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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

Resumo

Este artigo discute os riscos hidrológicos do município de São Paulo como uma construção histórica e social resultante de um planejamento da urbanização que desconsiderou as dinâmicas hidrológicas, não previu espaço para as populações vulneráveis, privilegiou a mobilidade, a expansão e a valorização fundiária. Apoia-se em fontes indiretas (leis, teses e artigos acadêmicos) e discute o Sistema Municipal de Defesa Civil à luz dos marcos vigentes e dos entes responsáveis pela gestão de riscos de desastres naturais. A gestão de riscos é tratada como questão emergencial, subordinada à Secretaria Municipal de Segurança. Com uma estrutura frágil, sem elementos básicos, desdenha seu passivo histórico e ambiental e expõe o afastamento do Estado sob a ação das políticas neoliberais.

São Paulo; urbanização; fundos de vale; planejamento urbano; políticas públicas

Abstract

The article discusses hydrological risks of the city of São Paulo as a historical and social construction deriving from an urbanization planning that disregarded the hydrological dynamics, did not provide space for vulnerable populations, favored mobility and urban expansion, and increased land value. It is supported by indirect sources (laws, theses, academic articles) and discusses the Municipal Civil Defense System in the light of current frameworks and entities responsible for managing risks of natural disasters. Risk management is treated as an emergency issue, subordinated to the Municipal Security Department. With a fragile structure that lacks basic elements, it disdains its historical and environmental liabilities and exposes the State’s withdrawal under the action of neoliberal policies.

São Paulo; urbanization; valley bottoms; urban planning; public policies

Introdução

O projeto de industrialização da economia e a rápida urbanização da cidade de São Paulo, no início do século XX, transformaram a fisiografia e as paisagens fluviais para geração de energia e saneamento urbano. Grandes obras desviaram e represaram as águas dos principais rios para geração de energia hidrelétrica e abastecimento, enquanto as canalizações e retificações de seus leitos garantiram fluidez e velocidade para carregar o esgoto e a drenagem urbanos. Rios e córregos foram transformados em componentes do sistema de infraestrutura urbana ( Travassos, 2010TRAVASSOS, L. (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Alvim et al., 2006ALVIM, A. T. B. et al. (2006). A modernidade e os conflitos socioambientais em São Paulo: um olhar sobre o Plano Diretor Estratégico Municipal. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS--GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE (ANPPAS), 3, 2006, Brasília. Anais. São Paulo, Annablume, pp. 1-17. ; Castro A., 2020).

O modelo de urbanização apoiou-se no trinômio “canalização dos leitos fluviais, construção de sistemas de infraestrutura sanitária e implantação de sistemas viários em suas margens”, e induziu a ocupação de extensas áreas de fundo de vale na cidade. Esse modelo atendeu às demandas sanitárias e hidrológicas, como também de transporte, alinhadas ao tão desejado desenvolvimento urbano ( Travassos, 2010TRAVASSOS, L. (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Anelli, 2007ANELLI, R. (2007). Redes de mobilidade e urbanismo em São Paulo. Das radiais/perimetrais do Plano de Avenidas à malha direcional PUB. Arquitextos, São Paulo, ano 7, n. 82.00, Vitruvius. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259. Acesso em: 15 out 2019.
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). Além de propiciar a transposição dos vales fluviais, por meio do aterramento das várzeas inundáveis, a implantação de infraestrutura urbana valorizou o solo, estimulando a ocupação urbana. Tais áreas, dotadas de valor, foram capturadas para operações imobiliárias, expandindo a urbanização sobre o espaço natural das águas. Porém, essas águas retornam nos ciclos periódicos de cheias, provocando inundações, em um processo que se agravou, com a ampliação da expansão urbana. O intenso uso do solo urbano, a retificação e a canalização dos rios principais, e seus afluentes, e a impermeabilização de suas bacias alteraram o ciclo hidrológico da cidade. Por essa razão, ao longo do tempo, a capacidade instalada pelo escoamento superficial foi superada, expondo a população paulistana a frequentes inundações ( Seabra, 1987SEABRA, O. (1987). Meandros dos rios nos meandros do poder: Tietê e Pinheiros – valorização dos rios e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Franco, 2005FRANCO, F. M. (2005). A construção do caminho: a estruturação da metrópole através da conformação técnica da Bacia de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Castro A., 2020).

Planos e políticas públicas, inspirados no ideário higienista, não adotaram as bacias hidrográficas como unidades de planejamento, desconsiderando as dinâmicas hidrológicas e sistêmicas desse território. De certa forma, o planejamento da cidade contribuiu para a ocupação de áreas impróprias, ampliando as inundações que, em um círculo vicioso, se agravavam com a contaminação das águas, em face da implantação incompleta das infraestruturas de saneamento, especialmente a ausência do tratamento de esgotos e de uma gestão inadequada dos resíduos urbanos ( Rutkowski, 1999RUTKOWSKI, E. W. (1999). Desenhando a bacia ambiental: subsídios para o planejamento das águas doces metropolitan(izad)as. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Alvim, 2003ALVIM, A. T. B. (2003). A contribuição do comitê do Alto Tietê à gestão da bacia metropolitana entre 1994 e 2002. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Santos, 2004SANTOS, R. F. (2004). Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo, Oficina dos Textos. ; Franco, 2005FRANCO, F. M. (2005). A construção do caminho: a estruturação da metrópole através da conformação técnica da Bacia de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Travassos, 2010TRAVASSOS, L. (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ).

Esses conflitos provocados pela ocupação dos vales fluviais transcenderam as questões ambientais, pois os planos e projetos de urbanização de São Paulo, até meados do século XX, não contemplaram um lugar para as populações pobres atraídas pelas oportunidades apresentadas pelo capital industrial. Sem opção de moradia, passaram a ocupar áreas ambientalmente frágeis, em margens inundáveis ou encostas íngremes que restaram desocupadas por serem inadequadas à urbanização ( Travassos, 2010TRAVASSOS, L. (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Alencar, 2017ALENCAR, J. (2017). Bacias hidrográficas urbanizadas: renaturalização, revitalização e recuperação. Um estudo da Bacia do Jaguaré. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Castro A., 2020).

Trata-se, portanto, de uma construção social que criou as condições para o aumento das enchentes e das inundações e promoveu o crescimento dos assentamentos precários, expondo milhares de pessoas aos desastres hidrológicos, à contaminação e à escassez hídrica. Tal quadro constitui, atualmente, um dos maiores passivos socioambientais, não só de São Paulo, mas de diversas cidades do mundo, em especial das cidades brasileiras.

Muitos autores alertam para o quadro de deterioração e os impactos pelos quais os rios urbanos vêm passando, causados pela expansão do adensamento populacional e pela impermeabilização das superfícies das cidades, levando a um ponto de virada, na abordagem da gestão de águas pluviais urbanas. Alertam, igualmente, para o crescimento das crises hídricas que afetam milhões de pessoas em zonas urbanizadas ( Spirn, 1995SPIRN, A. W. (1995). O jardim de granito. São Paulo, Edusp. ; Hough, 1995HOUGH, M. (1995). Cities and natural processes. Londres, Routledge. ; Riley, 1998RILEY, A. L. (1998). Restoring streams in cities: a guide for planners, policy makers, and citizens. Washington (DC), Island Press. ; Delijaicov, 1998DELIJACOV, A. (1998). Os rios e o desenho urbano da cidade: proposta de projeto para a orla fluvial da Grande São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Rutkowski, 1999RUTKOWSKI, E. W. (1999). Desenhando a bacia ambiental: subsídios para o planejamento das águas doces metropolitan(izad)as. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Alvim, 2003ALVIM, A. T. B. (2003). A contribuição do comitê do Alto Tietê à gestão da bacia metropolitana entre 1994 e 2002. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Higueras, 2006HIGUERAS, E. (2006). Urbanismo bioclimático. Barcelona, Gustavo Gili. ; Travassos, 2010TRAVASSOS, L. (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Gorski, 2010GORSKI, M. C. B. (2010). Rios e cidades: ruptura e reconciliação. São Paulo, Editora Senac. ; Schutzer, 2012SCHUTZER, J. G. (2012). Cidade e meio ambiente: a apropriação do relevo no desenho ambiental urbano. São Paulo, Edusp. ; Kahtouni, 2016KAHTOUNI, S. (2016). Paisagem e infraestrutura no espaço da sociedade. São Paulo, RiMa. ).

A partir de 1980, com a economia globalizada, a sustentabilidade e a economia dos recursos naturais passaram a ser pauta de políticas públicas em todo o mundo. Iniciaram-se ações e investimentos no planejamento e em obras de recuperação dos rios, com o objetivo de salvaguardar a sustentabilidade hídrica e resgatar as qualidades socioambientais da convivência das populações e das paisagens fluviais ( Alencar, 2017ALENCAR, J. (2017). Bacias hidrográficas urbanizadas: renaturalização, revitalização e recuperação. Um estudo da Bacia do Jaguaré. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Kahtouni, 2016KAHTOUNI, S. (2016). Paisagem e infraestrutura no espaço da sociedade. São Paulo, RiMa. ). Essas ações evidenciaram que os modelos adotados pela engenharia hidráulica tradicional estavam falhando e criando uma série de problemas nas metrópoles.

