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Transversalidade Epistemológica da Saúde Coletiva: Saberes e Práticas

Jorge, MSB; Silva, RM; Catrib, AMF. organizadores. Transversalidade Epistemológica da Saúde Coletiva: Saberes e Práticas. Fortaleza: EdUECE, 2013.

O livro Transversalidade Epistemológica da Saúde Coletiva: Saberes e Práticas proporciona ao leitor a possibilidade de ampliar, de forma inovadora a análise de múltiplos temas de reflexão e de pesquisa, a partir de variados e criativos enfoques epistemológicos, acerca do complexo campo da saúde coletiva. Suas 354 páginas estão divididas em uma introdução e mais treze capítulos, de autores nacionais e internacionais, sendo que muitos deles são frutos de teses e dissertações pautadas na abordagem teórica da fenomenologia e da hermenêutica.

A introdução nos permite uma reflexão acerca de múltiplos aspectos históricos, políticos e conceituais, e os compromissos teóricos, filosóficos, metodológicos e práticos que compõem a saúde coletiva, evidenciando a transversalidade epistemológica presente no seu campo de conhecimento e os “seus sentidos e significados contemporâneos” e, para este objetivo, está estruturada em cinco seções.

“A Dimensão Epistemológica no Campo da Saúde Mental: Continuidades ou Rupturas” – Capítulo 1, coloca em evidência as questões epistemológicas que nortearam as diversas reformas do campo psiquiátrico historicamente – e as rupturas implicadas. Relata duas experiências onde são evidenciadas novas possibilidades alternativas ao paradigma psiquiátrico, enquanto racionalidade centrada no agir instrumental por um paradigma do reconhecimento pautado na racionalidade do agir comunicativo.

No capítulo 2, “Caminho Epistemológico de Uma Abordagem do Suicídio: As Autópsias Psicossociais”, distintas concepções teóricas sobre o suicídio são abordadas nas diversas perspectivas e vertentes de campos do conhecimento. Discute a “Autópsia Psicológica” e a sua ampliação com a técnica da “Autópsia Psicossocial” proposta por Minayo e Cavalcante – com enfoque psicológico, sociológico e antropológico, destacando as suas vantagens, pois, ao analisarem questões microssociais, permitem acessar “informações contextualizadas que sirvam para a constituição de ações de prevenção do suicídio”.

O capítulo 3 “Marco Teórico-filosófico da Produção do Conhecimento em Nutrição e sua Interface na Saúde Coletiva” – historiciza a produção do conhecimento e o desenvolvimento da Ciência da Nutrição nas suas vertentes e especializações: biológica social e ambiental. Tais dimensões, e os paradigmas a elas relacionados, ganham novas discussões com o advento do paradigma ecológico da Ciência da Nutrição, que considera quatro dimensões: a saúde, a ambiental, a social e a econômica. Elucida a diferença entre visão ecológica e holística deste campo científico e finaliza com uma breve discussão acerca da produção científica em nutrição e saúde coletiva.

O capítulo 4 – “Bases Epistemológicas Interdisciplinares Entre La Antropologia y Enfermeria. El Caso de España” – traça as relações entre as disciplinas de enfermagem e de antropologia e propõe a abordagem destes saberes como formas práticas. O ponto central é a análise da confluência destes campos científicos e da análise de contextos concretos que são “transversalizados por seu âmbito prático de aplicação”. Analisa o caso da Espanha, a tendência de abordagens qualitativas do campo da enfermagem e do fato de muitos destes profissionais buscarem pós-graduação na área de antropologia da saúde, ocorre o surgimento de uma nova subdisciplina, a Antropologia dos Cuidados.

O capítulo 5, “O Modelo Biomédico e a Construção Social da Surdez”, evidencia que, historicamente em relação às pessoas com surdez, houve um processo pautado no aspecto clínico-patológico com representações onde “se mesclam a inferioridade, a anormalidade, a diversidade e a diferença”. A partir da década de 1980 se amplia a discussão acerca da educação e, ainda, sobre novas formas de lidar com o surdo no setor da saúde. O relato de uma pesquisa realizada em Fortaleza com profissionais da saúde do SUS e de Educação, pautada no enfoque crítico-interpretavivo, evidencia a coexistência de percepções dos mesmos acerca da surdez e do surdo nas “dimensões […] fisiológicas, simbólicas e culturais”.

“Paradigmas e Trabalho Epistemológico: Ensaio sobre Tolerância e Discernimento” é o título do Capítulo 6. Faz uma incursão sobre o “fio paradigmático” que enseja a conexão entre a filosofia e o campo da Saúde Coletiva, e propõe sondar este fio “por meio de nuances de narratividade, mais ou menos explícitas, de acordo com cada pensador considerado”. Para tecer os fios paradigmáticos que perpassam esta conexão, relaciona os enfoques teóricos e epistemológicos de diversos autores e as metodologias em: Saúde, Pesquisa em Saúde e Pesquisa em Saúde Coletiva.

