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Aplicabilidade da manometria de alta resolução na laringectomia total

Resumo:

Objetivo:

medir a pressão da faringe e do segmento faringo-esofágico (SFE), no repouso e durante a sua vibração (na produção de voz esofágica) em pacientes laringectomizados totais com diferentes níveis de produção de voz.

Método:

participaram do estudo quatro indivíduos laringectomizados totais, todos submetidos à Manometria de Alta Resolução (MAR) no repouso e durante a fonação. Após esse processo, foi realizada uma análise descritiva dos resultados.

Resultados:

em nosso estudo, observamos que, durante o repouso, os pacientes apresentaram pressão do esfíncter esofágico superior (EES) abaixo da normalidade, e este dado pode estar relacionado a alterações das conexões musculares, ao nível do EES, especialmente, a interrupção do plexo cricofaríngeo. Durante a fonação, dois pacientes apresentaram maiores valores de pressão do EES, em todas as fonações, quando comparado com os valores encontrados no repouso, sugerindo que a introdução de ar no esôfago é seguida de contração faringo-esofágica e que, durante a fonação, os pacientes bons falantes esofágicos, podem desenvolver maior pressão nesta região.

Conclusão:

estudos com maior número de participantes podem ajudar a definir, por exemplo, sujeitos que poderão se beneficiar de procedimentos como a miotomia do cricofaríngeo ou outra conduta médica, a fim de facilitar a aquisição de voz esofágica nesses pacientes.

Descritores:
Laringectomia Total; Voz Esofágica; Manometria de Alta resolução; Laringectomia; Reabilitação

Abstract:

Purpose:

This study aims to measure the pressure of the pharynx and the pharyngoesophageal segment (PES) at rest and during phonation in total laryngectomized patients, with different levels of voice production.

Methods:

four total laryngectomized individuals participated in the study, All patients underwent High Resolution Manometry (MAR) at rest and during phonation. After this process, a descriptive analysis of the results was performed.

Results:

we observed that during rest the patients had PES pressure below normal and this data may be related to changes in the muscular connections at the level of the upper esophageal sphincter (UES) especially the interruption of the cricopharyngeal plexus. During phonation, two patients presented higher UES pressure values during phonation, when compared to the values found at rest, suggesting that introduction of air into the esophagus is followed by pharyngoesophageal contraction and that during phonation the patients with good esophageal speech may develop more pressure in this region.

Conclusion:

Studies with a greater number of participants may help define, for example, subjects who may benefit from procedures such as cricopharyngeal myotomy or other medical conduct in order to facilitate the acquisition of esophageal voice in these patients.

Keywords:
Total Laryngectomy; Esophageal Voice; High Resolution Manometry; Laryngectomy; Rehabilitation

INTRODUÇÃO

Entre as doenças que afetam a laringe, o câncer é uma das doenças mais graves. Nos principais centros de reabilitação de pacientes submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço, um dos tratamentos para a cura do câncer de laringe é a laringectomia total.

Em alguns casos, o impacto da doença pode ser devastador para o paciente, ocasionando dificuldade de fala e deglutição. Em relação à fala, o paciente terá que desenvolver uma fonte sonora diferente das pregas vocais. A opção é a vibração do segmento faringo-esofágico (SFE), que se torna a nova fonte sonora para esses pacientes. É hipótese dos autores, que a pressão excessiva no SFE, ou a redução exagerada dessa mesma pressão, pode dificultar esse processo. O tratamento para o câncer de laringe depende do estágio clínico, da extensão e da localização do tumor, que pode ser supraglótico, glótico e subglótico.

A tendência internacional de reabilitação desses pacientes é a utilização de próteses fonatórias de implante cirúrgico, considerado o padrão ouro para a comunicação. No Brasil, por motivos sociais e econômicos, a voz esofágica é o método de comunicação mais comum.

A produção da voz esofágica resulta da utilização do esôfago como reservatório temporário de ar, que será expulso e trabalhado nas cavidades superiores de ressonância e articulação, ou seja, a voz esofágica é aquela na qual o suprimento de ar passa do meio externo para a posição superior do esôfago, sendo armazenado ao nível correspondente às vértebras cervicais de números 5, 6 e 7, abaixo do segmento faringo-esofágico. O som da voz esofágica é rouca e com frequência baixa11. Behlau M, Voz: O Livro do Especialista. 2 ed., cap 11, Disfonias por Câncer de Cabeça e Pescoço. p. 221-267..

