and resisting self-surveillance in women's running and fitness tracking practices. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health 12 (1): 76-90. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1617188.
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; Gidaris 2019Gidaris, Constantine. 2019. Surveillance capitalism, datafication, and unwaged labour: the rise of wearable fitness devices and interactive life insurance. Surveillance & Society 17 (1/2): 132-138. https://doi.org/10.24908/ss.v17i1/2.12913.
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), para o monitoramento das redes sociais e no trabalho (Ajunwa 2020Ajunwa, Ifeoma. 2020. The ‘black box’ at work. Big Data & Society 7 (2): 1-6. https://doi.org/10.1177/2053951720938093.
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; Fuchs 2009Fuchs, Christian. 2009. Social networking sites and the surveillance society: a critical case study of the usage of studiVZ, Facebook, and MySpace by students in Salzburg in the context of electronic surveillance. ICT&S Center Research Repor. Salzburg: Forschungsgruppe U.T.I.), para a vigilância policial e política (Garfinkel 2000Garfinkel, Simson. 2000. Database nation: the death of privacy in the 21st century. Cambridge: O’Reilly.), entre outros. Para Couldry e Yu (2018Couldry, Nick e Jun Yu. 2018. Deconstructing datafication's brave new world. New Media & Society 20 (12): 4473-91. https://doi.org/10.1177/1461444818775968.
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, 4475), a dataficação produz “a rotinização da vigilância e a coleta de dados pessoais”.9 9 “the routinisation of surveillance and the collection of personal data”.

Operada e controlada por cinco megaplataformas, a dataficação afeta todas as áreas da vida social contemporânea, como saúde e educação (Mascheroni 2020), finanças e trabalho (Gidaris 2019Gidaris, Constantine. 2019. Surveillance capitalism, datafication, and unwaged labour: the rise of wearable fitness devices and interactive life insurance. Surveillance & Society 17 (1/2): 132-138. https://doi.org/10.24908/ss.v17i1/2.12913.
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), governo (Gozman, Currie, e Seddon 2015Gozman, Daniel, Wendy Currie, e Jonathan Seddon. 2015. The role of big data in governance: a regulatory and legal perspective of analytics in global financial services. SSRN Electronic Journal. Swift Institute Working Paper n. 2014-0009. https://doi.org/10.2139/ssrn.2752561.
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; Hong et al. 2019Hong, Sounman, Sun Hyoung Kim, Youngrok Kim e Jeongin Park. 2019. Big data and government: evidence of the role of big data for smart cities. Big Data & Society 6 (1):1-11. https://doi.org/10.1177/2053951719842543.
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; Redden 2018Redden, Joanna. 2018. Democratic governance in an age of datafication: lessons from mapping government discourses and practices. Big Data & Society 5 (2): 1-13. https://doi.org/10.1177/2053951718809145.
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), transportes (Schor et al. 2020Schor, Juliet B., William Attwood-Charles, Mehmet Cansoy, Isak Ladegaard e Robert Wengronowitz. 2020. Dependence and precarity in the platform economy. Theory and Society 49: 833-861. https://doi.org/10.1007/s11186-020-09408-y.
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), redes sociais (Helmond 2015Helmond, Anne. 2015. The platformization of the web: making web data platform ready. Social Media + Society 1 (2): 1-11. https://doi.org/10.1177/2056305115603080.
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; Plantin e Punathambekar 2019Plantin, Jean-Christophe e Aswin Punathambekar. 2019. Digital media infrastructures: pipes, platforms, and politics. Media, Culture & Society 41 (2): 163-74. https://doi.org/10.1177/0163443718818376.
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), jornalismo e produção cultural (Nieborg e Poell, 2018Nieborg, David B. e Thomas Poell. 2018. The platformization of cultural production: theorizing the contingent cultural commodity. New Media & Society 20 (11): 4275-92. https://doi.org/10.1177/1461444818769694.
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), para citar algumas.

