Acessibilidade / Reportar erro

Ortografia dos fonemas /l/ e /ɾ/ em posições complexas na escrita infantil: uma análise comparativa

RESUMO

Introdução:

Assumindo-se que erros são, na verdade, tentativas de acertos, podendo marcar conflitos da criança com o sistema ortográfico, investigou-se o registro ortográfico de dois dos fonemas que remetem à classe das líquidas: /l/ e /ɾ/.

Objetivo:

(1) comparar a acurácia ortográfica, nas posições silábicas de ataque complexo e de coda, da grafia dos fonemas /l/ e /ɾ/; (2) verificar, dentre os erros, seus tipos mais frequentes.

Método:

Foram analisadas 53 produções textuais de crianças do 1º ano do ciclo I do ensino fundamental (EF) de uma escola pública do interior de São Paulo. Para responder aos objetivos, inicialmente foram separadas todas as ocorrências dos fonemas /l/ e /ɾ/ na posição de ataque complexo e de coda silábica. Posteriormente, os registros foram categorizados como acertos e erros. Os erros foram, ainda, classificados como omissão, transposição e substituição.

Resultados:

No ataque silábico complexo e na coda silábica, foi encontrado maior número de acertos quando comparado com o número de erros. Quanto aos tipos de erros, no ataque complexo, todos corresponderam a omissões; já na coda, as omissões prevaleceram, seguidas das substituições e das transposições.

Conclusão:

Os resultados sugerem que a percepção que a criança tem das relações entre fonemas e grafemas não depende diretamente dessas relações, já que essa correspondência pode ser afetada por outros aspectos fonológicos desconsiderados nessas relações, como as posições silábicas.

Descritores:
Escrita Manual; Linguagem; Fonética; Criança; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Introduction:

Assuming that errors are actually hits attempts, and may mark the child’s conflicts with the orthographic system, we investigated the orthographic record of two phonemes that refer to the class of liquids: /l/ and /ɾ/.

Objective:

(1) to compare the orthographic accuracy, in the complex onset and coda syllable positions, of the phonemes spelling /l/ and /ɾ/; (2) to verify, among the errors, their most frequent typesr.

Method:

We analyzed 53 textual productions of children of the 1st year of the cycle I of the elementary school of a public school in a city of the state of São Paulo. To respond to the objectives, initially all occurrences of the phonemes /l/ and /ɾ/ were separated in the complex onset position and coda syllabic position. Then, the records were categorized as hits and errors. Errors were also classified as omission, transposition and substitution.

Results:

In the complex syllabic onset and syllable coda, a higher number of hits was found when compared to the number of errors. As for the types of errors, in the complex onset position, all corresponded to omissions; in the coda, omissions prevailed, followed by substitutions and transpositions.

Conclusion:

The results suggest that the child’s perception of the relations between phonemes and graphemes does not depend directly on these relations, since this correspondence may be affected by other phonological aspects disregarded in these relations, such as syllable positions.

Keywords:
Handwriting; Language; Phonetics; Child; Speech Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

Quando se investigam as convenções ortográficas, bem como a presença da escrita não convencional em produções de crianças, uma questão se mostra como fundamental: a complexidade das relações entre características fonético-fonológicas da fala e características ortográficas da escrita. Há diferentes - e não sempre convergentes - tentativas de se explicar essas relações.

Aponta-se, por um lado, que os processos caracterizados como de aquisição e de desenvolvimento da escrita sofreriam importante influência daquilo que a literatura conceitua como consciência fonológica11 Da Silva BC, Lorezon M, Bublitz GK. "Ele não escreve, nem lê": análise da consciência fonológica em crianças com dificuldades de aprendizagem. Rev Destaques Acadêmicos. 2015; 7(2): 1-8., já que tal consciência seria pré-requisito para a aprendizagem da leitura e da escrita. Desse modo, atividades de consciência fonológica auxiliariam essa aprendizagem22 Guaresi R, Oliveira JS, Oliveira E, Teixeira L. A consciência fonológica e o vocabulário no aprendizado da leitura e da escrita na alfabetização. Rev (Con) textos Linguísticos. 2017; 11(18): 97-109.,33 Wilsenach Carien. Phonological awareness and reading in Northern Sotho-Understanding the contribution of phonemes and syllables in Grade 3 reading attainment. South African Journal of Childhood Education. 2019; 9(1): 1-10. http://dx.doi.org/10.4102/sajce.v9i1.647.
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. Aponta-se, ainda, que, como as habilidades de consciência fonológica seriam necessárias para aquisição da leitura e da escrita, essas mesmas habilidades auxiliariam a identificação precoce de crianças com risco de dislexia44 Germano GD, Pinheiro FB, Capellini SA. Desempenho de escolares com dislexia: pro-gramas de intervenção metalinguístico e de leitura. Psicologia Argumento. 2017; 31(72): 11-22. http://dx.doi.org/10.7213/psicol.argum.7597.
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, bem como contribuiriam para avaliação e terapia dos chamados desvios fonológicos55 Dias RF, Mezzomo CL. Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso. Distúrbios Comun. 2018; 30(2): 266-277. https://doi.org/10.23925/2176-2724.2018v30i2p-266-277.
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. No entanto, embora essa consciência seja considerada como fundamental para o desenvolvimento da leitura e da escrita, alerta-se para o fato de que seria (também) necessário levar-se em conta o nível socioeconômico da criança, já que, acrescido de outros fatores ambientais, ele poderia afetar o desenvolvimento neural da criança66 Leite RCD, Brito LRM, Martins-Reis VO, Pinheiro AMV. Consciência fonológica e fatores associados em crianças no início da alfabetização. RevPsicopedagogia. 2018; 35(108): 306-317..