As contrações esofágicas desencadeadas pela deglutição estão alteradas após a laringectomia total, com diminuição da amplitude da contração e aumento do número de contrações não peristálticas. Ainda se sabe muito pouco sobre o que ocorre com a pressão intra-esofágica no momento em que há a produção da voz.

Para realizar essa medição, há um método novo para a prática clínica e de aplicabilidade no estudo da pressão intra-esofágica em pacientes laringectomizados, a Manometria de Alta Resolução (MAR).

A MAR é uma variante da manometria convencional, na qual múltiplos sensores de pressão estão dispostos no catéter. O programa de análise é, assim, capaz de criar um mapa através de contornos isobáricos codificados por cor ou mostrar traçados convencionais em tempo real. É composta por 36 sensores circunferenciais espaçados em um centímetro22. Herbella FA, Armijo PR, Patti MG. A pictorial presentation of 3.0 Chicago Classification for esophageal motility disorders. Einstein (São Paulo). 2016;14(3):439-442. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016MD3444.
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A aferição da pressão do SFE e de todo o esôfago permite uma melhor compreensão do que ocorre na região pós-laringectomia e seu impacto na fonação. Esse fato reflete em maiores aplicabilidades clínicas e de pesquisa.

MÉTODO

O estudo prospectivo, foi realizado com quatro pacientes,provenientes do ambulatório de Voz e Reabilitação de Cabeça e Pescoço da EPM-UNIFESP, de ambos os sexos, sem restrição de idade, sendo que três deles foram submetidos à laringectomia total e um deles, À laringectomia total associada à faringectomia parcial. Além disso, todos foram submetidos à radioterapia e quimioterapia, como tratamento adicional e todos apresentaram alterações na cintura escapular, como dor, rigidez, edema e limitação de movimentos, devido ao esvaziamento cervical (três pacientes com esvaziamento cervical seletivo - ECS e um paciente com esvaziamento cervical radical modificado - ECRM). Os quatro pacientes laringectomizados foram avaliados por um fonoaudiólogo e foram classifIcados como bons falantes da voz esofágica, de acordo com a escala de Wepman (1953). É importante ressaltar que os pacientes se encontravam em diferentes níveis da escala de Wepman (IV-II). Todos os pacientes foram submetidos ao exame de Manometria de Alta Resolução (Aparelho ManoScam 360 - High Resolution Manometry modelo A100), o qual foi realizado no ambulatório da Disciplina de Gastroenterologia- Departamento de Cirurgia da EPM-UNIFESP para se obter os valores da pressão do segmento faringo-esofágico no momento da tentativa da produção da voz esofágica.

Todos os pacientes foram submetidos à MAR após jejum de 8 horas. O protocolo incluiu um catéter sólido com 36 sensores circunferenciais espaçados em 1 cm (Given Imaging, Los Angeles, CA, EUA). Após anestesia tópica da narina com xilocaína, o catéter foi introduzido por via nasal até se obter a leitura do esôfago proximal, do esfíncter esofágico superior (EES), do esfíncter esofágico inferior (EEI) e de toda a faringe. O catéter foi fixado e, após um período de 20 segundos para aferição das pressões basais, 10 deglutições de 5 ml de água foram administradas em intervalos de 30 segundos, com os indivíduos em decúbito lateral esquerdo, de acordo com o protocolo utilizado pelo ambulatório da Disciplina de Gastroenterologia da EPM-UNIFESP. Para avaliar a pressão durante a emissão sustentada e na fala encadeada, foi solicitada aos pacientes a emissão da vogal sustentada “a” da contagem de “1 a 5” e do “pa ta ka”, de acordo com literatura disponível, com intervalo de pelo menos 30 segundos entre as modalidades de fala. Os pacientes foram instruídos a usar sua intensidade e frequência habitual de fala (Figura 1, Figura 2, Figura 3, Figura 4).

Os valores normais que foram considerados neste projeto foram derivados do software ManoView do grupo de Chicago, e foi a pressão basal média do EES (obtida no landmark), entre 34-104 mmHg;

Os resultados obtidos neste estudo foram analisados descritivamente.