A dataficação é o procedimento básico da sociedade de plataformas. Essas operam a partir de oportunidades geradas por uma coleta indiscriminada de dados, que são captados inclusive sem necessidade direta dos serviços oferecidos, pois podem servir mais adiante para a criação de novos produtos e serviços (Couldry e Mejias 2019Couldry, Nick e Ulises Ali Mejias. 2019. The costs of connection: how data is colonizing human life and appropriating it for capitalism. Série: Culture and economic life. Stanford: Stanford University Press.; Kember e Zylinska 2012Kember, Sarah e Joanna Zylinska. 2012. Life after new media: mediation as a vital process. Cambridge: MIT Press.; Ratti e Claudel 2016Ratti, Carlo e Matthew Claudel. 2016. The city of tomorrow: sensors, networks, hackers, and the future of urban life. New Haven: Yale University Press.). A cultura dos aplicativos é a expressão mais visível da plataformização da sociedade (Morris e Murray 2018Morris, Jeremy Wade e Sarah Murray, orgs. 2018. Appified: culture in the age of apps. Ann Arbor: University of Michigan Press.), a sua superfície, a interface de agenciamento dos usuários em nome da eficiência. O objetivo é oferecer uma solução inovadora para problemas da vida quotidiana que podem ser equacionados por um melhor fluxo e controle de dados. Essa vida pelos dados ou vida dos dados (life of data)10 10 A vida dos dados é entendida como trânsito e prática de dados (“places where people are engaged in practices of data production, processing, distribution and use”) (Bates, Lin e Goodale 2016, 2). coloca na ponta do sistema o usuário excitado para se manter atento, vinculado e engajado, na lógica da dataficação.

Assim, na atuação conjunta de plataformas e aplicativos (por intermédio das stores Apple e Google), temos processos de dataficação para monitoramento da saúde (Apple Watch, Fitbit), da locomoção (Waze, Uber, 99), da habitação, (AirBnb), de entregas (Uber Eats, iFood), da Educação (Zoom, Meets), dos relacionamentos (Facebook, Twitter, WhatsApp, Tinder), do trabalho (LinkedIn), do consumo de conteúdo (YouTube, Instagram, Spotify, Netflix, Apple TV, Amazon Video, Playstation, Xbox, Apple Arcade), do lar (Nest, Amazon Echo, Google Home, Apple Home)… Dessa forma,

as infraestruturas de plataforma são integradas a um número crescente de dispositivos, desde smartphones e smartwatches até eletrodomésticos e carros autônomos. Essa infinidade de extensões das plataformas permite que os empresários transformem praticamente todas as instâncias de interação humana em dados: ranqueamento, pagamento, pesquisa, assistir conteúdos, dirigir, caminhar, conversas, amizades, namoro etc. (Poell, Nieborg e Dijck 2020Poell, Thomas, David Nieborg e José van Dijck. 2020. Plataformização. Fronteiras – estudos midiáticos 22 (1): 2-10. https://doi.org/10.4013/fem.2020.221.01.
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, 6).

Dataficação da natureza

A dataficação da vida social tem como corolário a requisição digital do mundo em duas dimensões: a tradução do mundo em dados operacionalizáveis (requisição por digitalização e dataficação), como forma de ampliar o conhecimento sobre o mundo, e o consumo de minério e de energia da natureza (requisição material e energética) para produção de equipamento e para funcionamento da datastructure. Discutimos aqui essa segunda requisição, deixando a primeira para o próximo tópico.

O mundo dos dados e das plataformas necessita de extração de minério e de energia da natureza para alimentar a produção de equipamentos eletrônicos e o uso de dados a partir dos datacenters, agravando a crise climática do Antropoceno (Conty 2018Conty, Arianne Françoise. 2018. The politics of nature: new materialist responses to the anthropocene. Theory, Culture & Society 35 (7-8): 73-96. https://doi.org/10.1177/0263276418802891.
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; Latour 2018Latour, Bruno. 2018. Down to earth: politics in the new climatic regime. Cambridge: Polity Press.; Sloterdijk e Hoban 2013Sloterdijk, Peter e Wieland Hoban. 2013. You must change your life: on anthropotechnics. Cambridge: Polity Press.). Essa é uma faceta material importante e pouco discutida. Gabrys (2016Gabrys, Jennifer. 2016. Program earth: environmental sensing technology and the making of a computational planet. Minnesota: University of Minnesota Press., 1) mostra como os sensores, retirando dados da natureza, “estão programando nosso ambiente”.11 11 “are programming our environment”. Brodie (2020Brodie, Patrick. 2020. Climate extraction and supply chains of data. Media, Culture and Society 42 (7-8): 1095-1114. https://doi.org/10.1177/0163443720904601.
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, 1095), ao comentar sobre os datacenters, explica que estamos diante de uma “extração climática”.12 12 “climate extraction”.

