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As Raízes de uma Agenda de Transformação Conservadora: Brzezinski e Huntington nos Anos 1960 1 1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo SP Brasil nmello@pucsp.br. Professora de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).São Paulo, SP. Brasil. E-mail: nmello@pucsp.br.

The Roots of a Conservative Transformation Agenda: Brzezinski and Huntington in the 1960s

Les Racines d’un Programme de Transformation Conservateur : Brzezinski et Huntington dans les Années 1960

Las Raíces de una Agenda de Transformación Conservadora: Brzezinski y Huntington en los años 1960

RESUMO

Este artigo recupera a crise nos anos 1960 nos Estados Unidos pela perspectiva de dois cientistas políticos críticos aos movimentos sociais e que tiveram destaque no debate político na década de 1970: Zbigniew Brzezinski (fundador da Comissão Trilateral e Conselheiro de Segurança Nacional do presidente Carter) e Samuel Huntington (editor e fundador da revista Foreign Policy e coordenador do Conselho de Segurança Nacional do mesmo governo). Com base em documentos encontrados em arquivos históricos e na obra dos autores, reconstrói o ponto de vista de ambos sobre a crise, o Vietnã, e os conflitos no interior do Partido Democrata. Os registros demonstram que eles eram contrários àqueles movimentos, mas buscaram absorver algumas de suas demandas. No pós-1968, Brzezinski e Huntington ajudaram a promover uma agenda de reformas, porém as demandas originais foram reformuladas e refreadas, inaugurando um projeto que representava simultaneamente a transformação e a conservação da ordem política.

história do pensamento político; história dos Estados Unidos; crise política; transformação-conservadora; Guerra Fria

ABSTRACT

This article reassesses the crisis in the 1960s in the United States from the perspective of two political scientists who were critics of the social movements and had a prominent role in the political debate during the 1970s: Zbigniew Brzezinski (founder of the Trilateral Commission and President Carter’s National Security Advisor) and Samuel Huntington (founding editor of Foreign Policy magazine and coordinator of the National Security Council during Carter administration). Based on documents accessed in historical archives along with books and articles written by them, I examine their point of view on the crisis, Vietnam War, and the Democrats’ intra-party conflicts. The records show that they opposed those movements, but they tried to absorb some of their demands. In post-1968, Brzezinski and Huntington helped to promote an agenda of reforms, but the original demands have been reformulated and restrained, inaugurating a project that represented simultaneously the transformation and conservation of the pre-existing order.

history of political thought; history of the United States; political crisis; conservative transformation; Cold War

RÉSUMÉ

Cet article reprend la crise des années 1960 aux États-Unis sous le point de vue de deux politologues critiques des mouvements sociaux et qui se sont illustrés dans le débat politique des années 1970 : Zbigniew Brzezinski (fondateur de la Commission Trilatérale et National Security Adviser du président Carter) et Samuel Huntington (éditeur et fondateur du magazine Foreign Policy et coordinateur du National Security Council du même gouvernement). À partir de documents retrouvés dans les archives historiques et dans les travaux des auteurs, on reconstitue leur point de vue sur la crise, le Vietnam et les conflits au sein du Parti Démocrate. Les dossiers montrent qu’ils étaient contre ces mouvements, mais ont cherché à absorber certaines de leurs revendications. Dans la période postérieure à 1968, Brzezinski et Huntington ont contribué à promouvoir un programme de réformes, mais les revendications initiales ont été reformulées et limitées, inaugurant un projet qui représentait simultanément la transformation et la conservation de l’ordre politique.

histoire de la pensée politique; histoire des États-Unis; crise politique; transformation conservatrice; Guerre Froide

RESUMEN

Este artículo recupera la crisis en los años 1960 en Estados Unidos desde la perspectiva de dos politólogos críticos a los movimientos sociales y que se destacaron en el debate político en la década de 1970: Zbigniew Brzezinski (fundador de la Comisión Trilateral y Consejero de Seguridad Nacional del presidente Carter) y Samuel Huntington, editor y fundador de la revista Foreign Policy y coordinador del Consejo de Seguridad Nacional del mismo gobierno). Con base en documentos encontrados en archivos históricos y en la obra de los autores, se reconstruye el punto de vista de ambos sobre la crisis, Vietnam y los conflictos al interior del Partido Demócrata. Los registros demuestran que ambos autores estaban en contra de aquellos movimientos, pero buscaron absorber algunas de sus demandas. En el pos 1968, Brzezinski y Huntington ayudaron a promover una agenda de reformas, sin embargo las demandas originales fueron reformuladas y controladas, inaugurando un proyecto que representaba simultáneamente la transformación y la conservación del orden político.

historia del pensamiento político; historia de los Estados Unidos; crisis política; transformación conservadora; Guerra Fría

INTRODUÇÃO

Nos Estados Unidos, o ano de 1968 é um marco simbólico do agravamento de uma crise política. Os problemas daquela conjuntura antecederam e avançaram para além de 1968 em si, mas os diversos processos que caracterizaram os conflitos dos anos 1960 e 1970 manifestaram-se de forma intensa e simbólica naquele ano. Depois de 1968, já não era possível ignorar o crescimento volumoso e a radicalização de diversos movimentos sociais, entre eles, as rebeliões estudantis, aqueles em prol dos direitos civis e os de oposição à Guerra do Vietnã. Tampouco era factível negar que uma intensa quebra de legitimidade atingia o sistema político norte-americano e que, por consequência, os partidos, o establishment político e até mesmo as organizações e universidades que tinham influência em Washington tornavam-se alvo de hostilidades, irrompendo inclusive alguns ataques a bomba. A crise continuou a evoluir nos anos seguintes, provocando efeitos que abalaram os rumos e as bases que davam sustentação à política norte-americana, e teve, entre os seus piores momentos, o agravamento do Escândalo de Watergate (1973-1974) e a fuga humilhante da embaixada norte-americana em Saigon, nos últimos instantes da derrota do aliado na guerra (1975).

Este artigo analisa essa conjuntura a partir da perspectiva de dois cientistas políticos com experiência direta ou indireta de consultoria para a Casa Branca nos anos 1960 (contribuindo, inclusive, para a intervenção no Vietnã) e que tiveram, na década de 1970, um papel proeminente na política norte-americana. Destacaram-se, em primeiro lugar, por terem sido responsáveis pela fundação de duas organizações que pautaram extensamente o debate nos anos 1970 e que estabeleceram os fundamentos para a (re ) formulação das estratégias políticas dos Estados Unidos. Em segundo lugar, por terem assumido cargos no governo Carter (1977-1981), a quem haviam assessorado desde as eleições. O primeiro deles é Samuel Huntington, que foi editor e fundador da Foreign Policy e coordenador de planejamento do Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter. O segundo é Zbigniew Brzezinski, que fez parte do comitê editorial do mesmo periódico e foi fundador e diretor da Comissão Trilateral , além, é claro, de ter sido o famoso conselheiro de Segurança Nacional daquele presidente democrata.

Como é conhecido, ambos consultores e cientistas políticos alcançaram um papel ainda mais influente nas décadas seguintes. Huntington foi docente em Harvard e publicou praticamente uma grande obra referencial a cada década: O Soldado e O Estado (1957), Ordem Política nas Sociedades em Mudança (1968), A Terceira Onda (1991) e, por fim, o livro que o fez ultrapassar as fronteiras acadêmicas e ser lançado nas controvérsias públicas: O Choque das Civilizações (1996). Além da produção de um conjunto de livros clássicos, é marcante em sua trajetória como cada um deles se notabilizou em uma diferente área temática da Ciência Política e das Relações Internacionais.

Brzezinski, por sua vez, foi professor da Universidade de Columbia e iniciou sua carreira estudando a Revolução Russa. Foi fundamental para a linha de estudos sobre o regime soviético durante a Guerra Fria, que ficou amplamente marcada por As Origens do Totalitarismo , de Hannah Arendt (1949), e Totalitarismo e Autocracia , de Brzezinski e Carl Friedrich (1956). Atuou como conselheiro do governo Johnson (1966-1967), mas alcançou notoriedade após se tornar um dos mais importantes estrategistas de política externa do governo Carter, o que lhe rendeu inúmeros estudos comparativos com o seu antecessor, Henry Kissinger. No período pós-Guerra Fria, uma de suas obras mais influentes foi The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives (1997).

O objetivo deste artigo é analisar o ponto de vista de Brzezinski e Huntington sobre a crise dos anos 1960, os fracassos na Guerra do Vietnã e o ativismo e a explosão de questionamentos – especialmente no ano de 1968−, e, a partir disso, interpretar as atividades político-intelectuais de ambos na década de 1970. A abordagem utilizada é a da tradição investigativa da história do pensamento político e do estudo das ideias a partir da reconstrução do contexto de debates travados por cada autor. Mas não é reconstruída apenas a discussão entre obras clássicas, ou entre produções acadêmicas e científicas. Este artigo segue, assim, os passos de um dos primeiros ensaios teórico-metodológicas de J. G. A. Pocock: The History of Political Thought: A Methodological Enquiry [1962]2 2 . Pocock é mais conhecido por O Conceito de Linguagem e o Métier d’Historie [1987] ( POCOCK, 2003 ). Recentemente, James (2019) demonstrou as diferenças entre um ensaio e outro e concluiu que o de 1962 estava mais associado à trajetória pregressa de Pocock e às questões de seu orientador, Herbert Butterfield, sobre a relação entre a historiografia e a vida política da sociedade. . No ensaio o autor argumenta ser um equívoco que o historiador das ideias políticas eleja, arbitrariamente, apenas os níveis mais altos de abstração como objeto de estudo. A consequência de uma tal escolha seria transformar a História do Pensamento Político em Filosofia ou Teoria Política. Diversamente, Pocock postula que o pensamento político deveria ser visto, simultaneamente, como um comportamento político (parte integrante, portanto, da relação entre os indivíduos e o poder) e um comportamento intelectual (que diz respeito à busca por entendimento da realidade). Desta forma, abarca desde as discussões mais práticas até as mais abstratas e teóricas, embora, a depender do caso, a faceta política adquira maior saliência e, em outros momentos, o objetivo de entender a realidade ganhe destaque. Mas não é possível distinguir inteiramente uma função da outra ( POCOCK, 2009POCOCK, John. (2009), “The History of Political Thought: A Methodological Enquiry”, in POCOCK, John, Political Thought and History: Essays on Theory and Method. Cambridge, Cambridge University Press. ).

As obras intelectuais de Brzezinski e Huntington foram analisadas em conjunto com os debates políticos travados pelos autores a partir da coleta de:

  1. Correspondências trocadas entre Brzezinski, Huntington e o candidato presidencial Democrata Hubert Humphrey durante a eleição de 1968, quando os dois primeiros fizeram parte de seu comitê de campanha (disponíveis no arquivo de Humphrey, na Minnesota Historical Society);

  2. Atas dos seminários confidenciais sobre a Guerra do Vietnã organizados pelo Council on Foreign Relations , em 1967 e 1968 (encontrados nos arquivos do Council alojados na Universidade de Princeton).