Foram aferidas as seguintes variáveis:

  • Do EES:

  • Pressão basal: aferida no início do exame com paciente em repouso, no ponto médio, calculada pela pressão média de 20 segundos, em mmHg.

  • Da faringe:

  • Pressão de pico da faringe: medida do ponto de maior pressão;

  • Tempo da pressão de pico da faringe: relação entre a pressão máxima e o tempo de ascensão;

  • Tempo de ascensão da faringe: do início da contração até a pressão máxima;

  • Duração da contração faríngea: medida em milissegundos;

  • Tempo de recuperação da faringe: da pressão máxima até o final da contração.

  • Escala de Wepman (1953)

Esta escala é composta por três variáveis: nível, tipo de produção e habilidade de fala

  • Nível 1: produção de fala automática e habilidade de fala normal;

  • Nível 2: produção de fala voluntária contínua e habilidade de fala - frases;

  • Nível 3: produção de fala voluntária e habilidade de fala - palavras;

  • Nível 4: produção de fala voluntária e habilidade de fala - monossilabados;

  • Nível 5: produção de fala voluntária (às vezes) e habilidade de fala - ausência de palavras;

  • Nível 6: produção de fala involuntária e habilidade de fala - ausência de palavras;

  • Nível 7: não há produção de fala e habilidade de fala - não há produção de sons

Esta classificação foi realizada por um fonoaudiólogo do ambulatório de Voz e Reabilitação de Cabeça e Pescoço da EPM-UNIFESP, por meio da avaliação da capacidade de comunicação dos pacientes com a voz esofágica, utilizando a Escala de Wepman (1953). O tempo de treinamento da voz esofágica por esses pacientes foi em média de seis meses.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo sob o número 0904/2017, e todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para participar deste estudo.

Figura 1:
Avaliação manométrica do Esfíncter Esofágico Superior (EES). (1) duração do relaxamento. (2) duração da contração faríngea

Figura 2:
Avaliação manométrica do Esfíncter Esofágico Superior (EES) durante a fala

RESULTADOS

A pressão basal média do EES, no repouso, mostrou-se alterada em todos os pacientes. Verificamos que os quatro pacientes apresentaram baixa pressão do EES no repouso. A pressão variou de 7,2 mmHg - Wepman IV a 15,5 mmHg - Wepman II, indicando uma hipotonicidade do EES (Tabela 1).

Durante a fonação da vogal sustentada “a”, a pressão do EES variou de 9,7 a 20 mmHg; durante a fonação de “1 a 5”, a pressão do EES variou de 9,8 a 21 mmHg e durante a fonação do “pa ta ka”, a pressão do EES variou de 9,5 a 14,8 mmHg, entre os pacientes (Tabela 1).

Após as 10 deglutições, a pressão de pico média da faringe variou de 10,4 a 19,8 mmHg; a pressão de pico da faringe, acima do EES, variou de 64,1 a 114,4 mmHg; o tempo da pressão de pico da faringe variou de 150 a 300,6 mmHg/s; o tempo de ascensão da faringe variou de 301 a 424 ms; a duração da contração faríngea variou de 568 a 823 ms, e o tempo de recuperação da faringe variou de 234 a 522 ms, entre os pacientes. Esses parâmetros não apresentam valores de normalidade pré-definidos, pois os estudos apresentam metodologias diferentes e equipamentos diferentes, assim, não há um consenso (Tabela 2).

Tabela 1:
Pressão do Esfíncter Esofágico Superior (EES) durante a fonação e durante o repouso

Tabela 2:
Variáveis manométricas da faringe após 10 deglutições de 5 ml de água*

DISCUSSÃO

Entender os mecanismos que atuam na voz esofágica é fundamental, devido à baixa taxa de pacientes que conseguem desenvolver este meio de comunicação após a laringectomia total. Neste estudo, participaram quatro pacientes laringectomizados totais, considerados bons falantes da voz esofágica, de acordo com a escala de Escala de Wepman (1953), os quais tiveram a pressão do segmento faringo-esofágico avaliada por meio da Manometria de Alta Resolução (MAR).