Na segunda metade do século 20, Heidegger (2007Heidegger, Martin. 2007. A questão da técnica. Scientiae Studia 5 (3): 375-98. https://doi.org/10.1590/S1678-31662007000300006.
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, 384) apontou como sendo a “essência da técnica moderna”, a requisição científica da natureza sob o modo de uma provocação científico-tecnológica. Assim, o método científico, a essência da tecnologia moderna “Ge-stell”,13 13 Ge-stell é a essência da técnica moderna para Heidegger, “dispositivo” baseado na ciência que toma a natureza como um reservatório de energia e matéria. Para Heidegger (1958, 37), essa é a diferença da técnica moderna em relação às técnicas pré-científicas. Ge-stell é uma “provocação científica da natureza” que coloca o homem em meio a um novo “destino” (Geschick) e perigo” (Gefahr). Como afirma o filósofo, “C'est l'essence de la technique, en tant qu'elle est un destin de dévoilement, qui est le danger” (“É a essência da técnica, enquanto destino de desvelamento, que é o perigo”). coloca o homem diante de um novo destino e perigo, materializados na posição adotada, a partir do século 17, de “mestre e possuidor da natureza”. A natureza é um estoque à disposição para uma livre intervenção tecnocientífica. Como afirma o filósofo:

O desabrigar imperante na técnica moderna é um desafiar (Herausfordern) que estabelece, para a natureza, a exigência de fornecer energia suscetível de ser extraída e armazenada enquanto tal. Mas o mesmo não vale para os antigos moinhos de vento? Não. Suas hélices giram, na verdade, pelo vento, permanecem imediatamente familiarizadas ao seu soprar. O moinho de vento, entretanto, não retira a energia da corrente de ar para armazená-la (Heidegger 2007Heidegger, Martin. 2007. A questão da técnica. Scientiae Studia 5 (3): 375-98. https://doi.org/10.1590/S1678-31662007000300006.
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200700...
, 381).

A dataficação da vida é a expansão dessa provocação traduzindo agora o mundo em dados digitais. Esse processo exige a extração de minério e energia para produzir equipamentos e alimentar os datacenters das plataformas. Diferentemente da idílica imagem da “computação nas nuvens” (Peters 2015Peters, John Durham. 2015. The marvelous clouds: toward a philosophy of elemental media. Illinois: University of Chicago Press. https://doi.org/10.7208/chicago/9780226253978.001.0001.
https://doi.org/10.7208/chicago/97802262...
), a coleta, a análise e o processamento de dados tem consequências bem materiais sobre a vida no planeta, seja pela retirada de matéria e de energia, seja pela produção de lixo eletrônico.

A cloud nada mais é do que uma metáfora para essa datastructure (Plantin e Punathambekar 2019Plantin, Jean-Christophe e Aswin Punathambekar. 2019. Digital media infrastructures: pipes, platforms, and politics. Media, Culture & Society 41 (2): 163-74. https://doi.org/10.1177/0163443718818376.
https://doi.org/10.1177/0163443718818376...
). Estudos atuais têm mostrando as dimensões dessa “geologia da mídia” (Parikka 2012Parikka, Jussi. 2012. New materialism as media theory: medianatures and dirty matter. Communication and Critical/Cultural Studies 9 (1): 95-100. https://doi.org/10.1080/14791420.2011.626252.
https://doi.org/10.1080/14791420.2011.62...
; 2015), ou seja, da materialidade da produção, do uso e do descarte relacionados aos processos de dataficação, tanto para a produção de equipamentos, como no consumo de energia nos datacenters.14 14 Danilak, Radoslav. Why energy is a big and rapidly growing problem for data centers. Forbes, 15 dez. 2017. Acessado 15 jul. 2020. https://www.forbes.com/sites/forbestechcouncil/2017/12/15/why-energy-is-a-big-and-rapidly-growing-problem-for-data-centers/#2fb9908f5a30. Cada computador, Smart TV, tablet ou smartphone é composto por cerca de dezenas minerais extraídos da terra (Thylstrup 2019Thylstrup, Nanna Bonde. 2019. Data out of place: toxic traces and the politics of recycling. Big Data & Society 6 (2): 1-9. https://doi.org/10.1177/2053951719875479.
https://doi.org/10.1177/2053951719875479...
). Eles demandam energia na confecção e à terra voltam como lixo eletrônico (Frantzen e Bjering 2020Frantzen, Mikkel Krause e Jens Bjering. 2020. Ecology, capitalism and waste: from hyperobject to hyperabject. Theory, Culture & Society 37 (6): 87-109. https://doi.org/10.1177/0263276420925541.
https://doi.org/10.1177/0263276420925541...
; Jennifer Gabrys 2011Gabrys, Jennifer. 2011. Digital rubbish: a natural history of electronics. Ann Arbor: University of Michigan Press. https://doi.org/10.3998/dcbooks.9380304.0001.001.
https://doi.org/10.3998/dcbooks.9380304....
). A produção de dispositivos e o uso da internet é responsável por 3,7% das emissões de efeito estufa (Cubitt 2017Cubitt, Sean. 2017. Finite media: environmental implications of digital technologies. Durham: Duke University Press.).