  3. Documentos e cartas de Huntington, disponíveis no seu arquivo pessoal (na Universidade de Harvard) e no arquivo pessoal de Irving Kristol (localizado na Wisconsin Historical Society).

A documentação encontrada nesses arquivos refere-se aos debates: (1) no interior do Partido Democrata, em uma eleição decisiva, cuja derrota acabou marcando o fim de uma era de hegemonia da agremiação de Roosevelt na política dos Estados Unidos; (2) de uma das organizações mais influentes na elaboração da política externa naquela época e que reunia um grupo amplo de atores políticos, corporativos, acadêmicos e do jornalismo; e (3) relativos ao planejamento, nos anos 1970, de novos espaços de reflexão e de coordenação de ações diante da crise.

Vale a pena destacar que diferentes linhas de pesquisa estão retomando a importância dos anos 1960 e 1970 e contribuindo com um novo olhar para as transformações que foram ali engendradas. Alguns autores, por exemplo, vêm discutindo a atual crise dos direitos humanos em conjunto com uma nova apreciação do processo histórico da expansão desses direitos na década de 1970 ( Eckel e Moyn, 2014ECKEL, Jan; MOYN, Samuel (eds.). 2014, The Breakthrough: Human Rights in the 1970s. Philadelphia, University of Pennsylvania Press. ; Hopgood, 2013HOPGOOD, Stephen. (2013), The Endtimes of Human Rights. New York, Cornell University Press. ; Moyn, 2010MOYN, Samuel. (2010), The Last Utopia: Human Rights in History. Cambridge, Harvard University Press. ). Outro estudo recente situa naquele contexto específico uma sucessão de inflexões políticas e econômicas experimentadas no plano nacional e internacional, depois de 20 anos de prosperidade e estabilidade na economia, e ressalta que foi justamente naquele cenário de contestação generalizada e debilitamento das formas de poder que se abriu a oportunidade para uma profunda reestruturação ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre a Sociedade Neoliberal. São Paulo, Boitempo. ). Uma terceira linha de pesquisa tem focado o realinhamento político nos Estados Unidos de 1970 em diante e observado a emergência de novas agendas e pautas – tanto entre grupos e atores políticos conservadores quanto entre os progressistas ( Geismer, 2015GEISMER, Lily. (2015), Don’t Blame Us: Suburban Liberals and the Transformation of the Democratic Party. Princeton, Princeton University Press. ; Hilton, 2016HILTON, Adam. (2016), Party Reform and Political Realignment: The New Politics Movement in the Democratic Party. Tese (Doutorado em Ciência Política), York University, Toronto. ).

Este artigo também volta a esse contexto e lança um novo olhar a respeito das ações político-intelectuais em curso, além de abarcar uma conjuntura decisiva a partir do ângulo de dois atores influentes. A primeira parte deste texto apresenta, de forma sintética, alguns dos processos que conduziram à conjuntura crítica de 1968 e os principais movimentos de contestação da época. A seguir, conferindo atenção especial aos anos de 1967 e 1968, analisa a trajetória de Huntington e Brzezinski em relação à forma como eles interpretaram a crise, a suas críticas aos movimentos e contestações que se avolumavam em 1968 e, simultaneamente, a como eles absorveram as pretensões por mudança típicas daquele período. A terceira parte expõe as principais características dos projetos conduzidos por ambos na década de 1970 (a Comissão Trilateral e a Foreign Policy ) com o intuito de evidenciar como eles possuíam uma estratégia positiva (em vez de retrógrada e negativa), na qual diversas pautas se fundiam e desejos de transformação eram assimilados, ao mesmo tempo em que buscavam a conservação da ordem política. As considerações finais retomam os posicionamentos de Brzezinski e Huntington, em 1968, e suas atuações na década de 1970, e encerra situando as questões aqui trabalhadas em diálogo com outras pesquisas recentes sobre a época.

A CRISE DOS ANOS 1960, AS CRESCENTES CONTESTAÇÕES E AS FRATURAS NO PARTIDO DEMOCRATA

Brzezinski e Huntington se envolveram, ao longo de 1968, em debates políticos que se localizavam em dois âmbitos específicos. Realizaram alguns seminários voltados ao estudo de estratégias alternativas para a Guerra do Vietnã e atuaram nos comitês de elaboração do programa de política externa do candidato a presidente Hubert Humphrey (Partido Democrata). Embora tais participações os situassem, de maneira mais próxima, de questões relativas aos assuntos exteriores, Brzezinski e Huntington problematizaram e deram destaque a outros dilemas daquela conjuntura crítica, o que não era fortuito. Efetivamente, esses fenômenos estavam inscritos em processos mais amplos – que envolviam uma crise de legitimidade política e expansão de protestos em toda a sociedade; e quebras e fraturas no interior da coalizão ou base de apoio do Partido Democrata.

A crise de legitimidade é um dos problemas mais conhecidos dos anos 1960 e início de 1970 e, com frequência, é exposta por referência a escândalos como o do Pentagon Papers , em 1971 (quando foram divulgados documentos secretos da Guerra do Vietnã) e o caso de Watergate, que esteve nas principais manchetes de jornais ao longo de 1973 e 1974. Mas, antes disso, ainda na década de 1960, ocorreram outros escândalos que, embora não atingissem diretamente a presidência nem os partidos Democrata ou Republicano, impactaram sobre o sistema político dos Estados Unidos no sentido amplo, e geraram uma série de questionamentos e tensões.

Alguns desses escândalos incidiram sobre as universidades e os intelectuais durante a Guerra Fria. Um dos mais famosos foi a revelação, em 1965, do Projeto Camelot, de financiamento de cientistas sociais pelas forças armadas com a intenção de descobrir a possibilidade de deflagração de insurgências e revoluções em um conjunto de países (Chomsky et al ., 1997; Horowitz, 1969HOROWITZ, Irving. (1969), Ascensão e Queda do Projeto Camelot. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. ). No ano seguinte, foi descoberto que a CIA custeava o Congresso pela Liberdade da Cultura, que patrocinou o trabalho de centenas de intelectuais em dezenas de países ( Cancelli, 2012CANCELLI, Elisabeth. (2012), O Brasil e os Outros: O Poder das Ideias. Porto Alegre, EDIPUCRS. ; Saunders, 2008SAUNDERS, Frances. (2008), Quem Pagou a Conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura. Rio de Janeiro, Record. ). Tais revelações comprometeram a imagem de que as pesquisas científicas eram desenvolvidas de forma autônoma aos interesses do governo, o que ajudou a catalisar outro fenômeno: a explosão de protestos estudantis.

A pioneira foi Berkeley, entre 1964 e 1965. Em 1968, a mobilização mais conhecida ocorreu na Universidade de Columbia. Outro caso com bastante repercussão foi o protesto contra a segregação racial na Universidade Estadual de Carolina do Sul, que acabou em tiroteio. Os anos de 1969 e 1970 foram ainda mais salientes, quando o FBI chegou a listar mais de 1.785 manifestações e 313 ocupações em universidades; entre elas, os casos de repressão violenta, tiroteios e assassinatos nas Universidades Estaduais de Kent e de Jackson. Até mesmo Harvard – mais moderada – vivenciou uma ocupação da administração, seguida por uma repressão violenta, em 1969. As principais pautas contra as quais estes protestos se insurgiram eram: a segregação racial; a realização de pesquisas aplicadas dentro das universidades sob o patrocínio das forças armadas e de inteligência; a expansão de campi universitários que impactava na gentrificação do espaço urbano; e a Guerra do Vietnã ( Eichel, 1970EICHEL, Lawrence. (ed.). (1970), The Harvard Strike. Boston, Houghton Mifflin. ; Patterson, 2012PATTERSON, James. (2012), The Eve of Destruction: How 1965 Transformed America. New York, Basic Books. ; Purdy, 2008PURDY, Sean. (2008), “1968: A Rebelião Estudantil nos Estados Unidos”. Revista Cult [online], n. 126. Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/1968-a-rebeliao-estudantil-nos-estados-unidos/>. Acesso em: 01 abr. 2021.
https://revistacult.uol.com.br/home/1968...
).

A Guerra do Vietnã já se desenrolava há algum tempo. Desde os anos 1950, os Estados Unidos enviavam armas e assistentes a Saigon, mas foi somente na década de 1960 que os EUA passaram a aumentar gradativamente seu envolvimento e a participar diretamente das batalhas. Em 1965, deu-se um salto nessa evolução gradual – a chamada escalada da guerra –, mas as forças armadas dos Estados Unidos já atuavam no combate há alguns anos3 3 . Recentemente, o ex-presidente Barack Obama escolheu o dia 12 de janeiro de 1962 como marco do primeiro grande combate com ação direta de soldados dos Estados Unidos. Disponível em: < https://www.nytimes.com/2012/05/29/us/politics/obama-begins-commemoration-of-vietnam-era.html> . Acesso em: 20 mar. 2021. . Por volta de 1967, alguns setores da população começaram a arrefecer o apoio à guerra, ou mesmo a questioná-la. Nas universidades, desde 1965, tornou-se comum a organização de debates sobre o Vietnã – geralmente, com um forte teor crítico ( Mello, 2017MELLO, Natália. (2017), Os Intelectuais Saem da Guerra: A Intervenção no Vietnã, a “Foreign Policy Magazine” e a Construção Político-Intelectual de Novos Paradigmas e Estratégias. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. ).

Logo no início de 1968, um evento no Vietnã fez crescer vertiginosamente os protestos dentro e fora das universidades: a Ofensiva Tet. A partir da véspera de um feriado vietnamita (o ano novo lunar, Tet , em 31 de janeiro) teve início uma série contínua de ataques dos insurgentes que, em um intervalo de 48 horas, invadiram ou metralharam de forma surpresa e simultânea cinco das seis maiores cidades do país e dezenas de capitais de províncias e municípios. A guerra, antes localizada principalmente na área rural, chegou até a capital Saigon − inclusive ao palácio presidencial, ao quartel militar e à embaixada americana. Os ataques contaram com poucos homens e armas; porém, os comunistas demonstraram coordenação e força, apesar de três anos da intervenção direta e massiva de militares estadunidenses ( Oberdorfer, 1971OBERDORFER, Don. (1971), Tet! The Turning Point in the Vietnam War. Baltimore, John Hopkings University Press. ). Imediatamente após a ofensiva, a população dos Estados Unidos aumentou consideravelmente sua rejeição à guerra.

A explosão de ataques ocorreu em pleno ano de eleições presidenciais e, menos de dois meses depois, Johnson anunciou publicamente que não se candidataria à reeleição. Na realidade, antes mesmo da Tet, Johnson já vislumbrava uma campanha presidencial mais adversa do que a sua vitória em 1964, quando alcançou uma das maiores conquistas eleitorais da história logo após a aprovação da Lei dos Direitos Civis. O ano seguinte, 1965, foi ainda mais marcante, com a aprovação do programa Great Society e da Lei do Direito ao Voto. Por outro lado, se Johnson foi habilidoso em superar o bloqueio que os conservadores exerciam contra as leis antidiscriminatórias, ao mesmo tempo, o descontentamento que gerou no sul do país fomentou a candidatura de Barry Goldwater, em 1964. Goldwater teve apoio dos políticos que se opuseram à Lei dos Direitos Civis e recorreu a um discurso ultraconservador que tinha estado ausente nas campanhas presidenciais anteriores. Algumas análises interpretam que, embora tenha sido derrotado, as raízes da polarização política foram gestadas e, no período seguinte, o Partido Republicano assumiu um caráter cada vez mais conservador ( Patterson, 2012PATTERSON, James. (2012), The Eve of Destruction: How 1965 Transformed America. New York, Basic Books. )4 4 . Aliás, Reagan emergiu politicamente nesta campanha – em um discurso de apoio a Goldwater – e foi apoiado, em 1966, por esses mesmos grupos para ser candidato ao governo da Califórnia. .