O saneamento e a geração de energia no Brasil foram sempre subordinados às tendências e aos interesses de empresas privadas de vários países que investiram nos setores de serviços básicos dos sistemas de esgotos, ferrovias, companhias de gás e de eletricidade, telégrafos e telefones, transporte urbano, companhias de navegação e obras públicas (Castro C., 1979 apud Gomes e Barbieri, 2004GOMES, J.; BARBIERI, J. (2004). Gerenciamento de recursos hídricos no Brasil e no estado de São Paulo: um novo modelo de política pública. Cadernos EBAPE Br, v. II, n. 3. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/cebape/v2n3/v2n3a02.pdf. Acesso em: 20 mar 2019.
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). Da mesma forma, a presença dessas empresas influenciou a consolidação dos cânones da engenharia sanitária brasileira.

No Brasil, o tema Água é regulamentado pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988) como competência da União e ordenado pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) com instrumentos de comando e controle (planos de bacia, autorização para captação e uso da água, classificação dos cursos de água e sistemas de informação). Trata-se de um sistema que adota incentivos econômicos para o uso “racional” dos recursos hídricos (cobrança pelo uso da água e compensações financeiras). No entanto, o Estado abstém-se de investimentos diretos, transferindo a responsabilidade para agentes privados, sem uma participação social ampliada. Mesmo a criação, nos anos de 1990, das agências reguladoras, responsáveis pela gestão e fiscalização dos agentes públicos sobre as empresas concessionárias, não foi precedida por uma discussão sobre o modelo de regulação. Discutiram-se, primeiro, as leis e depois os conceitos. Isso afastou as agências da dinâmica política e ampliou o espaço do mercado, substituindo a burocracia estatal pela privatização da oferta de serviços públicos ( Rossi e Santos, 2018ROSSI, R. A.; SANTOS, E. (2018). Conflito e regulação das águas no brasil – a experiência do Salitre. Universidade Federal da Bahia. Caderno CRH, v. 31 n. 82. Salvador. ).

Este artigo busca discutir as fragilidades do sistema de gestão de riscos hidrológicos operado pelos agentes públicos na cidade de São Paulo, associando-as a um modelo de urbanização adotado pelo planejamento urbano e a um processo de produção do espaço urbano que não respeitou as dinâmicas hidrológicas e não determinou lugar para as populações vulneráveis. A pesquisa, fruto de uma tese de doutorado (Castro A., 2020)1 1 A tese de doutorado defendida por Castro A. (2020), no PPGAU/UPM, é parte de uma pesquisa maior intitulada “Projetos de urbanização e assentamentos precários e áreas de proteção ambiental: as dimensões da sustentabilidade”, liderada por Angélica T. Benatti Alvim, com financiamento do Fundo MackPesquisas (2018-2021) e do CNPq (edital Universal 2018). que emprega uma abordagem histórica, se apoia em investigação documental e indireta, para verificar a hipótese de que, no processo de urbanização, de planejamento e de gestão do espaço urbano de São Paulo, residem as causas dos conflitos socioambientais que expõem sua população, especialmente as camadas mais pobres, a riscos hidrológicos. Tem como pressuposto que o Estado, ao privilegiar o uso das águas de muitos dos seus rios para a geração de energia e apagar da paisagem outra parcela de seus cursos d’água, substituindo-os por infraestrutura viária, contribuiu para promover as transformações geomorfológicas e alteração das dinâmicas hidrológicas de suas bacias hidrográficas e sujeitou-se aos interesses dos investidores e do capital privado e imobiliário, eximindo-se da responsabilidade de conduzir a construção de uma cidade plural, prevendo espaço para todos os segmentos de sua população.

Este artigo estrutura-se em três partes. Na primeira, explora as relações entre os desastres naturais, os processos de urbanização adotados pelo planejamento urbano e a gestão de riscos, à luz de conceitos fundamentais sobre o tema, sintetizando dados sobre os riscos hidrológicos no País. Na segunda parte, apresenta uma análise do arcabouço legal do sistema de gestão de riscos no Brasil e na cidade de São Paulo, com suas atribuições e competências, analisando as fragilidades desse sistema no tocante ao suporte material e de dados e, em especial, pela desarticulação com outros setores, exclusivamente com caráter de atendimento emergencial. Por fim, nas considerações finais evidencia-se a persistência dos paradigmas do higienismo em relação aos rios e sua submissão aos traçados que priorizam a mobilidade dos automóveis, como também a permanência de uma distribuição espacial injusta das populações, mesmo quando apoiadas por ações das políticas urbanas na cidade de São Paulo. Apesar da existência de mecanismos adequados de planejamento urbano previstos e existentes nos arcabouços legais que ordenam a ocupação do solo, a gestão de riscos na maioria das vezes é relevada a segundo plano e/ou subordinada aos interesses privados de exploração fundiária a serviço do transporte individual.

Gestão de riscos e o planejamento urbano: uma abordagem integrada

De acordo com o relatório anual do Centre for Research on Epidemiology of Disasters ( Cred, 2020CRED – Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (2020). School of Public Health. Brussels, Belgium, Université Catholique de Louvain. Disponível em: https://www.cred.be/publications?field_publication_type_tid=All. Acesso em: 28 jul 2020.
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) para o ano de 2019, as inundações e as tempestades foram os desastres naturais que mais causaram mortes e prejuízos financeiros em todo o mundo.

No Brasil não existe programa sistemático de controle de enchentes que envolva seus diferentes aspectos ( Tucci, 2007TUCCI, C. E. M. (2007). Inundações urbanas. Porto Alegre, ABRH v. 1. ). A Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU), ligada ao Ministério do Meio Ambiente, define normas e instrumentos para a gestão sustentável das águas no meio urbano com desenvolvimento de baixo impacto, centrado na prevenção de inundações, de maneira a evitar a perda de vidas e de patrimônio. Recomenda o aperfeiçoamento de soluções de projeto para a drenagem urbana e o estímulo a formas inovadoras de sistemas de drenagem; a renaturalização de rios e de córregos; e a criação de Parques Fluviais para conter a ocupação das Áreas de Preservação Permanente (APP), ripárias e de várzeas. Porém não apresenta um programa ou um plano de ação, transferindo tal atribuição aos municípios.

Pesquisa conduzida pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais ( Cemaden, 2019CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (2019). Disponível em: http://www2.cemaden.gov.br/ameacas-naturais-no-brasil/. Acesso em: 21 jul 2021.
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) e publicada, também, em 2019, indica que a região Sudeste concentrou, no ano de 2018, a maior quantidade de áreas de risco de inundações e deslizamentos mapeadas do Brasil ( Saito et al., 2019SAITO, S. M. et al. (2019). População urbana exposta aos riscos de deslizamentos, inundações e enxurradas no Brasil. Revista Sociedade & Natureza, v. 31. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/view/46320. Acesso em: 9 mar 2020.
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). Por apresentar as mais altas taxas de densidade demográfica do País, é de se supor que resultou em um maior número de pessoas afetadas por desastres naturais durante o período analisado.

A pesquisa caracterizou, também, o perfil da população mais afetada, de acordo com os dados de situação econômica. Identificou que 36% das pessoas expostas viviam em domicílios com renda per capita de até meio salário-mínimo; sendo esta a situação presente em 20% dos municípios analisados. Constatou, ainda, que 71% da população exposta na região Sudeste estaria vivendo em 38 municípios das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, totalizando 2.583.705 pessoas (ibid., 2019).

Os dados oriundos dessa importante pesquisa revelam os efeitos dos processos sociopolíticos que envolvem as populações urbanas em desastres naturais; das ações antropogênicas intensificadoras das mudanças climáticas até a vulnerabilidade e a exposição de pessoas como consequência das políticas territoriais urbanas. Tais efeitos são reflexos do modelo de urbanização que adota uma visão mecanicista e desconsidera a diversidade dos sistemas naturais, elimina bosques e zonas úmidas, consome excessivamente recursos naturais, alterando e transformando a paisagem com a ocupação urbana de áreas ambientalmente frágeis, como mangues, várzeas, fundos de vale e mananciais de abastecimento, e promove a segregação socioespacial de populações vulneráveis (Mello e Ribas, 2004 apud Scolaro, 2012SCOLARO, D. (2012). A preservação dos recursos hídricos na bacia do Itajaí: soluções de baixo impacto ambiental para o município de Blumenau. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina. ; Castro A., 2020).

A urbanização de fundo de vale em São Paulo e o predomínio das lógicas setoriais

Muitos estudos foram produzidos com análises do modelo de urbanização em fundos de vale, indicando a necessidade de se regrar e normatizar a ocupação urbana, a partir de uma abordagem integrada e sistêmica, entendida como a única maneira de redução de conflitos, prejuízos e perdas humanas, como ocorrem todos os anos ( Tucci e Bertoni, 2003TUCCI, C. E. M.; BERTONI, J. C. (2003). Inundações urbanas na América do Sul. Revista da Associação Brasileira de Recursos Hídricos. Porto Alegre, Editora da Associação Brasileira de Recursos Hídricos. ; Tucci, 2007TUCCI, C. E. M. (2007). Inundações urbanas. Porto Alegre, ABRH v. 1. ; Alvim et al., 2006ALVIM, A. T. B. et al. (2006). A modernidade e os conflitos socioambientais em São Paulo: um olhar sobre o Plano Diretor Estratégico Municipal. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS--GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE (ANPPAS), 3, 2006, Brasília. Anais. São Paulo, Annablume, pp. 1-17. ; Gorski, 2010GORSKI, M. C. B. (2010). Rios e cidades: ruptura e reconciliação. São Paulo, Editora Senac. ; Travassos, 2010TRAVASSOS, L. (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Alencar, 2017ALENCAR, J. (2017). Bacias hidrográficas urbanizadas: renaturalização, revitalização e recuperação. Um estudo da Bacia do Jaguaré. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Pellegrino, 1995PELLEGRINO, P. R. M. (1995). Paisagens estáticas: ambiente virtual. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ). Mesmo os marcos doutrinários da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) consideram essencial a articulação intersetorial na gestão dos agentes da administração pública, com uma abordagem integrada entre o planejamento e a gestão do uso do solo urbano.

