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Da centralidade do sofrimento na militância feminista: entre disputas e estratégias

The Centrality of Suffering in Feminist Activism: Disputes and Strategies

Resumo

Nomear os processos de subalternização tem sido uma ferramenta feminista imprescindível para a ação política. Reconheço a importância desse exercício, mas problematizo os efeitos que podem emergir de uma militância que se limita a essa nomeação. Discuto, especificamente, a centralidade no sofrimento, que por vezes faz crer que (só) se é aquilo que se sofre. Problematizar as condições de possibilidade e efeitos desta centralidade, além de apostar em horizontes para além do sofrimento é o exercício a que esse texto se propõe. Como inspirações teóricas, trago contribuições contracoloniais e/ou não cishetero-branco centradas.

Sofrimento; Militância feminista; contracolonialidade; Decolonialidade

Abstract

Naming the processes of subalternity has been an essential feminist tool for political action. I recognize the importance of this exercise, but question the effects that can emerge from activism limited to this. I discuss, especially, the centrality of suffering, which at times can make one believe that it is only activism when one suffers. The objective of this study is to analyze the conditions of possibility and effects of this focus, while examining horizons that allow looking beyond suffering. The theoretical inspirations include post-colonial, decolonial and non-white-cis-hetero-centered contributions.

Suffering; Feminist activism; Post-colonialism; Decolonialis

Introdução: política de localização

Os movimentos feministas, como um produto/produção de seu próprio tempo, passam por diferentes momentos, em termos históricos, geopolíticos, raciais, de classe, deficiência e tantas outras intersecções. A proposta deste texto, em formato ensaístico, é fazer uma imersão sobre um enquadramento específico: a centralidade teórico-prática do sofrimento em algumas militâncias contemporâneas. Centralidade que pensarei seja como ferramenta para nomear efeitos das violências, seja como afirmação identitária. Como ativista lésbica e feminista, refleti sobre o quão imperativa essa noção podia ser nas minhas próprias práticas e também nos grupos dos quais faço parte (feministas, anti-racistas, LGBT).

Antes de prosseguir a reflexão, no entanto, creio ser oportuna uma contextualização acerca da escolha pelo formato ensaísta e sua relação com o que será discutido. A decisão por partir das posições subjetivas e ao mesmo tempo sociais para refletir sobre os processos de afecção se localiza nas tendências que se têm convencionado chamar “giro afetivo”. Este movimento é caracterizado por uma acentuação, no campo das ciências humanas, de discussões sobre a dimensão emocional e afetiva dos processos sociais (Lara; Domínguez, 2013LARA, Alí; DOMÍNGUEZ, Giazpu E. El giro Afectivo. Athenea Digital, Revista Dialnet, Espanha, 13 (3), 2013, pp.101-119.). Esta articulação conceitual, que tem entre suas principais referências pensadores como Spinoza e Deleuze, busca realizar uma reflexão teórica acerca da experiência e dos afetos, apostando, por vezes, em uma “metodologia” mais personificada/implicada com as corporalidades. Assim, parte das propostas recentes do giro afetivo, envolve um esforço metodológico que frequentemente traz uma “marca personal em las conexiones de la producción del conocimiento” (Lara; Domínguez, 2013LARA, Alí; DOMÍNGUEZ, Giazpu E. El giro Afectivo. Athenea Digital, Revista Dialnet, Espanha, 13 (3), 2013, pp.101-119.:111), também por isso, aposto aqui em um estilo ensaístico e em primeira pessoa.

Prosseguindo, ao notar em minha experiência como ativista uma centralidade no sofrimento, busquei iniciar as perguntas a partir daí. A que eu me referia quando usava sofrimento como categoria analítica? Qual o status que o sofrimento tinha nas concepções de mundo e de sujeito que me estavam orientando? A partir daí, fui expandindo as perguntas: quais os principais usos dessa categoria nas militâncias? E que efeitos esses usos produziam? Quais condições possibilitaram que houvesse essa centralidade? Essas são algumas das perguntas sobre as quais pretendo me debruçar neste texto, não com a pretensão de respondê-las, mas de trazer minhas apostas e inquietações.

Essas perguntas partem de um corpo, o meu, que se localiza politicamente como indígena guarani, não binária. Esses são alguns dos recortes que me constituem singularmente na forma como afeto e sou afetada no mundo. Essa política de localização é inspirada em feministas como Adrienne Rich (1984), bell hooks (1984) e Gloria Anzaldúa (1987), que começam suas análises a partir “da vida e do corpo”.

O lugar de que parto, por conseguinte, não é neutro, pois como diria Butler (1998BUTLER, Judith. Fundamentos Contingentes: O feminismo e a questão do “pós-modernismo”. cadernos pagu (11), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998, pp.11-42 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634457 - acessado em 30 jun 2022].
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:24): “Nenhum sujeito é seu próprio ponto de partida; e a fantasia de que o seja só pode desconhecer suas relações constitutivas refundindo-as como o domínio de uma externalidade contrabalançadora”. Dessa maneira, se minhas posições no mundo fossem outras que não estas que me constituem, ainda assim o lugar de partida não seria neutro, porque, como mencionei, sujeito nenhum parte de si, e desconsiderar isso também é silêncio que fala. Donna Haraway ressalta o que se poderia chamar de “objetividade feminista”, um situar do saber, pois, nas palavras dela: “não é possível realocar-se em qualquer perspectiva dada sem ser responsável por esse movimento. A visão é sempre uma questão do poder de ver – e talvez da violência implícita em nossas práticas de visualização. Com o sangue de quem foram feitos os meus olhos?” ((1995:25). Em consonância com a importância dos saberes localizados, ressalto que essas posições e perspectivas que me atravessam no momento não são fixas, estanques, e mais do que fluidas, são contingentes, estratégicas (Butler, 1998BUTLER, Judith. Fundamentos Contingentes: O feminismo e a questão do “pós-modernismo”. cadernos pagu (11), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998, pp.11-42 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634457 - acessado em 30 jun 2022].
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).