Ao mesmo tempo, os grandes protestos em defesa do voto, de 1964 e 1965, também refletiam outras tensões e fraturas no interior da coalizão do Partido Democrata. No ano de 1964, foi eleita no Mississippi, de modo paralelo, uma bancada de delegados negros para a Convenção do Partido Democrata, com o intuito de denunciar a obstrução exercida pela delegação oficial e branca do estado contra a participação de afro-americanos. Poucos meses depois, houve uma nova reunião de ativistas, desta vez no Alabama, que organizou marchas, protestos e mobilizações a favor do registro eleitoral de negros. A contrarreação local foi severa e o movimento enfrentou diversos ataques e agressões. A mais conhecida foi a Marcha de Selma a Montgomery, violentamente reprimida pela polícia. Esses eventos revelavam algumas discrepâncias entre o movimento e a pauta do Partido Democrata. Em 1964, o partido sofreu o constrangimento de lidar com uma bancada alternativa, que evidenciava a discriminação institucional no sul. Em 1965, o presidente resistiu às demandas do movimento pelo envio de tropas federais para a proteção dos manifestantes. Embora Johnson concordasse com a ideia de garantir o voto de afro-americanos, em 1965 a sua prioridade era a aprovação do programa Great Society – e ele estava receoso em provocar maiores questionamentos vindos do partido no sul. Depois da violência em Selma, Johnson se comprometeu de forma mais direta com a aprovação da Lei do Direito ao Voto ( Patterson, 2012PATTERSON, James. (2012), The Eve of Destruction: How 1965 Transformed America. New York, Basic Books. )5 5 . Não é exagero presumir que, poucos anos depois, os dramáticos assassinatos do líder do movimento negro Martin Luther King e do pré-candidato Robert Kennedy, em 1968, também tiveram impactos negativos e contribuíram para o ceticismo em relação a uma solução institucional para as reivindicações de movimentos sociais. O primeiro era uma liderança dos movimentos por direitos civis não-violentos e o segundo representava uma opção partidária para os movimentos antirracistas e os antiguerra descontentes com os Democratas. .

Quando ocorreram esses primeiros sinais de fraturas na base de sustentação dos governos democratas, os direitos civis eram o principal tema em pauta. A escalada da Guerra do Vietnã – com bombardeios aéreos e envio massivo de tropas – aconteceu ao mesmo tempo que o desafio conservador de Goldwater e a contestação do movimento negro em Selma; mas a rejeição à intervenção, logo no começo, foi mais “silenciosa”. Embora os críticos internos ao governo tenham sido negligenciados durante a decisão de aumentar o envolvimento dos Estados Unidos no conflito, eles inicialmente se resignaram ( Mello, 2017MELLO, Natália. (2017), Os Intelectuais Saem da Guerra: A Intervenção no Vietnã, a “Foreign Policy Magazine” e a Construção Político-Intelectual de Novos Paradigmas e Estratégias. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. ). Em 1968, em parte por causa da Ofensiva Tet, o movimento explodiu e os questionamentos no interior do Partido Democrata deixaram de se desenrolar nos bastidores.

O ano começou com a pré-candidatura do opositor democrata Eugene McCarthy, que a despeito de ter pouquíssima chance, deixava Johnson na situação desconfortável de ter um concorrente no interior do próprio partido. A Ofensiva Tet ainda desencadeou a entrada de Robert Kennedy na disputa, cuja base de apoio também advinha dos movimentos contrários ao Vietnã e com um maior respaldo entre os eleitores negros. Após a derrota simbólica do presidente em New Hampshire, Johnson desistiu da sua candidatura a favor de seu vice, Hubert Humphrey. Poucos anos antes, Humphrey seria um dos liberais mais progressistas a ser nomeado candidato a presidente, mas em 1968, era visto com ceticismo. Como veremos, ele nem sequer conseguia se posicionar claramente pelo fim da guerra, por ser o candidato do presidente e, nesse sentido, da continuidade. O resultado foi uma grande explosão de protestos contra a nomeação de Humphrey como candidato pela Convenção do Partido Democrata, evento que aparece diretamente no percurso de Brzezinski e Huntington, como descrito mais adiante.

Essa breve apresentação dos diversos fatores que compõem a conjuntura crítica de 1968 possibilita considerar a trajetória de Brzezinski e Huntington no interior desse contexto e analisar como eles interpretaram essa crise. Ou seja, como avaliaram o movimento nas universidades, os protestos antiguerra, a “radicalização” de ativistas, a disputa dos pré-candidatos McCarthy e Kennedy com o candidato governista Humphrey, a Convenção do Partido Democrata em Chicago e os conflitos no interior do establishment .

BRZEZINSKI E HUNTINGTON EM 1968: EM BUSCA DE UM NOVO MODELO PARA UMA “NOVA ERA”

O cientista político Zbigniew Brzezinski ganhou destaque acadêmico com a publicação do livro Totalitarismo e Autocracia (1956), escrito em coautoria com Carl Friedrich. Nessa época, uma de suas maiores preocupações era o fato de a política exterior de países totalitários ser guiada por uma ideologia doutrinária, descrita como inflexível, de rejeição radical à sociedade preexistente e composta por elementos utópicos. O problema dessa ideologia totalitária não era apenas guiar a política externa de nações comunistas: outra constatação que inquietava os autores é que ela estava presente nos partidos de regimes democráticos, o que demonstrava como o totalitarismo “só podia ter surgido dentro do contexto da democracia de massa” ( Friedrich e Brzezinski, 1965FRIEDRICH, Carl; BRZEZINSKI, Zbigniew. (1965), Totalitarismo e Autocracia. Rio de Janeiro, GRD.: 22).

Em concordância com essas análises dos anos 1950, quando explodiram os movimentos em 1968, as primeiras reações de Brzezinski evidenciavam certas proximidades com suas pesquisas precedentes, ou seja, afligia-o que estes grupos manifestassem ideologias e comportamentos totalitários. Ao mesmo tempo, ele começou a produzir um novo referencial teórico. A radicalização de coletivos políticos passou a ser relacionada à ampla transformação socioeconômica que os Estados Unidos vivenciavam: a transição de uma sociedade industrial para uma tecnotrônica. Nesta sociedade, a cultura, a economia e os fenômenos sociais passam a ser modelados pelo impacto da tecnologia e eletrônicos, por isso o neologismo “tecnotrônico” (Brzezinski, 1970).

Esta nova abordagem analítica começou a ser elaborada por Brzezinski após assumir um cargo no governo de Lyndon Johnson, mais precisamente, no interior do Conselho de Planejamento Político ( Policy Planning Council 6 6 . Principal órgão de elaboração estratégica dentro do governo, chefiado por Henry Owen (1966-1969). ), durante 1966 e 1967. Um dos primeiros sinais de inovação apareceu na sua contribuição para um discurso presidencial sobre a integração da Europa e da Alemanha, que foi proferido em 7 de outubro de 19667 7 . Outros assessores também contribuíram para o discurso. Sobre a história do discurso ver: Schwartz (2014). . O esboço inicial, escrito por Brzezinski8 8 . A versão redigida por Brzezinski está disponível em: Brzezinski (1966). , insistia em resolver os legados do passado, pois eles precisavam se concentrar nos desafios do futuro: construir uma nova ordem mundial e ajudar no combate à pobreza.

No início de 1967, ainda em Washington, Brzezinski redigiu a primeira análise mais abrangente sobre as mudanças em curso nos Estados Unidos (Brzezinski, 1967a). As principais eram a identificação cada vez maior das pessoas com os interesses humanos globais (em vez de uma identidade pautada pelo Estado-nação) e os sinais e manifestações, nos Estados Unidos, de novas preocupações associadas a uma sociedade pós-industrial (lazer, bem-estar, alienação da juventude). O resultado era que os desafios enfrentados nos Estados Unidos eram totalmente diversos daqueles das demais nações industrializadas que discrepavam, por sua vez, dos problemas das nações em desenvolvimento. Mas, se por um lado, a realidade sociopolítica dos Estados Unidos era bem diversa da dos demais países, por outro, os movimentos radicais nacionais buscavam resolver os novos dilemas da sociedade pós-industrial com ideologias anacrônicas.

Em 1968, depois que a Universidade de Columbia – na qual trabalhava – entrou em greve, Brzezinski publicou o artigo “Revolution and Counterrevolution (but not necessarily about Columbia)”, que avaliava que “situações revolucionárias” como aquela se deflagravam por causa de uma profunda crise de valores causada por um período de transição. As transformações potencializavam a radicalização de coletivos que buscavam mobilizar as massas e justificar o uso da violência semelhantemente ao que havia ocorrido nas revoluções comunistas. A nova situação, contudo, tinha também especificidades: as inovações em tecnologias de comunicação e informática geravam novas ameaças, pois permitiam um controle central sob cada cidadão e a manipulação consciente dos fenômenos; ou então, opostamente, o perigo da desagregação social (Brzezinski, 1968).

A única saída era se adaptar às mudanças técnicas sem perder o caráter democrático do regime. O desafio era conseguir combinar coordenação com descentralização, ou seja, distribuir autoridade para os baixos escalões, mas manter uma capacidade de articulação. A vantagem era que as novas tecnologias permitiam fomentar a participação local na política, o que já vinha sendo adotado por grandes empresas , mas em casos graves, como o da greve em Columbia, seria necessário adotar algumas medidas mais drásticas (Brzezinski, 1967b). Na opinião de Brzezinski, estratégias “contrarrevolucionárias” teriam que ser infligidas: a liquidação completa das lideranças do movimento ou, ao menos, sua expulsão do país. Todavia, não deveria ser exercida nenhuma força repressiva contra as massas, e eles precisariam iniciar uma série de reformas “projetadas para absorver as energias dos revolucionários mais moderados, que poderão, então, alegar que embora a revolução deles tenha fracassado, seus objetivos foram alcançados. Isto é muito importante para atrair os ‘elementos mais moderados para o lado das autoridades’” (Brzezinski, 1968:24)9 9 . Alguns anos depois, Huntington redigiu um documento de recomendações à ditadura militar brasileira e – semelhantemente a Brzezinski – falava da importância de o Estado cooptar grupos potencialmente opositores, pois “relacioná-los ao sistema governamental era uma política bem menos custosa do que tentar reprimi-los” (Huntington, 1973:5). .