A cidade de São Paulo, por ter sido implantada em uma região extremamente irrigada e chuvosa, teve que aprender a conviver com os episódios de enchentes desde a sua fundação, especialmente a partir de meados do século XIX, quando se expandiu, impulsionada pela força da economia agrícola exportadora de café. Nesse período, valendo-se das condições topográficas, as ferrovias foram implantadas nos fundos de vale, estimulando também a urbanização dessas regiões ( Franco, 2005FRANCO, F. M. (2005). A construção do caminho: a estruturação da metrópole através da conformação técnica da Bacia de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ). As alterações impostas à fisiografia natural dessas áreas e sua ocupação fizeram com que as enchentes se transformassem em inundações, que passaram a se configurar um problema complexo a ser enfrentado na gestão territorial das áreas urbanas.

Estudos, planos, projetos e obras de controle de enchentes e inundações passaram a ser uma preocupação recorrente dos gestores públicos desde meados do século XIX; e investimentos foram consumidos desde então. Somam-se 172 anos desde as primeiras obras de retificação do rio Tamanduateí na gestão do prefeito João Teodoro, em 1848, até os dias de hoje; porém a relação entre o clima, as águas e a urbanização vem sendo tratada de forma imprevidente, tanto no planejamento quanto na gestão, na cidade de São Paulo ( Travassos, 2005TRAVASSOS, L. (2005). A dimensão socioambiental da ocupação dos fundos de vale urbanos no Município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ).

Até antes de meados do século XIX, a rede de águas superficiais formada pelos rios e córregos de São Paulo era utilizada sem quaisquer obras de infraestrutura. As demandas do crescimento da cidade naquele período exigiram intervenções relacionadas ao abastecimento de água e saneamento, passando por controle de enchentes e geração da energia elétrica necessária à industrialização (ibid., 2005).

Para garantir o abastecimento de água e o controle das inundações dos três principais rios da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê2 2 Os limites geográficos da Bacia do Alto Tietê (BAT) quase se confundem com os limites administrativos da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) ( Alvim, 2003 ). – Tietê, Pinheiros e Tamanduateí – os gestores públicos empreenderam, entre o final do século XIX e o primeiro quartel do século XX, obras de represamento de alguns contribuintes de menor porte, especialmente do rio Tietê, como também a retificação do Tamanduateí, na região do Glicério ( Kahtouni, 2004KAHTOUNI, S. (2004). A cidade das águas. São Paulo, RiMa. ; Campos, 2001CAMPOS, V. N. O. (2001). Metropolização e Recursos Hídricos na América Latina: o caso da Região Metropolitana de São Paulo e a região Metropolitana do México. 1970 -2000. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Reis Filho, 2004REIS FILHO, N. G. (2004). São Paulo: vila cidade metrópole. São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo. ).

Figura 1
– Mapa esquemático do sistema de represas em São Paulo no primeiro quartel do século XX

A partir do século XX, a geração de energia elétrica também se apropriou das águas represadas e demandou grandes obras, como a retificação dos leitos dos rios Tietê – no período entre 1950 e 1960 – e do Pinheiros – de 1928 até 1950 ( Pessoa, 2019PESSOA, D. (2019). O processo de retificação do rio Tietê e suas implicações na cidade de São Paulo, Brasil. Paisag. Ambiente: Ensaios. São Paulo, v. 30, n. 44, e158617. Disponível: file:///C:/Users/User/Downloads/158617-Texto%20do%20artigo-392074-1-10-20200211.pdf. Acesso em: 17 ago 2019. ) – para garantir volume e velocidade de escoamento direcionados para as represas situadas na região sul do município, para serem encaminhadas pelas escarpas da Serra do Mar até a Usina de Cubatão situada no litoral paulista. Essas obras foram empreendidas pela São Paulo Tramway, Light & Power, empresa canadense responsável pelos serviços de bonde e geração e distribuição de energia elétrica ( Melo, 2001MELO, L. L. (2001). A Light revela São Paulo: espaços livres de uso público do centro nas fotografias da Light (1899-1920). Revista História & Energia, n 9. Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo. ; Kahtouni, 2004)KAHTOUNI, S. (2004). A cidade das águas. São Paulo, RiMa. .

As obras de retificação dos leitos geraram a necessidade de saneamento das várzeas dos rios para sua utilização na implantação de infraestruturas urbanas e para a ocupação urbana de seus vales inundáveis. Tais intervenções, empreendidas para que se garantissem usos múltiplos para as águas, criaram um sistema complexo, com características e necessidades específicas.

Figura 2
– Obras de retificação do rio Pinheiros em 1930

No entanto, se, em suas condições naturais, essas bacias hidrográficas tinham um regime de drenagem eficiente, com ciclos de inundações ocupando grandes extensões dos vales, nutrindo o solo e alimentando as nascentes de sua ampla rede hídrica, com as intervenções sofridas, seus regimes hídricos se desestruturaram (Castro A., 2020; Seabra, 1987SEABRA, O. (1987). Meandros dos rios nos meandros do poder: Tietê e Pinheiros – valorização dos rios e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ).

Paradoxalmente, as obras de represamento, executadas com a finalidade de mover as usinas de geração de energia, acabaram por agravar os problemas das enchentes e das inundações, atingindo áreas em que, até então, esses conflitos entre as águas e a urbanização ainda não eram percebidos ( Seabra, 1987SEABRA, O. (1987). Meandros dos rios nos meandros do poder: Tietê e Pinheiros – valorização dos rios e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Beiguelman, 1995BEIGUELMAN, P. (1995). Processo político-partidário brasileiro de 1945 ao plebiscito. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. ; Segatto, 1995SEGATTO, J. A. (1995). Reforma e revolução: as vicissitudes políticas do PCB, 1954-1964. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. ). Mas essas grandes transformações não se restringiram aos rios e suas bacias; envolviam também modificações nas estruturas do relevo original desse território.

Ab’Saber (2004)AB’SABER, A. (2004). São Paulo, Ensaios Entreveros. São Paulo, Edusp/Imprensa Oficial. explica que, por estar situada na confluência dos vales fluviais dos rios Tietê e Pinheiros, a região onde se estabeleceu São Paulo tem, como característica de seu relevo, o predomínio do Espigão Central, em cujo topo se localiza a avenida Paulista. A configuração de seu relevo formou patamares intermediários, entre os fundos de vale e as cotas mais altas, que foram apropriados para implantação de avenidas para promover um trânsito interno, por antigos caminhos transformados em avenidas radiais importantes.

Figura 3
– Túnel da avenida 9 de Julho em construção, com o Belvedere Trianon, 1939

Pelo fato de as altas colinas das vertentes do Espigão Central representarem um obstáculo a ser vencido pelos arruamentos, dificultando o acesso para os bairros que se implantaram ao sul, nas proximidades das planícies do rio Pinheiros foi proposta como solução para os problemas de circulação interna a utilização as calhas dos afluentes dos rios Tietê e Pinheiros, por meio da construção de avenidas de fundo de vales e a construção de túneis como na avenida Nove de Julho (ibid.).

Travassos (2005)TRAVASSOS, L. (2005). A dimensão socioambiental da ocupação dos fundos de vale urbanos no Município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. analisa as principais propostas urbanísticas para São Paulo, relacionadas aos rios urbanos e suas várzeas, em duas fases distintas: a primeira fase, de meados do século XIX ao início da década de 1930, envolve a etapa de saneamento das várzeas dos principais rios para a expansão da cidade, garantindo a salubridade e o embelezamento urbano; a segunda fase, pós-1930, indica como o crescimento demográfico da cidade exerceu grande pressão na urbanização de novas áreas, apoiada pela construção de sistema viário. Para a autora, é na segunda fase que se consolida o modelo de ocupação das várzeas dos rios da cidade pelas chamadas avenidas de fundo de vale, idealizado e consagrado pelo Plano de Avenidas de 1930.3 3 Em 1930, o engenheiro Francisco Prestes Maia elaborou o Plano de Avenidas com o objetivo orientar o desenvolvimento da cidade. Com base no modelo “haussmanniano”, Prestes Maia propunha um sistema viário capaz de remodelar a totalidade urbana, traçado a partir de uma estrutura radial perimetral – o perímetro de irradiação –, modelo formal que deveria ser adaptado às condições topográficas da cidade. Em 1938, Prestes Maia torna-se prefeito e coloca seu plano em prática, implantando ações bastante significativas para a cidade, tais como a continuidade da canalização do rio Tamanduateí, o alargamento da avenida Rangel Pestana, a extensão da avenida Rebouças, o prolongamento da avenida Pacaembu até o rio Tietê e da Nove de Julho, com a implantação de um túnel que passava sob a avenida Paulista, entre outros. Se, por um lado, o Plano de Avenidas pode ser considerado um instrumento de viabilização da modernização de São Paulo, por outro, foi um dos responsáveis por sua expansão “ilimitada” e pelo modelo de ocupação de avenidas de fundo de vale ( Abascal, Bruna, Alvim, 2007 ). Tais avenidas foram construídas nas décadas seguintes, estendendo-se até os anos 1970.

