Open-access O BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX: UM CASO DE SUCESSO

Brazil at the Close of the Twentieth Century: A Case of Success

Le Brésil à la Fin du XXe Siècle: Un Constat de Succès

Resumos

The article examines analyses of Brazilian society and politics which underscore negative aspects of the question and generally result in incorrect evaluations and predictions about Brazil. Temporal series on a number of socioeconomic as well as political data are used to show that such negative analyses of Brazil have proven wrong. The conclusion offers a brief analysis of how certain segments of Brazilian social science have failed to detect the major improvements Brazil has witnessed this century.

Brazil; society; twentieth century


L’article cherche à confronter des analyses sur la société et la politique brésiliennes qui en soulignent souvent les aspects négatifs et se prolongent par des bilans et des pronostics erronés. À l’aide de séries temporelles obtenues à partir des données socioéconomiques et politiques, on montre que les analyses négatives sur le Brésil sont fausses. Pour conclure, on dégage la difficulté qu’éprouvent certains secteurs des sciences sociales au Brésil d’identifier les profonds progrès survenus dans le pays au cours du XXe siècle.

Brésil; société; XXe siècle


Brazil; society; twentieth century

Brésil; société; XXe siècle

O BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX: UM CASO DE SUCESSO*

Alberto Carlos Almeida

INTRODUÇÃO

O dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues, em suas memoráveis crônicas futebolísticas, referiu-se inúmeras vezes ao complexo de inferioridade do brasileiro em relação às outras nacionalidades, particularmente aos naturais de países europeus. Segundo ele, o brasileiro sofria de "complexo de vira-latas", ou era um "narciso às avessas", posto que cuspia em sua própria imagem. Na sua opinião, o complexo de vira-latas só deixou de existir ¾ ao menos no universo do futebol ¾ após a nossa primeira conquista de uma Copa do Mundo, na Suécia, em 1958.

De fato, Nelson Rodrigues chamou a atenção para algo que constitui parte de nossa identidade nacional: a concepção de que o outro é melhor, de que o europeu ou o americano desenvolvidos são superiores1. Assim, ao contrário de inúmeras nações onde os habitantes locais dão primazia aos produtos nacionais, os brasileiros preferem os produtos importados, muitas vezes independentemente de sua qualidade, na suposição de que ser importado é por si só garantia da superioridade do produto. Este talvez não seja o melhor exemplo, uma vez que se pode mostrar que a crença na superioridade dos produtos do Primeiro Mundo tem fortes bases empíricas. Contudo, como argumentar quando é o futebol que está sob julgamento? Todos devem recordar-se, a cada Copa do Mundo, dos debates que, invariavelmente, resultam na conclusão de que o futebol brasileiro deve adotar os esquemas táticos e o estilo dos europeus. Esta conclusão não possui base empírica. É possível relacionar um sem-número de estatísticas que mostram que o futebol brasileiro esteve sempre à frente das melhores escolas de futebol da Europa, em termos de títulos e conquistas.

O sentimento difuso de inferioridade existente na sociedade muitas vezes se expressa em estudos sobre o Brasil. Um dos exemplos mais conhecidos é o da literatura que sustenta que a política brasileira entre 1946 e 1964 se caracterizou pelo populismo2. Segundo esta literatura, o populismo é um pacto político que em nada se assemelha aos pactos europeus, porque na Europa de fato houve luta de classes e os trabalhadores se diferenciavam, em termos de interesses, organizações etc., dos setores dominantes. Enquanto no Brasil os trabalhadores teriam sido manipulados pelas classes dominantes e líderes populistas, nos países europeus eles teriam atuado na política de forma autônoma. A literatura sobre o populismo leva-nos a concluir que os trabalhadores brasileiros, quando emergiram como atores políticos relevantes, foram politicamente inferiores se comparados aos seus congêneres da Europa3.

As análises que afirmam que o Brasil experimentou o populismo se enquadram naquilo que Lívia Barbosa (1998) denominou de exocentrismo. Em oposição ao etnocentrismo, o exocentrismo caracteriza-se pela percepção do que somos por meio de categorias e valores externos. Assim, as análises de muitos intelectuais sobre o Brasil são marcadas por nossas faltas e carências. "Falta-nos tudo: desenvolvimento, uma burguesia progressista, uma classe operária consciente, uma cultura não-colonizada, um sistema político menos anacrônico, educação, cidadania e modernidade" (idem:2).

A lista de carências poderia ser facilmente ampliada.

Há, assim, no Brasil uma mentalidade de que somos peculiares, e para pior. Os outros países melhoraram e continuam melhorando, o Brasil anda para os lados ou para trás. Afinal, "isto aqui não tem jeito". A noção de que vivemos em um país que não anda para a frente está relacionada com o ícone do Brasil como "país do futuro". Somos do futuro porque não somos do presente; o melhor está por vir e ao mesmo tempo nunca chega. Esta mentalidade não exige base empírica, é uma representação que fazemos de nós, é algo que compõe a nossa identidade nacional, como dito acima. Este artigo busca, explorando muitas mudanças ocorridas neste século no Brasil, não só mostrar que o "complexo de vira-latas" não encontra fundamento nas nossas estatísticas sociais e econômicas básicas, como revelar que o Brasil deixou de ser o país do futuro4. O Brasil não apenas mudou na direção certa, como se encontra bastante próximo dos países do Primeiro Mundo no que se refere a vários indicadores.

Não se pode afirmar que um complexo de inferioridade dessa natureza contamine a literatura acadêmica recente. Todavia, há vários exemplos de diagnósticos catastrofistas e pessimistas sobre o país, que muitas vezes são possíveis porque a mudança para melhor não é percebida, ou quando o é não chega a ser valorizada. Vale ressaltar, porém, que análises pessimistas não são específicas ao que é produzido no Brasil.

DESGRAÇA, CATÁSTROFE E PESSIMISMO NA LITERATURA ACADÊMICA

O exemplo mais conhecido de diagnóstico pessimista foi publicado em 1980, Global 2000 Report to the President, que em sua página inicial afirma:

"Se a atual tendência continuar, no ano 2000 viveremos em um mundo mais populoso, mais poluído, menos estável ecologicamente, e mais vulnerável à dirupção do que o mundo em que hoje vivemos. [ ] Apesar da enorme produção material, a população mundial será de várias maneiras mais pobre do que hoje" (Barney, 1982:1).