O uso que farei da categoria perspectiva/perspectivismo é inspirado nas proposições nietzschianas acerca desse termo que, para esse autor, era referente a uma pluralidade semântica que não se poderia reduzir a uma definição única (Mota, 2010MOTA, Tiago. Nietzsche e as perspectivas do perspectivismo. Cadernos Nietzsche, n.27, São Paulo, 2010, pp.1-15.). Se a ideia central do perspectivismo é a de que fatos não existem, apenas interpretações, então interpretação é criação (Mota; Thiago; 2010), e dizer que fatos são criações não tira a materialidade de cada um dos seus efeitos. Esse olhar sobre a produção de leituras no mundo me parece especialmente pertinente para a dessacralização do lugar de Verdade que algumas perspectivas historicamente ocuparam e ocupam nos mais diferentes campos, especialmente, aqui, o da sexualidade. Para Foucault (1984), inspirado em Nietzsche, o conhecimento foi inventado, e dizer isso é também dizer que esse conhecimento não tem origem, que não está inscrito na natureza humana. Dessa maneira, é a partir deste corpo (com o qual me identifico, mas também me desidentifico) que construo minhas perspectivas e análises situadas.

Retomando então a proposição butleriana sobre a imprescindibilidade dos usos contingentes das identidades, e também por Nietzsche ser um dos autores com os quais ela dialoga, é possível pensar que o perspectivismo harmoniza com as localizações estratégicas – tanto as identidades quanto/como as verdades estariam convidadas (provocadas) a abrir seus termos para múltiplas interpretações. Conceito esse de verdade em disputa, bem como o de realidade, não no sentido de defender que haja tantas realidades quanto há pessoas, mas de problematizar esses regimes nos quais elas se constroem como mais ou menos legítimas. Nesse sentido de provocar, desestabilizar o valor da Verdade, retomo mais uma vez Nietzsche (2005), em “Além do bem e do mal”, quando diz que

A falsidade de um juízo não chega a constituir, para nós, uma objeção contra ele; é talvez nesse ponto que a nossa nova linguagem soa mais estranha. A questão é em que medida ele promove ou conserva a vida, conserva ou até mesmo cultiva a espécie; e a nossa inclinação básica é afirmar que os juízos mais falsos (entre os quais os juízos sintéticos a priori) nos são os mais indispensáveis, que, sem permitir a vigência das ficções lógicas, sem medir a realidade com o mundo puramente inventado do absoluto, do igual a si mesmo, o homem não poderia viver - que renunciar aos juízos falsos equivale a renunciar à vida, negar a vida. Reconhecer a inverdade como condição de vida: isto significa, sem dúvida, enfrentar de maneira perigosa os habituais sentimentos de valor; e uma filosofia que se atreve a fazê-lo se coloca, apenas por isso, além do bem e do mal (Nietzsche, 2005NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo, Companhia das Letras, 2005 [1886].:15).

Finalizando este tópico, entendo a política de localização como um posicionamento que parte do corpo, nas dimensões teóricas e afetivas que o constituem no olhar para o mundo (Rich, 2002RICH, Adrienne. Notas para uma política de localização. In: MACEDO, Ana Gabriela, (org.). Gênero, desejo e identidade. Lisboa, Cotovia, 2002, pp.15-34 [1984]./1984). Partir do corpo compõe a localização política na medida em que se historiciza e problematiza a experiência. Assim, essa localização é política, como política é toda prática de análise, uma vez que “participa da ampliação do alcance do desejo, precisamente em seu caráter de produtor de artifício, ou seja, produtor de sociedade” (Rolnik, 2007ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: Transformações Contemporâneas do Desejo. São Paulo, UFRGS Editora, 2007.:50).

Falando também sobre a noção do lugar/localização como categoria analítica e política, Claudia de Lima Costa (2002COSTA, Claudia. L. O sujeito do feminismo: revisitando os debates. cadernos pagu (19), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2002, pp.59-90 [https://www.scielo.br/j/cpa/a/wS7Qsx7gSndHr7FyYcfjR5Q/abstract/?lang=pt - acessado em 30 jun 2022].
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:86) ressalta que “(...) a consciência quanto ao lugar de enunciação surge do reconhecimento de que a experiência concreta se torna um momento teórico-crítico para estratégias que buscam interrogar categorias analíticas juntamente com seus usos hegemônicos”.

Tendo feito essa introdução na política de localização, ressalto que minhas análises neste texto têm a consciência de que a pluralidade constitui os campos feministas – pelo que reconheço não ser possível dar conta das infinitas vias de compreensão que eles podem inspirar, nem é esse o meu objetivo aqui. Pontuo, então, que minhas análises dizem respeito mais precisamente a alguns contextos cuja especificidade procurarei localizar oportunamente.

Primeiras desterritorializações

Instigada pelas viagens teóricas, fui observando o status que o sofrimento tinha nas discussões contemporâneas feministas. Notei que o sofrimento tinha sim um espaço estabelecido em muitas discussões feministas e/ou psicológicas, mas a visibilidade que muitas vezes alçava era capturada; esse processo é semelhante, nesse sentido, à “falsa” visibilidade do sexo, problematizada por Foucault (1988)FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, 1988. Tradução: M. T. C. Albuquerque e J. A. Albuquerque. – visibilidade em termos rígidos, com finalidades igualmente rígidas. Essa visibilidade, antes de expandir e potencializar a experiência, acabava muitas vezes por reduzir o sujeito ou mesmo significá-lo no mundo (apenas) a partir da dor. Percebi em mim mesma algumas dessas concepções, especialmente a partir de meu olhar feminista: ‘sofremos n coisas, logo, merecemos respeito!’. Quase um apelo a sentimentos como piedade e compaixão, esses clamores eram por vezes mais lamúrias que brados. Nas relações com as instâncias heterocissexistas, racistas, capacitistas, classistas (em seus dispositivos, membros), na “melhor” das hipóteses, essas lamúrias, quando visíveis, muitas vezes o eram com uma tonalidade marcada pela arrogância de quem se crê superior: superioridade de quem estabelece uma alteridade hierárquica, de quem não se entende como o ‘coitadinho’, o ‘digno de pena’. Rogério Junqueira (2012)JUNQUEIRA, Rogério. Pedagogia do armário e currículo em ação: heteronormatividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano escolar. In: MISKOLCI, Richard; PELÚCIO, Larissa. Discursos fora da Ordem: deslocamentos, reinvenções e direitos. Editora Annablume, São Paulo, 2012, pp.1-25. fala sobre isso que ele chama de pedagogias, cujas narrativas deixariam transparecer

