Open-access Compostos nitrogenados em bebidas destiladas: cachaça e tiquira

Nitrogen compounds in distilled beverages: sugar cane and cassava spirits

Resumos

Utilizando métodos colorimétricos foram investigadas as presenças de íon amônio, uréia e aminoácidos em 51 amostras de aguardente de cana-de-açúcar (cachaça) e em 9 amostras de aguardente de mandioca (tiquira). Foram semelhantes os teores médios de íon amônio determinados para as aguardentes-de-cana (0,013mmoles/L) e de mandioca (0,010mmoles/L). As tiquiras apresentaram teores médios de aminoácidos (0,290mmoles/L) e uréia (1,45mmoles/L) superiores aos da aguardente-de-cana: 0,093mmoles/L e 0,316mmoles/L, respectivamente.

íon amônio; uréia; aminoácidos; cachaça; tiquira


Ammonium ion, urea and amino acids were quantified by using colorimetric methods in 51 samples of sugar cane spirit (cachaça) and 9 samples of cassava spirit (tiquira). The average contents of ammonium ion for sugar cane (0.013mmoles/L) and cassava (0.010mmoles/L) spirits are similar. Tiquiras present average contents of amino acids (0.290mmoles/L) and urea (1.45mmoles/L) higher than in sugar cane, which are 0.093mmoles/L and 0.316mmoles/L, respectively.

ammonium ion; urea; amino acids; cachaça; tiquira


COMPOSTOS NITROGENADOS EM BEBIDAS DESTILADAS: CACHAÇA E TIQUIRA1

Lisânias R. POLASTRO2, Lisangela M. BOSO2, Luiz G. ANDRADE-SOBRINHO2, Benedito S. LIMA-NETO2, Douglas W. FRANCO2,*

RESUMO

Utilizando métodos colorimétricos foram investigadas as presenças de íon amônio, uréia e aminoácidos em 51 amostras de aguardente de cana-de-açúcar (cachaça) e em 9 amostras de aguardente de mandioca (tiquira). Foram semelhantes os teores médios de íon amônio determinados para as aguardentes-de-cana (0,013mmoles/L) e de mandioca (0,010mmoles/L). As tiquiras apresentaram teores médios de aminoácidos (0,290mmoles/L) e uréia (1,45mmoles/L) superiores aos da aguardente-de-cana: 0,093mmoles/L e 0,316mmoles/L, respectivamente.

Palavras-chave: íon amônio; uréia; aminoácidos; cachaça; tiquira.

SUMMARY

NITROGEN COMPOUNDS IN DISTILLED BEVERAGES: SUGAR CANE AND CASSAVA SPIRITS. Ammonium ion, urea and amino acids were quantified by using colorimetric methods in 51 samples of sugar cane spirit (cachaça) and 9 samples of cassava spirit (tiquira). The average contents of ammonium ion for sugar cane (0.013mmoles/L) and cassava (0.010mmoles/L) spirits are similar. Tiquiras present average contents of amino acids (0.290mmoles/L) and urea (1.45mmoles/L) higher than in sugar cane, which are 0.093mmoles/L and 0.316mmoles/L, respectively.

Keywords: ammonium ion; urea; amino acids; cachaça; tiquira.

1 ¾ INTRODUÇÃO

A etapa de multiplicação celular das leveduras responsáveis pela fermentação alcoólica no caldo de cana depende da presença de compostos nitrogenados tais como proteínas e ácidos nucléicos, os quais são fundamentais à biossíntese da estrutura celular [2]. O conteúdo inicial de nitrogênio total do mosto e as concentrações relativas de cada um dos constituintes nitrogenados afetam o crescimento das leveduras, a velocidade de fermentação e a formação do produto final [3,8]. A concentração de nitrogênio total em mostos é muito variável e dependente da espécie vegetal que se utiliza para a fermentação, da região produtora e das condições do solo [9].

O íon amônio (NH4+) e os aminoácidos glutamina, ácido glutâmico, ácido aspártico, arginina, asparagina, serina e alanina são excelentes fontes de nitrogênio para a Saccharomyces cerevisiae [6]. Para manter a fermentação alcoólica do caldo de cana em boas condições e assegurar que a taxa de multiplicação celular permaneça elevada, a concentração ideal de nitrogênio amoniacal, geralmente adicionada na forma de (NH4)2SO4, gira em torno de 10 a 35mmoles/L [2].

A uréia é uma fonte de nitrogênio para as leveduras, no passado era freqüentemente adicionada à dorna de fermentação [2], porém atualmente sabe-se que não é aconselhável, pois este composto pode reagir com o etanol produzindo carbamato de etila, o qual é considerado carcinogênico [12,21]. Mesmo quando não adicionada, a uréia pode ser produzida durante o processo fermentativo, devido ao metabolismo das leveduras [21].