O relatório afirma ainda que se essa tendência não for deliberadamente revertida, para a maioria da população mundial a vida em 2000 será materialmente pior do que em 1980. Já se demonstrou que o relatório estava errado em suas análises e conclusões (ver, dentre outros, Simon, 1995), e, pode-se afirmar, que não se aplica a esse caso o complexo de inferioridade, uma vez que o mundo como um todo piora, não havendo termo de comparação. O ponto é que diagnósticos semelhantes sobre o Brasil povoam a literatura acadêmica aqui produzida. Assim, de forma esquemática, apresentarei alguns trechos que ilustram diagnósticos dessa natureza.

Um livro que se assemelha em título e diagnóstico ao Global 2000 Report é o Brasil, 20005 (VV.AA., 1986). Sua proposta é apontar as primeiras estratégias de um "Plano de Desenvolvimento Social que conduza o país, até o final do século, à erradicação da miséria, à supressão das formas mais extremas de atraso e de pobreza..." (idem:orelha). Dentre outras coisas, é sugerida a ampliação dos serviços de água e esgoto, educação e saúde, algo que, como será visto, já vinha sendo feito e continua a ser realizado sem que tenha sido necessária a elaboração de um plano de desenvolvimento ou novo pacto social. O exemplo mais conhecido desse tipo de análise no Brasil é o de Hélio Jaguaribe. No capítulo conclusivo do livro Brasil, Sociedade Democrática, Jaguaribe afirma a necessidade de:

"[...] um programa de desenvolvimento social e econômico que assegure, com a possível celeridade, uma efetiva elevação do nível de vida das grandes massas, de sua educação e capacidade produtiva e de sua participação na sociedade brasileira. Se não se chegar, de forma operacionalizável, a um sério acordo a esse respeito, não se logrará uma democracia estável no Brasil" (1985:443).

Em um outro texto, Jaguaribe, referindo-se a várias dimensões da ingovernabilidade, sustenta que o Brasil tem de resolver inúmeros problemas: "O problema do dualismo [ ], o problema do estancamento do crescimento econômico, o problema da crise profunda do sistema público e do Estado, o problema da interrupção do processo de modernização, o problema da cartorialização de nossa sociedade" (Jaguaribe, 1990:263).

Ainda segundo ele, "se desenha a perspectiva extremamente perigosa de crise de proporções extraordinárias no ano de 1990" (idem:264). Uma crise que não seria de um governo específico, mas a crise do Brasil (ibidem).

Ainda na década de 80, Wanderley Guilherme dos Santos observa que:

"O problema da renda no Brasil [ ] não consiste tão somente em desconcentrar o topo da pirâmide, mas fundamentalmente em resgatar a base indigente e miserável da população trabalhadora brasileira, homens e mulheres, os analfabetos rurais e analfabetas urbanas, cujos infantes morrem de enterites, por malnutrição ou falta de imunização, enquanto eles e elas, adultos, têm a saúde estiolada por entre os excrementos expostos nas fossas que compõem a hidrografia da indigência e da miséria nas periferias urbanas e na vastidão rural" (1986:381).

A conclusão apocalíptica de Santos está baseada em uma análise que exagera a miséria, a indigência e a pobreza no Brasil, uma vez que define linhas de pobreza elevadas e idênticas para esses fenômenos em todas as regiões do país. Sabe-se que no Nordeste a linha de pobreza, por exemplo, é menor do que no Sudeste. Mostrarei, baseado em estudo que adota metodologia diferente e que define linhas de pobreza menores do que as estabelecidas por Santos e específicas para cada região do país, que a pobreza não apenas era menor do que Santos afirmava para a década de 80, como também vinha e vem sendo consistentemente reduzida (Banco Mundial, s/d). Há também abundantes indicadores evidenciando que a saúde da população brasileira, em vez de estar se estiolando ou definhando, tem melhorado consistentemente no século XX (Monteiro, 1995).

Mais recentemente, Elisa Reis e Zairo Cheibub afirmaram, após estudo que lida com indicadores sociais e de renda, que o país vivia "uma situação dramática".

"[...] sob condições de mercado adversas a capacidade do Estado de minorar a pobreza e a desigualdade diminui. [ ] o fracasso das políticas sociais no combate à pobreza e à desigualdade parece criar obstáculos à consolidação democrática [ ]. O fracasso em assegurar a lealdade política dos desfavorecidos representaria uma ameaça à democracia pois possibilitaria a institucionalização de alguma forma de democracia altamente restritiva. Portanto, o que deve ser temido não é uma mobilização popular imediata contra a ordem constitucional, mas a cristalização de um sistema político restritivo que viria a sancionar o

apartheid

social

de facto

existente" (1993:250-251)

6

.

Considerando as melhorias experimentadas neste século pelo Brasil, que serão vistas aqui, a percepção de que no início dos 90 a situação era dramática, de apartheid social, não se repete quando estudamos o passado, as décadas de 40 ou 30. Além disso, as eleições presidenciais de 1994, municipais de 1996 e também as eleições gerais de 1998 mostram que a democracia está institucionalizada, e que o eleitor tem votado cada vez mais em favor da continuidade de políticas que considera vantajosas para si.

Um exemplo interessante desse tipo de análise é o trabalho de Renato Lessa (1989). Isto porque, ao criticar quatro análises de diferentes aspectos da dinâmica social e do funcionamento das instituições brasileiras, o autor assume seu pessimismo: "O pessimismo aqui adotado como ponto de partida da análise não implica o esforço de predição, de anúncio de tempos piores. Para as finalidades deste ensaio o pior já está acontecendo" (idem:80).

Desnecessário sublinhar que o pior não estava acontecendo nem estava por acontecer.

Os exemplos de estudos pessimistas que apontam crises e catástrofes podem ser multiplicados7. Os dados aqui apresentados irão mostrar os equívocos dessas análises. As séries históricas revelarão que houve uma efetiva elevação do nível de vida das grandes massas, de sua educação e capacidade produtiva e de sua participação na sociedade brasileira. Além disso, verificaremos que, longe de situações dramáticas, o consumo aumentou, a pobreza diminuiu e não houve fracasso das políticas sociais, o que resultou em uma significativa melhoria da qualidade de vida no país8. A crise econômica dos anos 80 não foi suficiente para reverter melhorias já obtidas. Iremos constatar que durante a "década perdida" muito se avançou em termos educacionais, na oferta de serviços públicos básicos, como rede de água e esgoto e coleta de lixo, e em indicadores como esperança de vida e mortalidade infantil.