A crise de uma transição para uma “nova era”, a crítica ferrenha à nova esquerda e a sugestão de reformas que atraíssem os moderados, estavam presentes nas propostas de Brzezinski quando ele adentrou a campanha à presidência de Humphrey. O cientista político se tornou Coordenador-Geral de Assuntos Exteriores do então pré-candidato em junho de 1968. Esta função surgiu depois de uma reunião com uma dúzia de especialistas de Harvard e MIT, que recomendaram ao vice que ele evitasse ser identificado com a Guerra do Vietnã e falasse mais de assuntos ligados à paz. Foram formados, então, grupos de trabalho orientados por diferentes temáticas (operações de paz, controle de armas, desenvolvimento e outras), e Brzezinski se tornou coordenador-geral destes comitês10 10 . Brzezinski coordenava os assuntos exteriores como um todo, que estavam submetidos à coordenação-geral de Robert Nathan (que também supervisionava as questões domésticas). Em assuntos exteriores, foram formados 11 GTs – cada um com cerca de uma dúzia de especialistas liderados por um coordenador. . Huntington, por sua vez, assumiu a coordenadoria do GT Pós-Vietnã sobre os impactos prováveis do fim da guerra ( Nathan, 1968NATHAN, Robert. (1968), “Foreign Policy Task Forces (Confidential Memorandum)”. Hubert H. Humphrey Papers, box 24, Minnesota Historical Society, 12 jun. 1968. ).

Um dos mais demorados embates internos da campanha referiu-se à realização de um pronunciamento do candidato a respeito do Vietnã. O primeiro rascunho do discurso foi redigido em junho por Huntington, o qual explicou a Humphrey que o intuito era conquistar a base de apoio antiguerra ligada a McCarthy e Kennedy, mas manter-se flexível para assumir uma posição mais dura ( hawk ) se necessário (Huntington, 1968a). Começou, assim, um longo ciclo de pressões para que Humphrey fizesse este pronunciamento, ao mesmo tempo que uma série de versões eram redigidas. Nos meses seguintes, Huntington e Brzezinski insistiram, diversas vezes, para que esse discurso acontecesse. Em meados de julho, Brzezinski alertou ao vice que a demora em se posicionar poderia resultar na transferência da rejeição à guerra para a sua candidatura (Brzezinski, 1968b). No final de julho, Huntington e os demais conselheiros se reuniram com Humphrey com o intuito de clamar por uma posição pública contra a guerra (Huntington, 1975a). Em agosto, Brzezinski insistiu para que a declaração ocorresse naquela semana, últimos dias antes da Convenção Democrata, o que ajudaria a dispersar o tema da guerra nas sessões (Brzezinski, 1968c).

Apesar de todos os avisos, a declaração só foi feita cerca de um mês depois da tumultuosa Convenção do Partido Democrata em Chicago ( Humphrey, 1968HUMPHREY, Hubert. (1968), “Vice President Hubert H. Humprey’s Address to the Nation on Vietnam and American Foreign Policy” NBC-TV Transcript [online]. Salt Lake City, Utah. Disponível em: <http://www2.mnhs.org/library/findaids/00442/pdfa/00442-02747.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2020.
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). Todas as disputas fratricidas no interior do partido, mencionadas na primeira parte deste artigo, foram escancaradas nesta reunião. O pré-candidato assassinado, Robert Kennedy, e o pré-candidato McCarthy haviam colecionado mais vitórias nas primárias que o substituto indicado pelo presidente. Mas os chefes locais partidários (os bosses ) participaram de todo o tipo de negociatas e trocas de favores que dominavam a convenção do partido naquela época e asseguraram a nomeação de um representante do establishment 11 11 . Anteriormente, as primárias não elegiam a maioria dos delegados que participavam da Convenção do Partido. Sobre a mudança das regras pós-1968, Cf. Hilton (2016) . . Humphrey foi anunciado candidato ao mesmo tempo que manifestantes antiguerra eram violentamente reprimidos pela polícia de Chicago em cenas televisionadas e transmitidas ao vivo para todo o país. Dentro da convenção, também foram veiculadas imagens de tumultos e conflitos intrapartidários. Alguns analistas avaliam que foi ali, antes mesmo das eleições oficiais de novembro, que Humphrey perdeu o pleito para Nixon. Anos depois, Huntington ainda lamentou em carta que o discurso não tivesse sido pronunciado antes da convenção, o que teria feito com que a reunião partidária tivesse sido diferente e melhor (Huntington, 1975a).

Não se pode deixar de notar a ironia dessa situação: Huntington e Brzezinski – advindos de uma trajetória de apoio ou assistência à Guerra do Vietnã e de teorizações a respeito da contrainsurgência e do totalitarismo (respectivamente) – demandando que o liberal Humphrey, bem mais progressista que eles, demonstrasse claramente um plano de paz. Tal ironia pode ser melhor evidenciada se atentarmos mais diretamente para a trajetória de Huntington antes da convenção em Chicago.

Durante toda a década de 1960, o cientista político defendeu a Guerra do Vietnã publicamente – dentro da universidade e na mídia – e foi consultor do governo sobre as políticas de intervenção. Naquela década, Huntington era reconhecido por seus estudos sobre os militares e era considerado também um respeitável teórico do desenvolvimento político. A nova linha de investigação começou após a publicação, em 1965, do artigo “Desenvolvimento Político e Decadência Política”, que ganhou rápida repercussão e levou Huntington a começar a escrever um livro sobre o tema. Em 1966, assumiu a presidência do Conselho de Estudos Vietnamitas ( Council on Vietnamese Studies ) do Grupo Conselheiro para o Desenvolvimento do Sudeste Asiático ( Southeast Asia Development Advisory Group ), a instância da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional que prestava aconselhamento oficialdurante a Guerra do Vietnã, e em 1967 concluiu a obra Ordem Política nas Sociedades em Mudança (lançada em 1968). Logo após finalizar esse livro, que se tornou referência imprescindível na literatura, Huntington viajou a Saigon para realizar uma consultoria ao Conselho de Planejamento Político do Departamento do Estado ( Fisher, 2006FISHER, Christopher. (2006), “The Illusion of Progress: CORDS and the Crisis of Modernization in South Vietnam, 1965-1968”. Pacific Historical Review, vol. 75, nº 1, pp. 25-51. , Huntington, 1965HUNTINGTON, Samuel. (1965), “Political Development and Political Decay”. World Politics, vol. 17, nº 3, pp. 386-430. e 1975b, Mello, 2017MELLO, Natália. (2017), Os Intelectuais Saem da Guerra: A Intervenção no Vietnã, a “Foreign Policy Magazine” e a Construção Político-Intelectual de Novos Paradigmas e Estratégias. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. , Seadag, 1966).

O relatório final, entregue ao diretor desse conselho, expunha a ineficiência do projeto de pacificação conduzido no Vietnã do Sul. Em vez de trazer maior estabilidade, o programa só alcançava uma segurança temporária enquanto as tropas permaneciam na região. Pior ainda, minava os procedimentos locais de seleção de líderes e a organização política do campo, colocando-os em conflito com a equipe de pacificação alojada no território e, em breve, transferida para uma nova localidade. Por não enxergar nenhuma chance de sucesso na pacificação, Huntington propôs a acomodação com as autoridades existentes no campo, inclusive os Viet Cong 12 12 . Entre as sugestões, estava a manipulação de distritos eleitorais e a exclusão dos Viet Cong da eleição nacional, restringindo-os às votações locais. Cf. Huntington (1967) . .

Por outro lado, mesmo em 1968, Huntington não era mais do que um crítico moderado da participação dos Estados Unidos no conflito. Depois da Ofensiva Tet, ele chegou a tornar públicas suas críticas ao Vietnã em um artigo publicado na Foreign Affairs 13 13 . No ano seguinte à entrega do relatório ao diretor do Policy Planning Council , Henry Owen, o texto foi editado, atualizado e publicado como artigo na Foreign Affairs . Cf. Huntington, 1968b. . Nele, Huntington reafirmava suas críticas ao fracasso da pacificação, mas adicionava um novo argumento. Por um instante, segundo ele, a urbanização forçada dos refugiados de guerra14 14 . O termo correto seria “deslocado interno” ( displaced person ), que, por causa do conflito, perdeu sua residência na zona rural e foi obrigado a partir para as cidades. até pareceu ser uma solução que permitiria afastar os camponeses do assédio comunista no campo, porém a Ofensiva Tet demonstrou que a guerrilha tinha capacidade de atacar também áreas urbanas. Ou seja, nem a pacificação da área rural, nem a urbanização forçada poderiam deter o avanço dos Viet Cong . Por causa desse artigo, poucos meses depois Noam Chomsky (1969)CHOMSKY, Noam. (1969), “The Menace of Liberal Scholarship”. The New York Review of Books [online]. Jan., 2. Disponível em: <https://chomsky.info/19690102/>. Acesso em: 01 abr. 2021.
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fez uma mordaz (e sagaz) crítica que acusava o teórico da modernização e consultor da guerra de enxergar bombas e artilharias como “instrumentos modernizadores”. Além de enfrentar severas críticas de intelectuais de esquerda, Huntington também foi alvo do movimento estudantil em Harvard, e o seu instituto de pesquisa foi foco frequente de protestos na universidade. Em 1971, o centro chegou a ser alvo de um ataque a bomba ( Mello, 2017MELLO, Natália. (2017), Os Intelectuais Saem da Guerra: A Intervenção no Vietnã, a “Foreign Policy Magazine” e a Construção Político-Intelectual de Novos Paradigmas e Estratégias. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. ).

A trajetória de Huntington ajuda a exibir a situação contraditória de 1968. Apesar do apoio anterior à guerra, Brzezinski e Huntington estavam conscientes da necessidade de encerrá-la. Assumiam uma posição, no entanto, bastante diversa dos movimentos estudantis nas universidades, ou dos ativistas “radicais” que confrontavam o Partido Democrata. Por outro lado, eles percebiam e reconheciam que era imprescindível iniciar uma agenda de mudanças mais profundas com o passado. E, nesse quesito, pareciam estar mais convictos até que um progressista tradicional como Humphrey. O vice-presidente hesitava diante daquela crise, embora tivesse defendido o fim da segregação racial desde os anos 1940 e desaprovado a Guerra do Vietnã logo no início. Nos últimos anos de guerra, entretanto, passou a aceitá-la ou, ao menos, a condescender e silenciar-se.

Ainda durante o período eleitoral, Brzezinski efetivamente insistiu com Humphrey de que eles deveriam iniciar uma série de mudanças e reformas que não podiam se restringir à saída da guerra. Uma das cartas redigidas por Brzezinski ao vice-presidente recomendava que eles perseguissem a “Reconciliação Leste-Oeste” e, domesticamente nos EUA, a “Reconciliação e Progresso”. O caminho para uma harmonização nacional era a participação . As pessoas nos guetos, nos subúrbios e em outros lugares do país precisavam ter poder para definir e melhorar as próprias vidas. Mais especificamente, Brzezinski recomendou que eles dirigissem recursos privados (advindos do Urban bank e de créditos de impostos) para realizar as necessidades de moradia dos indivíduos. Deveriam também direcionar mais investimento em saúde e educação, e criar instituições locais que permitissem o “envolvimento e autoajuda dentro da comunidade” ( Owen e Brzezinski, 1968OWEN, Henry; BRZEZINSKI, Zbigniew. (1968), “Letter to Vice President”. Hubert H. Humphrey Papers, box 24, Minnesota Historical Society, 10 jul. 1968. ).