A qualidade da voz e o esforço da fala diferem amplamente entre os pacientes laringectomizados reabilitados com a voz esofágica. A tonicidade do segmento faringo-esofágico e, portanto, a qualidade da nova fonte sonora, baseia-se na dinâmica de adaptação e vibração da mucosa faríngea33. Müller-Miny H, Diederich S, Bongartz G, Peters PE. Radiologic findings following supraglottic and total laryngectomy. Radiologe. 1991;31(7):324-31. PMid: 1924760., que varia de acordo com características individuais desta população44. Jacobi I, Timmermans AJ, Hilgers FJ, Van Den Brekel MW. Voice quality and surgical detail in post-laryngectomy tracheoesophageal speakers. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2016;273(9):2669-79. PMid: 26395116. DOI: 10.1007/s00405-015-3777-4.
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.

A região da cabeça e do pescoço são constantemente afetadas no tratamento com radioterapia. Podem ocorrer alterações agudas ou crônicas, como, telangiectasia e danos no tecido conjuntivo, como fibrose, trismo, edema e necrose dos tecidos moles55. Stone HB, Coleman CN, Anscher MS, McBride WH. Effects of radiation in normal tissue: consequences and mechanisms. Lancet Oncol. 2003;4(9):529-36. PMid: 12965273. DOI: 10.1016/s1470-2045(03)01191-4.
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.

No presente estudo, todos os pacientes foram submetidos à radioterapia, como tratamento adicional, o que pode prejudicar a voz esofágica66. Mendenhall WM, Parsons JT, Stringer SP, Cassisi NJ, Million RR. The role of radiation therapy in laryngeal cancer. CA Cancer J Clin. 1990;40(3):150-65. PMid: 2110022. DOI: 10.3322/canjclin.40.3.150.
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.

Funcionalmente, o esfíncter esofágico superior (EES) é reconhecido manometricamente como uma zona de alta pressão, com 3-4 cm de comprimento, que separa a pressão atmosférica na faringe da pressão subatmosférica no esôfago cervical77. Goyal RK, Martin SB, Shapiro J, Spechler SJ. The role of cricopharyngeus muscle in pharyngoesophageal disorders. Dysphagia. 1993;8(3):252-8. PMid: 8359047. DOI: 10.1007/BF01354547.
https://doi.org/DOI: 10.1007/BF01354547....
. Após a laringectomia total, as fibras do músculo cricofaríngeo são aproximadas, devido à sutura, alterando o tamanho e o comprimento do esfíncter esofágico superior (EES), o que pode explicar a ocorrência de alterações nesta região. O comprometimento da função do EES também pode ocorrer em decorrência da secção das ramificações vagais, reduzindo o tônus do músculo cricofaríngeo e ocasionado contrações descoordenadas do músculo constritor88. Sloane PM, Griffin JF, O’Dwyer TP, Griffin JM. Esophageal insufflation and videofluoroscopy for evaluation of esophageal speech in laryngectomy patients: clinical implications. Radiology. 1991;181(2):433-7. PMid: 1924785. DOI: 10.1148/radiology.181.2.1924785.
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.

Durante o repouso, pacientes LT apresentam redução da pressão do EES quando comparados com indivíduos saudáveis99. Dantas RO, Aguiar-Ricz LN, Oliveira EC, Mello-Filho FV, Mamede RC. Influence of esophageal motility on esophageal speech of laryngectomized patients. Dysphagia . 2001;17(2):121-5. PMid: 11956837. DOI: 10.1007/s00455-001-0111-7.
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. Outro estudo, avaliou seis pacientes LT sem disfagia e seis pacientes controle, todos submetidos ao exame da MAR. Foi verificada uma diminuição da pressão do EES nos pacientes LT, e a baixa pressão foi atribuída a possíveis alterações das conexões musculares ao nível do EES, especialmente, a interrupção cricofaríngea1010. Lippert D, Hoffman MR, Britt CJ, Jones CA, Hernandez J, Ciucci MR, McCulloch TM. Preliminary Evaluation of Functional Swallow After Total Laryngectomy Using High-Resolution Manometry. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2016;125(7)541-9. PMid: 26868604. DOI: 10.1177/0003489416629978.
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.

No atual estudo, verificamos que os quatro pacientes apresentaram baixa pressão do EES no repouso (I: 7.2 mmHg; II: 11.3 mmHg; III: 11.9 mmHg; IV: 13.5 mmHg), quando comparados aos valores de normalidade esperados (34-104 mmHg, podendo a baixa pressão estar relacionada a possíveis alterações das conexões musculares ao nível do EES, especialmente, a interrupção do plexo cricofaríngeo. No entanto, a baixa pressão do EES não parece ser um fator preponderante para o desenvolvimento da voz esofágica.