Várias das análises que apontam desgraças e catástrofes conferem demasiada importância a crises conjunturais. Na realidade, períodos específicos como fases de inflação elevada embotam a percepção dos analistas. Em geral, quando a conjuntura é sobrevalorizada em detrimento de movimentos mais lentos, porém mais permanentes, corre-se o risco de não se detectar tendências e perspectivas9. Além disso, procedendo-se assim o presente é na maioria das vezes considerado como algo insuficiente ou incompleto, o que muitas vezes pode resultar na percepção, errada, de que o que já foi realizado é trivial.

AÇÃO E VONTADE HUMANAS, CATÁSTROFE E MELHORIA

As análises pessimistas, que enfatizam desgraças e catástrofes, em geral resultam em prescrições para o governo, agências estatais e outras instituições, e suas conclusões pessimistas muitas vezes são seguidas de recomendações10 ¾ exemplo paradigmático é o livro Brasil, 2000. Há uma afinidade eletiva entre, de um lado, pessimismo e catástrofe, e, de outro, propostas de intervenções da vontade humana.

Os avanços e melhorias nem sempre ocorrem como resultado do desígnio humano. Antes pelo contrário, é possível sustentar que o que moveu os melhoramentos experimentados pelo Brasil no século XX estava distante de ser intencional, ao menos no que se refere à obtenção de uma melhoria nacional e em diversas áreas. O que se alcançou pode ter sido resultado do enorme crescimento populacional vivenciado pelo país durante este século. Senão vejamos: o aumento da população resulta em escassez no curto prazo. Esta, por sua vez, eleva os preços de bens, matérias-primas, equipamentos urbanos e outros produtos. A elevação dos preços atrai empresários, inventores e acadêmicos interessados em novas oportunidades de trabalho e de negócios. A solução da escassez e dos problemas no curto prazo gera recursos que resultam em mais melhorias, agora e no longo prazo. Assim, onde o crescimento populacional é combinado com possibilidade de ascensão social, o investimento para superar os problemas é realizado, trazendo benefícios que não existiriam se os problemas não tivessem ocorrido. A ascensão social só é possível onde há propriedade privada e risco, e onde o Estado regula de forma previsível a atividade econômica.

As mais diversas motivações, que não são a busca de melhorias amplas, permanentes e seculares, deflagram milhares de microações de um grande número de atores. O resultado agregado, macro, no Brasil, foi um vigoroso crescimento econômico e uma abrangente e profunda melhoria na qualidade de vida dos brasileiros. Os membros das diferentes igrejas atuam movidos por indignação e sentimentos morais; os líderes e funcionários de organizações não-governamentais misturam motivação moral com profissionalismo; empresários almejam lucros e negócios; os políticos a sua sobrevivência política, que na democracia depende do eleitorado; acadêmicos e inventores buscam reputação e oportunidades de trabalho; os militares agem de acordo com motivações ideológicas. É possível supor, portanto, que ¾ excetuando-se os catastrofistas ¾ não exista desígnio humano visando a melhoria do Brasil tal como ela vem ocorrendo, ou seja, em grande proporção e em todas as áreas, e mesmo assim ela ocorreu e continua acontecendo.

UMA NOTA METODOLÓGICA SOBRE O "COMPLEXO DE VIRA-LATAS"

As estatísticas que mostram melhorias no Brasil são em geral bastante contestadas pela imprensa. Além disso, existem problemas de legitimidade quando os dados são gerados por institutos ligados ao governo11. Para evitar controvérsias intermináveis, utilizei em grande parte os dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ¾ IBGE. Mais importante ainda, a única maneira pela qual se pode mostrar as melhorias ¾ e também as pioras ¾ ocorridas no Brasil neste século é por meio de séries estatísticas. Isto é, o Brasil é comparado com ele mesmo em diferentes momentos no tempo, em diferentes anos no século XX. Esse uso das estatísticas minimiza dois tipos de problemas. Em primeiro lugar, trata-se de uma configuração estatística bastante simples. Vários indicadores são apresentados para anos específicos, alguns desde 1940, outros de décadas mais recentes, indicando sua pontuação naquele ano. Isto permite observar a evolução histórica de dados referentes à mortalidade infantil, saneamento básico, Produto Interno Bruto ¾ PIB per capita, apenas para citar alguns exemplos. Essa simplicidade do tratamento estatístico neutraliza as críticas, muitas vezes corretas, de que os dados quando bem utilizados servem para provar qualquer coisa. No caso de séries estatísticas, a única forma de contestá-las é por meio de outras séries para os mesmos indicadores, em geral coletados por outra instituição, que apresentem outros resultados. Acontece que essas outras séries não existem, ao menos no caso do Brasil e para os dados aqui utilizados.

Ainda assim se pode contestar os dados coletados pelo IBGE, afirmando que eles subestimam vários indicadores que, caso obtidos de forma mais adequada, revelariam um quadro pior do que o apresentado. É o argumento da "piora oculta". Por exemplo, sabemos que as estatísticas para a mortalidade infantil não captam a mortalidade em alguns lugares do país: não há atestado de óbito e as crianças são enterradas em cemitérios clandestinos. Trata-se, na maior parte, de áreas rurais onde a presença do Estado é precária.

O ponto é que por se tratar de séries históricas que buscam comparar o Brasil com ele mesmo no tempo, esse tipo de contestação se aplica a qualquer ano que forma a série. É razoável supor que a coleta de dados em décadas anteriores era mais precária do que hoje. Atualmente, o Estado está mais presente em todas as áreas do país, as comunicações e os transportes atingem praticamente todo o território nacional, e também as técnicas de coleta de dados são mais controladas e sofisticadas. Além disso, nas áreas rurais onde tradicionalmente o Estado não é capaz de coletar estatísticas, a população é hoje relativamente muito menor do que era há trinta ou quarenta anos quando comparada com a população urbana. Isto diminui sobremaneira o peso de tais áreas na soma geral das estatísticas para o país e para as grandes regiões. Assim, se a mortalidade infantil de 1990 está subestimada, muito provavelmente a de 1950 está mais subestimada ainda. Sendo correta esta suposição, a melhoria é na verdade maior do que os dados oficiais mostram, fortalecendo o que desejo enfatizar neste artigo. Na ausência de dados alternativos aos do IBGE e de outras instituições com credibilidade, os cientistas sociais que não os aceitam têm duas alternativas: tornarem-se críticos profissionais de dados ou organizarem outras bases de dados mais confiáveis.