Os aminoácidos, juntamente com os polissacarídeos, as dextranas, os fenóis e os polifenóis podem participar do processo de formação de precipitados, em bebidas fermentadas e destiladas, denominados flocos [4, 14,16,18,19,20]. Embora os flocos não sejam prejudiciais à saúde e nem interfiram no aroma e sabor das bebidas, eles as depreciam no seu aspecto visual. Além disto os aminoácidos são também possíveis precursores de carbamato de etila, como por exemplo a arginina cuja degradação pelas leveduras produz ornitina e uréia [12]. Portanto, a presença de aminoácidos é indesejável no produto final.

Os aminoácidos presentes nas aguardentes-de-cana e nas tiquiras são provavelmente provenientes da hidrólise de proteínas e dos aminoácidos presentes na própria matéria-prima [10]. A presença de aminoácidos na cana-de-açúcar [22], bem como na mandioca [6], são bem conhecidas. A sua presença em destilados pode ser conseqüência de falhas de operação no processo de destilação [15] ou por contaminação do açúcar utilizado na adoçagem da cachaça [5,17].

Na intenção de contribuir para o conhecimento da química dos destilados brasileiros, apresenta-se aqui os resultados das análises de íon amônio, uréia e aminoácidos presentes em 51 amostras de aguardentes de cana e 9 amostras de tiquiras.

2 ¾ MATERIAIS E MÉTODOS

Neste trabalho foram analisados destilados de cana-de-açúcar e de mandioca provenientes de várias regiões do país. Das aguardentes-de-cana, 13 amostras são da região nordeste, 4 amostras são da região sul, 34 amostras são da região Sudeste. As nove amostras de tiquiras (sem marca registrada ) são oriundas do Estado do Maranhão.

Caninhas: Safra de Ouro (SP); Jamel (SP); Chave de Ouro (CE); Velho Barreiro (SP); Pitú (PE); Aguardente 51 (SP); Ypioca Prata (CE); Vila Velha (MG); Cana Verde & Cia (MG); Ypioca Ouro (CE); Ganyviti (SP); Marquesi (SP); Berro (SP); Cavalinho (SP); Baronesa (MG); Oncinha (SP); Rainha da Lavoura (MG); Azuladinha (AL); Aguardente Pirassununga (SP); Velha Aroeira (MG); Moribondo (PB); Rainha (PB); Sapupara (CE); Aguardente 21 (SP); Espírito de Minas (MG); Capitão das Gerais (MG); Vale Verde (MG); Milagre de Minas (MG); Lua Cheia (MG); Lua Nova (MG); Salinas (MG); São Francisco (RJ); Alambari (PR); Brasileira (SP); Nêga Fulo (RJ); Massaió (AL); Setembrina (RS); Herr Blumenau (SC); Mangueira (PI); Moenda de Ouro (PB); Catedral (SP); Colonial (CE); Trinca 3 (CE); Coqueiro (RJ); Jequity (SP); SR (RJ); Pimpas (SC); Beija Flor (PI); Tridestilado de Cana (SP); Tridestilado Natural (SP) e Corisco (RJ).

Todos os reagentes utilizados nas análises foram de grau analítico (Merck ou Aldrich). A água destilada empregada no preparo de todas as soluções foi tratada por sistema de deionização (Milli-Q).

Nas determinações dos compostos nitrogenados (íon amônio, uréia e aminoácidos) foi utilizado um espectrofotômetro UV-VIS Hitachi, modelo U. 3501.

A determinação de íon amônio foi realizada utilizando a metodologia proposta por Weatherburn [23]. Esta é baseada na reação entre fenol e hipoclorito em meio alcalino e na presença de nitroprussiato de sódio. As leituras de absorbância foram efetuadas a 625nm.

A análise de uréia seguiu o procedimento descrito por DOUGLAS e BREMNER [7]. Este método envolve a medida da absorbância a 527nm do produto da reação entre a uréia, diacetil-monoxima e tiocemicarbazida em meio ácido. Com a finalidade de eliminar a interferência do açúcar, as amostras foram inicialmente percoladas por uma resina DOWEX 50WX (200-400mesh), na forma ácida.

A análise dos aminoácidos foi realizada de forma indireta através da diferença entre a concentração de "nitrogênio amínico" e a soma das concentrações do íon amônio e uréia. A determinação de "nitrogênio amínico" foi realizada empregando-se ninidrina [11] e efetuando-se as leituras de absorbância a 570nm.

As curvas de calibração para as soluções padrão dos compostos analisados foram realizadas seguindo os mesmos procedimentos empregados na análise das amostras. Os coeficientes de correlação da reta (r) calculados para uréia, íon amônio e aminoácidos a partir dos gráficos (Absorbância vs Concentração) foram respectivamente 0,998; 0,999 e 0,995.