Outra carta, escrita cerca de dois meses depois, deu seguimento a esse tema (Brzezinski, 1968d). Segundo ele, na eleição de Roosevelt, em 1932, a economia americana estava “sob ameaça”, e em 1968, era o futuro do sistema político americano que estava “em xeque”. Diversas reformas precisavam ser conduzidas, sobretudo, as participativas: o Partido Democrata deveria ter sua estrutura reorganizada (incluindo a adoção de primárias eleitorais) e era necessário reestruturar departamentos governamentais e criar um conselho consultivo formado por jovens. De forma eloquente, Brzezinski advertia que a mudança internacional era “secundária à resposta para a crise doméstica de nossas instituições políticas, portanto, (embora eu esteja nos assuntos internacionais) o tema doméstico deve ter prioridade ” (Brzezinski, 1968d:4, grifo do autor). Avisava, ainda, que a ausência de reformas levaria à radicalização política, à polarização entre direita e esquerda e ao caos. Somente Humphrey poderia evitar uma destruição radical da democracia americana.

Esses debates em que se inseriram Brzezinski e Huntington na fracassada campanha eleitoral de 1968 expõem a dimensão mais visível da crise e das fraturas vivenciadas pela coalizão Democrata, com destaque para a convenção em Chicago. Mas existiram também momentos mais reclusos dos embates no interior da base de apoio que sustentou o New Deal e uma política externa anticomunista. Um desses processos mais reservados foi a corrosão do consenso do establishment de assuntos exteriores, cujo principal espaço de reunião naquela época era o Council on Foreign Relations (CFR).

O tradicional establishment político era formado pela elite econômico-financeira, policymakers e intelectuais, e foi fundamental na elaboração de estratégias políticas do país – o que era facilitado pela relativa homogeneidade entre seus membros. Com o desenrolar da guerra, contudo, esse grupo se viu cindido. Embora 1968 tenha sido um ano crítico, desde 1967 as reuniões do CFR já manifestavam algumas controvérsias a respeito do Vietnã. A organização instaurava, quase todos os anos, um grupo de trabalho sobre o conflito no Sudeste Asiático. Significativamente, em 1967 o tema da discussão já não era como melhor conduzir a guerra, mas sim como seria possível encerrá-la.

Estiveram presentes naquele seminário: Wesley Fishel (cientista político e importante defensor da Guerra do Vietnã nos anos anteriores), Michael Greene (Exército), Hamilton F. Armstrong (editor da Foreign Affairs ), David Bell (Fundação Ford), George S. Franklin (CFR), Huntington e outros. O grupo estava dividido entre uma leitura mais otimista e outra mais pessimista da guerra. Mas o “débil otimismo” que alguns demonstravam era acanhado: poucos acreditavam em uma vitória na guerra e, mesmo os que possuíam maiores expectativas, reconheciam que o governo e os militares sul-vietnamitas precisavam dar um salto imenso de capacidade para sustentar o conflito sozinhos no caso de uma eventual saída norte-americana. Nenhuma proposta para encerrar a guerra alcançou consenso, e mesmo a rejeição à intervenção não era compartilhada por todos. Huntington foi um dos mais veementes em expressar que “por causa dos efeitos desastrosos que a guerra vietnamita teve na nossa sociedade doméstica”, “uma vez que nós sairmos do Vietnã, os governantes dos Estados Unidos poderiam dizer que esta [intervenção] é algo que nós nunca mais faremos” ( Caruso, 1967CARUSO, Helen. ((1967), “Discussion Meeting Report: Special Discussion Group on Vietnam’s Post Conflict Prospects”. Council on Foreign Relations Records: 1918-2011, box 186, Princeton University Library, 19 jun. 1967.: 18-19). Porém, sua fala foi rejeitada por quase todos que o seguiram. Mesmo assim, o cientista político deixava claro que era impensável sair sem um “desengajamento com honra”, sob o risco de que a humilhação provocasse um crescimento da direita no país.

No fim de 1967, outro evento reuniu novamente o establishment , mas desta vez organizado por uma das mais influentes fundações dos Estados Unidos, a Carnegie Endowment for International Peace 15 15 . A Carnegie Endowment , junto à Ford e à Rockefeller, faz parte do grupo das chamadas “Big 3”: fundações de grande influência na política externa norte-americana e na formação da hegemonia global (Cf. Parmar, 2012) . Vale destacar que a Carnegie Endowment ajudava a financiar o CFR e que, a partir de 1972, começou a cofinanciar a Foreign Policy. Participaram desta conferência, organizada pela fundação em 1972, importantes intelectuais (como Lincoln Bloomfield e Ithiel de Sola Pool), ex- policymakers (como Daniel Ellsberg, Roger Hilsman e James C. Thomson) e jornalistas (como Hedley Donovan, entre outros). . O objetivo era desaconselhar o governo a aprofundar ainda mais a guerra, o que vinha sendo cogitado. A reunião em si resultou apenas no envio de uma carta à Casa Branca – recepcionada meramente por dois assessores-júniores de Walt Rostow (Divisão do Extremo Oriente) – mas interessa porque, no ano seguinte, a Carnegie Endowment se uniu ao CFR para pensar conjuntamente em uma “solução aceitável para o conflito do Vietnã” ( Franklin, 1968FRANKLIN, George. (1968), “Discussion Group on Vietnam”. Council on Foreign Relations Records: 1918-2011, box 190, Princeton University Library, 06 mar. 1968. ).

Em 1968, depois da Ofensiva, as duas organizações agendaram debates pautados por um paper preparatório, redigido por Charles Yost (membro sênior do CFR). As atas registram que estiveram presentes o próprio autor (que se tornou embaixador do país na ONU no ano seguinte), Robert Roosa (CFR), Hedley Donovan (editor da Time ), Joseph E. Johnson (presidente da Carnegie Endowment ), Kissinger (que se tornou conselheiro de Nixon), John McCloy (CFR), Fishel, Huntington, Brzezinski, entre outros ( Yost, 1968YOST, Charles. (1968), “The Problem of Vietnam in 1968”. Paper for the Ad Hoc Discussion Group on Vietnam. Council on Foreign Relations Records: 1918-2011, box 190, Princeton University Library, 29 abr. 1968. , Caruso, 1968a e 1968b). O teor do debate demonstra que eles esperavam propor uma saída para a guerra e influenciar o governo. Essa tentativa de 1968, porém, parece ter sido ainda mais decepcionante que a Conferência da Carnegie Endowment , em 1967, na qual eles haviam sido ignorados pelo presidente. Nesse novo debate não foi alcançado um acordo entre eles e não foi produzida sequer uma carta de recomendações ao governo. As discórdias deixavam claro que alguns esperavam corrigir as táticas e outros só pensavam em sair da guerra. Entre os que queriam se retirar, tampouco havia concordância. Yost, o relator do paper preparatório, deixou patente sua decepção com os resultados e afirmou, ao encerrar a última reunião, que “como todas as discussões sobre o Vietnã, [esta] tinha sido intensamente desanimadora” e que todas as possibilidades examinadas pareciam “incertas e arriscadas”. Contudo, permanecer no mesmo caminho “parecia igualmente arriscado e até mesmo insustentável” (Caruso, 1968a:21).

Apesar dos participantes do debate no CFR não terem chegado a um acordo sobre a solução proposta por Yost, esta foi efetivamente aplicada, com algumas mudanças, pelo governo empossado em 1969. A recomendação de Yost era “desamericanizar” a guerra, ou seja, treinar e armar os sul-vietnamitas para que eles assumissem o controle enquanto as tropas norte-americanas eram progressivamente retiradas do Sudeste Asiático. Ainda durante o período eleitoral, quem se submeteu a essa proposta foi Humphrey, que disse em discurso que, em nome da paz, “correria o risco” de deixar aos sul-vietnamitas as obrigações pela autodefesa e “daria um passo em direção à desamericanização da guerra” (Humphrey, 1968).

Com a derrota do candidato, a partir de 1969 Nixon e Kissinger colocaram em prática uma variação deste plano – rebatizado de “Vietnamização”. Não era a mesma proposta, é claro. O sentido do projeto original foi invertido, pois mesclava a redução do engajamento de tropas norte-americanas com novas doses de escalada da guerra: a utilização máxima de força em bombardeios aéreos ( Nalty, 2000NALTY, Bernard. (2000), Air War Over South Vietnam, 1968-1975. Washington, DC, Air Force History and Museum Program. ). Para piorar, a partir de março de 1969, começaram a ser realizados bombardeios secretos nos abrigos do Viet Cong em Camboja, ampliando a extensão territorial do conflito sem autorização do Congresso e sem qualquer publicidade ( Nalty, 2000NALTY, Bernard. (2000), Air War Over South Vietnam, 1968-1975. Washington, DC, Air Force History and Museum Program. ). Em maio de 1970, Nixon tornou público que teriam início algumas incursões militares no território cambojano. Com as novas iniciativas, multiplicaram-se as greves estudantis por todo o país.

Durante o governo Nixon, não foram apenas os estudantes que se rebelaram. O Council on Foreign Relations , até então marcado pela moderação e homogeneidade de seus membros, viu-se intensamente dividido, e suas batalhas internas chegaram às manchetes dos jornais. A comoção ocorreu em 1971, quando, motivado por alguns questionamentos internos, o Council decidiu substituir o editor da Foreign Affairs, Hamilton Armstrong, que estava há 45 anos no cargo. O novo indicado foi William Bundy, um ex-membro do governo Johnson e ex-coordenador de um grupo governamental que recomendou, no fim de 1964, a escalada gradual e os bombardeios contra Hanoi. Esse anúncio ocorreu logo após a publicação do Pentagon Papers ter revelado o papel de Bundy na guerra e, por esse motivo, o caso se tornou a faísca para que as discórdias manifestadas em reuniões confidenciais do Council fossem expostas publicamente. Os conflitos entre os membros viraram reportagens, e uma das cartas que estava circulando internamente, escrita por Richard Falk, da Universidade de Princeton, foi publicada na íntegra, com acusações ao novo editor por ter iniciado uma guerra imoral e ilegal (Falk, 1971).

Esse episódio deixou clara a dificuldade do CFR se renovar, mesmo diante do aumento de tensões e protestos na sociedade estadunidense. Diante desse impasse, emergiram novas organizações que assumiram esse propósito de promover mudanças.