Cabe ainda uma última ressalva metodológica. Várias séries aqui utilizadas têm algumas imprecisões devido justamente a problemas variados de coleta. Em alguns casos foram feitas interpolações e estimativas. As imprecisões, contudo, não invalidam o que desejo mostrar: as inúmeras melhorias pelas quais o país passou e vem passando. É possível obter dados mais precisos, mas eles irão mostrar a mesma tendência. Trata-se, inclusive, de um desafio que fica lançado para aqueles que discordarem do que será apresentado aqui. Passarei agora aos dados, iniciando por aqueles que revelam que a qualidade de vida dos brasileiros melhorou neste século12.

A MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA

O primeiro indicador que trata da qualidade de vida é o percentual da População Economicamente Ativa ¾ PEA por ramo de atividade. Um dos grandes avanços da humanidade, do qual o Brasil não escapou, é a diminuição da mão-de-obra empregada na agricultura em favor dos empregos no setor industrial e de serviços13. Alguns analistas consideram ser este um dos dois fatores mais importantes do aumento geral do padrão de vida (Simon, 1995:29); o outro fator é a esperança de vida ao nascer. O decréscimo do percentual de mão-de-obra empregada na agricultura tem sido utilizado como um indicador de desenvolvimento agrícola, pois menos empregados rurais significa mais máquinas, mais produção e maior produtividade, e também maior desenvolvimento econômico (idem:124). Além disso, o trabalho agrícola está associado a condições de vida precárias se comparadas com a vida em cidades: maior incidência de doenças infecto-contagiosas, menor expectativa de vida, maior pobreza, pouco acesso a serviços etc. O deslocamento da PEA da agricultura para os serviços e a indústria segue trajetória idêntica ao deslocamento da população do campo para a cidade. O Gráfico 1 mostra que houve uma melhora significativa da alocação de mão-de-obra no Brasil nos últimos 55 anos.


Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

/a Inclui extração mineral. /b Inclui comércio, transportes e comunicações.

Em 1940, a mão-de-obra agrícola representava 66% de toda a PEA, hoje responde por apenas 26%. Esta mudança ocorreu com a incorporação da PEA pela indústria e pelo setor de serviços. A indústria, por seu turno, passou por um ponto de inflexão em 1980, a partir de então conhecemos a mudança de uma indústria que empregava uma fatia cada vez maior da PEA, para uma indústria que emprega cada vez menos. O avanço tecnológico provavelmente não permitirá a reversão de tal tendência. O trabalho na indústria está sendo substituído pelo mundo soft dos serviços. Talvez o maior desafio contemporâneo ao desenvolvimento brasileiro seja este: o de consolidar um setor de serviços dinâmico, capaz de gerar os postos de trabalho demandados.

A taxa de analfabetismo (ou o seu oposto: a alfabetização) é um indicador educacional. É consenso que ser ou não alfabetizado é fundamental para a qualidade de vida. A capacidade de ler e escrever dá acesso à informação, abre espaço em termos de oportunidade de emprego e possibilita uma integração social mais ampla. O analfabetismo diminuiu no Brasil do século XX em todas as suas grandes regiões (Gráfico 2).


Fonte: 1940 a 1980: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

1995: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

Em 1940 a taxa de analfabetismo atingia a casa dos 61%; na PNAD de 1995 ela é de 16%, em que pese a distorção resultante do fato de o analfabetismo para 1995 ser medido para pessoas com 7 anos ou mais de idade e não para 5 anos ou mais. A diminuição ocorrida entre os censos de 1940 e 1980 é em si já bastante significativa: em 1980 o analfabetismo era de 35%, uma redução de quase 50% em quarenta anos. Vale notar ainda que a tendência de queda é ininterrupta e se aplica a todas as grandes regiões do Brasil.

Para o Brasil inteiro, possuímos dados sobre a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais de idade desde 1872 (Gráfico 3).


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

*Taxa calculada sobre a população total.

**Taxa para a população com 7 anos ou mais.

Há um aumento expressivo e consistente da alfabetização da população durante todo o século XX. Em 1900, apenas 34,7% das pessoas com 15 anos ou mais de idade eram alfabetizadas. No final deste século esse indicador é de 80,0%. Um aumento de pouco mais de 130%.

A qualidade de vida depende também de vários indicadores que expressam serviços públicos básicos. Dentre eles destacamos a oferta de rede geral de água, de rede sanitária, coleta de lixo, de eletrificação residencial e de estabelecimentos de saúde e médicos por mil habitantes. Todos eles apresentam melhorias nas séries históricas.

Rede geral de água significa água centralmente coletada e tratada, o que contribui para a redução de inúmeras doenças transmissíveis através da água e, conseqüentemente, diminuição da taxa de mortalidade infantil e aumento da esperança de vida ao nascer. A rede geral de esgoto é outro serviço público básico que, juntamente com a rede geral de água, melhora a qualidade da água, contribui para a redução da mortalidade infantil e o aumento da esperança de vida ao nascer. É óbvio que melhor qualidade de vida está associada a um abrangente serviço de rede geral de esgoto. A alternativa a isto é, em geral, nos sítios urbanos, a vala negra e o esgoto a céu aberto. Nesse caso, tanto a população infantil quanto a adulta ficam expostas a doenças infecciosas e parasitárias. A sujeira atrai também animais nocivos à saúde, como ratos, e degrada as condições de vida e o meio ambiente.

O lixo coletado é também um serviço básico que tem relação direta com a saúde pública e o meio ambiente. Quanto maior a proporção de domicílios atendidos por esse serviço, menos sujeira é acumulada em áreas residenciais, menor é a possibilidade de formação de focos de doenças e, como conseqüência, melhor é a qualidade de vida.

A eletrificação residencial é igualmente fundamental para a qualidade de vida. Não apenas porque fornece acesso à iluminação elétrica noturna, mas principalmente por permitir à população a utilização de geladeira, fundamental para a conservação dos alimentos em países tropicais, e de inúmeros aparelhos eletrodomésticos fortemente associados à qualidade de vida como, por exemplo, TV, rádio, liquidificador e chuveiro elétrico.

Vejamos o que dizem os dados sobre esses serviços. O Gráfico 4 apresenta a série estatística referente à rede geral de água, rede geral de esgoto, lixo coletado e iluminação elétrica.


Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

Em 1960, 21% dos domicílios eram atendidos por rede geral de água. Trinta e cinco anos mais tarde esse percentual atingiu a marca de 76,2%. O crescimento mais acentuado ocorreu entre 1960 e 1976. A partir de 1976 há um crescimento constante do serviço, excetuando-se em 1991, porém em um ritmo menos acelerado. Isto é compreensível, dado que o custo marginal é crescente; as primeiras áreas a serem beneficiadas com serviços desse porte são, em geral, as de mais fácil acesso.

No que diz respeito à instalação sanitária, não existem dados entre 1985 e 1990. Em 1960, cerca de 15% dos domicílios brasileiros contavam com rede geral de esgoto. Em 1995, este número é de aproximadamente 40%. A melhora tem sido lenta, mas constante. Nem sempre o esgoto coletado em rede é devidamente tratado. Como foi dito anteriormente, a coleta evita esgoto a céu aberto e as conseqüências disto para a saúde pública. Vale notar que o indicador escolhido é exigente. Isto porque a qualidade de vida também é boa onde não existe rede geral, mas fossas sépticas em condições adequadas. Nestes casos, rede geral de esgoto pouco abrangente não resulta necessariamente em disseminação fácil de doenças infecto-contagiosas.

Ao contrário dos indicadores anteriores que foram coletados pelo IBGE desde 1960, o dado mais antigo sobre recolhimento de lixo é da década de 80. Nos anos que separam 1981 e 1995 a melhoria da coleta residencial de lixo foi constante e expressiva. Em 1981, pouco mais de 49% dos domicílios eram alvo da coleta de lixo; em 1995 este indicador atingiu 72% das residências.

A eletrificação residencial é mais um indicador relevante para a qualidade de vida a apresentar melhora constante nos anos para os quais o dado existe. Em 1970, 47,6% dos domicílios tinham energia elétrica; em 1995, 91,7% das residências já possuem iluminação elétrica, geladeira e televisão. Note-se que, por causa da preponderância assumida pela televisão, a energia elétrica é um importante fator de conforto e informação. Maior abrangência da eletrificação residencial significa população mais bem informada e tempo livre usufruído de forma mais agradável14.

Por fim, habitantes por estabelecimentos de saúde e médicos por mil habitantes expressam quantitativamente a oferta de serviços de saúde em relação a grupos de mil habitantes. Quanto menor o número de habitantes por estabelecimentos de saúde, e maior a quantidade de médicos em atividade por mil habitantes, maior é a possibilidade de dispor de assistência médica.

O Gráfico 5 refere-se às estatísticas para habitantes por estabelecimentos de saúde, e o Gráfico 6 a médicos em atividade por mil habitantes.



Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

* Inclui estabelecimentos paraospitalares.

** IBGE, Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária.

A medição da oferta de serviços de saúde por esses dados revela avanços. Houve acréscimo absoluto e relativo de estabelecimentos de saúde e de médicos das décadas de 40 e 50, respectivamente, até os dias atuais. Os anos 60 e 70 incluem médicos em atividade em estabelecimentos paraospitalares, os quais não foram contabilizados nos anos 50 e 80. No que diz respeito a estabelecimentos de saúde, em 1940 existia um para cada 26.200 habitantes; em 1992 tínhamos apenas 3 mil habitantes para cada unidade. Quanto aos médicos, em 1950 eram 0,38 para cada mil habitantes; em 1992 este indicador já havia atingido a marca de 2,1.

O

Gráfico 7 apresenta a mortalidade por algumas

causas

mortis, para as capitais de estados brasileiros, como percentual sobre o total de óbitos.


Fontes: 1930-1980: Bayer e Góes (1989): Ministério da Saúde (1994). Causas Externas 1989: Monteiro (1995:258).

Um outro indicador de qualidade de vida é a altura média da população. Existem dois vetores que a explicam: a herança genética e a nutrição. A estatura média do brasileiro tem aumentado nas últimas décadas. No caso dos homens de 22 anos das regiões Sul e Sudeste, para ficar em um exemplo, a altura média em 1960 era de 1,69m; em 1980 esta marca era de 1,73m (Monteiro, 1995). O aumento da altura média do brasileiro pode ser explicado por três hipóteses: deveu-se apenas ao fator genético; apenas à melhoria da condição nutricional da população; ou à combinação de ambos os componentes.

A altura é um indicador importante de qualidade de vida por causa de seu componente nutricional. Parece, inclusive, ser esta a melhor hipótese para explicar o aumento da altura média do brasileiro. Isto porque a defasagem de altura entre crianças até 10 anos é maior nas famílias com renda mensal até dois salários mínimos, caindo nas famílias com renda de dois a cinco salários; e inexistindo nas famílias com renda mensal superior a cinco salários mínimos15. A tendência de aumento da estatura do brasileiro é contínua desde os anos 50, ocorre em todas as regiões do país e em todas as faixas de renda da população, para homens e mulheres, e entre crianças e adultos (idem).

A proporção de casos de doenças infecciosas e parasitárias (à exceção da AIDS) em relação à população de uma região expressa um importante elemento da qualidade de vida. A exclusão da AIDS deve-se ao fato de que a incidência das demais doenças está relacionada com condições habitacionais, acesso à informação e instrução objetivando evitá-las, possibilidade de dispor dos recursos para isto e condições hospitalares. A incidência de AIDS deve-se, sobretudo, a fatores comportamentais relacionados às práticas sexuais de risco16.

Nas capitais, entre 1930 e 1989, houve uma acentuada diminuição da proporção de óbitos por doenças infecciosas. Por outro lado, a proporção de mortes resultantes de doenças circulatórias ¾ coração e derrame principalmente ¾ e neoplasias ¾ que engloba todos os tipos de câncer ¾ tem crescido de forma constante. As duas causas desse fenômeno são a melhoria da qualidade de vida e a mudança do perfil etário da população. Melhor qualidade de vida resulta em mais saúde, que aumenta a expectativa de vida. Somando-se à redução da taxa de fecundidade, ocorre um envelhecimento da população. As mortes causadas por câncer ou doenças circulatórias são típicas de pessoas com saúde e longevidade, pois a sua incidência aumenta com a idade. Elas já representam, separadamente, hoje, no Brasil, uma proporção maior de causa mortis do que as doenças infecciosas.