O uso dos dados na internet exige também grande consumo de combustíveis fósseis nos datacenters e na infraestrutura urbana, apesar dos esforços atuais de algumas empresas para neutralizarem a pegada de carbono. O consumo é crescente, produzindo desperdício com a rápida obsolescência programada na necessidade de upgrade constante dos equipamentos. Alguns exemplos são: (i) para movimentar a moeda virtual BitCoin, são necessários 22 milhões de toneladas de emissões de CO2 por ano, o que equivale a toda a pegada de carbono da Jordânia;15 15 Griffiths, Sarah. Why your internet habits are not as clean as you think. Smart Guide to Climate Change. BBC, 5 mar. 2020. Acessado 20 out. 2020. https://www.bbc.com/future/article/20200305-why-your-internet-habits-are-not-as-clean-as-you-think. (ii) a energia consumida pelos datacenters do Facebook, só para uso dos brasileiros, equivale ao consumo de energia de mais de 15 mil residências no país pelo mesmo período.16 16 Akatu. As redes sociais aproximam as pessoas, mas geram impactos ambientais negativos. Akatu, 21 jan. 2019. Acessado 22 ago. 2020. https://www.akatu.org.br/noticia/qual-o-impacto-ambiental-de-um-post-nas-redes-sociais.

Em artigo recente (Lemos 2020Lemos, André. 2020. Epistemologia da comunicação, neomaterialismo e cultura digital. Galáxia 43: 54-66. https://doi.org/10.1590/1982-25532020143970.
https://doi.org/10.1590/1982-25532020143...
), mostramos como para a produção e a veiculação de Fake News no YouTube sobre o vazamento de óleo no Nordeste brasileiro foram emitidos 1.42 MtCO2 e (equivalentes ao derramamento de 3,30 barris de petróleo). A dataficação pelas cadeias de desinformação ampliaram o desastre ambiental pelo efeito material no ambiente e ajudaram a deterioração do debate público sobre a questão.

Pensar a dataficação da vida a partir de sua materialidade (Lemos 2020Lemos, André. 2020. Epistemologia da comunicação, neomaterialismo e cultura digital. Galáxia 43: 54-66. https://doi.org/10.1590/1982-25532020143970.
https://doi.org/10.1590/1982-25532020143...
), ou seja, dos minerais embarcados, dos processos químicos, do seu descarte na natureza e na geração de pegada de carbono pelo nosso uso nas diversas plataformas é uma forma de visualizar uma toxicidade como implicações éticas e políticas planetárias.

Dataficação do conhecimento

Além da transformação das relações sociais e da ampliação do consumo de energia no planeta, a dataficação é uma nova forma de produção do conhecimento. Ela implica uma requisição/tradução digital do mundo, possibilitando o domínio sobre objetos ou ações com o intuito de simulá-los e testá-los em sistemas computacionais avançados com inteligência artificial (IA). Temos, assim, uma forma hegemônica do conhecer e de gerir a vida no planeta, sendo, como explica Mattelart (2006Mattelart, Armand. 2006. História da sociedade da informação. São Paulo: Loyola., 18) sobre a sociedade da informação, uma “nova maneira de pensar ao mesmo tempo a razão e as palavras, o projeto do conhecimento e da racionalidade universais alimenta a crença na transparência perfeita”.