A AGENDA DE UMA TRANSFORMAÇÃO CONSERVADORA NOS ANOS 1970: A FOREIGN POLICY E A COMISSÃO TRILATERAL

A partir de janeiro de 1969, Huntington começou a trocar correspondências com o seu ex-colega de Harvard, Warren D. Manshel, que se tornou coeditor e cofundador da Foreign Policy . Manshel era um ex-agente da CIA que seguiu a carreira como empresário no setor privado, e foi também o financiador do periódico The Public Interest. Em janeiro de 1969, Huntington começou a discutir com ele a possível criação de um novo periódico sobre política internacional (Huntington, 1969a). Em agosto de 1969, o cientista político enviou uma segunda carta detalhando o projeto e as intenções. Argumentava que deveriam buscar “marcar um novo tom na discussão em política externa que evitaria as generalidades usuais do establishment da Foreign Affairs , os clichês de esquerda da The New Republic e a grandiloquência de direita da Orbis ” (Huntington, 1969b). Nos últimos meses de 1970, foi lançado o primeiro número da Foreign Policy , cujo título evocava o da Foreign Affairs , ao mesmo tempo que o editorial de inauguração demarcava algumas diferenças. Os editores fundadores avaliavam que começava ali uma “nova era de política externa”. Por isso, precisavam criar um novo periódico para “reexaminar e redefinir” os “propósitos básicos” da atuação internacional “em face do Vietnã” (Huntington e Manshel, 1970-1971:3).

Os erros e lições do Vietnã, ou da Guerra Fria como um todo, eram uma discussão frequente do periódico, diferentemente da revista do CFR. Além disso, assim como os membros do establishment reunidos em Harvard em 1968 aconselharam o vice-presidente a falar menos da guerra e se concentrar mais em “assuntos pacíficos”, semelhantemente, a revista reservava cerca de metade dos artigos de cada número para falar dos temas da “nova era”. Os tópicos mais discutidos eram a interdependência econômica, as reformas na burocracia, a mudança na política de segurança, a revisão de políticas para o “Terceiro Mundo”16 16 . Os exemplos são numerosos; apenas para ilustrar, seguem algumas referências dos três primeiros anos: Bergsten (1973) ; Falk (1970-1971); Frye (1971) ; Gelb e Lake (1973) ; Kelly (1972) ; Lake (1971) e Malmgren (1972) . .

A Foreign Policy buscava ainda juntar grupos que estavam desunidos em 1968. Significativamente, quando Huntington apresentou a revista a Hubert Humphrey, chamou a atenção ao fato que:

diversos de nossos velhos amigos e apoiadores participaram junto comigo no desenvolvimento do periódico, assim como contribuíram outros que apoiaram no passado os senadores Kennedy e McCarthy. Nós criamos a Foreign Policy no ano anterior exatamente para trazer perspectivas renovadas para dar suporte aos assuntos de política externa e recriar uma base comum entre aqueles que compartilhavam valores essencialmente similares, mas que se dividiram no passado a respeito do Vietnã ( Huntington, 1971HUNTINGTON, Samuel. (1971), “Letter to Hubert Humphrey”. Samuel P. Huntington Personal Archives, box 1, Harvard University Archives, 01 out. 1971. ).

O conselho editorial do periódico era formado por indivíduos que não participaram das seletas reuniões e GTs acima mencionados17 17 . Exceto Thomson, que esteve na reunião da Carnegie , em 1967, mas criticou o teor da conferência (Thomson, 1973-1974). e que estiveram engajados em eventos ou processos de oposição à guerra (como James C. Thomson, Thomas L. Hughes, Stanley Hoffmann, Morton Halperin e Richard Falk). Falk é o único que pode ser considerado de esquerda, mas outros críticos mais moderados foram chamados a participar e a pensar conjuntamente como mudar a política externa norte-americana ( Mello, 2017MELLO, Natália. (2017), Os Intelectuais Saem da Guerra: A Intervenção no Vietnã, a “Foreign Policy Magazine” e a Construção Político-Intelectual de Novos Paradigmas e Estratégias. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. )18 18 . Falk, por exemplo, disse em entrevista que, de início, estava em dúvida sobre participar do periódico. Mas foi estimulado por Huntington e Manshel, que propagandeavam a intenção de inovar e abrir espaço para controvérsias (Falk, 2016). . Ao mesmo tempo, Huntington assumiu a direção da revista, que contava com a presença de outros membros que tinham sido favoráveis à guerra. Um deles era Brzezinski, um contribuinte assíduo19 19 . Oito artigos ou comentários em sete anos. .

Buscava-se, assim, uma certa dose de fusão entre mudança e conservação , bem como tentavam absorver e chamar para participar aqueles que se encaminhavam cada vez mais à oposição. Membros típicos do establishment (como Thomson, Hughes, Halperin), que se “radicalizavam” naquele contexto, foram convidados a integrar o conselho editorial, o que estava em concordância com o postulado de Brzezinski de que era “muito importante atrair os elementos mais moderados para o lado das autoridades” (Brzezinski, 1968:24).

Além do mais, a reunião de setores da política norte-americana que estavam divididos em fins de 1960 demonstra a preocupação em buscar uma reconciliação doméstica, o que fica ainda mais claro na abertura editorial a artigos e colunas com críticas ao Vietnã, à Guerra Fria e à democracia nos Estados Unidos. Um ponto importante que se destacava na revista era a problematização da natureza das relações exteriores do país, que era conduzida em desacordo com os princípios democráticos e humanitários que sempre fizeram parte da história norte-americana20 20 . Cf. Lake (1971) ; Kelly (1972) e Kennedy (1973) . . Bastante significativo nesta temática foi a publicação de uma série intitulada “The Third Century”, que, para a celebração dos 200 anos da independência dos Estados Unidos, convidou os conselheiros editoriais a refletir sobre a nova era com base nos dilemas históricos da nação. A série foi impressa entre os números 20 e 27 (do outono de 1975 à primavera de 1977) e perguntava no editorial de apresentação até que ponto a política externa dos EUA poderia e deveria “refletir os princípios que são a razão de sua existência” ( Editors, 1975EDITORS. (1975), “Introduction: The Third Century”. Foreign Policy, nº 20, p. 97.: 97). Muitos artigos publicados em “The Third Century” denunciavam a discrepância entre os valores liberais e os comportamentos iliberais que conduziam a diplomacia. Concluíam que apenas com um novo acordo, baseado em princípios democráticos e/ou humanitários, poderiam reconquistar o apoio doméstico, restabelecer o consenso no establishment e fomentar um programa de cooperação internacional ( Falk, 1976FALK, Richard. (1976), “Beyond Internationalism”. Foreign Policy, nº 24, pp. 65-113. ; Halperin, 1975-1976; Hughes, 1975HUGHES, Thomas. (1975), “Liberals, Populists and Foreign Policy”. Foreign Policy, nº 20, pp. 98-137. ; Ullman, 1975-1976).

Um artigo daquela época, escrito por Mandelbaum e Schneider (1978)MANDELBAUM, Michael; SCHNEIDER, William. (1978), “The New Internationalisms”. International Security, vol. 2, nº 3, pp. 81-98. , descreveu a revista como o fórum mais notável a capturar, ao menos parcialmente, o antimilitarismo da esquerda. Apesar de não apresentar uma postura frontalmente antimilitar, a Foreign Policy ampliava a agenda política para “novas questões” (especialmente, as econômicas e humanitárias) e publicava recorrentemente reivindicações de que o uso do poder militar norte-americano deveria se tornar esporádico21 21 . Cf. Notas 15 e 19. . Absorvia, assim, parte do espírito de transformação, mas não com o mesmo ímpeto e dimensão originais. O periódico tampouco renunciou ao ponto de vista conservador. Divulgava críticas frequentes à détente com a URSS e, até mesmo, denúncias de que a democracia dos Estados Unidos estava sendo atacada pela esquerda, o que era mais prejudicial ao país do que o Watergate ou o Vietnã22 22 . Cf. Gray (1972-1973); Nitze (1976 -1977); Owen (1976) e Schlesinger (1976). . Fundia-se, desse modo, em um mesmo periódico, o desejo de mudança e de conservação ( Mello, 2017MELLO, Natália. (2017), Os Intelectuais Saem da Guerra: A Intervenção no Vietnã, a “Foreign Policy Magazine” e a Construção Político-Intelectual de Novos Paradigmas e Estratégias. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. ).

Outra organização criada no pós-1968 e diretamente relacionada aos debates examinados acima foi a Comissão Trilateral (CT), que congregava Europa Ocidental, Japão e Estados Unidos. Posteriormente, a América do Norte passou a ser representada também pelo Canadá. Sua origem remonta às discussões de Brzezinski sobre os desafios de uma “era tecnotrônica”, que continuaram a ser desenvolvidas com a publicação do livro Between Two Ages , em 1970. No ano seguinte, ele organizou um seminário na Brookings Institution23 23 . Think tank próximo ao partido Democrata, dirigido na época por Henry Owen (1969-1977) e que estava estruturando diversos debates sobre a mudança internacional. Cf. Mello (2017) . , intitulado Tripartite Studies , a partir do qual uniu-se ao empresário David Rockefeller no projeto de criação de uma instituição que juntasse experts e integrantes do setor privado dos países desenvolvidos ( Sklar, 1980SKLAR, Holly. (1980) (ed.), Trilateralism: The Trilateral Commission and Elite Planning for World Management. Boston: South End Press.: 77). Rockefeller deu o grande suporte à criação da CT, garantindo seu financiamento inicial que, posteriormente, foi complementado com contribuições das Fundações Kettering, Ford, Lilly Endowment, Thyssen e o Rockefeller Brothers Fund ( Gill, 1992GILL, Stephen. (1992), American Hegemony and the Trilateral Commission. New York, Cambridge University Press. ).

Desde o início, Brzezinski cumpriu um papel fundamental na nova entidade, da qual tornou-se diretor. Foi fundada oficialmente em 1973, mas as primeiras reuniões ocorreram no ano anterior. Nos documentos desses encontros, é perceptível a influência das ideias de Brzezinski no projeto da CT. Na primeira reunião, em julho de 1972, David Rockefeller iniciou o debate expressando “sua preocupação com o impacto da crescente competição econômica e o ritmo acelerado de mudança tecnológicas e sociais na formulação de políticas nos principais países industrializados”, o que “exigia maior atenção aos problemas do futuro”. O empresário acrescentava que aquele era “um momento propício para pessoas do setor privado fazerem uma contribuição importante para a política pública” ( Starr e Morse, 1972STARR, Fredrick; MORSE, Edward. (1972), “Meeting on Proposed Trilateral Commission”. Council on Foreign Relations Records: 1918-2011, box 49, Princeton University Library, 23-24 jul. 1972.: 1).

A CT reuniu empresários, ex- policymakers e alguns intelectuais, e se estruturava por meio de uma diretoria e um conselho coordenador, um comitê executivo (com cerca de 30 pessoas) e mais uma centena de associados. As principais atividades consistiam na formação de forças-tarefas focadas em problemas comuns às três regiões que, após estudos e reuniões, sistematizavam diagnósticos e recomendações em um relatório que era debatido em conferências da comissão abertas a todos os associados. O objetivo era produzir diretrizes práticas e influenciar governos e instituições internacionais.