Para avaliar a pressão do EES durante a fonação, solicitamos aos pacientes a emissão da vogal /a/ e do “pa ta ka” e, a contagem de 1 a 5. Durante a fonação da vogal sustentada “a”, a pressão do EES variou de 9,7 a 20 mmHg; durante a fonação de “1 a 5”, a pressão do EES variou de 9,8 a 21 mmHg e, durante a fonação do “pa ta ka”, a pressão do EES variou de 9,5 a 14,8 mmHg, entre os pacientes. Os pacientes I e IV, apresentaram maior pressão do EES durante a fonação quando comparados com a pressão no repouso. Os pacientes II e III, apresentaram maiores valores de pressão apenas na emissão da vogal “a”. Para a produção da voz esofágica, é necessário que o esfíncter se mantenha contraído para conter o ar. No entanto, os nossos pacientes apresentaram diminuição de tônus do EES, de acordo com os resultados de pressão do EES obtidos durante a aferição no repouso. Em contrapartida, o pico de pressão da faringe, em todos os pacientes, mostrou-se maior em relação aos valores de pressão do EES durante o repouso e a fonação. Após a deglutição de água, ocorre a contração da região faringo-esofágica. A introdução de ar no esôfago, também é seguida de contração da região faringo-esofágica, sugerindo que, durante a fonação, os pacientes bons falantes esofágicos,podem desenvolver maior pressão nessa região, no momento da produção esofágica. Também observamos que a duração da contração faríngea foi maior nos melhores falantes esofágicos (nível II), o que pode estar relacionado com a presença da barra cricofaríngea, que pode ser definida como uma proeminência muscular1111. Bentzen N, Guld A, Rasmussen H. X-ray video-tape studies of laryngectomized patients. J Laryngol Otol 1976;90:655-666. PMid: 956706. DOI: 10.1017/s0022215100082554.
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ou como uma massa mucosa na parede posterior da faringe1212. Kirchner JA, Scatliff JH, Dey FL, Shedd DP: The pharynx after laryngectomy. Laryngoscope 1963;73:18-33. PMid: 916783. DOI: 10.1002/lary.1977.87.11.1884.
https://doi.org/DOI: 10.1002/lary.1977.8...
.

Muitas das falhas na aquisição da voz esofágica por pacientes laringectomizados, devem-se à existência de anormalidades na região cricofaríngea inerentes à reconstrução e a uma possível variação de tônus. É importante que o SFE apresente resistência suficiente à passagem do ar para gerar um som. Porém, esta resistência não pode ser tão grande a ponto de gerar um som excessivamente tenso ou impedir a sua produção. É visto na literatura, relação entre o grau de tônus do SFE muito aumentado e a impossibilidade de aquisição de voz esofágica. Alguns estudos concluíram que um tônus moderado ou baixo é favorável para essa aquisição1313. Teng Zhang, Siwei Bai, Cook I, Szczesniak M, Maclean J, Dokos S. Modeling of pharyngoesophageal phonation in total laryngectomy patients with preliminar validation. Conf Proc IEEE Eng Med Biol Soc. 2016;2016:2917-2920. PMid: 28268924. DOI: 10.1109/EMBC.2016.7591340.
https://doi.org/DOI: 10.1109/EMBC.2016.7...
. Em outros estudos, também é visto que esses fatores anatômicos influenciam a aquisição da fala esofágica88. Sloane PM, Griffin JF, O’Dwyer TP, Griffin JM. Esophageal insufflation and videofluoroscopy for evaluation of esophageal speech in laryngectomy patients: clinical implications. Radiology. 1991;181(2):433-7. PMid: 1924785. DOI: 10.1148/radiology.181.2.1924785.
https://doi.org/DOI: 10.1148/radiology.1...
,1414. Morgan DW, Hadley J, Willes G, Cheesman AD. Use of a portable manometer as a screening procedure in voice rehabilitation. J Laryngol Otol . 1992;106(4):353-5. PMid: 1613350. DOI: 10.1017/s0022215100119474.
https://doi.org/DOI: 10.1017/s0022215100...
,1515. Perry A, Cheesman AD, McIvor J, Chalton R. A British experience of surgical voice restoration techniques as a secondary procedure following total laryngectomy. J Laryngol Otol . 1987;101(2):155-63. PMid: 3572218. DOI: 10.1017/s0022215100101422.
https://doi.org/DOI: 10.1017/s0022215100...
. No entanto, esses estudos não contavam com equipamento tão preciso como a MAR.