O Gráfico 8 também apresenta as estatísticas para essa variável, mas com duas diferenças importantes: elas estão computadas para todo o país, e o percentual foi calculado como proporção apenas das cinco causas mortis enumeradas, e não para todas as existentes.


Fonte: Datasus < http://www.fiocruz.br >

Nota-se mais uma vez a tendência de melhora. As doenças da velhice continuam liderando e as infecciosas e parasitárias mantêm tendência de queda. Merece registro o aumento permanente das causas externas, reflexo da violência criminal e no trânsito. Trata-se de um problema grave que ainda está por merecer um combate mais sistemático e eficaz. Esta estatística exemplifica algo para o qual este artigo chama a atenção: as melhoras coexistem com pioras e coisas a serem feitas. Isto, todavia, não deve impedir o reconhecimento de avanços.

A taxa de mortalidade infantil e a expectativa de vida ao nascer foram deixadas para o final dessa seqüência de dados porque sintetizam as outras melhorias. A queda do primeiro e a conseqüente melhora do segundo indicador só foram possíveis porque há hoje no Brasil mais leitos por mil habitantes, mais saneamento, água tratada, lixo coletado, estabelecimentos hospitalares, mais alfabetizados (o que significa mais gente bem informada) do que no passado. A propensão de melhora de ambos é reflexo da melhora dos outros indicadores. O Gráfico 9 mostra que a mortalidade infantil de fato vem caindo.


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

Obs.: Número de mortes ocorridas no primeiro ano de vida, em cada grupo de mil recém-nascidos.

Além disso, para anos mais recentes, são apresentadas as taxas de mortalidade dos respectivos anos. Entre 1930 e 1940 a média da década foi de pouco mais de 158, sendo de quase 88 para o período 1970-1980. A mesma taxa de mortalidade infantil no ano de 1993 foi de 43,4. Apesar de ainda estarmos distantes das taxas dos países desenvolvidos, a melhoria foi bastante acentuada no período considerado, a qual teve um reflexo significativo na expectativa de vida do brasileiro.

O Gráfico 10 apresenta a expectativa de vida do brasileiro ao nascer para o Brasil e suas grandes regiões.


Fontes: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, Séries Históricas do Brasil.

* CEPAL, Anuario Estadístico de América.

A mudança foi grande e para melhor. E isto se aplica a todas as regiões do Brasil. Em 1940 a esperança de vida ao nascer era algo em torno de 42 anos de idade; hoje ela situa-se próxima aos 67 anos. Esse indicador para os países desenvolvidos, excetuando-se o Japão, é de 75-78 anos de idade. A nossa distância em relação aos países desenvolvidos é de, aproximadamente, 10 anos de idade. Trata-se de uma distância grande, mas que tem sido reduzida de maneira consistente. Isto ocorre porque, considerando-se o atual desenvolvimento da medicina, não tem sido possível aumentar com rapidez a esperança de vida a partir da faixa dos 70-80 anos. Devemos esperar, nas atuais condições, que a esperança de vida no Brasil continue se aproximando daquela já alcançada no mundo desenvolvido. Além disso, uma comparação com os Estados Unidos mostra que a nossa melhoria é bastante semelhante à ocorrida naquele país. É o que pode ser visto no Gráfico 11.


Fontes: IBGE.

Para os EUA, The State of Humanity (Simon, 1995).

O Gráfico 11 compara o ritmo do aumento da expectativa de vida nos EUA, no Brasil e no Sudeste brasileiro. Note-se a inclinação das três retas: entre 1900 e 1930 nos EUA, e entre 1950 e 1980 no Brasil e na região Sudeste. Estes períodos correspondem a um aumento na esperança de vida de, aproximadamente, 45 a algo em torno de 60 anos de idade nos dois países. Entre 1900 e 1930 a esperança de vida aumentou nos EUA de 47,8 para 54,4 anos de idade; no Brasil, entre 1950 e 1980, de 45,9 para 60,1 anos de idade. A taxa de variação nos EUA foi de 0,32 anos de idade por ano, enquanto no Brasil foi de 0,47. O ritmo da melhoria, portanto, na mesma faixa de idade foi levemente superior no Brasil do que nos EUA. O mesmo aplica-se quando se compara o período de 1950 a 1995 para os dois países. Neste caso, a taxa de variação no Brasil é de 0,45 por ano e nos EUA de 0,15. Isto se deve, como já mencionado, às dificuldades associadas a aumentar com rapidez a esperança de vida a partir dos 70 anos de idade.

O aumento da expectativa de vida da população brasileira e seu ritmo negam a famosa afirmação de Darcy Ribeiro de que "o Brasil é uma máquina de triturar gente". Se assim fosse todos os indicadores até aqui apresentados teriam piorado. Nenhuma máquina de triturar gente é capaz de melhorar tantos aspectos da qualidade de vida, resultando na queda da mortalidade infantil e na ampliação da longevidade.

RIQUEZA, RENDA E CONSUMO

Os indicadores de riqueza, renda e consumo são mais auto-evidentes e menos controversos do que os utilizados para medir a qualidade de vida. Mostrarei nesta seção que houve no Brasil, além de uma significativa diminuição da pobreza, e da razão de dependência, um aumento do PIB total, do PIB per capita, do poder de consumo das famílias e do percentual de domicílios com bens duráveis, tais como geladeira e televisão.

O primeiro indicador da riqueza nacional é o PIB total. O Gráfico 12 apresenta sua evolução entre 1950 e 1995.


Fontes: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil e Estatísticas Históricas do Brasil, vol. 3.

O índice real do PIB total foi calculado a partir do PIB total a preços correntes, sobre o qual foi aplicado o deflator nacional implícito17. O crescimento do PIB brasileiro no período é bastante significativo. Pelo índice real, o PIB em 1950 era de 11,75. Em 1995 este índice era de 126,72, correspondendo a um aumento de 978%. Em que pesem os ritmos diferenciados de crescimento do PIB, a riqueza bruta produzida no Brasil aumentou de forma constante e consistente nesse período.

Isto se aplica ao PIB per capita. O Gráfico 13 mostra a melhoria do PIB per capita no mesmo período.


Fontes: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil e Estatísticas Históricas do Brasil, vol. 3.

A metodologia de cálculo do índice do PIB per capita foi a mesma utilizada para obter o índice real do PIB total. O crescimento do PIB per capita também é consistente, com a diferença importante de que o reflexo da crise dos anos 80 é captado por este último indicador. Ainda assim, o PIB per capita brasileiro tem hoje um patamar bastante superior ao dos anos 50 ou mesmo dos 70. Entre 1950 e 1970 o índice variou entre 20 e 60, enquanto a partir de 1980 o patamar de variação é de 90 a 100.