Todas as áreas das ciências, incluindo as ciências da vida, como a medicina, a engenharia genética, a biologia, são influenciadas pelo avanço do Big Data e da IA. Estamos presenciando esse processo no desenvolvimento nas “digital humanities” e na dataficação da ciência em todos os níveis.17 17 Não há aqui um juízo de valor. Muito dos avanços das ciências humanas se devem às novas abordagens e métodos digitais implementados. Faço aqui apenas uma constatação que reforça o meu argumento sobre a dataficação do conhecimento. O conhecimento dataficado marca uma virada epistemológica, pois o mundo transformado em dados tornar-se mais transparente, inteligível e facilmente manipulável. Isso coloca, consequentemente, um problema para o conhecimento já que entende os dados e a correlata análise maquínica como neutros, racionais e eficientes.

Sabemos que não há dados brutos e que o algoritmo é uma escrita e, como toda escrita, produz enviesamentos (Couldry 2020Couldry, Nick. 2020. Recovering critique in an age of datafication. New Media & Society 22 (7): 1135-51. https://doi.org/10.1177/1461444820912536.
https://doi.org/10.1177/1461444820912536...
; Kitchin 2014bKitchin, Rob. 2014b. Big data, new epistemologies and paradigm shifts. Big Data & Society 1 (1): 1-12. https://doi.org/10.1177/2053951714528481.
https://doi.org/10.1177/2053951714528481...
; Mayer-Schönberger e Cukier 2013Mayer-Schönberger, Viktor e Kenneth Cukier. 2013. Big data: a revolution that will transform how we live, work, and think. Boston: Houghton Mifflin Harcourt.). Como os dados são coletados e tratados como se fossem brutos, e como esses algoritmos funcionam como uma inteligência técnica e racional (logo neutra), a dataficação e a performatividade algorítmica seriam “a” maneira de conhecer e gerir a vida no planeta. Alguns artigos ressaltam preocupações sobre método, ontologias e epistemologias quando confrontados à dataficação e aos procedimentos algoritmos, indagando sobre potencialidades e limites (Thylstrup, Flyverbom e Helles 2019Thylstrup, Nanna Bonde. 2019. Data out of place: toxic traces and the politics of recycling. Big Data & Society 6 (2): 1-9. https://doi.org/10.1177/2053951719875479.
https://doi.org/10.1177/2053951719875479...
; Fisher 2020Fisher, Eran. 2020. Can algorithmic knowledge about the self be critical? In The digital age and its discontents: critical reflections in education, organizado por Matteo Stocchetti, 111-122. Helsinki: Helsinki University Press. https://doi.org/10.2307/j.ctv16c9hdw.10.
https://doi.org/10.2307/j.ctv16c9hdw.10...
).

Para Danaher (2016Danaher, John. 2016. The threat of algocracy: reality, resistance and accommodation. Philosophy & Technology 29 (3): 245-68. https://doi.org/10.1007/s13347-015-0211-1.
https://doi.org/10.1007/s13347-015-0211-...
; Danaher et al. 2017Danaher, John, Michael J Hogan, Chris Noone, Rónán Kennedy, Anthony Behan, Aisling De Paor, Heike Felzmann et al. 2017. Algorithmic governance: developing a research agenda through the power of collective intelligence. Big Data & Society 4 (2): 1-21. https://doi.org/10.1177/2053951717726554.
https://doi.org/10.1177/2053951717726554...
), a coleta e o monitoramento amplo dos dados, aliados ao culto dos algoritmos como a forma de tornar o mundo mais transparente, criam um poder tecnocrático (“algocracia”) na mão de especialistas (“epistocracia”) que podem decidir sobre as coisas de interesse público (Gillespie 2014Gillespie, Tarleton. 2014. The relevance of algorithms. In Media technologies: essays on communication, materiality, and society, organizado por Tarleton Gillespie, Pablo J. Boczkowski e Kirsten A. Foot, 167-94. Cambridge: The MIT Press. https://doi.org/10.7551/mitpress/9780262525374.003.0009.
https://doi.org/10.7551/mitpress/9780262...
). A gestão a partir dos dados e a dependência de sistemas algorítmicos opacos levariam à restrição da participação humana e ampliaria a ameaça de um poder colocado nas mãos dessa elite que conhece os códigos (Danaher 2016Danaher, John. 2016. The threat of algocracy: reality, resistance and accommodation. Philosophy & Technology 29 (3): 245-68. https://doi.org/10.1007/s13347-015-0211-1.
https://doi.org/10.1007/s13347-015-0211-...
, 254). A dataficação do conhecimento levaria, portanto, ao poder uma “epistocracia” operando através de uma “algocracia” calcada na neutralidade técnica da performatividade algorítmica, podendo decidir sobre o fazer e o conhecer, sendo a lente que permitiria, como a matemática para Newton no século 17, “ler o grande livro da natureza”.