O planejamento urbano em São Paulo: as questões ambientais e os sistemas hídricos

Nos anos 1960, a condição de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de São Paulo atingiu níveis críticos, com metade da população sem acesso a água potável e apenas um terço atendida pela rede de esgotos. Entre meados da década de 1960 e início de 1980 houve um grande debate público envolvendo as questões de abastecimento e saneamento ( Travassos, 2005TRAVASSOS, L. (2005). A dimensão socioambiental da ocupação dos fundos de vale urbanos no Município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Alencar, 2017ALENCAR, J. (2017). Bacias hidrográficas urbanizadas: renaturalização, revitalização e recuperação. Um estudo da Bacia do Jaguaré. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ). Data desse período a construção das barragens de Paiva Castro e Águas Claras na bacia do rio Juqueri, conformando a primeira fase de implantação do Sistema de Abastecimento de Água Cantareira,4 4 Atualmente, o Sistema Produtor de Água Cantareira, um dos maiores do mundo, produz 33 m/s de água e abastece 8,8 milhões de pessoas da RMSP. Sua concepção envolve a transposição entre duas bacias hidrográficas, importando água da Bacia do Piracicaba para a Bacia do Alto Tietê. Dos 33m/s produzidos pelo sistema, apenas 2m/s são produzidos na Bacia do Alto Tietê, pelo rio Juqueri; 22m/s vêm dos reservatórios Jaguari-Jacareí, cujas bacias estão inseridas majoritariamente no estado de Minas Gerais, e o restante na Bacia do rio Piracicaba. A gestão do Sistema Cantareira é de responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee) ( ANA, 2021 ). que reverteu parte das águas da bacia hidrográfica Piracicaba. Apesar de a implantação do Sistema Cantareira suprir, já naquele momento, grande parte das necessidades de abastecimento de água da Grande São Paulo, região que vinha crescendo em ritmo bastante acelerado, sua lógica era energética, tal qual foi a construção dos reservatórios Guarapiranga (1907) e Billings (1925). Segundo Silva (2002SILVA, R. T. (2002). "Gestão hidrográfica de bacias densamente urbanizadas". In: FONSECA, R. B.; DAVANZO, A. M. Q.; NEGREIROS, R. M. C. Livro verde. Desafios para a gestão da Região Metropolitana de Campinas. Campinas, Editora da Unicamp. , p. 284), “as águas importadas da Bacia do Piracicaba, depois de utilizadas no abastecimento urbano, seriam lançadas na Bacia do Alto Tietê e agregariam uma vazão próxima a 30m3 3 Em 1930, o engenheiro Francisco Prestes Maia elaborou o Plano de Avenidas com o objetivo orientar o desenvolvimento da cidade. Com base no modelo “haussmanniano”, Prestes Maia propunha um sistema viário capaz de remodelar a totalidade urbana, traçado a partir de uma estrutura radial perimetral – o perímetro de irradiação –, modelo formal que deveria ser adaptado às condições topográficas da cidade. Em 1938, Prestes Maia torna-se prefeito e coloca seu plano em prática, implantando ações bastante significativas para a cidade, tais como a continuidade da canalização do rio Tamanduateí, o alargamento da avenida Rangel Pestana, a extensão da avenida Rebouças, o prolongamento da avenida Pacaembu até o rio Tietê e da Nove de Julho, com a implantação de um túnel que passava sob a avenida Paulista, entre outros. Se, por um lado, o Plano de Avenidas pode ser considerado um instrumento de viabilização da modernização de São Paulo, por outro, foi um dos responsáveis por sua expansão “ilimitada” e pelo modelo de ocupação de avenidas de fundo de vale ( Abascal, Bruna, Alvim, 2007 ). /s canalizada através do Pinheiros em direção à vertente oceânica”, alimentando, assim, o reservatório Billings.

Nessa ocasião, a solução da canalização de rios e córregos, com a construção de avenidas marginais (avenidas sanitárias), tornou-se hegemônica para os cursos d’água na cidade de São Paulo, com investimentos do Estado e da União em programas de saneamento. Paradoxalmente, os planos urbanísticos incorporavam as questões de transporte e saneamento, mas não contemplavam nenhuma diretriz de drenagem. Outro contrassenso era em relação ao fato de as obras de implantação do sistema viário localizadas em vales fluviais também não atenderem a nenhum plano geral de mobilidade ( Travassos 2010TRAVASSOS, L. (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Alencar, 2017ALENCAR, J. (2017). Bacias hidrográficas urbanizadas: renaturalização, revitalização e recuperação. Um estudo da Bacia do Jaguaré. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Castro A., 2020).

Em paralelo, entre os anos de 1970 e 1980, São Paulo vivenciava uma rápida expansão demográfica em direção às regiões periféricas. Áreas desprovidas de infraestrutura básica passaram a ser ocupadas por loteamentos irregulares e favelas situados em áreas ambientalmente frágeis, como áreas de fundo de vale e de proteção dos mananciais, consolidando a estreita relação entre os passivos ambiental e habitacional ( Pasternak, 2010PASTERNAK, S. (2010). Loteamentos irregulares no município de São Paulo: uma avaliação espacial urbanística. Revista Planejamento e Políticas Públicas, n. 34. São Paulo, Ipea. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/issue/view/28. Acesso em: 24 jul 2020.
https://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PP...
). Para Alvim et al. (2006)ALVIM, A. T. B. et al. (2006). A modernidade e os conflitos socioambientais em São Paulo: um olhar sobre o Plano Diretor Estratégico Municipal. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS--GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE (ANPPAS), 3, 2006, Brasília. Anais. São Paulo, Annablume, pp. 1-17. , o período que vai de 1950 a 1970 corresponde à metropolização de São Paulo e à intensificação dos conflitos entre o crescimento econômico, a sociedade e o meio físico. A implantação de um complexo sistema rodoviário em associação ao intenso fluxo migratório advindo de diversas regiões do País em busca de oportunidades de trabalho nos setores secundário e terciário intensifica o movimento populacional em direção às áreas periféricas e mais frágeis e contribui para o acirramento dos problemas ambientais. No início dos anos de 1950, a população do município de São Paulo era 2.155 milhões de habitantes e somavam-se cerca de 500 mil habitantes nos municípios vizinhos. Em 1980, o Censo Demográfico do IBGE aponta o município de São Paulo com 9.646.185 habitantes e a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) com 12.549.856 habitantes. As taxas demográficas da década de 1970 indicam as distintas dinâmicas do município-sede em relação aos demais municípios da RMSP: enquanto a população da capital crescia a 3,7% ao ano, a população residente, nos demais municípios da RMSP, aumentava a uma taxa de 6,4% ( Pasternak, 2010PASTERNAK, S. (2010). Loteamentos irregulares no município de São Paulo: uma avaliação espacial urbanística. Revista Planejamento e Políticas Públicas, n. 34. São Paulo, Ipea. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/issue/view/28. Acesso em: 24 jul 2020.
https://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PP...
).

Em 1975, a Empresa de Planejamento S/A (Emplasa), autarquia do governo estadual de São Paulo encarregada do planejamento metropolitano, propôs diretrizes gerais aos sistemas de drenagem, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de coleta de lixo, analisadas de forma integrada e associada aos sistemas viários, promovendo uma revisão do conceito de drenagem, da abordagem exclusivamente hidráulica do rápido escoamento superficial e transposição dos pontos de alagamento, para conceitos de sistemas integrados a planos de drenagem e saneamento e de uso e ocupação do solo ( Travassos, 2005TRAVASSOS, L. (2005). A dimensão socioambiental da ocupação dos fundos de vale urbanos no Município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ). Data também desse período a instituição da Lei de Proteção aos Mananciais – LPM (leis estaduais n. 898, de 1975, n. 1.172, de 1976, e decreto estadual n. 9.714, de 1977) que buscou disciplinar o uso do solo das áreas de mananciais de interesse da região metropolitana, impondo restrições ao parcelamento e uso de ocupação do solo e infraestrutura de saneamento para 53% da RMSP como forma de controle urbano.

Nos anos 1980, a empresa elaborou um Plano Global de Drenagem, de caráter preventivo e normativo, para assegurar uma ocupação adequada em bacias ainda não completamente urbanizadas. Na mesma época, o Daee lançou um manual de Drenagem Urbana alinhado aos mesmos princípios, que se refere explicitamente a parques lineares como uma solução para os problemas de drenagem, propondo uma “compatibilização entre planejamento urbano e planejamento de drenagem, preservação de águas pluviais à montante e manutenção das várzeas com parques lineares” ( Travassos, 2005TRAVASSOS, L. (2005). A dimensão socioambiental da ocupação dos fundos de vale urbanos no Município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. , p. 74).

Passaram, então, a ser consideradas outras soluções associadas aos usos do solo e aos tipos de ocupação nas áreas sujeitas a enchentes, promovendo uma revisão conceitual e na forma de atuação com relação aos cursos d’água, drenagem e combate às enchentes. Esse questionamento conduziu a uma revisão do ideário da canalização de rios e córregos, como forma hegemônica de ação pública (ibid.).

Porém, esses conceitos não influenciaram as ações e não se refletiram imediatamente no planejamento urbano em São Paulo. Prova disso é que, enquanto planos e comitês eram organizados para discutir as questões do planejamento do uso do solo e a gestão das águas urbanas, a Prefeitura, em 1987, colocava em ação o seu Programa de Canalização de Córregos e a Abertura de Avenidas de Fundo de Vale (decreto n. 23.440, de 16/2/1987). Esse programa passou, desde então, por reconfigurações, sendo modificado pelo decreto n. 32.995 (12/2/1993) passando a se chamar Programas de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale – Geprocav, subordinado à Secretaria de Infraestrutura Urbana, com os objetivos de promover e implantar a canalização de córregos, implantação de vias, incluindo a recuperação ambiental e social de fundos de vale, mas ainda com ações muito restritas, mais afeitas ao tratamento das infraestruturas urbanas (Castro A., 2020).