um entendimento de que respeitar o “outro” seria um gesto humanitário, expressão de gentileza, delicadeza ou magnanimidade. Indicam uma espécie de benevolente tolerância que deixa ilesas as hierarquias, as relações de poder (...). Em casos assim, pessoas com distintos graus de preconceitos costumam se perceber dotadas de atributos positivos justamente por crerem-se portadoras de sensibilidade em relação às vítimas, uma dose de uma espécie de compaixão, em função da qual o “outro” recebe uma aquiescente autorização para existir, em geral, à margem e silenciado (Junqueira, 2012JUNQUEIRA, Rogério. Pedagogia do armário e currículo em ação: heteronormatividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano escolar. In: MISKOLCI, Richard; PELÚCIO, Larissa. Discursos fora da Ordem: deslocamentos, reinvenções e direitos. Editora Annablume, São Paulo, 2012, pp.1-25.:20).

Essa condolência muitas vezes é acompanhada de uma espécie de “admiração” fetichizante ou romantizada, como por exemplo a que muitas feministas brancas1 1 As economias de racialização não se restringem, evidentemente, às feministas brancas, apenas as citei pela pertinência do tema: modos de se relacionar com o sofrimento e a disputa interna (no movimento feminista, por exemplo) na intersecção entre gênero, raça e outras dimensões. tiveram e têm com mulheres não-brancas e periféricas: o valor da pessoa é medido por quanto de sofrimento ela aguenta, como se fosse campeã de um esporte de alta performance. O elogio da força (física e psicológica) em dupla com o desprezo/descrédito pelas habilidades intelectuais de pessoas negras e indígenas se constituiu historicamente como uma aliança racista. bell hooks fala sobre isso ao relatar que

Quando participei de grupos feministas, descobri que as mulheres brancas adotavam uma atitude condescendente em relação a mim e outras participantes não brancas (...) Elas não nos viam como iguais, não nos tratavam como iguais. (...) Nossa presença em atividades do movimento não contava, já que as mulheres brancas estavam convencidas de que a negritude “real” significava falar o dialeto dos negros pobres, não ter estudos, ser esperta e uma série de outros estereótipos. (…). Só poderíamos ser ouvidas se nossas afirmações fizessem eco às visões do discurso dominante (hooks, 2000:204).

As disputas pelo uso da categoria sofrimento e suas implicações, percebi, transbordavam as fronteiras das militâncias, ao mesmo tempo que também se faziam presentes nelas, nas tensões internas.

Esse foi, sinto, dos primeiros movimentos de desterritorialização com o conceito de sofrimento. Podendo ser usado de infindas maneiras, para os mais diferentes contextos, cogitei então não usá-lo mais, mas não me pareceu um caminho potente. Fui territorializando de outra maneira: colocando o termo em disputa, junto com tantos outros que às vezes me vinham densos desde a sacralidade do imutável: identidade, experiência, sujeito. Nesse sentido fui inspirada profundamente por Joan Scott (1999SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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, especialmente), Donna Haraway (1995)HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. cadernos pagu (5), Campinas (SP), Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1995, pp.07-41 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 - acessado em 30 jun 2022].
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e Butler (1998)BUTLER, Judith. Fundamentos Contingentes: O feminismo e a questão do “pós-modernismo”. cadernos pagu (11), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998, pp.11-42 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634457 - acessado em 30 jun 2022].
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. Sobre a experiência, Scott (1999SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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:20) diz que esta

não é uma palavra sem a qual podemos passar, apesar de ser tentador seu uso corrente para essencializar a identidade e reificar o sujeito, abandoná-la totalmente. Mas experiência faz parte da linguagem cotidiana, está tão imbricada nas nossas narrativas, que seria em vão querer eliminá-la.

Ela segue retomando a importância, de ressignificar o termo, historicizá-lo, problematizá-lo. É um pouco esse o exercício que tentarei fazer ao longo deste artigo, com a categoria “sofrimento”: tomando o cuidado de não colocá-la no que Scott (1999)SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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chama de exterior da construção discursiva. Ressalto que não se trata aqui de banalizar a existência do sofrimento ou duvidar dela, como se ao deslocá-la do domínio da Verdade eu quisesse colocá-la no da Mentira (constituinte do mesmo regime de Verdade). Usando o verbo foucaultiano mais uma vez, a proposta é de problematizar essas noções nas condições em que operam.

Do sofrimento de si e da culpa nas militâncias

Se a condolência com o sofrimento alheio era uma das primeiras problematizações, como as elaborações do próprio sofrimento apareciam desde a posição feminista? Dentre as inquietações que tive, algumas delas foram: como lutar para que vidas sejam possíveis, se a centralidade da dor por vezes acaba em si mesma? Pela dor e sofrimento que sentimos é que merecemos respeito, pela violência a que somos vulneráveis é que merecemos ser escutadas? Na escuta desses discursos, o que me chegou foi que o movimento em torno da dor se apresentava cíclico e intervenções contrárias a ele não eram benquistas: mais e mais “provas” de dor eram dadas para que se se silenciasse qualquer alegria. Essas provas, ou evidências, como chamaria Joan Scott (1999SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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:21) é precisamente o apelo que tomam tais dados (no sentido mais literal do termo) como sendo da ordem do “incontestável e como um ponto originário de explicação – como um fundamento sobre o qual a análise se baseia – e que enfraquece a investida crítica das histórias da diferença”. Nesse sentido, lembrar-se do prazer e da alegria é ser um sujeito quase que delirante, ingênuo, alienado, é ter alegria como afronta. Embora eu a tenha empregado no sentido mais costumeiro do termo, a alegria aqui também é pensada no sentido espinosiano, segundo o qual, nas palavras de Marcos Gleizer (2005GLEIZER, Marcos A. Espinosa & a afetividade humana. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2005.:05), é

(...) considerada como uma passagem de um estado menos potente para um estado mais potente, é entendida como uma relação de composição com outro corpo, sendo, dessa maneira, uma forma de complexificação do corpo e de suas relações com outros corpos. Aumentando nossa potência de agir acumulamos mais possibilidades de afetar e sermos afetados e, por isso, adquirimos novas possibilidades de relação com o mundo do qual fazemos parte.