Os dados de riqueza nacional até então apresentados não permitem afirmar nada sobre o crescimento da renda familiar: que faixas de renda cresceram mais, menos ou diminuíram. Antes de abordar este ponto, cumpre apresentar a evolução de uma importante variável demográfica, que influencia bastante a renda familiar: a razão de dependência que mede a proporção da população acima de 64 anos de idade mais a abaixo de 15 anos, em relação aos que têm entre 15 e 64 anos (Gráfico 14).


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

Em 1940 existiam aproximadamente oito brasileiros com menos de 15 e mais de 64 anos para cada dez brasileiros na faixa de 15 a 64. Esta proporção em 1991 é de seis para dez. Isto significa que houve uma expressiva diminuição da dependência de renda. A razão de dependência diminuiu em virtude do envelhecimento da população brasileira. O efeito mais imediato e importante na renda familiar ocorre em função do aumento do número de adultos em cada família, em relação a crianças e idosos. A renda familiar torna-se maior e o poder de consumo também.

Passo agora às variáveis que expressam a ampliação do poder de consumo dos brasileiros. O primeiro indicador (Gráfico 15) é o índice real de consumo. Ele foi obtido deflacionando-se o valor nominal total do consumo final familiar. Assim como feito para o PIB, o índice foi fixado em 100 para 1980.


Fontes: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil e Estatísticas Históricas do Brasil, vol. 3.

A variação do índice real de consumo familiar mostra a melhoria alcançada no período 1950-1995, e expressa com bastante precisão as vicissitudes macroeconômicas do Brasil. O gráfico revela que entre 1950 e 1970 o aumento real do consumo familiar apesar de constante não é muito acelerado. Durante os anos 70 o Brasil conhece uma forte expansão da classe média urbana, empregada em grande parte no setor público, em empresas estatais e em grandes empresas privadas nacionais e multinacionais. A década de 80 apresenta uma evolução relativamente errática do consumo. Merece destaque o pico de consumo de 1986 proporcionado pelo Plano Cruzado. Desde então, observa-se uma corrosão do consumo real familiar, resultado da hiperinflação crônica, que vai ser revertido na década de 90 com o início da abertura comercial, e de maneira inequívoca a partir do Plano Real em 1994.

Em que pese a ausência de uma evolução positiva contínua do consumo nos anos 80, há uma mudança significativa em relação à década anterior: 1979 foi o último ano em que o índice real de consumo ficou abaixo de 90. Hoje o patamar é superior ao da década do chamado "Milagre Econômico". As famílias brasileiras, agregadamente, têm maior poder de consumo do que no passado.

O índice real de consumo expressa o consumo familiar agregado. Ele não permite identificar se, por exemplo, o seu aumento total foi causado apenas pela ampliação do consumo das famílias de renda elevada, ou se por um incremento do poder de compra de toda a população. Essa deficiência pode ser suprida por um outro indicador de consumo e de aumento de renda: a proporção de domicílios com bens duráveis (ver Gráfico 16)18.


Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

O aumento do percentual de domicílios com bens duráveis ¾ geladeira, rádio e televisão ¾ expressa a mesma tendência do índice de consumo apresentada no Gráfico 16. Entre 1970 e 1980 a expansão é mais acelerada, e no período subseqüente mais lenta. Os dois indicadores divergem no período 1960-1970: os bens duráveis conhecem uma expansão mais veloz do que a do índice real de consumo. Isto se explica pela pequena base de cálculo no início do aumento de residências com bens duráveis. É mais fácil aumentar de 4% para 8%, do que de 50% para 100% de domicílios com televisão ou geladeira. Espera-se, portanto, no início da expansão, um ritmo mais acelerado.

Pode-se objetar que o consumo de bens duráveis não indica aumento real de renda, mas a diminuição do preço de tais bens em função de elementos da produção, como economia de escala, curva do aprendizado, desenvolvimento tecnológico e outros fatores correlatos19. Esta objeção, todavia, não pode negar o fato de que o poder de consumo das famílias brasileiras aumentou no período considerado. É esta a interpretação correta dos dados, que mostram que em 1960 apenas 4,6% das residências tinham televisão e 11,6% geladeira, enquanto em 1995 as respectivas proporções eram de 81% e 74,8%.


Fonte: Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira, 1996.

Um bem mais recente e mais caro que também conheceu aumento de consumo é o da categoria dos automóveis, como pode ser visto no Gráfico 17.

Os dados mostram que em 1994 havia menos habitantes por automóveis, 10,9, do que em 1978 quando este número era de 13,4. A melhoria não é muito expressiva. Todavia, se considerarmos o crescimento populacional, e a combinação disto com um período longo de inflação elevada, podemos afirmar que a capacidade de produzir e vender automóveis no Brasil nesse período foi significativa. Existem dados sobre consumo e aumento de vendas de outros bens duráveis como geladeira, freezer, aparelhos de som e vídeo20. Este artigo não lança mão de tais dados porque eles enfatizam o crescimento recente do consumo, isto é, desde a adoção do Plano Real. Isto introduziria justamente o componente conjuntural que busco evitar.

O aumento de produtividade do trabalho, como pode ser visto no Gráfico 18, ocorreu ao mesmo tempo que o consumo foi ampliado. Os dois fenômenos guardam relação forte, principalmente se os ganhos de produtividade são transferidos para o consumidor por meio de um sistema comercial competitivo, em um ambiente de moeda razoavelmente estável.


Fontes: Thompson-Flores (1992); Dados primários do IBGE; Dados para a Indústria de Transformação

21.

A produtividade do trabalho é medida dividindo-se a produção física pelas horas trabalhadas. Trata-se de um indicador que tanto pode ser utilizado para medir mudanças na qualidade de vida ¾ maior produtividade significa menos horas trabalhadas para produzir o mesmo volume e, portanto, mais tempo livre ¾ quanto para mensurar o aumento da riqueza e do consumo ¾ o aumento da produtividade permite ganhos salariais reais. No Brasil, de 1970 até 1990, a produtividade do trabalho melhorou. Apesar da variação errática que carateriza este indicador, a partir de 1973 nota-se uma mudança de patamar. Excetuando-se 1980, até 1983 a produtividade variou em torno de 95, enquanto em 1989 e 1990 ela ficou acima de 100.

