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Apresentação

APRESENTAÇÃO

Este dossiê representa parte das atividades realizadas no âmbito do Protocolo de Colaboração celebrado entre a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a Universidade do Minho e a Universidade Federal da Bahia1 1 Os docentes responsáveis pelas atividades acadêmicas desenvolvidas em Portugal e no Brasil são, respectivamente, os professores Telmo Caria, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Universidade do Porto, e Vera Fartes, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. , com apoio da Fundação para Ciência e Tecnologia – FCT –, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal. A proposta apresentada tem como principal objetivo aprofundar e defender reflexões e resultados de pesquisas em diferentes campos de atuação sobre os "saberes profissionais", área ainda carente de estudos. s

É em torno de temas originados em contextos profissionais diversificados que organizamos essa proposta, trazendo estudos realizados não somente em lugares diferenciados de prática educacional e profissional, como também em realidades socioculturais distintas dos dois países. Essas diferentes abordagens são o que, a nosso ver, constitui a maior contribuição deste dossiê que, a par da necessidade de conferir maior visibilidade e aprofundamento da temática no Brasil, traz a experiência de estudiosos de outra parte do mundo.

Importante ter presente que, ao falarmos neste dossiê de "saberes", tomando por base o trabalho profissional, estamos nos referindo a uma atividade laboral que tem uma relação estreita com a posse de diplomas da educação superior. Não se trata, portanto, de qualquer profissão, no sentido comum do termo, mas só daquelas cujo estatuto econômico e social depende de uma escolaridade prolongada e, portanto, corresponde a um trabalho intelectual que decorre do uso e da mobilização de conhecimento abstrato e científico no contexto de trabalho.

Encontramos neste dossiê estudos sobre profissões e sistemas de formação, cujo acesso à atividade pressupõe, tendencialmente, uma licenciatura: professores de educação tecnológica, projetos de inserção social, assistentes sociais e gerontólogos. Nesta acepção, de possível objeto interdisciplinar, o saber profissional aparece nas ciências do trabalho associado a estudos sobre significações e identidades em contextos de exercício profissional. Nas ciências da educação aparece mais associado a estudos sobre a organização e apropriação do conhecimento oficial, recontextualizado em campos de práticas curriculares.

A organização deste dossiê pretende ser, dentro de seus limites, um primeiro contributo para que as relações entre educação e trabalho deixem de ser pensadas apenas como problemas educacionais e institucionais, sócio-organizacionais, ou, ainda, de gestão e aprendizagem do conhecimento.

A nossa proposta mais geral, que se estende para além deste conjunto de textos, é a de que, mediante o conceito de "saber profissional", se possam analisar, de modo transversal, as relações entre práticas de trabalho, identidades institucionais e sistemas de formação. De um modo mais operacional, poderemos dizer que a nossa proposta teórica é a de conceber o saber profissional a partir do cruzamento de três fontes sociocognitivas:

  • o saber prático, necessário às rotinas e improvisos das situações de trabalho, e a todo o momento acionados na interação social a partir de repertórios de experiências entre membros de uma mesma profissão como competência para saber comunicar, proceder, categorizar as práticas no nível microssocial, que se focaliza na prática das suas relações com a construção das identidades no trabalho;

  • o saber abstrato e científico recontextualizado, necessário à legitimação e explicação das regularidades sistêmicas, funcionais ou estruturais, reconhecidas na atividade profissional, acionado na interação social como competência declarativa, estratégica e/ou deontológica, capazes de lidar com orientações políticas e estratégias e com relações de poder no nível macrossocial e global, cujo foco está nos sistemas de formação nas relações com a organização do trabalho e da prática;

  • o saber sócio-organizacional, ou institucional, em que o saber prático e o abstrato são acionados na interação social para responder às procuras e às ofertas de trabalho profissional e intelectual, como competência para gerar autonomia técnica, simbólica e política num grupo profissional, diante das prescrições de regras e de constrangimentos de recursos no nível mesossocial, com foco nas identidades organizacionais e nas práticas de trabalho na sua relação com a organização e divisão social do trabalho.