Aponta-se, porém, por outro lado, para uma relação não direta entre fala e escrita. Nota-se, na literatura, que, embora se recuperem características da fala na escrita, ambas seriam modalidades particulares da língua77 Costa ST, Campos VC, Aranha MBR, Araújo FE. Marcas da oralidade nas produções textu-ais dos alunos do ensino médio da escola ce humberto de campos na cidade de humberto de campos-ma. ACTAS. 2016; 3: 1-8.. Dessa forma, dependendo do contexto em que fala e escrita estão inseridas, seja de uso da vida diária ou de formação escolar formal, apresentarão maiores ou menores diferenças. Observa-se ainda, nessa perspectiva, uma relação não direta entre a aquisição da fonologia e a aquisição da ortografia; no entanto, haveria conexões entre ambas, já que “[...] a aquisição da escrita é parte do processo mais amplo de aquisição da linguagem [e] os erros (orto)gráficos revelam os conhecimentos da criança sobre a estrutura sonora de sua língua [...]”88 Miranda ARM. As sílabas complexas: fonologia e aquisição da linguagem oral e escrita. Fórum Linguístico. 2019; 16(2): 3825-3848. https://doi.org/10.5007/1984-8412.2019v16n2p3825.
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.

Nessa perspectiva, pode-se considerar que a ortografia não convencional faz parte da aquisição da escrita99 Silva NSM, Crenitte PAP. Comparação de escolares de escolas privadas e públicas quanto ao desempenho ortográfico. CoDAS. 2015; 27(2): 113-118. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20152014002.
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e que o seu aparecimento decorre, muitas vezes, da recuperação que as crianças fazem de características da fala99 Silva NSM, Crenitte PAP. Comparação de escolares de escolas privadas e públicas quanto ao desempenho ortográfico. CoDAS. 2015; 27(2): 113-118. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20152014002.
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. Desse modo, numa sociedade letrada, características da fala e características da escrita estariam relacionadas, porém, indiretamente, já que a escrita seria produto da inserção do escrevente tanto em práticas sociais orais, quanto em práticas sociais letradas - o que significa dizer que o produto escrito tem uma constituição heterogênea, fruto dessa dupla inserção do escrevente em práticas sociais que envolvem a linguagem. Outro fato digno de nota é que, nessa visão, a ortografia não convencional é vista como uma tentativa de acerto, uma vez que sua presença pode ser considerada “[...] como marca de conflitos da criança com as características do sistema ortográfico do PB [português brasileiro]”1010 Chacon L, Pezarini IO. Gradiência na correspondência fonema/grafema: uma proposta de caracterização do desempenho ortográfico infantil. In: César ABP, Seno MP, Capellini SA. Tópicos em Transtornos de Aprendizagem: Parte VI. Ribeirão Preto: Chacon, L.; Pezarini, I. O. Gradiência na correspondência fonema/grafema: uma proposta de caracterização do desempenho ortográfico infantil. In: César ABP, Seno MP, Capellini SA. Tópicos em Transtornos de Aprendizagem: Parte VI. Ribeirão Preto: Booktoy Livraria e Editora, 2018.. Dessa forma, erros ortográficos não significariam um não acerto, já que “[...] raramente ele foge a algo que, de certo modo, não seja suscitado pela própria língua ou pelas regras que orientam a correspondência grafema/fonema”.1111 Chacon L, Paschoal L, Vaz S, Pezarini IO. Classes fonológicas e ortografia infantil. Revista do GELNE. 2016 18(2): 70-99., ou seja, a correspondência entre o escrito e o falado. Consequentemente, a presença desses erros não estaria, necessariamente, relacionada a um quadro patológico ou a dificuldades do indivíduo.

Assumindo-se que características da fala e características da escrita estão relacionadas, embora não diretamente, a proposta deste trabalho é investigar o registro ortográfico de dois dos fonemas que remetem à classe das consoantes líquidas do PB - a saber, /l/ e /ɾ/ - em produções textuais de crianças do ciclo I do ensino fundamental (EF). Nessa investigação, serão consideradas as ocorrências de /l/ e /ɾ/ na segunda posição silábica de ataque complexo e em posição silábica de coda simples.