Pacientes LT que apresentam espasmos no SFE e/ou alterações de tônus podem ser submetidos a tratamentos preventivos ou curativos, como a realização da miotomia do cricofaríngeo e aplicação de toxina botulínica, que, apesar de serem procedimentos invasivos, possibilitam o relaxamento da musculatura, impedindo a ocorrência de espasmos ou de hipertonicidade no SFE. A literatura, registra estudos sobre a ação da miotomia do cricofaríngeo e da toxina botulínica em pacientes LT. Porém, especialmente neste caso, a maioria dos estudos foi realizada em pacientes reabilitados com a voz tráqueo-esofágica, os quais apresentaram melhora vocal após o tratamento. Já em relação à miotomia, alguns autores observaram que há diminuição do pico de pressão faríngea e diminuição dos espasmos e da hipertonicidade em pacientes LT1616. Chone CT, Teixeira C, Andreollo NA, Spina AL, Barcellos IH, Quagliato E, Crespo AN. Botulinum toxin in speech rehabilitation with voice prosthesis after total laryngectomy. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(2):182-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992008000200012.
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,1717. Chone CT, Seixas VO, Andreollo NA, Quagliato E, Barcellos IH, Spina AL, Crespo AN. Computerized manometry use to evaluate spasm in pharyngo-esophageal segment in patients with poor tracheoesophageal speech before and after treatment with botulinum toxin. Braz J Otorhinolaryngol . 2009;75(2):182-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992009000200005.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992009...
,1818. Horowitz JB, Sasaki CT. Effect of cricopharyngeus myotomy on postlaryngectomy pharyngeal contraction pressures. Laryngoscope . 1993;103(2):138-40. PMid: 8426504. DOI: 10.1002/lary.5541030203.
https://doi.org/DOI: 10.1002/lary.554103...
,1919. Van Weissenbruch R, Kunnen M, Albers FW, Van Cauwenberge PB, Sulter AM. Cineradiography of the pharyngoesophageal segment in postlaryngectomy patients. Ann Otol Rhinol Laryngol . 2000;109(3):311-9. PMid: 10737317. DOI: 10.1177/000348940010900314.
https://doi.org/DOI: 10.1177/00034894001...
. Em nosso estudo, nenhum dos pacientes foi submetido a esses procedimentos.

É necessária uma maior compreensão, visando diagnosticar e caracterizar as dificuldades inerentes à produção da voz esofágica, permitindo, quando possível, intervenções médicas específicas a fim de facilitar a comunicação nesses pacientes. O uso da MAR para a aferição da pressão do SFE pode nos auxiliar nesta compreensão, definir condutas médicas e fonoaudiológicas e beneficiar a reabilitação desses pacientes.

CONCLUSÃO

Em nosso estudo, observamos que, durante o repouso, todos os pacientes apresentaram pressão do EES abaixo da normalidade. Durante as tarefas fonatórias houve variação de pressão.

É importante ressaltar, que estudamos um número restrito de pacientes e usamos parâmetros, cujos valores de normalidade ainda são controversos, pois os estudos mostram metodologias diferentes e equipamentos diferentes, assim, não há um consenso. Não foi realizada análise estatística dos dados em função da baixa quantidade de pacientes.

A utilização da MAR para a medição da pressão no SFE, pode nos dar uma melhor compreensão da fisiologia da fonação. Com isso, procedimentos desnecessários podem ser evitados e condutas terapêuticas com melhores prognósticos, podem ser selecionadas. Estudos adicionais, podem caracterizar ainda mais a pressão do SFE de pacientes laringectomizados e identificar aspectos suscetíveis à disfunção desta estrutura, que está intimamente relacionada com a produção da voz esofágica nesses pacientes.

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    Instituição onde o trabalho foi realizado: Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Fonoaudiologia. São Paulo (SP), Brasil.
  • Fontes de financiamento:

    nada a declarar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2019
  • Aceito
    06 Dez 2019
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