O imperativo da dor gera vergonha de ser alegre, como se só fosse permitido sobreviver, como se só com dor pudesse ser aceitável a vida desses corpos tornados abjetos (Butler, 2012BUTLER, Judith. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. Rev. Estudos Feministas, v. 10, n.1, Florianópolis, 2012, pp.1-13 [https://www.scielo.br/j/ref/a/vy83qbL5HHNKdzQj7PXDdJt/?lang=pt#:~:text=A%20entrevista%20que%20segue%20%C3%A9,nossa%20pr%C3%B3pria%20teoriza%C3%A7%C3%A3o%20e%20pesquisa - acessado em 30 jun 2022].
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). Pensando nos feminismos da diferença – que na segunda onda2 2 Acredito que essa nomeação por ondas seja limitada no seu potencial e só diga respeito à história de determinados feminismos, mas usei o termo com fins didáticos. se contrapuseram ao feminismo igualitário, valorando as diferenças das mulheres pelo apelo a um essencialismo estratégico –, talvez seja possível arriscar dizer que nos tempos atuais esteja ocorrendo um Feminismo da Diferença pela dor, em que nossa diferença se dá pelo quanto sofremos. Estrategicamente, em vários contextos essa postura rende muitos frutos e conquistas, mas, tomada como identidade fixa, pode ser problemática, como por exemplo na relação com as Instituições.

Por terem relação com as Instituições, a ênfase que dou é aos movimentos de luta por direitos: o próprio diálogo com o Estado exige um grupo pelo qual se demanda – em suma, exige uma identidade, e identidades perdem muito de sua força quando deixam de ser contingentes e se tornam essencializadas (Butler, 1998BUTLER, Judith. Fundamentos Contingentes: O feminismo e a questão do “pós-modernismo”. cadernos pagu (11), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998, pp.11-42 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634457 - acessado em 30 jun 2022].
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). O essencialismo identitário é frequentemente acompanhado de um embotamento crítico na medida em que pode ocultar os paradoxos da conquista de legitimidade. Butler tangencia essa questão ao dizer que:

Quero sustentar que a legitimação tem uma dupla fronteira: é crucial que, politicamente, reivindiquemos inteligibilidade e reconhecimento; é crucial que, politicamente, mantenhamos uma relação crítica e transformadora em relação às normas que governam o que irá ou não irá contar como aliança e parentesco inteligíveis e reconhecíveis. Essa última envolveria também uma relação crítica com o desejo de legitimação enquanto tal. Mas é também crucial questionar a hipótese de que o Estado supre essas normas, pensando criticamente sobre o que o Estado se tornou durante esses tempos ou, de fato, como ele tornou-se um lugar para a articulação de uma fantasia que busca negar ou superar aquilo que esses tempos nos trouxeram (Butler, 1998BUTLER, Judith. Fundamentos Contingentes: O feminismo e a questão do “pós-modernismo”. cadernos pagu (11), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998, pp.11-42 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634457 - acessado em 30 jun 2022].
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:242).

Ainda nesse sentido, o sociólogo e ativista transexual Miquel Missé (2013)MISSÉ, Miquel. Transexualidades: otras miradas posibles. Barcelona, Editora Egales, 2013. problematiza a necessidade de não se esquecer das ambiguidades nas relações de poder com as instituições e ressalta que:

al mismo tiempo que tenemos que reivindicar nuestro derecho como personas trans a vivir en este sistema, hay que atreverse a cuestionar este sistema con coherencia. Es decir que, por ejemplo, de la misma manera que reivindicamos tener derecho a acceder a tratamientos médicos de calidad, tenemos que poder decir que los tratamientos médicos mejoran nuestra calidad de vida pero no solucionan el problema que genera la transexualidad en nuestra sociedad. Pensar que lo que nos pasa se soluciona médicamente es negar que la discriminación y la violencia son una parte muy importante de nuestro malestar. Que se sepa, la transfobia no desaparecerá por mucho que nos hormonemos y operemos(...). Por lo tanto, el problema continúa existiendo (Missé, 2013MISSÉ, Miquel. Transexualidades: otras miradas posibles. Barcelona, Editora Egales, 2013.:148).

Desta forma, ao mesmo tempo que a nomeação das violências pelas quais se passa torna-se imprescindível no combate a elas, a cristalização da dor na identidade pode ser bastante redutora das potencialidades de cada sujeito. Não se trata, inspirada em Scott (1999)SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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mais uma vez, de alocar o sofrimento na externalidade ou internalidade da construção discursiva, pois não há como pensar num sujeito à parte do sofrimento que o atravessa no mundo. Ao mesmo tempo, reduzir todo um processo de subjetivação a essa dimensão não seria também uma decisão política? Que sofrimentos são acolhidos e quais não? Quando essa implicação política é apagada ou se pretende neutra, como se fosse “mera” descrição do real, acaba por convergir com as políticas de normatividade presentes nos discursos médico, jurídico, religioso, dentre outros relatos normativos. O quão perverso pode ser fazer crer que a coerência do sujeito é a de “se sofro, sou?”, ou então a de que só se é o que se sofre? O critério identitário mais relevante aí é a dor, de maneira que se poderia dizer: há pessoas que sofrem transfobia, lesbofobia, bifobia, misoginia, racismo, e não: há pessoas trans, lésbicas, bissexuais, mulheres, pessoas negras, com deficiência. O tema de nossas lutas acaba sendo justamente aquilo de que não gostamos, que nos faz mal. Aqui trago a fala de Gloria Anzaldua que lembra que, a despeito de toda tentativa violenta de nos reduzir, há algo que escapa e resiste. Nas palavras dela: “A veces no soy nada ni nadie. Pero hasta quando no lo soy, lo soy” (Anzaldua, 2009:316). O submetimento de todas as dimensões a do sofrimento pode acabar por negar, também, as fronteiras que muitas vezes habitamos, novamente nas palavras de Anzaldua (1987ANZALDUA, Gloria. La consciência de la mestiza: towards a new consciousness. In: CONBOY, K. et al. Writing the body: female embodiment and feminist theory. New York, Columbia University Press, 1987, pp.233-247 [https://www.scielo.br/j/ref/a/gFP3Jsn8FbwFdpc5Mhvfmnf/?lang=pt - acessado em 30 jun 2022].
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:240) “Estoy norteada por todas las voces que me hablan simultaneamente”. O preenchimento homogêneo da existência pelo sofrimento embota a multiplicidade das posições que cada uma de nós ocupa.