Sob a influência do protagonismo das questões socioambientais que predominaram a partir dos anos 1990 na escala global e, nos anos 2000, no Brasil, pelo recém-publicado Estatuto da Cidade (Lei Federal 10257/2001), o planejamento urbano em São Paulo incorporou novos parâmetros, adotando conceitos de direito à cidade e da função social da propriedade; assim como incorporando políticas sociais participativas e trazendo as questões ambientais como pautas públicas (ibid.).

O Plano Diretor Estratégico de 2002 (PDE 2002 – lei municipal n. 13.430, de 13/9/2002) trouxe a questão ambiental e dos recursos hídricos para o planejamento urbano, ao determinar uma leitura e articulação das políticas de urbanização em quatro redes estruturais, sendo uma delas a rede hídrica ( Figura 4 ). Composta pelos rios, córregos e talvegues, a rede hídrica deveria receber intervenções urbanas de recuperação ambiental, drenagem, recomposição da vegetação e saneamento, para promover absorção, retenção e escoamento das águas e a interrupção do processo de impermeabilização do solo. Assim, esta foi articulada a um conjunto de elementos integradores – habitação, equipamentos sociais, áreas verdes e espaços públicos – que tinham como objetivo de promover “a reconciliação da cidade com seu território natural” ( Tripoloni, 2008TRIPOLONI, P. (2008). Planos e projetos para o rio Tietê na cidade de São Paulo, 1988-2002: de uma visão setorial a uma visão integrada. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie. , p. 196).

Figura 4
– PDE 2002 Rede Hídrica Estrutural

A articulação das políticas ambientais e de desenvolvimento urbano foi determinada por uma divisão territorial em duas macrozonas: uma de proteção ambiental, composta das áreas de mananciais protegidas ao sul e ao norte do município; e outra de estruturação e qualificação urbana, onde a urbanização estava consolidada, subordinada aos planos regionais das subprefeituras, de modo a contemplar e responder às diversidades de cenários existentes no território da cidade. Ocorre que nas regiões onde se situava a macrozona de estruturação e qualificação urbana, estavam todos os vales fluviais, sendo boa parte antropizada, ocorrendo aí os conflitos entre sua ocupação e as inundações (Castro A., 2020).

Para tanto, o PDE propôs criar um Programa de Recuperação Ambiental de Cursos de Água e Fundos de Vale, como um conjunto de ações coordenadas pela Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla), pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), com a participação das comunidades e da iniciativa privada.

Esse Programa pretendia recuperar áreas degradadas, promover o reassentamento das populações que viviam em áreas vulneráveis às margens de rios e córregos, melhorar o sistema viário local, promover ações de saneamento ambiental e localizar os equipamentos sociais nas proximidades dos parques ( Travassos e Schult, 2013TRAVASSOS, L.; SCHULT, S. I. M. (2013). Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e permanências. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/metropole/article/view/15826. Acesso em: 23 set 2020.
https://revistas.pucsp.br/metropole/arti...
).

O PDE 2002 incorporou o conceito de parque linear como uma de suas principais estratégias para atender, simultaneamente, às demandas urbanas e conviver com cheias periódicas nessas regiões. Com uma abordagem multifuncional, a estratégia de implantação dos parques lineares, no PDE 2002, tencionou envolver várias pastas da gestão pública em sua implementação. Esteve presente em planos e programas elaborados desde 2002, relacionado às questões de proteção ambiental, de acesso às áreas verdes e de lazer, de saneamento e drenagem e de habitação, como no Programa 100 Parques para São Paulo, no Programa de Recuperação Ambiental de Cursos D’água e Fundos de Vale (Córrego Limpo) e no Plano Municipal de Saneamento Básico de São Paulo e no Programa de Urbanização de Favelas ( Travassos e Schult, 2013TRAVASSOS, L.; SCHULT, S. I. M. (2013). Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e permanências. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/metropole/article/view/15826. Acesso em: 23 set 2020.
https://revistas.pucsp.br/metropole/arti...
).

O Programa 100 Parques, criado em 2005, implantou 56 novos parques, atingindo um total de 90 parques municipais, contabilizando 34 anteriormente existentes ( São Paulo, 2012SÃO PAULO, Prefeitura Municipal (2012). Programa 100 parques. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/parques/index.php?p=49467. Acesso em: 12 dez 2021.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
). Consolidou a adoção do conceito de parques lineares, como solução para proteção das áreas de APP, redução da ocupação em áreas de risco, o combate às enchentes e a recuperação das margens dos córregos; como também constituiu uma opção de cultura e lazer para as populações do entorno. Porém, paradoxalmente, a seleção dos perímetros adotados para a implantação dos parques lineares não considerava, como parâmetros, as áreas de maior risco hidrológico nem inseria as manchas de inundação, mesmo porque o município ainda não contava com um plano de drenagem.

O Programa Córrego Limpo, instituído em 2007, em parceria entre a Prefeitura Municipal e a concessionária Sabesp, tem como objetivo ampliar a despoluição das águas das bacias do município de São Paulo. Reconheceu que, mesmo em bacias hidrográficas que tiveram implantação completa de rede de esgotamento sanitário, permaneceu algum nível de poluição nos rios, pelo lançamento clandestino de esgoto, pela disposição inadequada de resíduos sólidos, pela falta de manutenção da rede de coleta de esgoto ou descontinuidades temporárias, em razão da execução de obras ( Travassos e Schult, 2013TRAVASSOS, L.; SCHULT, S. I. M. (2013). Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e permanências. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/metropole/article/view/15826. Acesso em: 23 set 2020.
https://revistas.pucsp.br/metropole/arti...
; Castro A., 2020). Apoiado na implantação de parques lineares, o Programa trouxe como contribuição, do ponto de vista conceitual, o reconhecimento de que “ao lado das obras estruturais, devem ser consideradas as ações operacionais, como eliminação de conexões clandestinas, manutenção e programas de educação ambiental” ( Travassos e Schult, 2013TRAVASSOS, L.; SCHULT, S. I. M. (2013). Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e permanências. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/metropole/article/view/15826. Acesso em: 23 set 2020.
https://revistas.pucsp.br/metropole/arti...
, p. 301) compondo um conjunto medidas não estruturais que, articulado com os sistemas convencionais de drenagem e saneamento, é mais efetivo para a gestão das águas urbanas.

Esse programa, em operação desde 2007, teve algumas interrupções, mas relacionou o saneamento e a manutenção de 161 córregos na capital paulista, até o final do ano de 2020; incluindo a manutenção do monitoramento da qualidade das águas de – demanda bioquímica de oxigênio, DBO (mg/l) – em 144 desses córregos ( Sabesp, 2021SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (2021). Programa Córrego Limpo. Disponível em: site.sabesp.com.br/site/interna/Default.aspx?secaold=116. Acesso em: 12 jul 2019.
site.sabesp.com.br/site/interna/Default....
).

Incluído no Programa de Metas 2013-2016, a gestão do Plano Diretor de Drenagem Urbana deveria ser responsabilidade de uma “entidade municipal de águas” e fazer articulação técnica, legal e institucional com demais municípios pertencentes à Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, além de órgãos das administrações federal e estadual diretamente associados à gestão de recursos hídricos, saneamento e meio ambiente.

Vale ressaltar que já vigoravam a lei estadual n. 7.663, de 30/12/1991, e a lei federal n. 9.433, de 8/1/1997, que instituíram, respectivamente, as políticas de recursos hídricos estadual e federal e que consideravam como princípios: adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento e gerenciamento e a integração dos planos e programas entre os municípios integrantes de uma mesma bacia. Mas essa almejada integração não se cumpriu nesse período e segue ainda em construção.

O projeto de lei do Plano Municipal de Habitação (2009-2024), não aprovado, definiu pioneiramente, para a política habitacional, princípios fundamentais, relacionados tanto com as questões fundiárias e edilícias do domicílio quanto com os contextos urbano, ambiental e de infraestrutura. Nesse sentido, dentre os parâmetros adotados para classificação das prioridades, havia a classificação por critérios de precariedade e microbacia hidrográfica, cujas variáveis foram agregadas em três grandes dimensões: infraestrutura, risco de solapamento ou escorregamento e saúde. Como as ações em fundo de vale dos programas de urbanização de favelas pautaram-se em manutenção dos assentamentos, por meio da implantação de infraestrutura, evitando as remoções, estas, se incompletas, poderiam representar a manutenção de uma situação de risco, em locais vulneráveis à inundação, o que significa a criação de um novo passivo.

Nos objetivos expostos nas estratégias do novo PDE de 2014 (lei municipal n. 16.050 de 31/7/2014), a incorporação da agenda ambiental aparece como coadjuvante do desenvolvimento da cidade, considerando os vales fluviais e os eixos das redes hídricas subordinados como estratégia para orientar o crescimento da cidade, promovendo adensamento nas proximidades do transporte público e nas regiões dotadas de redes e sistemas de infraestrutura urbana. Os vales dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, apropriados como os eixos da estruturação metropolitana e inseridos na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, tinham configuração e perímetro semelhantes às propostas do PDE 2002, porém perderam sua amplitude e priorização como meta de sustentabilidade urbana. No plano anterior, os vales fluviais eram considerados regiões estratégicas na integração intersetorial da gestão urbana, por meio da implantação de parques lineares; já, no PDE 2014, prevaleceu a abordagem referente à ordenação do uso do solo nessas regiões, que privilegiou a urbanização em detrimento da recuperação da capacidade hídrica das áreas de fundo de vale com adensamento urbano e incremento de sistemas de transporte público, sem referência às questões ambientais.

