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Os autores respondem: Revisitando a pesquisa brasileira sobre segurança alimentar e nutricional

The authors reply: Revisiting the Brazilian research on food security and nutrition

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Os autores respondem

Revisitando a pesquisa brasileira sobre segurança alimentar e nutricional

The authors reply

Revisiting the Brazilian research on food security and nutrition

Apresentamos nossos sinceros agradecimentos aos pesquisadores por sua disponibilidade generosa em participar deste debate e por suas valiosas contribuições ao ampliar aspectos abordados em nosso artigo.

Alimentação e nutrição como campo de produção de conhecimentos e saberes1,2 constitui-se, hoje, objeto de estudos pouco trabalhado no Brasil. A olhar para suas origens e desenvolvimento na conformação da ciência nacional, para suas fontes conceituais mais remotas na história da humanidade, para os temas de estudo definidos, para os atores sociais em movimento em seu interior, para as inflexões e tendências em seus rumos e perspectivas futuras, há poucos pesquisadores em atividade, quase que nomeadamente identificáveis em lista que nos vêm de memória ou, em outras palavras, para a constituição da qual não há necessidade, neste momento, de consultar quaisquer bases de dados.

Nessa esfera da vida acadêmica, estão em movimento concepções sobre alimento, alimentação e nutrição, sobre saúde, sobre a vida humana e seus "destinos", num cenário em que o debate conceitual e metodológico clama por investimentos. Mudanças intensas acontecem nesse campo de pesquisas e formação de pesquisadores, inclusive com repercussões inadiáveis na conformação institucional vigente nas agências de fomento nacionais. Ao tomar a segurança alimentar e nutricional (SAN), realizamos um primeiro exercício de aproximação a esses lugares, histórica e socialmente construídos, que ocupam os domínios científicos correspondentes ao estudo do comer, do alimentar e do nutrir3,4 no Brasil.

O Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq é tão rico em informações quanto pouco explorado. Ao receber os textos dos debatedores vimos, simultaneamente, serem disponibilizados os dados relativos ao censo de 2008 e revisitar o diretório, como quem busca saber mais sobre o campo da alimentação e nutrição, foi imperioso.

Desde 2006, quando o artigo em debate foi concluído, até os dias de hoje, nossos olhos correram por algumas mudanças. Fazendo uso do diretório, que é o único recurso disponível para a aproximação aos grupos de pesquisa, e neste caso específico, os que mencionam voltar-se para o tema SAN em seus estudos a busca por palavras-chave, em todas as limitações metodológicas inerentes a esse procedimento , encontramos que se confirmam as tendências de crescimento registradas anteriormente, com destaque para o incremento do número de pesquisadores doutores em relação a doutorandos, em proporções bem acima das médias nacionais; mesmo assim, há ainda que se investir na formação de pesquisadores e sua incorporação a esses grupos, como nos indicam os baixos índices de dinamismo e consolidação dessa pesquisa quando comparados ao perfil médio nacional (Tabela 1).

A produção científica oriunda desses grupos também vem sendo intensificada. Tomando o censo de 2004 para comparação com o ano de 2008, temos que a produção de artigos nacionais cresceu cerca de uma dezena de vezes; livros e teses de doutoramento atingiram um aumento da ordem de vinte vezes.

Mais que isso, considerando os objetos dessa produção, encontramos muitas menções a novas abordagens caracterizadas por maior interlocução entre diferentes campos da ciência, o que nos diz da ampliação na conceituação SAN entre os que a mencionaram ao preencher os formulários eletrônicos nestes dois últimos censos.

A constituição de conceitos, assim entendida como construção social, é processo complexo e, muitas vezes, lento, quando seu foco reside em outras esferas de ação política que não as hegemônicas. No caso da SAN, condições sociais e governamentais recentes têm desempenhado papel fundamental na intensidade com que uma ampla rede de atores vem se formando e se capilarizando pelo país, alcançando não somente os estados, capitais e grandes cidades, como pequenos municípios do interior; aí, voltam-se para a constituição de legislações, comitês diversos a discutir meios e fins na implantação e implementação de iniciativas em muitos distintos planos da vida. Iniciativas e perspectivas de construção de políticas intersetoriais e de integração de diferentes áreas são identificadas em tempos recentes. Novos papéis da universidade como lugar de formação "holística", integral no que diz respeito à alimentação e nutrição já são tangíveis. Tudo isso, num tempo que poderíamos considerar nada lento se tomarmos algo menos que uma década atrás para efeito de comparação. Acontecimentos de crescente vulto, a gerar saberes que alimentam o próprio desenrolar dos fenômenos sociais. Pois, é possível vislumbrar pesquisadores estudando, ainda que em aproximação inicial, todo esse desenrolar de acontecimentos. Parecem-nos, então, indicações de força e de movimentos intensos na conformação de novos horizontes na pesquisa acadêmica sobre SAN, ainda que seu efetivo deslocamento do foco econômico para o social, no sentido colocado por Guimarães7, se situe num distante ponto de fuga da aquarela brasileira, em suas imensas desigualdades.