O escasso espaço que sobra da nomeação da dor, o espaço para a alegria e para o prazer é menosprezado, secundarizado, silenciado. O que me leva a outra pergunta: O que sobra(rá) de nós sem a centralidade na dor? Por que projetos políticos que não tenham como central o sofrimento muitas vezes não alçam visibilidade? Um exemplo corriqueiro: anuncia-se uma atividade de artes marciais para mulheres feministas. Do que acompanho em minha experiência como ativista, é comum que interpretemos como: “esta atividade deve ser de autodefesa e importa muito porque precisamos saber como nos defender de violências físicas”. Não poderíamos pensar, pela via do prazer, que mulheres feministas poderiam querer aprender artes marciais porque gostam? Porque algumas têm curiosidade, interesse? Outro exemplo, também desde minha experiência, diz respeito ao modo como nos mobilizamos para numerosas passeatas e atos contra políticos homofóbicos, misóginos, racistas e raramente saímos às ruas para visibilizar os grandes nomes feministas, anti-racistas, que, em vida, potencializam nossas lutas. Usei esses exemplos não querendo desmerecer a importância dessas iniciativas, mas questionar a centralidade no/do sofrimento como única/principal via de luta. Os exemplos ilustram que, desde as políticas cotidianas até projetos maiores, a dor, o sofrimento ou prevenção dele amiúde vêm muito antes da potencialização do prazer3 3 No modelo de saúde clássico também se pode notar a priorização da doença em vez da saúde, com enfoque muito maior na prevenção que na promoção. Ver Princípios de Saúde do SUS. . O tempo para o prazer, para a alegria, é o tempo postergado, em um imbricamento com o modo de vida capitalista: alegria à prestação, só “depois de”.

Nas mídias, os bombardeios de textos, imagens, vídeos, mostrando as diferentes violências a que, por exemplo, mulheres e pessoas LGBT estão sujeitas, não apenas explicitam um cenário que é correspondente à dureza do real, mas também criam esses mesmos cenários e efeitos como desesperança, angústia, medo e outros afins, ainda que também possam ser motor de ação para resistências. A naturalização com a qual muitas vezes essas situações são recebidas como fatos da Verdade dialoga novamente com a noção de experiência, na sua dimensão sacralizada. “Estou falando do que vivi/vivo” é uma lei implícita e imutável, tanto no que diz respeito à Verdade da experiência quanto no que pode funcionar como um pedido de silêncio diante de quaisquer contestações. Essa noção de experiência é justamente aquela criticada por Joan Scott, para quem

(…) precisamos dar conta dos processos históricos que, através do discurso, posicionam sujeitos e produzem suas experiências. Não são os indivíduos que têm experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência. A experiência, de acordo com essa definição, torna-se, não a origem de nossa explicação, não a evidência autorizada (porque vista ou sentida) que fundamenta o conhecimento, mas sim aquilo que buscamos explicar, aquilo sobre o qual se produz conhecimento. Pensar a experiência dessa forma é historicizá-la, assim como as identidades que ela produz (Scott, 1999SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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:5).

Como já explicitei, se a experiência não é historicizada, problematizada, ela perde sua potência transformadora. De acordo com Joan Scott (1999SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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:21): “tornar visível a experiência de um grupo diferente expõe a existência de mecanismos repressores, mas não seu funcionamento interno ou sua lógica; sabemos que a diferença existe, mas não a entendemos como constituída relacionalmente”. A expansão do que vou chamar de política da dor cria competições e hierarquias internas, de maneira que “perde” quem sofre “menos”. Nessa política, não se trata de nomear, discutir e transformar as diferentes posições de privilégio e prejuízo, mas de quantificar, enumerar essa mesma dor como se a realidade fosse um destino inamovível. Esse exercício de nomeação das diferentes posições de força pode produzir uma angústia na identidade binária que se constituiu através da dor: se sou pela dor, então não posso ser ao mesmo tempo beneficiada pela dor de outra identidade. Essa angústia poderia se dar porque, de modo geral, as pessoas não gostam de se entender como sujeitos que participam da dor alheia, ou do “mal”. Daí, tomar consciência de que suas posições no mundo fazem parte de marcações de privilégio, e, portanto, de desprivilégios de outrem, contradiz o ideal de si, possibilitando que sentimentos como culpa e autodesprezo se façam presentes. Um dos estratagemas seria, então, o de negar a existência desses privilégios, desresponsabilizando-se, remetendo o mal para o externo (Arendt, 2003ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a banalidade do mal. São Paulo, Companhia das Letras, 2003. Tradução: José Rubens Siqueira.). Uma das vias possíveis de um encaminhamento potente dessas contradições, ou paradoxos de luta, seria que os diferentes feminismos pautassem cada vez mais suas demandas partindo uma perspectiva interseccional, ressaltando que sofrer preconceito por determinados vieses não implica que não se possa ser agente de outras violências. Sobre as constantes contribuições, alianças estratégicas, tensões e disputas, há profícua produção cibernética4 4 Ver blogs como Transfeminismo, Geledés, Blogueiras Negras – em cujas páginas há bastantes textos nesta temática. .

Desestabilizações nem sempre são harmônicas, ao contrário, costumam trazer no bojo tensões e angústias, mas das quais podem emergir novos horizontes. Como afirma Pelbart (2014PELBART, Paul. Vida e morte em contexto de dominação biopolítica. Blog Territórios de Filosofia, 2014 [https://territoriosdefilosofia.wordpress.com/2014/08/28/vida-e-morte-em-contexto-de-dominacao-biopolitica-peter-pelbart/ - acesso em 04 jun. 2017].
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:4): “(...) seria preciso retomar o corpo naquilo que lhe é mais próprio, sua dor no encontro com a exterioridade, sua condição de corpo afetado pelas forças do mundo, e capaz de ser afetado por elas: sua afectibilidade”. Agora, se esse encontro com a alteridade se forma a partir da condolência, ou culpa, que potência pode surgir daí? Potência de ação aqui pensada não como algo inerente ou localizado no sujeito, mas como possibilidade, localizada no encontro (Chauí, 2012CHAUÍ, Marilena. Alegria do pensamento e liberdade. Revista do Instituto Humanitas Unisinos, RS, 2012, pp.1-7 [https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/4534-marilena-chaui - acessado em 30 jun 2022].
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).