Bios, comunicação e dataficação da vida

Vimos como a dataficação da vida se concretiza nas relações sociais mediadas por megaplataformas, no processo de requisição digital do mundo como matéria prima e energia e na produção do conhecimento, com o surgimento de uma algocracia pilotada por uma epistocracia. A dataficação da vida pode assim ser entendida como uma forma de agência que constitui todos os bios propostos por Aristóteles, incluindo aquele que Sodré (2002)Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes. chama de “midiático”. Como explica o autor, após

vida contemplativa (bios theoretikos), vida prazerosa (bios apolaustikos) e vida política (bios politikos) – pode-se agora acrescentar, como antes afirmamos, uma nova qualificação, uma quarta esfera: a vida midiatizada, que inclui a realidade tecnológica do virtual (Sodré 2002Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes., 125).

Sodré (2002Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes., 24) explica que Aristóteles apontava para um quarto bios, o do comércio, mas por esse ser uma forma interessada, relativa aos negócios (nec otium), ele não seria considerado um bios, já que ação “motivada por ‘alguma coisa mais’ (entenda-se: mais do que o Bem e a felicidade), apontada como ‘algo violento’”. Mas é, paradoxalmente, nesse lugar que Sodré vai situar o seu quarto bios, o midiático. Ele corresponde à esfera da midiatização, na qual as tecnologias digitais estariam agindo em nome do capital. Como afirma Sodré (2002Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes., 255), “o bios midiático implica de fato uma refiguração imaginosa da vida tradicional pela ‘narrativa’ do mercado capitalista”.

O mercado global das tecnologias virtuais promove uma forte transformação nas formas tradicionais de sociabilidade. Para Sodré(2002Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes., 26), ele cria novos modos de produção da subjetividade, dos prazeres e do comum, uma “nova condição antropológica”. Esse novo bios é, portanto, a simbiose de uma forma abstrata do mercado e a neutralização do conflito social. E isso é concretizado pela “técnica digital”:

Partindo-se da classificação aristotélica, “a midiatização” ser pensada como tecnologia de sociabilidade ou um novo bios, uma espécie de quarto âmbito existencial, onde predomina (muito pouco aristotelicamente) a esfera dos negócios, com uma qualificação cultural própria (a ‘tecnocultura’). O que já se fazia presente, por meio tradicional e do mercado, no ethos abrangente do consumo, consolida-se hoje com novas propriedades por meio da técnica digital (Sodré 2002Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes., 24, grifo nosso).

Certamente, a dataficação da vida é um motor desse quarto bios midiático, integrando a vida humana e a natureza à lógica do capitalismo de vigilância. Como forma em expansão de transformação das sociedades atuais, ela configura processos estruturais pelo comércio e pelas tecnologias eletrônicas promovidas pela ação dos processos de midiatização (Couldry e Hepp 2017Couldry, Nick e Andreas Hepp. 2017. Mediated construction of reality. Cambridge: Polity Press.; Hepp e Krotz 2014Hepp, Andreas e Friedrich Krotz, orgs. 2014. Mediatized worlds. London: Palgrave Macmillan. https://doi.org/10.1057/9781137300355.
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; Hjarvard 2012Hjarvard, Stig. 2012. Mediatization: theorising the media as agents of social and cultural change. Matrizes 5 (2): 53-91. https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p53-91.
https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160....
; Lundby 2014Lundby, Knut, org. 2014. Mediatization of communication. Berlin: De Gruyter Mouton.). Não é à toa que alguns autores sugerem que essa nova institucionalização dirigida por dados digitais corresponderia a uma “midiatização profunda” (Hepp e Krotz 2014Hepp, Andreas e Friedrich Krotz, orgs. 2014. Mediatized worlds. London: Palgrave Macmillan. https://doi.org/10.1057/9781137300355.
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). O desenvolvimento da cultura digital engendra a dataficação da vida que vai modular a ação do bios midiático e do capitalismo.