E, neste ponto, gostaríamos de dirigir nossas considerações para uma perspectiva situada na esfera dos projetos de vida e de realização dos seres humanos e do papel que o complexo alimento-alimentação-nutrição aí exerce. Sem, com isso, querer que o conceito de SAN abarque tudo e se dilua num vasto oceano que não leva Ulisses à sua Ítaca, mas entendendo a necessidade de considerar o que Ayres8,9 nos coloca como um "compromisso das tecnociências da saúde, em seus meios e fins, com a realização de valores contrafaticamente relacionados à felicidade humana e democraticamente validados como Bem comum".

Consideramos que a reflexão sobre essa pesquisa necessita seguir por caminhos que conduzam a um constante devir, esforços no sentido de pensar a ciência em suas bases morais e éticas e tendo em conta muito mais que referências normativas para, sim, considerar os encontros de subjetividades na construção e reconstrução dos modos de estudar as relações entre seres humanos e com a natureza mediadas pela comida.

Para além e, ao mesmo tempo, tendo em si o alimento que garante a sobrevivência e o nutriente em sua incessante busca de controle de riscos à saúde, essa pesquisa, ainda que crescente, carece investir em novos olhares sobre a comida, como uma das nossas fontes de felicidade, parte indissociável de nossos projetos de bem viver, boa comida integrada ao bem comum. Porquanto seja a comida, simultaneamente, expressão do individual e do relacional na vida em sociedade. Porquanto se constitua, a comida, em conceito central ao domínio da alimentação, esta que se volta para a construção de saberes sobre o alimentar como expressão do trabalho e da divisão da riqueza; como códigos, linguagem, manifestação de cuidado do outro, de carinho, de respeito, de consideração, de compreensão, de compaixão, de amor; e como o que se presta à representação, à reflexão sobre o próprio pensamento, o que serve para pensar sobre o ser humano10.

Tentando, num movimento direcionado, pensar alimentação e comida como operadores de busca e recuperação de informações no espaço da ciência, encontramos que os descritores em ciências da saúde11 nos apresentam alimentação em seu significado estritamente dicionarizado, a saber: "é o 'ato ou efeito de alimentar(se)' ou ainda 'abastecimento, provimento, fornecimento'"; e, nesta mesma base, "comida" é palavra-chave nos leva tão só à "Epilepsia Reflexa Induzida por Comida". Hoje, "alimentação" nem sequer existe nas taxonomias institucionais das tabelas de áreas do conhecimento utilizadas pelas agências de fomento brasileiras.

Construir lugares de ciência incluindo projetos de emancipação, de felicidade do ser humano no âmbito da alimentação e nutrição é desafio de grande monta. Caminho que precisa ter em conta desde mínimos procedimentos de inserção precisa e rigorosa de conceitos em bases de dados, para que seja possível operar com elas como fontes cada vez mais fidedignas de informação, até a permanente reflexão sobre os conceitos, seus alcances e consequências.

Registramos, como fim e princípio, nosso reconhecimento à revista Ciência e Saúde Coletiva ao manter esta sessão que nos propicia, neste caso, uma das primeiras sequências de discussões voltadas especificamente para a análise da pesquisa que se realiza no âmbito acadêmico acerca da geração de conhecimentos e saberes sobre SAN no Brasil.

  • 1. Bourdieu P. Algumas propriedades dos campos. In: Bourdieu P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero; 1983. p. 89-94.
  • 2. Bourdieu P. Os usos sociais da ciência, por uma sociologia do campo científico. São Paulo: UNESP; 2003.
  • 3. Carvalho MCS, Luz MT, Prado SD. Comer, nutrir e alimentar na perspectiva das Ciências Sociais. Rio de Janeiro; 2009. [Mimeo]
  • 4. Prado SD. A pesquisa sobre alimentos, alimentação e nutrição no Brasil: reflexões sobre a produção de conhecimento e saberes[projeto de pesquisa]. Rio de Janeiro: Núcleo de Estudos sobre Alimentação e Cultura, Instituto de Nutrição, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2005.
  • 5
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Diretório dos Grupos de Pesquisa. Séries Históricas. [acessado 2009 set 14]. Disponível em: http://dgp.cnpq.br/censos/series_historicas/index_ basicas.htm
  • 6. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Diretório dos Grupos de Pesquisa. Busca Textual. [acessado 2009 set 14]. Disponível em: http://dgp.cnpq.br/buscagrupo
  • 7. Guimarães R. Pesquisa em saúde e reforma sanitária. Ciência e Cultura 2005; 57(1):37-38.
  • 8. Ayres JRCM. Hermenêutica e humanização das práticas de saúde.Cien Saude Colet 2005; 10(3):549-560.
  • 9. Ayres JRCM. Uma concepção hermenêutica de saúde.Physis 2007; 17(1):43-62.
  • 10. Foucault M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes; 1990.
  • 11. Descritores em Ciências da Saúde. [acessado 2009 set 14]. Disponível em: http://decs.bvs.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2010
  • Data do Fascículo
    Jan 2010
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