Diversas das concepções de sofrimento sobre as quais me detive neste texto podem ter como uma das inspirações o pensamento cristão. O sujeito “digno de pena” porque sofre também é o sujeito que paga penitência, o pecador, cujos pecados devem ser punidos com a exclusão, seja do Reino dos Céus, seja da vida “normal”, seja pagando os pecados na penitenciária. Aqui também é possível fazer uma relação com a genealogia que Foucault (2002)FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro, NAU Editora, 2002. faz acerca do inquérito que, no campo do direito penal, determinava quais formas de verdade seriam possíveis no século XV, o qual a partir do século XVIII foi instrumentalizado pelas mais diferentes ciências (entre as quais a Psicologia). Dentre alguns dos desdobramentos desse processo, talvez seja possível pensar na individualização do sofrimento, a culpabilização de quem sofre pela sua própria dor que encontra reforço nos ideais liberais capitalistas: você (não) sofre, porque (não) quer. Em outras palavras, retomo a discussão de Foucault a respeito de a tragédia do sofrimento, na Grécia Antiga, ser explicada pela externalidade do mal: “os deuses quiseram assim/o destino ou o acaso que decidiram”. Já na lógica cristã ocorre uma internalização/individualização: “se algo de ruim aconteceu comigo, é porque mereci ser punido”. De forma semelhante, o ideal meritocrático capitalista também se caracteriza pela responsabilização individual quando categoricamente apregoa que o sofrimento e o sucesso são responsabilidade do próprio sujeito, desconsiderando as barreiras e as relações sociais imbricadas nesses processos.

Mais especificamente sobre o sofrimento psíquico, importante lembrar que diversos ramos das ciências psi historicamente se posicionaram pela patologização das vivências LGBT5 5 Embora diversos movimentos internos na Psicologia estejam lutando pela despatologização, a transexualidade ainda é reconhecida oficialmente como transtorno psíquico. , também em sintonia com noções cristãs e liberais de culpabilização, como se o sofrimento que esses sujeitos sentiam fosse culpa de suas próprias existências, individualizando uma questão cuja constituição é histórica e cultural (Santos; Filho, 2014). Nas palavras desses autores:

Outro efeito dos discursos que emanam do modo-indivíduo de subjetivação é a culpabilização e individualização da pessoa dita homossexual como indivíduo responsável pelo próprio estigma. O homossexual seria o culpado pelas agressões que sofre (verbais e/ou físicas), independente do seu contexto sócio-histórico-cultural. Justificam-se expressões de homofobia a partir de uma “essencialização das condutas”, remetendo a alguns enunciados da psicologia sobre “personalidade” e “caráter”, além de afirmar valores morais perpetuados pelas regularidades enunciativas (religiosas, jurídicas e científicas) da sexualidade (...) (Santos e Filho, 2014:193).

O sofrimento, no paradigma cristão, deixa de ser exteriorizado e passa a ser internalizado, com a propulsão da culpa. Culpa, má-consciência, então se torna uma das principais ferramentas de negação da vida (Nietzsche, 1999NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. São Paulo, Companhia das Letras, 1999 [1887]. Tradução: Paulo César de Souza.). O sentimento preponderante é o de despotencialização: “nada mais adianta”, ou, como coloca Pelbart (2014)PELBART, Paul. Vida e morte em contexto de dominação biopolítica. Blog Territórios de Filosofia, 2014 [https://territoriosdefilosofia.wordpress.com/2014/08/28/vida-e-morte-em-contexto-de-dominacao-biopolitica-peter-pelbart/ - acesso em 04 jun. 2017].
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: o “corpo que não aguenta mais” sobrevive, corpo cansado. Esse “corpo que não aguenta mais” a que Pelbart se refere pode dialogar justamente com alguns momentos do niilismo negativo, na perspectiva nietzschiana: ressentimento, culpa e vontade de nada (desesperança, sobrevida). A culpa cristã, na analítica nietzschiana, é uma forma de resolução individualista dos conflitos. Isso porque essa culpa se manifesta como um sofrimento consigo pelo (suposto) erro/pecado cometido, e é esse sofrimento autocentrado que acaba sendo o preço pago pelo delito, sendo, portanto, um processo que pouco favorece uma transformação relacional e social efetiva.

Se a culpa é da ordem da internalização, é importante lembrar que movimentos de externalização também têm seus efeitos e que, inclusive, ambos podem confluir, ora individualizando questões históricas, ora desresponsabilizando os sujeitos completamente. Assim, torna-se muito mais fácil e conciliável para alguns feminismos que o “mal” esteja externalizado na figura do Homem Heterossexual Branco Cisgênero Sem Deficiência e Rico, ou na figura do Estado, do Patriarcado, ou quaisquer dessas categorias cuja amplitude lhes confira um caráter quase ontológico e inoperável a nível prático.

O choque e horror com aquilo que se entende como “o monstro” parece ser mais confortável do que lidar com a banalidade do mal, esse que está próximo, tão próximo que se intrinca em nossos modos de subjetivação, o “mal” que – dentro das militâncias feministas – também pode ser corporificado em possíveis “inimigos” internos como as mulheres bissexuais, transexuais e tantas outras que nas disputas internas apresentariam algum tipo de ameaça ou falseamento à verdade identitária. Para situar melhor a categoria “banalidade do mal”, conceito de Hannah Arendt (1999), apresento abaixo um trecho da obra “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal” na qual ela descreve e analisa o julgamento daquele que era conhecido como o maior carrasco nazista, Adolf Eichmann. Desafiando a expectativa de análise que tinham dela como filósofa judia, Arendt (1999) problematiza a figura do “monstro” que tinham de Eichmann e o localiza dentro de algo muito mais “banal”, como a burocracia, a obediência do Cidadão de Bem. Segue um trecho dessa reflexão nas palavras dela:

O que afetava as cabeças desses homens que tinham se transformado em assassinos era simplesmente a ideia de estar envolvidos em algo histórico, grandioso, único (‘uma grande tarefa que só ocorre uma vez em 2 mil anos’), o que, portanto, deve ser difícil de aguentar. Isso era importante porque os assassinos não eram sádicos ou criminosos por natureza; ao contrário, foi feito um esforço sistemático para afastar todos aqueles que sentiam prazer físico com o que faziam. As tropas dos Einsatzgruppen tinham sido convocadas da SS Armada, uma unidade militar que não tinha em seu histórico nada além da cota normal de crimes de qualquer unidade comum do Exército alemão, e seus comandantes foram escolhidos por Heydrich entre a elite da SS, gente com diplomas acadêmicos. Por isso o problema era como superar não tanto a consciência, mas sim a piedade animal que afeta todo o homem normal em presença de sofrimento físico. O truque usado por Himmler – que aparentemente sofria muito fortemente com essas reações instintivas – era muito simples e provavelmente eficiente; consistia em inverter a direção desses sentidos, fazendo com que apontassem para o próprio indivíduo. Assim, em vez de dizer “Que coisas horríveis eu fiz com as pessoas”, os assassinos poderiam dizer “Que coisas horríveis eu tive de ver na execução dos meus deveres, como essa tarefa pesa sobre os meus ombros!” (Arendt, 1999:122).

Apropriando-me então do conceito de banalidade do mal, penso que ela se expressa tanto no movimento de internalização (em que tudo é sobre a dimensão individual) quanto no de externalização política (em que tudo é sobre um macro descorporificado). Um exemplo disso, a meu ver, diz respeito ao modo como nos relacionamos com o Estado: ao mesmo tempo que é necessário dizer que o fascismo estatal condiciona uma série de violências, também é necessário não perder de vista o quanto essas violências beneficiam determinados corpos a partir de privilégios raciais, capacitistas, cisnormativos, entre outros.

Sobre o prazer e algumas considerações finais

Ao longo deste texto, me detive sobre o sofrimento e algumas das formas a partir das quais é instrumentalizado, sobre as problemáticas de internalização/externalização, entre outros aspectos. Em alguns momentos me perguntei: se não for desta maneira, como poderia ser? Não tenho respostas para esta pergunta, mas sei que ser indígena e não binária é uma das maiores alegrias de minha vida, escolher afirmar o que sou é contrariar as profecias de desgraça, sofrimento e angústia que a colonialidade tenta nos impor. Fiquei pensando no quanto a dimensão do orgulho, do prazer, pode nos aumentar a potência de vida e nos ajudar a formar laços de identificação positivos e novos projetos políticos que se recriem para além da dor. Sobre a importância dos afetos positivos, lembro bell hooks (1995hooks, bell. Vivendo de amor. In: WERNECK, Jurema. O livro da saúde das mulheres: nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro, Editora Pallas, 1995, pp.188-198.:189) falando sobre mulheres negras: “geralmente enfatizam nossa capacidade de ‘sobreviver’ apesar das circunstâncias difíceis, ou como poderemos sobreviver no futuro. Quando nos amamos, sabemos que é preciso ir além da sobrevivência. É preciso criar condições para viver plenamente”. Pensando em projetos políticos e éticos, lembro, também, como Marilena Chauí (2013CHAUÍ, Marilena. Contra a servidão voluntária. São Paulo, Editora Autêntica, 2013.:52) descreve a filosofia de Espinosa: “é uma ética da alegria, da felicidade, do contentamento intelectual e da liberdade individual e política”. A escolha pelo pensamento espinozano, sobre qual minha aproximação ainda é bastante incipiente, deu-se pelo fato de que ele não concebe interno x externo, não localiza a experiência afetiva de maneira separada em termos de corpo x mente, razão x emoção, dentre outras dicotomias.

Creio que os objetos nos quais estamos direcionando a luz e o modo como o fazemos influem nessas questões, e foi sobre isso que eu quis refletir neste texto. Para além de pensar o sofrimento de modo quantitativo (fala-se muito de sofrimento porque há muito mais sofrimento que alegria), minha aposta não é pararmos de falar sobre o sofrimento, mas de cada vez mais problematizá-lo, situá-lo politicamente. Lembrando que se os usos dele podem ser capturados, podemos também disputá-los de outras maneiras – maneiras que avancem da sacralização da experiência e que, mais do que enfatizar a sobrevida, a sobrevivência, potencializem a vida de modo a incluir as paixões alegres. Como fala bell hooks (2008:857) sobre as disputas na linguagem ao lembrar uma frase de Adrienne Rich, “Esta é a língua do opressor, no entanto eu preciso dela para falar com você”, a qual complementa: “nós tomamos a língua do opressor e a viramos contra ela mesma. Nós fazemos das nossas palavras uma fala contra-hegemônica, liberando-nos nós mesmos na linguagem” (hooks, 2008:864).

Um dos caminhos possíveis para que avancemos deste tipo de centralidade do sofrimento é apontado por feministas decoloniais como Ochy Curiel, que aposta no que chama de “antropologia da dominação”. Para a autora, a colonialidade do saber historicamente vem expondo apenas uma parte das relações de violência e sofrimento, qual seja, a precarizada. Essa escolha de expor apenas os grupos subalternos, e não também (ou principalmente) os agentes do sofrimento e da violência, não é aleatória – ela beneficia ontologicamente os grupos hegemônicos, que têm o privilégio de expor e não ser expostos. Nas palavras de Curiel:

Una de las características de la colonialidad del saber (...) es asumir que la otredad y la diferencia colonial, son generalmente los objetos de las investigaciones: mujeres, negras, pobres, indígenas, migrantes, del Tercer Mundo, como si solo a partir de asumirlas como materia prima se hiciera investigación feminista. El lugar de los privilegios de quienes construyen conocimiento sobre los otros y las otras parece incuestionable (Curiel, 2014CURIEL, Ochy. Construyendo metodologías feministas desde el feminismo decolonial. In: AZKUE, Irantzu Mendia et al. (ed.). Otras formas de (re)conecer: reflexiones, herramientas y aplicaciones desde la investigación feminista. Bilbao, UPV/EHU, 2014, pp.45-62 [http://www.ram-wan.net/restrepo/documentos/ochy.pdf - acessado em 30 jun 2022].
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:4).