Embora a literatura tenha: (i) investigado estratégias de reparo das crianças na fala dos fonemas /l/ e /ɾ/ (1212 Wiethan F M, Melo RM, Mota HB. Consoantes líquidas: ocorrência de estratégias de reparo em diferentes faixas etárias e gravidades do desvio fonológico. Rev CEFAC. 2010; 13(4): 607-16. https://doi.org/10.1590/S1516-18462010005000141.
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; (ii) observado a relação entre fonologia e ortografia dos fonemas da classe das soantes, principalmente das líquidas (13), e ainda; (iii) descrito o desempenho ortográfico das consoantes soantes em posição de ataque silábico simples e o efeito do acento lexical na produção escrita de crianças da 1º à 4º série1414 Vaz S, Pezarini IO, Paschoal L, Chacon L. Characteristics of the acquisition of sonorant conso-nants orthography in Brazilian children from a São Paulo municipality. CoDAS. 2015; 27(3): 230-235. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20152014114.
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, não foram encontrados estudos que investigassem especificamente o registro ortográfico dos fonemas aqui em questão. Essa lacuna chama particularmente a atenção, pois se trata de fonemas cuja complexidade se mostra não apenas na aquisição da fala, mas, ainda, na aquisição ortográfica.

Um aspecto essencial - mas desconsiderado pela literatura - para uma melhor compreensão do registro ortográfico das consoantes soantes é a sua distribuição entre erros e acertos em função da posição em que essas consoantes podem ocupar na estrutura da sílaba no PB. Decorre desse aspecto a pergunta que mobilizou a realização deste estudo: como a ortografia dos fonemas /l/ e /ɾ/ se mostraria nas posições complexas de segunda posição de ataque ramificado e de coda? Especialmente porque as características fonético-fonológicas da sílaba podem exercer maior ou menor influência na maneira como crianças nos anos iniciais de sua alfabetização registram os fonemas em sua ortografia - a hipótese da presente investigação.

A fim de se testar essa hipótese, os seguintes objetivos nortearam a investigação:

  • (1) comparar a acurácia ortográfica, nas posições silábicas de ataque complexo e de coda, da grafia dos fonemas /l/ e /ɾ/; e

  • (2) verificar, dentre os possíveis erros, seus tipos mais frequentes.

MÉTODO

Foram utilizadas produções textuais infantis que compõem um banco de dados do Grupo de Pesquisa Estudos sobre a Linguagem (GPEL/CNPq). Os dados foram coletados em uma escola estadual de ensino fundamental em um município do interior de São Paulo, por pesquisadores do GPEL, durante o segundo semestre de 2016. Após a coleta das produções textuais de todas as crianças presentes em sala de aula, foram excluídas da amostra aquelas que apresentaram queixas relacionadas à aprendizagem acadêmica e aquelas que não receberam autorização dos pais ou dos responsáveis para participar da pesquisa. Essa autorização se deu mediante a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - UNESP/SJRP sob número 1.795.053.

Embora o banco de dados contemple a escrita de crianças do 1º ao 5º ano do ensino fundamental I, desse banco, foram selecionadas apenas as produções baseadas nas quatro propostas das crianças que, à época da coleta, frequentavam o 1º ano dessa etapa de escolarização formal. Tal recorte se deu pelo fato de, no ano em que ingressam no ensino fundamental, a escrita das crianças apresentar, ainda, caráter bastante instável, o que permite melhor observar como vão sendo estabelecidas relações entre fonologia e ortografia e como vão se mostrando os conflitos inerentes ao estabelecimento de tais relações na escrita inicial.

Nesse recorte, eram esperadas 80 produções textuais para análise, pelo fato de os responsáveis terem autorizado a participação de 20 crianças e de serem apresentadas quatro propostas a elas. No entanto, por falta de algumas delas nos dias da coleta e, ainda, pela exclusão das que não tiveram registros ortográficos dos fonemas /l/ e /r/ na segunda posição de ataque complexo e de coda, constaram do corpus 53 produções. Para a explicação de como foram analisados os resultados da investigação, serão relembrados os objetivos que a orientaram.

Quanto aos resultados relacionados ao primeiro objetivo (comparar a acurácia ortográfica, nas posições silábicas de ataque complexo e de coda, da grafia dos fonemas /l/ e /ɾ/), foi feito o levantamento de todas as possibilidades de registros dos grafemas em questão nas duas posições nas quais foram analisados. Posteriormente, em relação a esse total de possibilidades, quantificou-se a presença de acertos e de erros - considerando, como acerto, quando a criança fez o registro do fonema segundo a ortografia convencional do PB e, como erro, quando a criança deixou de registrar ou fez um registro ortográfico não convencional de um fonema. Essa quantificação foi feita em cada uma das duas posições silábicas em análise pelo fato de permitir identificar se a acurácia ortográfica dependia, ou não, da posição em que figurava o grafema na estrutura da sílaba.

No entanto, a bipartição acerto/erro não permite detectar a gradiência entre dois pontos que, à primeira vista, podem ser tidos como únicos numa análise do desempenho ortográfico como um todo (10). Visando melhor detectá-la, é que foi proposto o segundo objetivo da investigação: verificar, dentre os possíveis erros, seus tipos mais frequentes.