Iniciamos nossa proposta com o artigo de Lucília Machado. Nele, a autora aborda os Planos de Desenvolvimento de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e traz resultados de análises de documentos dessas instituições em relação ao uso dos saberes profissionais na sua interação com o sistema social. Foram analisados Planos de Desenvolvimento Institucional para o período de 2009 a 2013 de cinco Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais. Foram analisados, também, documentos legais e do Ministério da Educação. Desejou-se saber como esses documentos definiram o uso dos saberes profissionais no atendimento de demandas específicas do sistema social. Foram priorizadas, sobretudo, demandas concretas do desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; de interesses de grupos sociais e instituições, de peculiaridades regionais, de arranjos produtivos, sociais e culturais locais e as decorrentes da necessidade de preservação do meio ambiente.

"Mudança no conhecimento e na profissão acadêmica em Portugal" é o artigo no qual os autores Rui Santiago e Teresa Carvalho, ambos da Universidade de Aveiro, analisam o impacto das transformações nas condições institucionais e epistemológicas da produção de conhecimento científico na profissão acadêmica em Portugal. O estudo parte do pressuposto de que a mercantilização e "managerialização" crescentes do ensino superior português, visíveis desde o início do século XXI, alteraram substancialmente essas condições, sendo susceptíveis, por conseguinte, de afetar a autonomia profissional dos acadêmicos e o seu controle sobre a natureza e a forma pela qual o conhecimento é produzido e difundido.

A competência reflexiva processual em Serviço Social na ação profissional com as populações em Portugal é o tema de Berta Granja, do Instituto Superior em Serviço Social do Porto. Nele, a autora traz os resultados de um projeto de investigação etnográfico desenvolvido em Portugal, no Brasil e no Canadá sobre a atividade profissional dos assistentes sociais, centrando-se nos aspectos relacionados aos saberes mobilizados na interação com as populações. A autora ressalta que a atividade profissional dos assistentes sociais responde a problemas vividos por indivíduos de forma singular, mas que resultam do funcionamento das estruturas socioeconômicas e políticas e seus sistemas que influenciam percursos educacionais, modos e condições de vida, grupos e suas identidades individuais e coletivas. Nesse sentido, a resposta a esses problemas da ação exige um saber profissional proveniente de uma estrutura sociocognitiva específica que está na base da "forma identitária" que se constrói e reconstrói pela reflexão individual e coletiva e pela afirmação da autonomia profissional na ação.

Vera Fartes e Adriana Quixabeira, docentes da Universidade Federal da Bahia e do Instituto Federal de Alagoas, respectivamente, tratam dos saberes, da identidade e da autonomia na cultura profissional de professores da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil. Para isso, desenvolvem quatro teses, partindo do princípio de que os saberes profissionais englobam dois tipos de fenômenos sociais que expressam o modo pelo qual as pessoas vivenciam as organizações e as instituições sociais no mundo contemporâneo: o primeiro fenômeno se refere à relação entre o papel institucional ocupado pelos grupos sociais e os processos coletivos de construção identitária na sociedade; o segundo trata da mobilização dos diferentes tipos de conhecimento em situação de trabalho diante das variadas qualificações hoje exigidas dos profissionais em contextos de intervenção. A noção de cultura, nesse sentido, tem a possibilidade heurística de enfatizar e articular as identidades dos atores e seus saberes partilhados, possibilitando atitudes autônomas e reflexivas sobre os conhecimentos mobilizados na prática.

Nos vários estudos ora anunciados, as competências de saber estão sempre associadas a significações diferenciadas, conforme o conteúdo organizacional e institucional específico de cada grupo profissional. Pensamos que o desafio epistemológico e metodológico nos estudos sobre o saber profissional está em conseguir fazer a dissociação entre significações contextuais e competências gerais, para podermos desenvolver uma teoria que permita comparar e analisar os saberes em diferentes profissões naquilo que têm em comum, como formas de organização da prática, da identidade e da reflexividade no trabalho.

Assim, este dossiê deve ser lido como um trabalho em construção, do qual não se conhece antecipadamente o ponto de chegada, embora se tenha uma direção nos caminhos a seguir.

Vera Fartes; Telmo Humberto Lapa Caria

verafartes@uol.com.br ; tcaria@utad.pt

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    Os docentes responsáveis pelas atividades acadêmicas desenvolvidas em Portugal e no Brasil são, respectivamente, os professores Telmo Caria, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Universidade do Porto, e Vera Fartes, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2011
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