O PDE 2014 institui o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) como um novo instrumento de transformação e ordenação urbana em eixos de adensamento e transformação. Trata-se de estudos técnicos elaborados pelo poder público, com o objetivo de promover o ordenamento e a reestruturação urbana em áreas subutilizadas e com potencial de transformação na cidade de São Paulo. Foram propostos, pelo PDE, o PIU Arco Tietê, o PIU Arco Pinheiros e o PIU Arco Jurubatuba, que se localizam em bordas de rios, tendo como objetivo a recuperação urbana, ambiental e hídrica dessas regiões. Foram elaborados estudos que consideraram os conflitos existentes entre a ocupação e a impermeabilização do solo, nessas áreas, e os impactos resultantes nos episódios de inundações.

As propostas consideram intervenções que contemplavam os sistemas de drenagem e a recuperação de córregos, as áreas verdes, os espaços públicos e a mobilidade. Porém, observa-se, nas propostas apresentadas, situadas ao longo do sistema viário, pouca contribuição para a requalificação da paisagem e do leito dos rios, o que reitera a prevalência da mobilidade de veículos.

Ainda em 2016 foi regulamentado o Fundo de Desenvolvimento Urbano – Fundurb (decreto n. 57.547 de 19/12/2016), criado em 2002 como um importante mecanismo de financiamento de planos, programas e projetos urbanísticos e ambientais integrantes ou decorrentes do plano diretor, com recursos obtidos pela venda da outorga do direito de construir prevista em alguns instrumentos do PDE. Castro A. e Alvim (2018), ao analisarem as aplicações do Fundurb no período de 2013 a 2016, observam que a maioria das obras contempladas associa serviços de drenagem urbana à remediação de riscos geológicos em margens e em corpos d’água (córregos e riachos); obras de reparos e pavimentação de vias; obras de readequação de praças públicas com paisagismo e instalação de equipamentos de esporte e lazer.

Enfim, entre avanços e retrocessos na aplicação de conceitos referentes às questões socioambientais predominaram, no planejamento urbano do município de São Paulo, paradigmas e estratégias de implantação que não enfrentaram os conflitos criados pelos modelos de urbanização de fundos de vale, assim como também não contemplaram, no espaço urbano, um lugar nem para as águas, nem para as populações pobres, que seguem expostas a toda a sorte de riscos, preservando os interesses pela mobilidade e pela expansão das ocupações como estratégias de interesse imobiliário.

O que se observa é que, para além da persistência de conceitos ultrapassados associados à gestão das águas urbanas e dos espaços livres adequados às características ambientais em São Paulo, há um problema reincidente de gestão que promove a desvalorização dos bens públicos. O município vê, desde os anos 2017, o avanço da privatização na gestão de importantes parques e espaços públicos sob a égide da “eficiência do setor privado”, que se apoiou na desestruturação dos conselhos gestores dos parques, instâncias participativas consideradas essenciais desde a definição de projetos, mas, principalmente, pela valorização, manutenção e a atenta “vigilância” da qualidade desses espaços promovida por seu uso público.

Considerando as inquestionáveis mudanças do clima e os impactos que vêm causando o fenômeno da urbanização na escala global, o fato é que o processo de planejamento urbano enfrenta desafios na superação dos modelos setoriais e da descontinuidade das políticas públicas.

Apesar do adequado e inovador arcabouço legal do Brasil, salvo experiências isoladas, as cidades brasileiras seguem se expandindo, orientadas por um modelo de planejamento e ocupação do solo que privilegia setores e agentes mais poderosos, que desconsidera áreas ambientalmente frágeis, que arruína seus patrimônios naturais e expõe as populações, especialmente as mais pobres, a toda a sorte de situações de risco e vulnerabilidades socioambientais.

Gestão de riscos de desastres naturais em São Paulo e a lógica setorial

A política brasileira

No Brasil, a gestão de riscos para desastres naturais é contemplada pela Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC (lei n. 12.608 de 10/4/2012) e prevê ações de proteção e defesa civil organizadas por ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação, às quais correspondem responsabilidades específicas, em uma concepção de gestão sistêmica e contínua. Essa gestão se organiza por meio do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – Sinpdec, estruturado pelos órgãos estaduais e municipais de defesa civil e demais órgãos setoriais e de apoio, tendo a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil – Sedec/MI como órgão central, mas não define hierarquia nem estrutura mínima para esses órgãos, preservando a autonomia dos estados e municípios ( Brasil, 2012BRASIL (2012). Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. Lei n. 12.608, de 10 de abril. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm. Acesso em: 15 dez 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
).

A PNPDEC considera necessária a articulação das políticas públicas setoriais de ordenamento territorial, de desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação; dentre as principais, como também de representantes da sociedade civil, para construírem o sistema local para a gestão das políticas e das ações de Defesa Civil e proteção, com medidas destinadas à recuperação social, econômica e ambiental e à reconstrução da infraestrutura e das edificações de caráter definitivo (ibid.).

A gestão de riscos pressupõe um conjunto amplo de medidas estruturais e não estruturais, contemplando aspectos psicossociais (ações de ajuda material para a satisfação de necessidades básicas dos afetados, ações para recobrar a esperança com a recuperação das atividades da vida cotidiana); econômicos (linhas de crédito subsidiado, incentivos fiscais, isenção de impostos e outras medidas para recompor a capacidade produtiva geradora de receitas e ofertas de postos de trabalho); ambientais (medidas para a recuperação de ecossistemas degradados em consequência do desastre); e estruturais (reconstrução da infraestrutura, edificações e instalações) (ibid.).

No Brasil, essas perdas são agravadas pela ausência de programas e políticas de gerenciamento de riscos e mitigação de danos, como ferramentas de recuperação, de fortalecimento e de restabelecimento das atividades econômicas para áreas e populações atingidas, especialmente por eventos hidrológicos, por se tratar dos mais frequentes e geradores de prejuízos materiais (Castro A., 2020).

Se a reconstrução é parte importante da recuperação do cenário afetado por desastre, a PNPDEC (2012) preconiza que essa fase deve ser apoiada com a transferência obrigatória de recursos federais, destinados à reconstrução total ou parcial da infraestrutura, de edificações e instalações públicas ou comunitárias. Portanto, deve ser planejada sob uma perspectiva de melhorar as condições originais das áreas atingidas e incorporar aspectos preventivos, que exigem intervenções baseadas na análise dos cenários de desastre que identifique todos os fatores que influenciam a sua ocorrência e os riscos atuais e futuros.

Dentre os desafios, figuram a baixa qualidade de projetos básicos ou incompletos; modificações durante a execução das obras de reconstrução que geram alto custo e se arrastam por anos; a falta de apoio técnico e de investimentos federais para o suporte das despesas; e, especialmente, a manutenção de regras e normas inadequadas das ordenações territoriais que permitiram, anteriormente, a ocupação de áreas de risco por atividades humanas e por edificações.

São Paulo e a gestão de riscos: avanços e desafios

Uma das primeiras medidas adotadas pelas cidades para o gerenciamento de riscos é o mapeamento de suas áreas de conflito, para, então, reordenar a ocupação dessas áreas, estabelecer novas regras de ocupação e determinar limites das responsabilidades do poder público e de sua população. De acordo com o exposto, a abordagem atual estabelece uma combinação de ações estruturais e não estruturais, que incluem a adaptação das leis e normas de planejamento e a construção e planos de alerta e apoio pós-eventos.

O papel e as estruturas dos órgãos municipais de proteção e defesa civil, sendo articuladores da reconstrução com os órgãos setoriais no seu nível governamental, têm, como atribuição institucional e setorial, ações referentes a: obras; finanças; assistência social; urbanização e meio ambiente ( São Paulo, 2018SÃO PAULO, Prefeitura Municipal (2018). Decreto n. 58.199, de 18 de abril. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-58199-de-18-de-abril-de-2018. Acesso em: 12 dez 2021.
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
).

O município de São Paulo criou, em agosto de 1978, o Sistema Municipal de Defesa Civil de São Paulo, por meio do decreto municipal n. 15.191/78, para promover a integração dos esforços, o aproveitamento dos recursos existentes e garantir o atendimento adequado às situações provocadas por calamidade pública. O Sistema era composto por duas comissões, segundo o decreto municipal n. 15.539/78: a Comissão Municipal de Defesa Civil (Comdec), vinculada à Coordenadoria Estadual de Defesa Civil e constituída por um representante de cada uma das Secretarias Municipais e da Assistência Militar do Gabinete do Prefeito; e as Comissões Distritais de Defesa Civil (Coddec), com circunscrição nas respectivas Administrações Regionais.

Em agosto de 2006, esse sistema foi reorganizado por meio do decreto municipal n. 47.534/2006, para se adequar às normas do Sistema Nacional de Defesa Civil, previstas no decreto federal n. 5.376/2005. A Comdec passou a ter como objetivo a redução de desastres, naturais ou antrópicos, compreendendo não apenas o socorro, as ações assistenciais e o restabelecimento à normalidade social, mas também as ações preventivas destinadas a evitar ou minimizar os desastres, valendo-se de mapeamentos de áreas de risco geológico e hidrológico.