Mas a dataficação não pode ser identificada como um bios, e não age apenas no bios midiático. Atrelada ao que chamei em outro trabalho de “modo de existência da comunicação” (REF), ela perpassa todos os bios. Como vimos, a ela conforma o bios theoretikos (como forma de construção do conhecimento pela tradução do mundo em dados), o bios apolautikos (produzindo as sensações e construindo subjetividades por meio das redes sociais e usos de aplicativos), o bios politikos (por induzir, ampliar ou reduzir a circulação da palavra nas redes sociais) e, certamente, o bios midiático (pois faz parte da plataformização da sociedade como forma de uma midiatização estrutural). Nesse sentido, a dataficação da vida é, na realidade, forma de ação na constituição dos quatro bios pelo modo da comunicação.

Quando falamos de comunicação, descrevemos processos de mediação que têm no sujeito humano um ponto de passagem obrigatório.18 18 Ser ponto de passagem obrigatório não significa antropocentrismo. Significa entender a ação humana entrelaçada a diversos outros objetos. O antropocentrismo inibe, justamente, de ver a real dimensão da inserção do humano nos processos sociocomunicacionais. A comunicação está vinculada, assim, à dimensão do bios pois esse é “um gênero qualificativo, um âmbito onde se desenrola a “existência humana”, determinado por Aristóteles a partir do Bem (to agathori) e da felicidade (eudaimonia) aspirados pela comunidade” (Sodré 2002Sodré, Muniz. 2002. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes., 24, grifo nosso). Pela comunicação mobiliza-se artefatos de mediação, produz-se subjetividade, desenvolve-se a atividade política. Assim sendo, o modo de existência da comunicação (Modo COM) (REF) conjuga de forma mais intensa o que Bruno Latour (2013)Latour, Bruno. 2013. An inquiry into modes of existence: an anthropology of the moderns. Cambridge: Harvard University Press. chama de modos de existência da técnica (TEC), da metamorfose (MET) e da política (POL).19 19 Toda comunicação humana mobiliza formas de mediação (técnica), produz subjetividade (comunicatio) e está na base do “zoom politikom”, da atividade política. Acertadamente, Sodré não chama esse quarto bios de comunicação e sim de midiático.

O modo COM não se confunde com a mídia (modo TEC). Suas condições de felicidade são: a ruptura do isolamento, a necessidade de mediadores técnicos, a construção da subjetividade e a produção do comum pelo discurso e pelo diálogo (Flusser 2010Flusser, Vilem. 2010. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify.). Ele não se caracterizaria com um bios, nesse sentido, justamente por ser uma dimensão essencial do homem que atravessaria todos os modos/bios, como o conhecimento (Modo REF/bios theoretikos), aos afetos ou subjetividade (modo MET/bios apolaustikos), à política (modo POL/bios politikos) e a midiatização (modo TEC/bios midiático).20 20 Para explicações sobre os modos ver Latour (2013). O modo COM, como forma de mediação radical (Grusin 2015Grusin, Richard. 2015. Radical mediation. Critical Inquiry 42 (1): 124-48. https://doi.org/10.1086/682998.
https://doi.org/10.1086/682998...
; Lemos 2020Lemos, André. 2020. Epistemologia da comunicação, neomaterialismo e cultura digital. Galáxia 43: 54-66. https://doi.org/10.1590/1982-25532020143970.
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) do homem com o mundo participa hoje, em plena plataformização da sociedade, da constituição dos quatro bios pelos processos de dataficação.

Considerações finais

A dataficação da vida marca um novo momento da cultura digital, absorvendo o processo de digitalização iniciado nos anos 1990. Vimos como esse processo se dá em três grandes áreas: (1) Conhecimento – a tradução do mundo em dados que produz saberes e indica formas de reconhecimento de padrões do mundo cognoscente por uma epistocracia; (2) Sociabilidade – todas as formas de relacionamento social passam por processos extremos de dataficação pela plataformização da sociedade. Isso induz comportamentos, concentra e dirige a atenção, gera engajamento em determinadas atividades e produz movimentos intencionais de identificação ou de quantificação da ação coletiva; e (3) Natureza – A dataficação da vida se materializa na demanda por recursos ambientais, seja pela retirada de matéria prima para produção de dispositivos, seja pela necessidade de consumo de combustíveis não renováveis em datacenters e na infraestrutura urbana para alimentar o uso de dados na sociedade de plataformas.

Podemos dizer que a dataficação da vida é hegemônica nos processos sociocomunicacionais (Modo COM), pois todas as esferas da vida social passam por essa transformação. Como um modus operandi dos processos atuais, ele é uma dataficação da vida justamente por alimentar e transformar os quatro bios, agindo transversalmente em todos. Certamente ela compõe e reforça a dimensão da midiatização do quarto bios, com o capitalismo de dados, mas não só, pois nem a dataficação, nem o Modo COM são redutíveis ao bios midiático.