A Comissão Trilateral possuía alguns pontos em comum com a Foreign Policy. Brzezinski participou de ambas; Huntington não adentrou a CT, mas chegou a coordenar uma força-tarefa sobre a crise democrática. Algumas pessoas integravam as duas instituições, a exemplo de Cooper, Hughes e Whitman, e outros atuavam oficialmente em uma e colaboravam com a outra. Aliás, depois que a Comissão surgiu, diversos textos advindos dessa organização foram impressos no periódico. Contudo, a organização criada por Brzezinski, diferentemente da Foreign Policy, praticamente não buscou conciliar-se com os anseios por uma mudança estrutural; o objetivo era, mais explicitamente, conduzir reformas modestas e restabelecer a hegemonia da Europa, Japão e, especialmente, dos Estados Unidos. O projeto da comissão emergiu no período da crise de Bretton Woods, dos choques econômicos de Nixon (que assustaram os países aliados), além da intensificação de demandas e da coesão na OPEP (muito embora o embargo do petróleo tivesse ocorrido após a CT ter sido criada). Em uma época de fortalecimento da OPEP e de demandas por uma “nova ordem econômica internacional”24 24 . As principais reivindicações eram a soberania sob recursos naturais, o direito de expropriação e novas regras comerciais e tarifárias que estimulassem a industrialização dos países em desenvolvimento ( Murphy, 2005) . , a Comissão Trilateral pretendeu conter essas demandas. A comissão aceitava estabelecer um compromisso de ajuda básica contra a miséria – preferencialmente, por meio de organizações multilaterais – mas rejeitava a ampla demanda por transformação do sistema advinda do “Terceiro Mundo”. Segundo Hoeveler (2015)HOEVELER, Rejane. (2015), As Elites Orgânicas Transnacionais Diante da Crise: Os Primórdios da Comissão Trilateral (1973-1979). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói. , o plano era deslocar essas negociações da ONU para organizações específicas como o FMI, o que ajudava a despolitizar as questões, impedia as vitórias decorridas do posicionamento em bloco e aumentava o poder de barganha dos países avançados.

Um dos relatórios mais conhecidos da Comissão Trilateral foi o famoso The Crisis of Democracy: Report on the Governability of Democracies to the Trilateral Commission (1975), de Crozier, Huntington e Watanuki, que provocou inúmeras controvérsias e polêmicas dentro da organização e na sociedade como um todo. A crise nos países avançados era descrita como um “excesso de democracia”, que se manifestava no aumento exagerado – quantitativa e qualitativamente – de demandas sociais. Múltiplas causas provocavam esses excessos, entre elas, o crescimento econômico, já que este aumentava as expectativas individuais, a mobilização de grupos antes marginalizados (i.e., os negros e as mulheres) e o maior acesso a informações. O problema é que a governabilidade exigia autoridade das instituições e uma balança de poder que favorecesse mais o governo do que a oposição ou os grupos de pressão (nos quais estavam incluídos a mídia, intelectuais críticos, congresso e as minorias opositoras). O funcionamento efetivo do regime democrático exigia, sob esse viés, alguma medida de apatia e não envolvimento para conseguir responder a um volume de demandas razoáveis e passíveis de serem satisfeitas. Em uma frase, bem ao contrário do resgate de valores democráticos e humanitários que eram demandados na Foreign Policy , o relatório escrito para a CT afirmava que a saída para a crise da democracia era menos democracia.

O interessante é que o editor do periódico, com ampla abertura editorial a artigos que pediam mais democracia, era também o autor do relatório em outro fórum que considerava que era necessário ter menos. O desacordo não se manifestava apenas nas atividades de Huntington. Brzezinski, diretor da Comissão Trilateral , participou das reuniões preparatórias do comitê que redigiu o estudo e não há registro de que tenha criticado as conclusões do texto25 25 . Cf. Introductory Note. Crozier et al. (1975) e Heck (1975) . . Vale reforçar que, alguns anos antes, durante a campanha presidencial de 1968, Brzezinski havia avisado Humphrey de que o sistema político estadunidense estava em xeque e de que era necessário iniciar uma profunda agenda de mudanças que possibilitasse a participação dos indivíduos nas instituições locais, o voto em primárias eleitorais do partido e a criação de um conselho consultor formado por jovens. No entanto, entre 1973 e 1975, ele convidou Huntington a produzir uma análise sobre a crise democrática, e não há registos de que tenha se oposto às conclusões de seu colega de que a apatia e o não envolvimento da população eram necessários para o bom funcionamento e a governabilidade do regime democrático. A chave da explicação para essas aparentes contradições está nos posicionamentos e atividades de ambos cientistas políticos em 1968, conforme reconstruído neste artigo, em que fica clara a oposição que eles tinham aos movimentos sociais e aos ativistas, combinada à consciência de que era necessário reconstruir uma base de apoio e assimilar algumas daquelas reivindicações. Nesse sentido, precisavam encontrar um caminho intermediário entre a promoção de transformações e a conservação de uma ordem sob ameaça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo reconstruiu como Brzezinski e Huntington reagiram à crise dos anos 1960, às derrotas no Vietnã e ao ativismo político, demonstrando que apesar da rejeição aos numerosos movimentos e à radicalização, eles reconheciam a gravidade dos problemas enfrentados e a necessidade de projetar reformas e mudanças. Brzezinski avaliava que se vivia uma época de transição, o que ocasionava uma crise de valores e gerava a radicalização de alguns grupos. Huntington não chegou a apresentar nenhuma grande interpretação sistematizada sobre a explosão de movimentos e reivindicações em 1968; somente em Crisis of Democracy (1975) produziu uma abordagem mais objetiva sobre o assunto. Mesmo assim, ainda em 1968, expôs em cartas e memorandos sua preocupação com a expansão de grupos antiguerra e, tal como Brzezinski, discutiu a necessidade de buscar reconquistar a confiança de alguns deles.

Tanto Huntington quanto Brzezinski expressaram que a solução para aquela conjuntura crítica era a atração dos opositores mais moderados, assimilando os seus objetivos. Realizar reformas e adotar pautas moderadas era menos custoso que enfrentar uma oposição radical. Além disso, Huntington chegou a expressar que a atitude mais adequada seria manter-se flexível para uma postura menos branda, se necessário. Neste ponto, Brzezinski tem uma elaboração mais abrangente sobre o assunto, pois pensava que a promoção da participação, a descentralização e o envolvimento na própria comunidade se faziam necessários por conta de um risco duplo: ameaça de fragmentação social, ou no sentido contrário, de um controle central sob cada cidadão mediante uso de tecnologias de comunicação e informática.

Chama a atenção, nesse aspecto, o contraste entre o posicionamento de ambos e o do candidato Democrata à presidência, Hubert Humphrey. Embora este último fosse um político progressista, reagiu ao cenário adverso de forma hesitante, com receio de assumir claramente um programa para a saída da Guerra do Vietnã. Ao contrário disso, Huntington e Brzezinski – que haviam apoiado a intervenção no Sudeste Asiático até pouco tempo antes –, foram mais abertamente críticos à participação dos Estados Unidos no conflito e buscaram explicitar um plano de paz. Mais do que isso, os dois pareciam plenamente convencidos da necessidade de dar início a uma agenda de reformas para reconquistar a confiança na democracia e na política externa estadunidense, mesmo que não estivessem interessados no mesmo grau de ampla transformação política reivindicada pelos movimentos da época.

Conhecendo o ponto de vista destes dois cientistas políticos, ficam mais claras suas intenções com a fundação da Foreign Policy , em 1970, e da Comissão Trilateral , em 1973. A primeira tentou infundir um novo tom no debate e reconciliar grupos que estavam em conflito em 1968. O esforço foi planejado, desde o início, com o intuito de redefinir a política externa dos Estados Unidos; e por isso convidaram para o conselho editorial alguns opositores moderados. A revista estimulou e abriu espaço para que os erros e lições da Guerra Fria fossem debatidos, bem como os fracassos na democracia doméstica. Seus artigos e colunas revelam que alguns ideais típicos da nova esquerda foram assimilados (a crítica ao militarismo, a condenação de desvios na democracia, a projeção de reformas, a relevância de valores humanitários e a reflexão sobre uma nova era e seus impactos econômicos).

Por outro lado, a revista não era abertamente antimilitarista, isolacionista ou contrária a qualquer tipo de intervenção seja qual fosse a situação. Absorvia críticas da esquerda, mas os fins almejados eram apenas reduzir as intervenções e o montante total do orçamento de defesa. Ao lado da ênfase na restrição, as opiniões conservadoras também tinham espaço na Foreign Policy , embora em menor grau. Mas eram comuns a crítica à détente com os soviéticos e a avaliação de que o problema não estava no modo de funcionamento da democracia dos Estados Unidos, mas sim nos ataques da esquerda que prejudicavam o governo.

A Comissão Trilateral , por sua vez, era mais pragmática e defendia a condução de reformas estritamente necessárias para manter a hegemonia norte-americana. Rejeitou as propostas de profundas transformações e a criação de uma nova ordem econômica que facilitasse expropriações, soberania sobre os recursos naturais e compromisso efetivo com a industrialização dos países subdesenvolvidos, mas aceitou a cooperação internacional para reduzir a miséria. Rechaçavam grandes alterações, porém concordavam que as consequências mais negativas daquele sistema fossem mitigadas. No caso dos dilemas enfrentados pelas democracias dos países avançados, a CT publicou e difundiu um relatório que censurava os grupos de pressão (incluindo a imprensa e os intelectuais críticos) e recomendava alguma medida de apatia e não envolvimento da população – tendo sempre em vista a necessidade de as instituições serem eficientes.

Observando conjuntamente, a Foreign Policy tendia mais à reforma, embora não preconizasse uma reviravolta completa e aceitasse algumas continuidades na política de segurança militar e de intervenção em outros países. Já a Comissão Trilateral se encaminhava mais no sentido da manutenção da ordem, entretanto, entendia que os custos mais severos da economia política mundial – especificamente, a miséria – precisavam ser suavizados. Cumpriam funções diferentes, mas complementares. Nesse sentido, o estudo de arquivos históricos realizado nesta investigação sugere um cenário ambíguo, no qual pautas progressistas foram adotadas mas, também, alteradas. Transformação e conservação foram conciliadas e agendas reformadoras alcançaram ampla adesão, embora seu potencial renovador fosse refreado.

Para encerrar este artigo, é interessante situar esta pesquisa em um debate mais amplo e emergente na literatura. Recentemente, vem sendo produzida uma releitura da década de 1970 por uma série de estudos que chamam atenção para a ambiguidade que caracterizava esse período de profundas transformações político-sociais. Guilhot (2005)GUILHOT, Nicolas. (2005), The Democracy Makers: Human Rights and International Order. New York, Columbia University Press. , por exemplo, estabeleceu uma nova interpretação a respeito do processo internacional de promoção dos direitos humanos a partir dos anos 1970. De acordo com seus estudos, a nova pauta foi amparada por um conjunto de iniciativas ambivalentes que fez convergir, em um mesmo campo, redes de ativistas e movimentos sociais de um lado, e, de outro, associações de especialistas e profissionais advindos de instituições internacionais, fundações privadas, think tanks e organizações não-governamentais. O resultado final foi um percurso ambíguo, no qual a pauta ampliou-se e alcançou legitimidade entre domínios diversos e extensos. Este triunfo, todavia, contou também com a participação de grupos conservadores durante a Guerra Fria.