Quanto aos resultados relacionados a esse segundo objetivo, ou seja, detectar a possível gradiência entre os erros, foi utilizada a categorização proposta pelo GPEL. Trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores desse grupo1919 CIAE: Centro de Investigación Avanzada em Educación [internet] Bedwell P, Domínguez AM, Sotomayor C, Gómes G, Jéldrez E. Caracterización de problemas ortográficos recur-rentes en alumnos de cuarto básico. Disponible en www. ciae. uchile. cl/download. php, 2014. http://dx.doi.org/10.4067/S0718-09342013000100005.
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20 Schafer CM, Quintaiski LF, Giacchinni V. Desempenho em consciência fonológica e erros de escrita de crianças submetidas a diferentes métodos de alfabetização. Distúrbios Comun. 2017; 29(2): 318-329. https://doi.org/10.23925/2176-2724.2017v29i2p318-329.
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21 Paschoal LA, Pezarini IO, Vaz S, Chacon. Characteristics of fricatives consonants orthography in Brazilian children. Communication Research. 2014; 19(4): 333-337. https://doi.org/10.1590/S2317-64312014000400001448.
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-2222 Pezarini IO, Paschoal LA, Vaz S, Chacon L. Relações entre aspectos ortográficos e fonético-fonológicos de fonemas oclusivos. Revista CEFAC. 2015; 17(3): 775-782. https://doi.org/10.1590/1982-0216201515314.
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propõem uma categorização dos erros ortográficos em três tipos, que bem apontam sua gradiência. São eles: omissões, transposições e substituições. Vejam-se as características de cada um desses tipos que explicam sua gradiência em relação ao acerto:

  • (1) ocorrem omissões quando um fonema não é registrado ortograficamente, como, por exemplo, na palavra PENTE escrita como PENE;

  • (2) ocorrem transposições quando há um deslocamento de um elemento de sua posição convencional para outra não convencional, como, por exemplo, na palavra PROFESSOR escrita como PORFESSOR; e

  • (3) ocorrem substituições quando o grafema alvo é trocado por outro no momento do registro, como, por exemplo, na palavra CEBOLA escrita como SEBOLA.

A gradiência que se pode detectar nessa distribuição:

[...] explica-se, primeiramente, pelo fato de que, nas omissões, sequer há o registro ortográfico do fonema. Nesse sentido, elas se encontram num plano diferente, em natureza, daquele das transposições e das substituições, uma vez que, nestas últimas, já se verifica o registro ortográfico do fonema pretendido. No entanto, mesmo que essa presença seja verificada, ela também se mostra em diferentes planos, uma vez que, nas transposições, o registro do fonema é oscilante quanto à sua posição convencional e, nas substituições, o grafema, embora indevido, já ocupa a posição convencionalmente esperada para ele. (1010 Chacon L, Pezarini IO. Gradiência na correspondência fonema/grafema: uma proposta de caracterização do desempenho ortográfico infantil. In: César ABP, Seno MP, Capellini SA. Tópicos em Transtornos de Aprendizagem: Parte VI. Ribeirão Preto: Chacon, L.; Pezarini, I. O. Gradiência na correspondência fonema/grafema: uma proposta de caracterização do desempenho ortográfico infantil. In: César ABP, Seno MP, Capellini SA. Tópicos em Transtornos de Aprendizagem: Parte VI. Ribeirão Preto: Booktoy Livraria e Editora, 2018..

Todos os resultados passaram por análise estatística. Para tanto, foi feito tratamento dos dados com o uso do software Statistica (versão 9.0). Foram feitas análises descritiva e inferencial. Para a análise descritiva dos dados, foram utilizadas uma medida de tendência central (média) e uma medida de dispersão (desvio padrão). Já para a análise inferencial, foi utilizado o Sign Test para amostras dependentes na comparação da acurácia ortográfica e Anova para medidas repetidas na comparação dos tipos de erros. O valor do nível de significância adotado foi de (α) ≤ 0,05.

RESULTADOS

Os resultados serão dispostos de acordo com os objetivos da presente pesquisa.

Em relação ao primeiro objetivo, foram encontradas 104 possibilidades de registros na segunda posição de ataque complexo e 420 na posição de coda silábica simples. Essas possibilidades resultaram em grafias com acertos e com erros, cujos valores serão expostos na Figura 1.

Figura 1
Distribuição de acertos e erros na segunda posição de ataque complexo e de coda silábica.

Quanto à relação entre acertos e erros, observou-se maior percentual de acertos nas duas posições silábicas e, ainda, maior percentual de acertos na segunda posição de ataque complexo em relação ao percentual de acertos na posição de coda. A Tabela 1 mostra a análise descritiva e inferencial para a comparação entre a acurácia ortográfica das duas posições silábicas.

Tabela 1
Análise descritiva e inferencial da distribuição de acertos na segunda posição de ataque complexo e de coda.

Como se pode observar na Tabela 1, houve diferença estatisticamente significativa entre as posições silábicas analisadas, uma vez que a média de acertos na segunda posição de ataque complexo foi superior à média de acertos na posição de coda.

Seguem-se exemplos de acertos retirados das produções analisadas:

  • (1): quadrado

  • (2): inflei

  • (3): porta

  • (4): silva

Em (1) e (2), observam-se registros ortográficos convencionais dos fonemas /ɾ/ e /l/ na segunda posição de ataque complexo na segunda sílaba das palavras <quadrado> e <inflei>, respectivamente. Já em (3) e (4), também se observam registros convencionais dos fonemas alvos, em posição de coda silábica na primeira sílaba das palavras <porta> e <silva>, respectivamente.