É importante estarmos atentos às formas imanentes e materiais dos processos de dataficação da vida de agora em diante para detectar suas transformações. Pesquisas mais imanentes e localizadas devem ser realizadas no intuito de entender suas particularidades, potencialidades e riscos.

  • Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do autor antes da publicação.
  • 2
    Todas as traduções no corpo do texto são minhas.
  • 3
    “datafication allows analysis of information in more sophisticated ways and allows analyses across large datasets.”
  • 4
    “the process whereby life-processes must be converted into streams of […]”.
  • 5
    “it can concurrently be regarded as a user practice”.
  • 6
    Sobre o exemplo do livro ver Mayer-Schönberger e Cukier (2013Mayer-Schönberger, Viktor e Kenneth Cukier. 2013. Big data: a revolution that will transform how we live, work, and think. Boston: Houghton Mifflin Harcourt.).
  • 7
    “software or hardware infrastructure on which users, companies, and even governments build applications, services, and communities.
  • 8
    “datafication”, “commodification”, and “selection”.
  • 9
    “the routinisation of surveillance and the collection of personal data”.
  • 10
    A vida dos dados é entendida como trânsito e prática de dados (“places where people are engaged in practices of data production, processing, distribution and use”) (Bates, Lin e Goodale 2016Bates, Jo, Yu-Wei Lin e Paula Goodale. 2016. Data journeys: capturing the socio-material constitution of data objects and flows. Big Data & Society 3 (2): 1-12. https://doi.org/10.1177/2053951716654502.
    https://doi.org/10.1177/2053951716654502...
    , 2).
  • 11
    “are programming our environment”.
  • 12
    “climate extraction”.
  • 13
    Ge-stell é a essência da técnica moderna para Heidegger, “dispositivo” baseado na ciência que toma a natureza como um reservatório de energia e matéria. Para Heidegger (1958Heidegger, Martin.. 1958. Essais et conférences. Paris: Gallimard., 37), essa é a diferença da técnica moderna em relação às técnicas pré-científicas. Ge-stell é uma “provocação científica da natureza” que coloca o homem em meio a um novo “destino” (Geschick) e perigo” (Gefahr). Como afirma o filósofo, “C'est l'essence de la technique, en tant qu'elle est un destin de dévoilement, qui est le danger” (“É a essência da técnica, enquanto destino de desvelamento, que é o perigo”).
  • 14
    Danilak, Radoslav. Why energy is a big and rapidly growing problem for data centers. Forbes, 15 dez. 2017. Acessado 15 jul. 2020. https://www.forbes.com/sites/forbestechcouncil/2017/12/15/why-energy-is-a-big-and-rapidly-growing-problem-for-data-centers/#2fb9908f5a30.
  • 15
    Griffiths, Sarah. Why your internet habits are not as clean as you think. Smart Guide to Climate Change. BBC, 5 mar. 2020. Acessado 20 out. 2020. https://www.bbc.com/future/article/20200305-why-your-internet-habits-are-not-as-clean-as-you-think.
  • 16
    Akatu. As redes sociais aproximam as pessoas, mas geram impactos ambientais negativos. Akatu, 21 jan. 2019. Acessado 22 ago. 2020. https://www.akatu.org.br/noticia/qual-o-impacto-ambiental-de-um-post-nas-redes-sociais.
  • 17
    Não há aqui um juízo de valor. Muito dos avanços das ciências humanas se devem às novas abordagens e métodos digitais implementados. Faço aqui apenas uma constatação que reforça o meu argumento sobre a dataficação do conhecimento.
  • 18
    Ser ponto de passagem obrigatório não significa antropocentrismo. Significa entender a ação humana entrelaçada a diversos outros objetos. O antropocentrismo inibe, justamente, de ver a real dimensão da inserção do humano nos processos sociocomunicacionais.
  • 19
    Toda comunicação humana mobiliza formas de mediação (técnica), produz subjetividade (comunicatio) e está na base do “zoom politikom”, da atividade política.
  • 20
    Para explicações sobre os modos ver Latour (2013)Latour, Bruno. 2013. An inquiry into modes of existence: an anthropology of the moderns. Cambridge: Harvard University Press..

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2020
  • Aceito
    01 Abr 2021
  • Publicado
    24 Ago 2021
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