Outro estudo que pode ser destacado é a obra de Geismer (2015)GEISMER, Lily. (2015), Don’t Blame Us: Suburban Liberals and the Transformation of the Democratic Party. Princeton, Princeton University Press. , que discute a virada política dos Estados Unidos na década de 1970, quando vários estados altamente suburbanizados (Massachusetts, Connecticut, Nova York, Nova Jersey e Califórnia) elegeram governadores que promoveram impostos mais baixos, reforma governamental e políticas sociais neoliberais. A novidade discutida por Geismer é que essas novas aspirações – pela redução de volume de impostos, segurança, qualidade de vida e acesso meritocrático a boas escolas –, não impactaram apenas o Partido Republicano (e governadores como Ronald Reagan); mas provocaram também uma semelhante reorientação do Partido Democrata. Nos anos 1970, o liberalismo progressista dos democratas foi se transformando em um “novo” liberalismo, voltado aos cortes dos tributos e promotor de políticas públicas via o investimento estatal em empresas privadas26 26 . Cf. Bell e Stanley (2012) e Hilton (2016) . .

Diante desta literatura, o objeto específico deste artigo – os debates travados por Brzezinski e Huntington em fins dos anos 1960 e suas atividades político-intelectuais nos anos 1970 – são especialmente significativos, pois há uma defesa explícita de uma agenda de transformação (ou de reformas) com o intuito de se conservar a realidade política em um contexto crítico de crise. E essa alegação é feita por atores e intelectuais que tiveram presença e papel proeminentes no debate político de uma conjuntura decisiva e de grande mudança.

Agradecimentos

Agradeço a Sebastião Velasco e Cruz pelas recomendações bibliográficas valiosas e a Rossana Reis e Fábio Candotti pela leitura atenta e sugestões enriquecedoras. Este artigo foi aperfeiçoado graças às recomendações de dois pareceristas anônimos. A pesquisa que resultou neste artigo contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (2012/24961-7 e 2015/02438-9).

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NOTAS

  • 2
    . Pocock é mais conhecido por O Conceito de Linguagem e o Métier d’Historie [1987] ( POCOCK, 2003POCOCK, John. (2003), “O Conceito de Linguagem e o Métier d’Historie”, in POCOCK, John, Linguagens do Ideário Político. São Paulo: EDUSP. ). Recentemente, James (2019)JAMES, Samuel. (2019), “J.G.A. Pocock and the Idea of the ‘Cambridge School’ in the History of Political Thought”. History of European Ideas, vol. 45, nº 1, pp. 83-98. demonstrou as diferenças entre um ensaio e outro e concluiu que o de 1962 estava mais associado à trajetória pregressa de Pocock e às questões de seu orientador, Herbert Butterfield, sobre a relação entre a historiografia e a vida política da sociedade.
  • 3
    . Recentemente, o ex-presidente Barack Obama escolheu o dia 12 de janeiro de 1962 como marco do primeiro grande combate com ação direta de soldados dos Estados Unidos. Disponível em: < https://www.nytimes.com/2012/05/29/us/politics/obama-begins-commemoration-of-vietnam-era.html> . Acesso em: 20 mar. 2021.
  • 4
    . Aliás, Reagan emergiu politicamente nesta campanha – em um discurso de apoio a Goldwater – e foi apoiado, em 1966, por esses mesmos grupos para ser candidato ao governo da Califórnia.
  • 5
    . Não é exagero presumir que, poucos anos depois, os dramáticos assassinatos do líder do movimento negro Martin Luther King e do pré-candidato Robert Kennedy, em 1968, também tiveram impactos negativos e contribuíram para o ceticismo em relação a uma solução institucional para as reivindicações de movimentos sociais. O primeiro era uma liderança dos movimentos por direitos civis não-violentos e o segundo representava uma opção partidária para os movimentos antirracistas e os antiguerra descontentes com os Democratas.
  • 6
    . Principal órgão de elaboração estratégica dentro do governo, chefiado por Henry Owen (1966-1969).
  • 7
    . Outros assessores também contribuíram para o discurso. Sobre a história do discurso ver: Schwartz (2014).
  • 8
    . A versão redigida por Brzezinski está disponível em: Brzezinski (1966).
  • 9
    . Alguns anos depois, Huntington redigiu um documento de recomendações à ditadura militar brasileira e – semelhantemente a Brzezinski – falava da importância de o Estado cooptar grupos potencialmente opositores, pois “relacioná-los ao sistema governamental era uma política bem menos custosa do que tentar reprimi-los” (Huntington, 1973:5).
  • 10
    . Brzezinski coordenava os assuntos exteriores como um todo, que estavam submetidos à coordenação-geral de Robert Nathan (que também supervisionava as questões domésticas). Em assuntos exteriores, foram formados 11 GTs – cada um com cerca de uma dúzia de especialistas liderados por um coordenador.
  • 11
    . Anteriormente, as primárias não elegiam a maioria dos delegados que participavam da Convenção do Partido. Sobre a mudança das regras pós-1968, Cf. Hilton (2016)HILTON, Adam. (2016), Party Reform and Political Realignment: The New Politics Movement in the Democratic Party. Tese (Doutorado em Ciência Política), York University, Toronto. .
  • 12
    . Entre as sugestões, estava a manipulação de distritos eleitorais e a exclusão dos Viet Cong da eleição nacional, restringindo-os às votações locais. Cf. Huntington (1967)HUNTINGTON, Samuel. (1967), “Political Stability and Security in South Vietnam”. Study for the Policy Planning Council [online]. Disponível em: <http://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNARE127.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2021.
    http://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNARE127.p...
    .
  • 13
    . No ano seguinte à entrega do relatório ao diretor do Policy Planning Council , Henry Owen, o texto foi editado, atualizado e publicado como artigo na Foreign Affairs . Cf. Huntington, 1968b.
  • 14
    . O termo correto seria “deslocado interno” ( displaced person ), que, por causa do conflito, perdeu sua residência na zona rural e foi obrigado a partir para as cidades.
  • 15
    . A Carnegie Endowment , junto à Ford e à Rockefeller, faz parte do grupo das chamadas “Big 3”: fundações de grande influência na política externa norte-americana e na formação da hegemonia global (Cf. Parmar, 2012)PARMAR, Inderjeet. (2012), Foundations of the American Century: The Ford, Carnegie, and Rockefeller Foundations in the Rise of American Power. New York, Columbia University Press. . Vale destacar que a Carnegie Endowment ajudava a financiar o CFR e que, a partir de 1972, começou a cofinanciar a Foreign Policy. Participaram desta conferência, organizada pela fundação em 1972, importantes intelectuais (como Lincoln Bloomfield e Ithiel de Sola Pool), ex- policymakers (como Daniel Ellsberg, Roger Hilsman e James C. Thomson) e jornalistas (como Hedley Donovan, entre outros).
  • 16
    . Os exemplos são numerosos; apenas para ilustrar, seguem algumas referências dos três primeiros anos: Bergsten (1973)BERGSTEN, Fred. (1973), “The Threat from the Third World”. Foreign Policy, nº 11, pp. 102-124. ; Falk (1970-1971); Frye (1971)FRYE, Alton. (1971), “Congress: The Virtues of its Vices”. Foreign Policy, nº 3, pp. 108-125. ; Gelb e Lake (1973)GELB, Leslie; LAKE, Anthony. (1973), “Washington Dateline: Watergate and Foreign Policy”. Foreign Policy, nº 12, pp. 176-188. ; Kelly (1972)KELLY, George. (1972), “A Strange Death for Liberal America?” Foreign Policy, nº 6, pp. 3-24. ; Lake (1971)LAKE, Anthony. (1971), “Lying Around Washington”. Foreign Policy, nº 2, pp. 91-113. e Malmgren (1972)MALMGREN, Harald. (1972), “Managing Foreign Economic Policy”. Foreign Policy, nº 6, pp. 42-63. .
  • 17
    . Exceto Thomson, que esteve na reunião da Carnegie , em 1967, mas criticou o teor da conferência (Thomson, 1973-1974).
  • 18
    . Falk, por exemplo, disse em entrevista que, de início, estava em dúvida sobre participar do periódico. Mas foi estimulado por Huntington e Manshel, que propagandeavam a intenção de inovar e abrir espaço para controvérsias (Falk, 2016).
  • 19
    . Oito artigos ou comentários em sete anos.
  • 20
    . Cf. Lake (1971)LAKE, Anthony. (1971), “Lying Around Washington”. Foreign Policy, nº 2, pp. 91-113. ; Kelly (1972)KELLY, George. (1972), “A Strange Death for Liberal America?” Foreign Policy, nº 6, pp. 3-24. e Kennedy (1973)KENNEDY, Edward. (1973), “Ulster is an International Issue”. Foreign Policy, nº 11, pp. 57-71. .
  • 21
    . Cf. Notas 15 e 19.
  • 22
    . Cf. Gray (1972-1973); Nitze (1976NITZE, Paul. (1976-1977), “Deterring our Deterrent”. Foreign Policy, nº 25, pp. 195-210. -1977); Owen (1976)OWEN, Henry. (1976), “Opinion: Elevate them Guns a Little Lower”. Foreign Policy, nº 23, pp. 149-154. e Schlesinger (1976).
  • 23
    . Think tank próximo ao partido Democrata, dirigido na época por Henry Owen (1969-1977) e que estava estruturando diversos debates sobre a mudança internacional. Cf. Mello (2017)MELLO, Natália. (2017), Os Intelectuais Saem da Guerra: A Intervenção no Vietnã, a “Foreign Policy Magazine” e a Construção Político-Intelectual de Novos Paradigmas e Estratégias. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. .
  • 24
    . As principais reivindicações eram a soberania sob recursos naturais, o direito de expropriação e novas regras comerciais e tarifárias que estimulassem a industrialização dos países em desenvolvimento ( Murphy, 2005)MURPHY, Craig. (2005), “What the Third World Wanted: The Meaning of the NIEO”, in C. Murphy, Global Institutions, Marginalization and Development. New York: Routledge, pp. 103-117. .
  • 25
    . Cf. Introductory Note. Crozier et al. (1975) e Heck (1975)HECK, Charles (ed.). (1975), “Trialogue: Triladeral Leaders Discuss Global Redistribution of Power and Problems of Trilateral Community”. Trialogue [online], nº 7. Disponível em: <http://trilateral.org/file/113>. Acesso em: 01 abr. 2021.
    http://trilateral.org/file/113>...
    .
  • 26
    . Cf. Bell e Stanley (2012)BELL, Jonathan; STANLEY, Timothy. (2012), Making Sense of American Liberalism. Chicago, University of Illinois Press. e Hilton (2016)HILTON, Adam. (2016), Party Reform and Political Realignment: The New Politics Movement in the Democratic Party. Tese (Doutorado em Ciência Política), York University, Toronto. .
  • Agradeço a Sebastião Velasco e Cruz pelas recomendações bibliográficas valiosas e a Rossana Reis e Fábio Candotti pela leitura atenta e sugestões enriquecedoras. Este artigo foi aperfeiçoado graças às recomendações de dois pareceristas anônimos. A pesquisa que resultou neste artigo contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (2012/24961-7 e 2015/02438-9).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2020
  • Aceito
    26 Maio 2020
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