Abaixo, exemplos de erros nessas duas posições silábicas retirados das produções analisadas:

  • (5): Nouto

  • (6): Pota

  • (7): Voutei

Em (5), houve omissão do fonema /ɾ/ na segunda posição de ataque complexo na segunda sílaba da palavra <noutro>. Em (6), houve omissão do fonema /ɾ/ na posição de coda na primeira sílaba da palavra <porta>. Por fim, em (7), houve substituição da representação convencional do fonema /l/ registrado pelo grafema “u” na posição de coda da primeira sílaba da palavra <voltei>. Ressalte-se que não ocorreram registros não convencionais envolvendo o fonema /l/ na segunda posição de ataque complexo.

Já para o segundo objetivo, os erros foram classificados de acordo com sua tipologia. Os resultados dessa classificação estão expostos na Figura 2.

Figura 2
Distribuição dos tipos de erros na segunda posição de ataque complexo e na posição de coda.

Na segunda posição de ataque complexo, houve apenas omissões. Já na posição de coda, houve predomínio das omissões, seguidas das substituições e, por fim, das transposições. Na Tabela 2, podem ser vistas as análises descritiva e inferencial referente aos tipos de erros na posição de coda.

Tabela 2
Análise descritiva e inferencial dos tipos de erros na posição de coda.

Os resultados da Tabela 2 mostram que a média das omissões foi mais elevada quando comparada à média das substituições e das transposições, sendo estatisticamente significativa.

Pela ausência de variância na segunda posição de ataque complexo, devido ao número de ocorrências dos erros aparecer apenas em dois sujeitos - três erros em um sujeito e um erro no outro sujeito (o que resultou em dados insuficientes para análise comparativa entre os indivíduos), não foi possível realizar as análises descritiva e inferencial dessa posição - situação que sugere que, no momento inicial, o funcionamento das regras ortográficas afeta diferentemente as crianças.

Seguem-se exemplos dos tipos de erros retirados das produções textuais:

  • (8): pimeiro

  • (9): resoveu

  • (10): poquinho

  • (11): Siuva

  • (12): Badnapé

  • (13): açurca

Em (8) houve omissão do fonema /ɾ/ na segunda posição de ataque complexo na primeira sílaba da palavra <primeiro>. Em (9), houve omissão do fonema /l/ na posição de coda na segunda sílaba da palavra <resolveu>. Já em (10), ocorreu omissão do fonema /ɾ/ na posição de coda na primeira sílaba da palavra <porquinho>. Em (11), houve substituição da representação convencional do fonema /l/, visto que foi registrado pelo grafema “u”, na posição de coda da primeira sílaba da palavra <silva>. Em (12), também ocorreu substituição da representação convencional, agora do fonema /ɾ/ pelo grafema “d”, na posição de coda da primeira sílaba da palavra <Barnabé>. Por fim, em (13), houve transposição com o deslocamento de posição convencional para posição não convencional do fonema /ɾ/ na posição de coda da palavra <açúcar>. Ressalte-se, uma vez mais, que não foram localizados registros não convencionais envolvendo o fonema /l/ na segunda posição de ataque complexo.

Em síntese, os resultados aqui expostos apontam para: (1) em relação à acurácia, maior número de registros convencionais do que de registros não convencionais nas duas posições silábicas analisadas; (2) em relação aos acertos, maior número de registros convencionais na segunda posição de ataque complexo quando comparada à posição de coda; e (3) em relação à tipologia dos erros, em posição de coda, maior número de omissões do que de substituições e de transposições, e, em segunda posição de ataque complexo, apenas omissões.

DISCUSSÃO

Passa-se à discussão das tendências detectadas nos resultados relativos ao primeiro objetivo. Crianças do 1º ano registraram ortograficamente os fonemas /l/ e /ɾ/, em sua maioria, de forma convencional nas duas posições silábicas analisadas. Essa maior ocorrência de registros convencionais mostra que as crianças do presente estudo, mesmo em início de alfabetização, já apresentam notável estabilidade no registro ortográfico desses fonemas. Tal estabilidade sugere a eficácia das práticas de letramento nas quais essas crianças estiveram inseridas em sua alfabetização.

Chama-se a atenção para esse resultado em razão de como a relação acerto/erro é destacada na literatura. Identificam-se duas tendências de análise dessa relação na literatura que a investiga.

Na primeira tendência, não se menciona o acerto ortográfico ou, quando é mencionado, é muito pouco descrito1515 Ferreira AA, Silva ACFS, Queiroga BAM. A aprendizagem da escrita e a escolaridade ma-terna. Rev. CEFAC. 2014; 16(2): 446-456. https://doi.org/10.1590/1982-021620146512.
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,1616 Gonçalves-Guedim TF, Capellato IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Desem-penho do processamento fonológico, leitura e escrita em escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Rev. CEFAC. 2017; 19(2): 242-252. https://doi.org/10.1590/1982-0216201719220815.
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. Em outras palavras, nessa tendência se enfatizam os erros como indicadores do desempenho ortográfico, sem que seja considerado seu percentual de ocorrência em relação ao total das possibilidades das categorias às quais eles remetem. Além dessa restrição, os erros são apenas tipificados, sem que se mencione qualquer gradiência entre eles.