“Humanização na Saúde: Perspectivas Epistemológicas sobre o Discurso e a Prática” – o Capítulo 7 discute os sentidos da Epistemologia e a “formulação do conhecimento que estrutura o SUS, particularizando o tema da Humanização”. Coloca em evidência a evolução histórica e as correntes filosóficas do Humanismo. Destaca o papel da visão freireana, na qual a “Humanização consolida-se na agenda do desenvolvimento humano e toma um novo rumo […]”, influenciando diversos contingentes intelectuais, tornando-se tema importante dos movimentos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica. Discorre sobre as novas abordagens epistemológicas presentes na formação profissional a partir da humanização na saúde.

O capítulo 8 “Epistemologia do Estudo da Sexualidade – Entre a Microfísica do Poder e a Hipótese Repressiva” – tece considerações acerca da sexualidade humana a partir Freud e de Foucault. Para este, o poder deve ser analisado no seu “funcionamento diário, ao nível das micropráticas, das tecnologias políticas nas quais nossas práticas se formam”, sendo que a “sexualidade também se instituiu como um dispositivo de saber e poder” pautado nas verdades sobre sexo, sua construção histórica nas sociedades e na ciência. Evidencia o papel da Psicanálise acerca da sexualidade e as concepções de Freud acerca do inconsciente, da pulsão e da sexualidade infantil. Busca uma aproximação entre Freud e Foucault a partir da hipótese da Repressão e evidencia as críticas de Foucault à Psicanálise.

O Capítulo 9 “Cuidado em Saúde Mental e a sua Articulação coma Atenção Primária: contexto histórico, conceitual e possibilidades de atenção” reflete sobre: os desafios da nova estrutura do sistema de saúde brasileiro, a problemática da atenção psicossocial, a perspectiva de redes de atenção em saúde e a centralidade da Estratégia Saúde da Família. Salienta o papel do apoio matricial como articulador e potencializador das ações dos profissionais que atuam na Atenção Primária.

“A Clínica, como Disparadora do Cuidado Integral em Saúde, e suas Vertentes Epistemológicas e Conceituais”, o capítulo 10, é fruto de investigações do GRUPSFE da UECE e seus estudo pautados na “reflexão epistêmica, filosófica e da práxis da clínica transversalizada no cuidado na saúde”. Enfatiza o olhar sobre a clínica nos modelos de atenção à saúde, num plano micropolítico do processo de trabalho, a importância do processo relacional e do compartilhamento das soluções para os problemas de saúde entre profissionais e pacientes. A ampliação da clínica é vista como o “caminho propício para ressignificar as práticas no cuidado em saúde […]”. A partir de investigação realizada em Fortaleza com profissionais da ESF e usuários, discute os vários aspectos da clínica e de sua transformação no cotidiano assistencial.

O Capítulo 11, “Contradição: Fundamento e Método das Ciências Sociais para a Saúde Coletiva”, a partir de Marx e Weber discute o potencial da “contradição” para a pesquisa sociológica no campo da saúde coletiva e, para este fim, estrutura o capítulo em quatro seções significativas. Ressalta a contribuição do cientista social e sua tarefa de “construir visibilidade (identificar e nomear) e compreender (analisar) as contradições na ordem social”.

“Concepções teóricas de Análise de Narrativas com Foco na Estratégia Gestão Autônoma de Medicação (GAM) no Contexto da Pesquisa”, o Capítulo 12, detalha os passos teórico-metodológicos do trabalho a partir das vivências do grupo GAM, cuja proposta está pautada na discussão e reflexão participativa sobre a utilização de medicamentos psicotrópicos. Utiliza a Hermenêutica Crítica e a Hermenêutica Fenomenológica como estratégias para a análise das narrativas do grupo.

O Capítulo 13, “Implicações da Noção de Rede na Saúde Coletiva e na Saúde Mental”, analisa a utilização do termo “rede”: na saúde coletiva desde os anos 1960; na Reforma Psiquiátrica conceito de “rede substitutiva”; no SUS – “rede de serviços de saúde”. A noção de Rede de atenção à saúde mental, necessitando ir muito além das relações entre os serviços, mas ensejando a permanente “negociação do profissional de saúde com sua equipe, com profissionais de outras unidades de saúde e com os usuários”. Descreve a criação da Rede de Atenção Psicossocial e postula sua efetivação com base em uma rede territorial, onde “os serviços de saúde constituam apenas uma parte de um processo mais amplo de produção de cuidado por meio da aproximação com diferentes espaços e atores”.

Conclusivamente, a leitura do livro nos proporciona avançar nas inúmeras possibilidades e caminhos teóricos, metodológicos de investigação e de análise orientados pela perspectiva da transversalidade epistemológica, proporcionando novos olhares sobre esta temática. Complexifica e traz inúmeras contribuições para os saberes e práticas contemporâneos do campo de conhecimento da saúde coletiva, instigando o avanço de pesquisas e reflexões que abordem de forma criativa e inovadora as questões epistemológicas implicadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2015
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