À Comdec foi atribuída a função de coordenar as ações de socorro nas áreas atingidas pelos desastres; ela passou a contar também com o Conselho Municipal de Defesa Civil – Consdec, constituído por representantes de diversas secretarias municipais, visando garantir a articulação das políticas públicas relacionadas à defesa civil com os demais setores da administração municipal. Essa organização conferiu à Comdec uma posição muito favorável, pois as subprefeituras dialogam com todas as secretarias da prefeitura municipal e estão muito próximas, tanto do gabinete do prefeito, quanto do próprio território e de suas comunidades. Porém, em abril de 2018, pelo decreto municipal n. 58.199/2018, tornou-se uma unidade específica da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. Dessa forma perdeu a articulação mais ampla, restringindo-se às ações de resposta aos eventos e desastres naturais, não mais a uma unidade de planejamento no estabelecimento das ações preventivas, que não se restringem apenas a medidas estruturais ou a ações emergenciais.

Importantes questões conceituais foram adotadas em deliberações da Comdec, após a promulgação da Constituição de 1988 e após a Política Estadual de Recursos Hídricos (São Paulo). Dentre as mais expressivas, destacam-se seu caráter participativo; a abordagem sistêmica na gestão de riscos; a adoção das bacias hidrográficas como unidade territorial básica para o estabelecimento de ações preventivas, em relação às enchentes e às inundações; e a organização das comunidades para participarem das discussões relacionadas a ações estratégicas e das medidas preventivas a serem adotadas nas áreas de risco, garantindo, assim, não somente a adesão, mas a permanência nos programas preventivos, independentemente das gestões administrativas.

Em São Paulo, desde 2001, segue, como ação permanente, o Plano de Gestão de Riscos e o Plano Preventivo de Chuvas de Verão (PPCV), para dar suporte às ações preventivas de riscos geológicos e hidrológicos. As situações de riscos tecnológicos são representados pelos acidentes em infraestruturas urbanas (água, eletricidade, gás e esgoto) e nos sistemas de transporte de fluídos e transporte de produtos químicos pelas estradas e ferrovias que atravessam a cidade que, apenas recentemente, passou a incorporar os planos de gestão de riscos ( Malheiros Figueira e Candeias de Almeida, 2020MALHEIROS FIGUEIRA, R.; CANDEIAS DE ALMEIDA, A. (2020). Gestão integrada dos riscos tecnológicos na Região Metropolitana de São Paulo-RMSP. Diálogos socioambientais na macrometrópole paulista. São Paulo, v. 3, n. 8, pp. 39-42. ). São feitos os registros de ocorrências e avaliadas as condições específicas de cada situação para a divulgação de alertas e, caso necessário, a decretação de estado de emergência ( São Paulo, 2021SÃO PAULO, Prefeitura Municipal (2021). Reorganização da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. Disponível em: https://egislação.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-prefeito-pref-1122-de-23-de-agosto-de-2021. Acesso em: 12 dez 2021.
https://egislação.prefeitura.sp.gov.br/l...
).

Os relatórios do último PPCV, de 2019-2020, trazem registros de ocorrências por natureza, que corroboram os índices apresentados nos estudos consultados e nos relatórios de órgãos internacionais de monitoramento de riscos, que apontam a grande incidência de inundações e alagamentos.

Mas são notáveis as vulnerabilidades, a desarticulação e as inconsistências, às quais está sujeito esse importante programa de prevenção de inundações. Além do município de São Paulo não contar com um mapa geral de inundações5 5 Encontram-se em desenvolvimento os Cadernos de Drenagem que compõem o Plano Municipal de Gestão do Sistema de Águas Pluviais de São Paulo – PMAPSP. Elaborados pela Fundação Centro Tecnológico Hidráulico da Escola Politécnica da USP, esses Cadernos contemplam mapas de inundação de sub-bacias hidrográficas do município de São Paulo e apresentam dados, informações, estudos e proposição de medidas para controle de eventos críticos. Até o momento foram elaborados e publicados os cadernos referentes a 12 das 186 sub-bacias catalogadas pela prefeitura. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/obras_de_drenagem/index.php?p=230496 . Acesso em: dez 2021. ou um sistema de registros históricos e georreferenciados desses locais, apenas os eventos de alagamento que provocam interrupções no fluxo de veículo em vias públicas têm seus registros feitos por sistemas georreferenciados pela Companhia Estadual de Tráfego (CET). Isso revela a persistência de conceitos equivocados de urbanização em áreas de fundo de vale, impregnados nas ações e nas políticas públicas, que privilegiam a mobilidade e a fluidez do tráfego de veículos em detrimento das populações que vivem nessas áreas na cidade de São Paulo, continuamente expostas a riscos e prejuízos (Castro A., 2020).

Com relação à disponibilização de dados para consulta em formato aberto, elenca-se a existência da Carta Geotécnica do Município de São Paulo, acessível para visualização e download pelo sistema Geosampa.6 6 Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx . Acesso em: 8 dez 2021. Apesar de contar com dados georreferenciados do levantamento de risco, com a avaliação e a classificação das áreas referentes ao mapeamento de 2010, segue ainda sem atualização.

Esse quadro gerou a necessidade da construção de um sistema de prevenção e apoio às situações de risco. Porém o sistema construído reflete uma cultura de exclusão e não de prevenção, que é negligente com as populações expostas aos riscos e que não respeita os sistemas e as dinâmicas ambientais (ibid.).

A revisão do PMRR não foi realizada em sua totalidade, tendo sido executada até dezembro de 2020, apenas a atualização das informações para 11 subprefeituras, segundo informe da Defesa Civil da prefeitura de São Paulo, publicado em seu site (São Paulo, 2020b). Informa, também, que o levantamento das áreas de risco segue em andamento pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), sob o encargo da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (Comdec).

Os registros de ocorrências e de remoções de áreas de risco seguem mantidos pela Comdec, por meio do Centro de Controle Integrado 24 Horas da Cidade (CCOI), pela Assessoria Técnica de Obras e Serviços, da Secretaria Municipal das Subprefeituras, porém a informatização dos registros de ocorrência é bastante recente, segundo informações obtidas em entrevistas com membros da Comdec. Quanto às remoções, a pasta que faz o controle dos atendimentos habitacionais é a Secretaria Municipal de Habitação, o que reforça uma atuação dispersa e desarticulada.

Com relação à implantação do sistema de fiscalização de áreas de risco, não houve avanço. A Defesa Civil, com base no mapeamento das áreas de risco, desatualizado, monitora as situações de risco mediante os registros de ocorrências e atua acionando as unidades de fiscalização das subprefeituras, encarregadas de toda a sorte de atendimentos dentro de suas áreas de atuação.

A própria estruturação dessa Secretaria, que engloba as questões relacionadas à Segurança Pública juntamente com a Gestão de Riscos, revela incoerências e a incompreensão da importância que demandam essas políticas públicas. As questões referentes à segurança pública não envolvem diretamente a prevenção de riscos hidrológicos ou geológicos, afeitos a ações e programas que envolvem os processos de ocupação do solo. O fato de que, quando de eventos de desastres naturais agentes públicos como policiais, bombeiros ou mesmo membros das forças armadas sejam acionados para prover atendimento às vítimas, não caracteriza a natureza nem o objeto das políticas de prevenção de riscos. Não se policiam águas e solo. O funcionamento sem base de dados atualizada, sem a consolidação de um sistema de monitoramento e de mapeamento de áreas de risco demonstra que o desempenho desses órgãos ocorre sem planejamento, sem prevenção, ficando restrito ao atendimento de emergências (Castro A., 2020).

Pelo fato de essas ocorrências, em sua grande maioria, acontecerem em áreas de vulnerabilidade e instabilidade geológica e hidráulica ocupadas por populações pobres, não é difícil reconhecer os reflexos da histórica negligência do planejamento e principalmente da gestão pública, em abranger as totalidades urbanas.

Considerações finais

A atuação da gestão pública no que se refere à ordenação da ocupação dos vales fluviais foi marcada pela setorização e por uma desarticulação que não conseguiu ser suplantada, mesmo na história recente da urbanização de São Paulo. Apesar de, a partir dos anos 2000, a pauta ambiental ter sido incorporada nos discursos das políticas públicas, dos planos diretores e projetos setoriais, a força dos agentes privados continua determinando que as agendas se materializem como parte do privilégio dos mesmos segmentos que, historicamente, determinaram como, para quem e para onde a cidade de São Paulo cresce e se organiza.

Do ponto de vista dos planos diretores, são inquestionáveis os avanços mais recentes do PDE 2002 e do PDE 2014. O PDE 2002 definiu pioneiramente a rede hídrica da cidade como eixo de estruturação urbana e um conjunto de parques lineares que deveriam privilegiar os cursos d’água, em sua maioria tamponado pelo sistema viário. Já o PDE 2014 definiu os vales fluviais situados nos eixos das redes hídricas dos grandes rios da cidade como territórios prioritários para desenvolvimento metropolitano, aliado à estratégia de adensamento dos eixos de transporte público e das regiões dotadas de redes e sistemas de infraestrutura urbana.

Apesar dos avanços, a experiência recente de chamamento da iniciativa privada para o desenvolvimento dos PIUs revela, mais uma vez, que prevalece a exploração do valor do solo pelo mercado imobiliário, com pouca ou nenhuma contrapartida de investimento público propriamente dito; demonstrando a captura de boas ferramentas de planejamento e gestão públicos para atender, exclusivamente, a interesses privados.