Já, na segunda tendência, identifica-se uma tripartição entre estudos que abordam a relação entre acerto e erro: (i) sem tipificar o erro1717 Dos Santos MTM, Befi-lopes DM. Análise da produção de narrativa escrita de escolares do ensino fundamental. Distúrbios Comun. 2016; 28(2): 231-243.; (ii) tipificando o erro1818 Sotomayor C, Molina D, Bedwell P, Hernández C. Caracterización de problemas ortográfi-cos recurrentes en alumnos de escuelas municipales chilenas de 3º, 5º y 7º básico. Re-vista signos. 2013; 46(81): 105-131. http://dx.doi.org/10.4067/S0718-09342013000100005.
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,1919 CIAE: Centro de Investigación Avanzada em Educación [internet] Bedwell P, Domínguez AM, Sotomayor C, Gómes G, Jéldrez E. Caracterización de problemas ortográficos recur-rentes en alumnos de cuarto básico. Disponible en www. ciae. uchile. cl/download. php, 2014. http://dx.doi.org/10.4067/S0718-09342013000100005.
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,2020 Schafer CM, Quintaiski LF, Giacchinni V. Desempenho em consciência fonológica e erros de escrita de crianças submetidas a diferentes métodos de alfabetização. Distúrbios Comun. 2017; 29(2): 318-329. https://doi.org/10.23925/2176-2724.2017v29i2p318-329.
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; e (iii) apontando a gradiência existente na tipificação, embora sem que essa gradiência seja analisada(21,15, 22).

Destaca-se, aqui, a diferença de enfoque da relação acerto/erro pois, na caracterização do desempenho ortográfico das crianças, a ênfase vem sendo posta no erro. Mais ainda: as omissões, as transposições e as substituições são colocadas num mesmo e único plano - o dos erros -, quando, na verdade, deveriam ser situadas em planos diferentes, já que se trata de erros qualitativamente distintos, a serem posicionados em graus hierárquicos em relação ao acerto.

Ainda em relação aos resultados encontrados para o primeiro objetivo, foi observada maior quantidade de acertos na segunda posição de ataque complexo do que na posição de coda. Essa diferença entre as posições silábicas pode ser justificada pelas características fonéticas e fonológicas da sílaba.

De um ponto de vista fonético, a sílaba pode ser descrita a partir de suas características físicas de produção, de distribuição de energia acústica e de percepção auditiva. Em relação às características físicas de produção, o esforço muscular que gera a sílaba se intensifica e se reduz, podendo ser distribuído em três momentos: (1) intensificação da força; (2) limite máximo da força atingido; e (3) redução progressiva da força2323 Cagliari LC. Elementos de fonética do português brasileiro. São Paulo: Paulistana; 2009.. Abaixo, na Figura 3, segue esquema que mostra a distribuição da força muscular, tal como proposta por Cagliari:

Figura 3
Esquema do esforço muscular e da curva da força silábica.

Em consequência desse movimento muscular, a distribuição de energia acústica é desigual no interior da sílaba: a parte de maior sonoridade é justamente onde ocorre maior força muscular e as partes de menor sonoridade são aquelas onde ocorrem intensificação - energia crescente - e redução dessa força - energia decrescente2424 Jakobson R. Fonema e Fonologia. Trad. Joaquim Camara Jr. In: SAUSSURE, F. et al; 1978. Textos Selecionados. São Paulo: Abril Cultural; p. 55- 117.,2323 Cagliari LC. Elementos de fonética do português brasileiro. São Paulo: Paulistana; 2009..

Por fim, em relação à percepção auditiva, a audibilidade das partes da sílaba está relacionada tanto às características acústicas quanto motoras; logo, está diretamente relacionada à forma como “[...] ocorrem a descarga, a culminação e a detenção de seu impulso motor.”2424 Jakobson R. Fonema e Fonologia. Trad. Joaquim Camara Jr. In: SAUSSURE, F. et al; 1978. Textos Selecionados. São Paulo: Abril Cultural; p. 55- 117.. Assim, a parte que detém maior sonoridade é a de melhor percepção auditiva em relação às partes de intensificação e de redução.

Do ponto de vista fonológico, a estrutura interna da sílaba é organizada de forma hierárquica, pois seus componentes estabelecem, entre si, relações mais ou menos necessárias, em função de suas características em comum. Nessa visão, do nó principal da sílaba, saem dois constituintes fundamentais: o ataque e a rima. O ataque, ou onset, é a primeira posição da sílaba, preenchida preferencialmente por uma consoante; já a rima abrigará o restante dos elementos. Em geral, a rima ainda se ramifica em duas posições: a do núcleo ou peak (que abriga o elemento com maior grau de sonoridade da sílaba); e a da coda (posição final, não necessariamente presente na sílaba)2525 Selkirk EO. The syllable. The structure of phonological representations. Dorddrecht: Foris; 1982; p. 337-379.. Na Figura 4, segue-se modelo de organização interna da sílaba:

Figura 4
Modelo hierárquico de organização da sílaba.