Assim, concordando com Ochy Curiel, penso que é preciso que questionemos a ideia de que qualquer visibilidade do sofrimento seja em si potente, já que esse tornar visível, se feito acriticamente, pode inclusive expor e degradar ainda mais os corpos vulnerabilizados, ao mesmo tempo que mantém intactas as estruturas hegemônicas. Desta forma, aposto na ideia de que o direito à nossa dignidade como dissidentes talvez demande um maior espaço para visibilidade de nossas potências, junto de um questionamento acerca do privilégio colonial de não ser exposto/constrangido por visibilidades compulsórias.

Finalizando este artigo, mantenho em aberto as perguntas referentes aos modos como poderíamos criar/visibilizar outras formas de luta e militância que não necessariamente sejam predeterminadas, centralizadas pela dor. É fato que muitos outros modos de fazer política, de “denunciar o dano” a todo momento, são (re)inventados, mas há que se estranhar o porquê de suas vozes não alçarem volume audível, serem ruído se comparadas a outras que operam de modo mais institucionalizado (Rancière, 1996RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e Filosofia. São Paulo, Editora 34, 1996.). Retomando o que mencionei a respeito dos objetos nos quais (não) temos posto luz, penso que focar no sofrimento dos grupos subalternizados também pode ser feito de maneira a lembrar que essa condição não é por natureza deles, que não é natural que suas vidas sejam tão precarizadas – para trazer o conceito de Butler, que essa denúncia do dano verifique a igualdade no direito à dignidade, e não cristalize a diferença com desigualdade (Rancière, 1996RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e Filosofia. São Paulo, Editora 34, 1996.).

Sublinho mais uma vez que minhas reflexões neste texto não se propõem a generalizações ou totalizações: há muitas outras formas do fazer ativista para as quais minhas críticas não encontrariam sentido, mas, como minha categoria de interesse era o sofrimento, detive-me nos lugares que mais o tangenciavam.

Trago uma oportuna frase de bell hooks (2000/2015:202) sobre o inacabamento das produções feministas: “Resistimos à dominação hegemônica do pensamento feminista insistindo que ele é uma teoria em formação, em que devemos necessariamente criticar, questionar, reexaminar e explorar novas possibilidades”. Este exercício descontínuo de revermos nossas bases e horizontes é inspirado, a meu ver, na política do afeto, de acreditar e esperançar em outras formas de inventar a política feminista. Lembro aqui as contribuições da feminista lesbiana indígena Julieta Paredes, quando comenta que

uma das coisas que sempre dizemos é que nós fazemos política como um profundo ato de amor, amamos a nosso povo, e o que nos move é isso, somos apaixonadas por nosso povo: as pessoas, a natureza, a paisagem... e por amor inventamos todas as metodologias e a facilitação que utilizamos, procuramos explicar ao nosso povo como lhe amamos, como queremos que seja amanhã, como gostaríamos de viver... E essa é a ação política: expressar nossos desejos e esperanças. (...). Algo que seja sem sentimentos, sem paixão, não é para nós a revolução (Paredes, 2016PAREDES, Julieta. O feminismo comunitário é uma provocação, queremos revolucionar tudo. Entrevista concedida ao periódico Diário Liberdade. 2016 [https://gz.diarioliberdade.org/america-latina/item/12022-o-feminismo-comunitario-e-uma-provocaao-queremos-revolucionar-tudo.html - acesso em: junho de 2017].
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:3).

Assim, a problemática que apresentei caminha no sentido de buscar outras estratégias de referência e (des)centralidades, para além da descrição do sofrimento, por e pela potência de nossas vidas e ação política. Parafraseando Fanon (2008)FANON, Frantz. Pele negras, máscaras brancas. EDUFBA, 2008. Tradução: Renato da Silveira., há de se cuidar para que nossas ferramentas não se tornem granadas coladas ao corpo. É preciso que consigamos lançar tal granada para além da dor, embora sem prescindir da importância de sua denúncia-nomeação.

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  • PELBART, Paul. Vida e morte em contexto de dominação biopolítica. Blog Territórios de Filosofia, 2014 [https://territoriosdefilosofia.wordpress.com/2014/08/28/vida-e-morte-em-contexto-de-dominacao-biopolitica-peter-pelbart/ - acesso em 04 jun. 2017].
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  • RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e Filosofia. São Paulo, Editora 34, 1996.
  • RICH, Adrienne. Notas para uma política de localização. In: MACEDO, Ana Gabriela, (org.). Gênero, desejo e identidade. Lisboa, Cotovia, 2002, pp.15-34 [1984].
  • ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: Transformações Contemporâneas do Desejo. São Paulo, UFRGS Editora, 2007.
  • SANTOS, Daniel. Cartografias do armário: estratégias do desejo em uma cidade do interior paulista. Revista Bagoas, n. 11, Rio Grande do Norte, 2014, pp.177-209 [https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/6549/5079 - acessado em 30 jun 2022].
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  • SCOTT, Joan. Experiência: tornando-se visível. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Falas de Gênero. Santa Catarina, Editora Mulheres, 1999, pp.1-23 [https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf - acessado em 30 jun 2022].
    » https://historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Joan_Scoot-Experiencia.pdf
  • 1
    As economias de racialização não se restringem, evidentemente, às feministas brancas, apenas as citei pela pertinência do tema: modos de se relacionar com o sofrimento e a disputa interna (no movimento feminista, por exemplo) na intersecção entre gênero, raça e outras dimensões.
  • 2
    Acredito que essa nomeação por ondas seja limitada no seu potencial e só diga respeito à história de determinados feminismos, mas usei o termo com fins didáticos.
  • 3
    No modelo de saúde clássico também se pode notar a priorização da doença em vez da saúde, com enfoque muito maior na prevenção que na promoção. Ver Princípios de Saúde do SUS.
  • 4
    Ver blogs como Transfeminismo, Geledés, Blogueiras Negras – em cujas páginas há bastantes textos nesta temática.
  • 5
    Embora diversos movimentos internos na Psicologia estejam lutando pela despatologização, a transexualidade ainda é reconhecida oficialmente como transtorno psíquico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2017
  • Aceito
    21 Jan 2022
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