Por sua vez, os processos de reestruturação dos sistemas de infraestrutura de drenagem não estão plenamente contemplados. Sendo o sistema de drenagem uma competência da prefeitura, pouco é feito pelos concessionários privados, responsáveis pela gestão das redes de infraestrutura urbana básica de água potável, esgoto e de limpeza urbana. E, como exposto, a gestão de riscos passou, na atualidade, a ser tratada como um problema de segurança pública, como se fosse possível as águas urbanas respeitarem o poder das polícias.

As análises sobre a gestão de riscos aplicadas pelos órgãos federativos indicam que muito se tem a avançar, tanto do ponto de vista das regulamentações, quanto, principalmente, da gestão. A ausência de determinação clara da responsabilidade dos agentes do Estado para o apoio e a cobertura financeira para ressarcir danos materiais de eventos hidrológicos não foi incorporada, nem na construção dos arcabouços legais, nem nas estruturas de agenciamento de riscos. Prevalecem os conceitos que orientam as políticas neoliberais que reduzem a presença do Estado, ampliando a participação de agentes privados, aos quais interessa, apenas, parte desse território complexo representado pela cidade de São Paulo. E, usualmente, essas áreas, sendo as mais valorizadas, estão menos sujeitas aos efeitos de desastres hidrológicos e geológicos.

O fato de os órgãos de defesa civil não contarem com os essenciais mapas de inundação, para sustentar estudos de prevenção a esses eventos, nem, sequer, com um sistema de registro de eventos e chamadas informatizado é a face reveladora da segregação socioespacial que prevalece na gestão do solo urbano em São Paulo. Essa estruturação básica tem que ser enfrentada para orientar a gestão do território de São Paulo, adequando e incorporando, em sua pauta, as dinâmicas hidrológicas e os rios urbanos.

O Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da prefeitura de São Paulo é, desde 1999, responsável pelo monitoramento das condições meteorológicas na Capital. Foi criado em novembro de 1999, após uma inundação de grande proporção que tomou a região do túnel do Anhangabaú em março do mesmo ano, quando foi alocado em uma sala na Central de Operações da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Em parceria com a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec), atua para prevenir os efeitos danosos provocados pelas chuvas. Esse centro detém os registros dos pontos de inundação e alagamento e mantém um site para consultas pela população. O fato de o CGE atuar em parceria e sob a tutela da CET evidencia como a questão da circulação de veículos e de transportes segue sendo prioridade, em detrimento da prevenção de riscos. Enfim, privilegiam-se a expansão e a exploração do solo urbano no município pelo segmento imobiliário de modo articulado ao deslocamento pelo transporte individual, em desfavor de uma agenda socioambiental.

Cabe, portanto, no tocante à questão da gestão de riscos em São Paulo, restabelecer ao Comdec o papel articulador para que se atinjam os objetivos de prevenir, mitigar, preparar, responder e recuperar a cidade mediante as diferentes situações de risco, adotando uma abordagem intersetorial e articulada às subprefeituras regionais, por estarem diretamente relacionadas, tanto ao Gabinete do Prefeito como, especialmente, ao território propriamente dito.

A título de contribuição, vale ressaltar que, recentemente, algumas cidades no Brasil e no mundo têm atualizado seus sistemas de prevenção de desastres hidrológicos e geológicos, considerando as influências inquestionáveis da mudança climática nos regimes das chuvas. Destacam-se, nesse contexto, Blumenau, no estado de Santa Catarina, e Nova York, nos EUA.

A primeira, desde 1989, incorpora no seu Plano Diretor restrições à ocupação de áreas inundáveis, articulando um plano municipal de defesa civil aos planos de saneamento, habitação, meio ambiente, recursos hídricos e ordenamento territorial. Por sua vez, o Plano Municipal de Prevenção de Riscos Hidrológicos está alinhado ao “Plano Integrado de Prevenção e Mitigação de Riscos e Desastres Naturais na Bacia Hidrográfica do rio Itajaí” (PPRD-Itajaí), de escala regional e de responsabilidade do governo estadual. Esse PPRD-Itajaí é resultado de uma ação do governo de Santa Catarina com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica).

Já a cidade de Nova York vem atualizando e adaptando normativas do zoneamento do solo, com vistas a reduzir os impactos de eventos hidrológicos extremos. As normativas de Inundação de 2013 e de Recuperação de 2015 procuraram facilitar a adaptação das construções para atender aos requisitos mínimos estabelecidos para padrões de construção resistentes a inundações. No entanto, ante as mudanças climáticas, o risco de inundação da cidade continua a aumentar, uma vez que estas trazem como consequência o aumento do nível do mar e da potência das tempestades.

São Paulo, apesar dos avanços institucionais apontados, segue tratando essas questões sem um planejamento integrado, sem suporte de dados e material atualizados, com equipes reduzidas numa histórica defasagem que custa vidas e recursos materiais e financeiros, anualmente, a cada estação de chuvas. Em face dos eventos climáticos recentes, o risco de inundação da cidade continua a aumentar, apontando um futuro socioambiental incerto e insustentável.

Nota de agradecimento

Agradecemos ao apoio das seguintes instituições: Universidade Presbiteriana Mackenzie (bolsa de doutorado); Fundo MackPesquisa (financiamento de Projeto de Pesquisa) e à Capes Proex (tradução do artigo).

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  • SÃO PAULO, Prefeitura Municipal (2021). Reorganização da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. Disponível em: https://egislação.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-prefeito-pref-1122-de-23-de-agosto-de-2021 Acesso em: 12 dez 2021.
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Notas

  • 1
    A tese de doutorado defendida por Castro A. (2020), no PPGAU/UPM, é parte de uma pesquisa maior intitulada “Projetos de urbanização e assentamentos precários e áreas de proteção ambiental: as dimensões da sustentabilidade”, liderada por Angélica T. Benatti Alvim, com financiamento do Fundo MackPesquisas (2018-2021) e do CNPq (edital Universal 2018).
  • 2
    Os limites geográficos da Bacia do Alto Tietê (BAT) quase se confundem com os limites administrativos da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) ( Alvim, 2003ALVIM, A. T. B. (2003). A contribuição do comitê do Alto Tietê à gestão da bacia metropolitana entre 1994 e 2002. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ).
  • 3
    Em 1930, o engenheiro Francisco Prestes Maia elaborou o Plano de Avenidas com o objetivo orientar o desenvolvimento da cidade. Com base no modelo “haussmanniano”, Prestes Maia propunha um sistema viário capaz de remodelar a totalidade urbana, traçado a partir de uma estrutura radial perimetral – o perímetro de irradiação –, modelo formal que deveria ser adaptado às condições topográficas da cidade. Em 1938, Prestes Maia torna-se prefeito e coloca seu plano em prática, implantando ações bastante significativas para a cidade, tais como a continuidade da canalização do rio Tamanduateí, o alargamento da avenida Rangel Pestana, a extensão da avenida Rebouças, o prolongamento da avenida Pacaembu até o rio Tietê e da Nove de Julho, com a implantação de um túnel que passava sob a avenida Paulista, entre outros. Se, por um lado, o Plano de Avenidas pode ser considerado um instrumento de viabilização da modernização de São Paulo, por outro, foi um dos responsáveis por sua expansão “ilimitada” e pelo modelo de ocupação de avenidas de fundo de vale ( Abascal, Bruna, Alvim, 2007ABASCAL, E. S.; BRUNA, G. C.; ALVIM, A. T. B. (2007). Modernização e modernidade. Algumas considerações sobre as influências na arquitetura e no urbanismo de São Paulo no início do século XX. Arquitextos. São Paulo, ano 8, n. 85.05, Vitruvius, jun. Disponível em: <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.085/240>. Acesso em: 4 abr 2019.
    https://vitruvius.com.br/revistas/read/a...
    ).
  • 4
    Atualmente, o Sistema Produtor de Água Cantareira, um dos maiores do mundo, produz 33 m/s de água e abastece 8,8 milhões de pessoas da RMSP. Sua concepção envolve a transposição entre duas bacias hidrográficas, importando água da Bacia do Piracicaba para a Bacia do Alto Tietê. Dos 33m/s produzidos pelo sistema, apenas 2m/s são produzidos na Bacia do Alto Tietê, pelo rio Juqueri; 22m/s vêm dos reservatórios Jaguari-Jacareí, cujas bacias estão inseridas majoritariamente no estado de Minas Gerais, e o restante na Bacia do rio Piracicaba. A gestão do Sistema Cantareira é de responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee) ( ANA, 2021ANA – Agência Nacional de Águas (2021). Sistema Cantareira. Disponível em: https://www.gov.br/ana/pt-br/sala-de-situacao/sistema-cantareira/sistema-cantareira-saiba-mais. Acesso em: 20 dez 2021.
    https://www.gov.br/ana/pt-br/sala-de-sit...
    ).
  • 5
    Encontram-se em desenvolvimento os Cadernos de Drenagem que compõem o Plano Municipal de Gestão do Sistema de Águas Pluviais de São Paulo – PMAPSP. Elaborados pela Fundação Centro Tecnológico Hidráulico da Escola Politécnica da USP, esses Cadernos contemplam mapas de inundação de sub-bacias hidrográficas do município de São Paulo e apresentam dados, informações, estudos e proposição de medidas para controle de eventos críticos. Até o momento foram elaborados e publicados os cadernos referentes a 12 das 186 sub-bacias catalogadas pela prefeitura. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/obras_de_drenagem/index.php?p=230496 . Acesso em: dez 2021.
  • 6

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2021
  • Aceito
    8 Dez 2021
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