A partir das características fonéticas e fonológicas expostas acima, a posição de coda apresenta maior instabilidade: de um ponto de vista fonético, enquanto na posição de ataque há aumento da força muscular, acréscimo de energia acústica e, consequentemente, maior favorecimento auditivo, a posição de coda sofre diminuição da força muscular, redução da energia acústica e, assim, maior desfavorecimento auditivo. De um ponto de vista fonológico, pelo fato de a coda estar numa posição ramificada, ela preenche uma posição mais fraca fonologicamente, já que está mais distante do nó principal. Abaixo, a Figura 5 mostra a relação entre os aspectos fonéticos e fonológicos da sílaba:

Figura 5
Aspectos fonéticos/fonológicos da sílaba.

No que se refere aos resultados relativos ao segundo objetivo, encontrou-se maior número de omissões nas duas posições. Um fator, de natureza fonológica, que possivelmente justificaria essa tendência seria o padrão universal da estrutura silábica consoante-vogal (CV)2626 Clements GN. The role of the sonority cicly in core syllabifications. Papers in laboritory fonology. 1990; 1: 283-333. https://doi.org/10.1017/CBO9780511627736.017.
https://doi.org/10.1017/CBO9780511627736...
. Como o que está em causa são ramificações (do ataque e da rima), a estrutura silábica resultante dessas divisões provoca, na organização da sílaba, distanciamentos do que seria o seu padrão preferencial (e universal). Desse modo, a omissão de elementos que preenchem as posições ramificadas poderia ser interpretada como um ajuste que a criança faz, na ortografia, em direção ao padrão preferencial (e universal) da estrutura silábica. Pode-se, pois, deduzir que, quanto mais distante do padrão universal for a estrutura silábica a ser ortografada, maiores serão as chances de ocorrerem omissões2626 Clements GN. The role of the sonority cicly in core syllabifications. Papers in laboritory fonology. 1990; 1: 283-333. https://doi.org/10.1017/CBO9780511627736.017.
https://doi.org/10.1017/CBO9780511627736...
.

Outro fator que pode favorecer as omissões na escrita inicial, são práticas pedagógicas de alfabetização tipicamente desenvolvidas em salas de aula. Nessas práticas, “[...] as famílias silábicas são exaustivamente apresentadas às crianças sob a forma CV, descartando, pelo menos no início da alfabetização, outros padrões de estruturação silábica na escrita. ”2727 Amaral AS, Freitas MCC, Chacon L, Rodrigues LL. Omissão de grafemas e características da sílaba na escrita infantil. Revista CEFAC. 2011; 1-10. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000007.
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201100...
.

O fato de as omissões em ataque complexo e em coda predominarem sobre as substituições e as transposições mostra-se, pois, como decorrente de uma possível integração entre características fonético-fonológicas da sílaba e práticas pedagógicas de alfabetização que, pelo menos no 1º ano do ensino fundamental, privilegiam o trabalho com famílias silábicas de estrutura CV. Consequentemente, e inversamente, transposições e substituições, nessas duas posições da sílaba, dão indícios, na escrita inicial de crianças, da emergência de padrões silábicos mais complexos nessa escrita - o que mostra que os erros na ortografia das crianças são qualitativamente diferentes já que indicam distintos modos de a complexidade da sílaba se mostrar na escrita infantil.

A possível ação (ou conjunção) desses dois fatores - características fonológicas da sílaba e práticas tradicionais de alfabetização - confirma, pois, resultados de estudos sobre a escrita infantil1212 Wiethan F M, Melo RM, Mota HB. Consoantes líquidas: ocorrência de estratégias de reparo em diferentes faixas etárias e gravidades do desvio fonológico. Rev CEFAC. 2010; 13(4): 607-16. https://doi.org/10.1590/S1516-18462010005000141.
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...

13 Miranda ARM. A fonologia em dados de crianças brasileiras. Linguística. 2014; 30: 45-80.

14 Vaz S, Pezarini IO, Paschoal L, Chacon L. Characteristics of the acquisition of sonorant conso-nants orthography in Brazilian children from a São Paulo municipality. CoDAS. 2015; 27(3): 230-235. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20152014114.
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201520...
-1515 Ferreira AA, Silva ACFS, Queiroga BAM. A aprendizagem da escrita e a escolaridade ma-terna. Rev. CEFAC. 2014; 16(2): 446-456. https://doi.org/10.1590/1982-021620146512.
https://doi.org/10.1590/1982-02162014651...
que vêm chamando a atenção para o fato de que, embora evidentemente relacionados, aspectos da fala não apresentam relações diretas com aspectos da ortografia. Os resultados do presente estudo, apesar de restritos ao registro ortográfico de apenas dois dos fonemas do PB, mostram, portanto, que o produto escrito da criança resulta de sua inserção tanto em práticas sociais orais (das quais a criança recupera aspectos da fala) quanto em práticas sociais letradas (das quais ela recupera aspectos de como a escrita lhe é mostrada ou ensinada/aprendida). Daí a heterogeneidade de constituição dessa escrita, que se mostra como fruto - conforme apontado anteriormente1414 Vaz S, Pezarini IO, Paschoal L, Chacon L. Characteristics of the acquisition of sonorant conso-nants orthography in Brazilian children from a São Paulo municipality. CoDAS. 2015; 27(3): 230-235. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20152014114.
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- da dupla inserção da criança em práticas sociais que envolvem a circulação da linguagem.