As análises das amostras foram realizadas em duplicatas e os valores reportados representam as médias aritméticas dos resultados obtidos.

3 ¾ RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados das determinações dos compostos nitrogenados (uréia, íon amônio e aminoácidos) presentes nas aguardentes de cana e nas tiquiras estão apresentados nas Tabelas 1 e 2. Na Tabela 3 estão apresentados os valores médios, máximos e mínimos de concentração dos compostos nitrogenados.

Embora seja uma metodologia simples e acessível a qualquer Laboratório, a determinação de "nitrogênio amínico" apresenta limitações. Isto porque alguns compostos nitrogenados, como por exemplo a prolina, não pode ser analisada [13]. Na realidade os valores de "nitrogênio amínico" obtidos pelo método utilizado são estimados e indicam o "valor mínimo", o que atende aos objetivos deste trabalho.

Comparando-se os valores de concentração média de íon amônio presentes nas aguardentes de cana e nas tiquiras (Figura 1), não se observou diferença significativa entre os teores médios deste íon nos destilados.


Relacionando-se a distribuição dos teores médios de íon amônio presentes nos destilados das diversas Regiões, observa-se que as aguardentes de cana da região Sudeste foram as que apresentaram os maiores valores médios de concentração (0,162mmoles/L), seguida pelas da região Nordeste com 0,012mmoles/L. As amostras da região Sul exibem os menores valores médios: 0,001mmoles/L. Estas diferenças entre as regiões produtoras, talvez possam refletir variações nos teores de sulfato de amônia comumente adicionado [13].

Os dados obtidos na determinação da uréia (Figura 1), revelam que as tiquiras apresentam teores médios de uréia bem superiores (1,447mmoles/L) aos das aguardentes de cana (0,316mmoles/L). A uréia não é adicionada no processo de fabricação da tiquira. Também não é reportada a presença de uréia como tal na mandioca. Assim, é possível que a mesma se forme durante o processo de fermentação. Estes resultados são preocupantes e provavelmente expliquem os elevados teores de carbamato de etila encontrados na tiquira [1], pois como se sabe este composto pode ser formado a partir da uréia.

Relacionando-se a distribuição do teor médio de uréia pelas distintas regiões produtoras, observa-se que as aguardentes de cana da região Sudeste, Nordeste e Sul com concentrações médias de 0,244mmoles/L, 0,348mmoles/L e 0,913mmoles/L, respectivamente, apresentam ordem inversa daquela observada para o caso da distribuição do íon amônio por região produtora [13].

Finalmente relacionando-se a distribuição das concentrações médias de aminoácidos pelas regiões produtoras, observa-se que as aguardentes de cana da região Sudeste, Nordeste e Sul apresentaram concentrações médias semelhantes: 0,095mmoles/L, 0,091mmoles/L e 0,077mmoles/L, respectivamente [13]. Já as tiquiras apresentaram concentrações médias de aminoácidos, superiores às das aguardentes de cana.

Como os aminoácidos e a uréia não são voláteis nas condições em que a destilação da aguardente é efetuada, a sua presença nos destilados só pode ser explicada por arraste ou por contaminação do produto após a sua produção. Como a obtenção da tiquira é basicamente artesanal e submetida a um controle técnico inferior ao da cachaça, deve-se esperar que a contaminação durante a destilação da tiquira seja superior. Assim, um controle mais eficaz do processo de destilação, poderá reduzir ou mesmo eliminar a presença de uréia e aminoácidos nos destilados.

4 ¾ CONCLUSÕES

• Foi possível identificar e quantificar íon amônio, uréia e aminoácidos nas amostras de aguardente de cana e de tiquira. Os resultados obtidos indicam que as tiquiras apresentam concentrações médias de uréia e aminoácidos superiores aos das aguardentes de cana, ao passo que os teores médios de íon amônio são equivalentes nas duas bebidas.

• A presença indesejável desses compostos nos destilados é provavelmente devida à falhas relacionadas ao processo de destilação. As variações dos teores de uréia e íon amônio em função das regiões produtoras, podem ao menos em parte, serem explicadas em função da não padronização da adição das fontes de nitrogênio ao mosto.

5 ¾ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

6 ¾ AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP, pela bolsa MS (proc. 98/09053-8), CAPES e CNPq pelo suporte financeiro.

2 Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, C.P. 780, CEP 13560-970, São Carlos, SP, Brasil. E-mail: douglas@iqsc.sc.usp.br.

* A quem a correspondência deve ser enviada.

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  • 1
    Recebido para publicação em 10/08/00. Aceito para publicação em 11/04/01.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Jan 2001

    Histórico

    • Recebido
      10 Ago 2000
    • Aceito
      11 Abr 2001
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