Uma última questão a ser destacada quanto aos resultados diz respeito à distribuição de acertos e erros, bem como à distribuição dos tipos de erros, quando comparados às duas diferentes posições silábicas analisadas. Como se pôde observar, não só essa relação como, ainda, os tipos de erro dependeram de os fonemas analisados ocuparem a segunda posição de ataque ramificado ou a posição de coda na estrutura da sílaba. Diferentemente, portanto, de estudos descritos anteriormente 44 Germano GD, Pinheiro FB, Capellini SA. Desempenho de escolares com dislexia: pro-gramas de intervenção metalinguístico e de leitura. Psicologia Argumento. 2017; 31(72): 11-22. http://dx.doi.org/10.7213/psicol.argum.7597.
http://dx.doi.org/10.7213/psicol.argum.7...

5 Dias RF, Mezzomo CL. Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso. Distúrbios Comun. 2018; 30(2): 266-277. https://doi.org/10.23925/2176-2724.2018v30i2p-266-277.
https://doi.org/10.23925/2176-2724.2018v...

6 Leite RCD, Brito LRM, Martins-Reis VO, Pinheiro AMV. Consciência fonológica e fatores associados em crianças no início da alfabetização. RevPsicopedagogia. 2018; 35(108): 306-317.

7 Costa ST, Campos VC, Aranha MBR, Araújo FE. Marcas da oralidade nas produções textu-ais dos alunos do ensino médio da escola ce humberto de campos na cidade de humberto de campos-ma. ACTAS. 2016; 3: 1-8.

8 Miranda ARM. As sílabas complexas: fonologia e aquisição da linguagem oral e escrita. Fórum Linguístico. 2019; 16(2): 3825-3848. https://doi.org/10.5007/1984-8412.2019v16n2p3825.
https://doi.org/10.5007/1984-8412.2019v1...

9 Silva NSM, Crenitte PAP. Comparação de escolares de escolas privadas e públicas quanto ao desempenho ortográfico. CoDAS. 2015; 27(2): 113-118. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20152014002.
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201520...
-1010 Chacon L, Pezarini IO. Gradiência na correspondência fonema/grafema: uma proposta de caracterização do desempenho ortográfico infantil. In: César ABP, Seno MP, Capellini SA. Tópicos em Transtornos de Aprendizagem: Parte VI. Ribeirão Preto: Chacon, L.; Pezarini, I. O. Gradiência na correspondência fonema/grafema: uma proposta de caracterização do desempenho ortográfico infantil. In: César ABP, Seno MP, Capellini SA. Tópicos em Transtornos de Aprendizagem: Parte VI. Ribeirão Preto: Booktoy Livraria e Editora, 2018., os resultados da presente investigação sugerem que a percepção que a criança tem das relações entre fonemas e grafemas não depende diretamente dessas relações. Isso porque esses resultados mostraram que a correspondência pode ser afetada tanto por outros aspectos fonológicos desconsiderados nessas relações (como, no caso dos resultados aqui em discussão, as posições silábicas), quanto para a ação que as práticas pedagógicas podem ter sobre tais relações.

CONCLUSÃO

Os resultados a que se chegou na presente investigação permitiram confirmar sua hipótese de partida: a de que as características fonético-fonológicas da sílaba exercem influência na maneira como as crianças no início de alfabetização registram os fonemas em sua ortografia. Além dessa confirmação, os resultados mostraram que essas crianças (i) muito mais acertam do que erram e que (ii) os erros apresentam gradiência, o que significa analisá-los em diferentes planos hierárquicos em relação às convenções que regulam as relações entre fonemas e grafemas, dadas suas diferentes distâncias em direção ao acerto.

Os resultados apontam, portanto, para a importância da atenção do profissional (seja da saúde, seja da educação) a dois aspectos centrais da aquisição ortográfica de fonemas que ocupam posições complexas: (1) a relação entre acertos e erros na grafia desses fonemas, já que acertos predominam largamente sobre erros, fato frequentemente desconsiderado pela literatura; e (2) a gradiência dos erros, já que sua diferença qualitativa diz respeito não diretamente às relações entre fonemas e grafemas, mas, principalmente, às características estruturais da sílaba. Os resultados permitem, ainda, compreender melhor as dificuldades que crianças em início de alfabetização podem apresentar, especialmente quanto à grafia dos fonemas /l/ e /ɾ/ em posições complexas - alvo dessa pesquisa -, contribuindo para práticas educacionais e clínicas mais eficazes que possam reduzir essas dificuldades. Os resultados podem, por fim, fornecer subsídios para diagnósticos mais precisos, diminuindo, assim, a demanda clínica, possibilitando intervenção fonoaudiológica apenas em casos de dificuldades desviantes do esperado para a etapa de desenvolvimento em consideração.

  • Fonte de financiamento: FAPESP - Processo: 2019/02828-2 / FAPESP - Processo: 2016/03268-2 / Pq/CNPq - Processo: 307721/2017-5.
  • Trabalho realizado no Grupo de Pesquisa Estudos sobre a Linguagem (GPEL/CNPq), Universidade Estadual Paulista - UNESP - Marília (SP), Brasil, com bolsas FAPESP e Pq/CNPq.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP - processo: 2019/02828-2; processo 2016/03268-2) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Processo: 307721/2017-5), pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2019
  • Aceito
    03 Dez 2019
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