Maior produtividade do trabalho e aumento do consumo familiar resultam em redução da pobreza, que está expressa nos dados do Gráfico 19.


Fonte: Banco Mundial (s/d, vol. 1, p. 3), Avaliação da Pobreza no Brasil.

Dados do relatório Avaliação da Pobreza no Brasil, do Banco Mundial, revelam que a proporção de pobres diminuiu sete pontos percentuais entre 1960 e 1970. Na década seguinte essa redução foi de 22 pontos percentuais, enquanto nos anos 80 foi de três pontos percentuais. Em que pese o aumento da desigualdade nesse período, a proporção de pobres em 1960 era de 50%, e em 1990 este número caiu para 17%. A redução da pobreza, o índice real de consumo familiar e a proporção de domicílios com bens duráveis específicos são indicadores que se reforçam uns aos outros. Todos apontam a mesma tendência, e ela é de melhoria ¾ em alguns períodos mais forte e acelerada, em outros mais lenta. Note-se que a década de 70 é de fato a que apresenta a evolução mais significativa, e que nos anos 80, apesar de considerados "perdidos", o país manteve a tendência de melhoria só que em um ritmo mais moderado e por vezes errático.

A impossibilidade de apresentar para o indicador acima um dado mais recente do que o referente a 1990, deve-se ao fato de que as medições da pobreza podem ser ou mais sensíveis à conjuntura, captando assim o efeito da inflação, ou mais sensíveis às tendências estruturais de longo prazo. O estudo do Banco Mundial enquadra-se nesta segunda modalidade. Ainda assim, cumpre apresentar alguns dados para a década de 90. A proporção de pobres nas seis principais regiões metropolitanas do país era de 22,6% em 1990, dois anos depois este índice era de 32,2%, atingindo o máximo de 33,4% em 1994, reduzindo-se para 25,1% em 199622. A pobreza, como afirmado anteriormente, foi muito sensível à inflação: ela aumentou nos períodos de aceleração inflacionária, e diminuiu após 1994, quando a inflação foi domesticada. Mais uma vez enfatizo que o reconhecimento de melhorias não implica negar a existência de coisas a serem combatidas. A pobreza é mais um exemplo disso.

Como se sabe, pobreza e desigualdade são coisas diferentes. É possível reduzir a pobreza ao mesmo tempo que a desigualdade aumenta. Foi isto que ocorreu no Brasil entre 1960 e 1990, tal como pode ser visto pelo Gráfico 20.


Fonte: Barros e Mendonça (1993).

Todos os decis tiveram aumento de renda entre 1960 e 1990. O menor aumento, de 1%, foi para o terceiro decil, e o maior crescimento, 3,2%, no último decil. Assim, o aumento generalizado para todas as faixas de renda contribui para a diminuição da pobreza, enquanto o aumento maior nas faixas mais elevadas, e menor nos primeiros decis significa ampliação da desigualdade entre ricos e pobres. Busco apenas salientar que os resultados do crescimento econômico nesse período não dividiram os brasileiros em ganhadores e perdedores, pois todos ganharam, uns mais, outros menos. Foi, portanto, uma mudança Pareto-ótimo. Não ocorreu a famosa assertiva do ex-ministro Delfim Netto, de que antes era necessário aumentar o bolo para depois dividi-lo. O bolo foi crescendo e sendo dividido, em proporções diferentes que acabaram aumentando a distância entre o topo e a base da pirâmide social. Isto revela o que os dados agregados apresentados acima escondiam: o aumento do poder de consumo foi generalizado, ou seja, atingiu todas as faixas de renda.

A CRISE DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

O tema da educação merece um item em separado por se tratar de uma questão extremamente controversa. Há uma avaliação impressionista de que o sistema educacional brasileiro piorou nas últimas décadas. Para os defensores dessa perspectiva, a qualidade do ensino público no passado era muito melhor do que nos tempos atuais. Em geral, quem compartilha dessa análise fornece exemplos de pessoas que freqüentaram escolas públicas, fizeram curso superior e hoje ocupam postos de destaque na sociedade brasileira. A crise que se abateu sobre o ensino no país não permitiria mais essa trajetória.

Os dados que irei apresentar revelam que esse diagnóstico é correto apenas de um ponto de vista elitista. O sistema educacional brasileiro de 1º e 2º graus vem passando de forma ininterrupta por um processo de massificação, e este processo, como em geral ocorre, resulta em uma piora de um serviço que antes era privilégio de algumas minorias.

Quanto aos dados, deve ser salientado que a população entre 7 e 14 anos e 15 e 17 anos foi estimada para os anos de 1920, 1950, 1960 e 1991. O cálculo foi feito dividindo-se essas duas faixas de idade pela população total nos respectivos anos para os quais o dado existia. A estimativa é precisa porque a variação dessas duas razões é mínima, apenas de uma casa decimal. O Gráfico 21 mostra a melhoria da relação entre a população em idade escolar de 1° grau e o número de estabelecimentos de ensino primário.


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

(*)População de 15 a 17 anos estimada.

(**) População de 15 a 17 anos em 1995.

Em 1920 existiam 295,3 crianças entre 7 e 14 anos para cada unidade escolar de 1° grau; essa razão caiu para 143,6 em 1991. Há melhoras acentuadas entre 1920 e 1940, e entre 1940 e 1950. De 1950 até os dias atuais esse indicador se tem mantido relativamente estável, variando no patamar de 100 a 150 crianças de 7 a 14 anos por unidade escolar. Se há uma estabilização desde 1950 no número de crianças por escolas de 1º grau, o mesmo não se pode afirmar quando a população entre 7 e 14 anos é dividida pelo número de professores do nível primário (Gráfico 22).


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

*População de 15 a 17 anos estimada.

**População de 15 a 17 anos em 1995.

Em 1940 havia 107,3 crianças em idade escolar de 1º grau para cada professor; em 1991 essa razão era de apenas 22,0. Isto indica um enorme aumento do número de professores de 1° grau em relação à população potencial consumidora do serviço. A queda contínua dessa razão se estabiliza a partir de 1980, ano em que existiam 26,0 pessoas entre 7 e 14 anos por professor. Não é meu objetivo discutir qual o número ótimo de crianças por unidade escolar e por professor. Trata-se de um tema muito especializado, que foge à minha área de atuação. O que os dados mostram é que foram levadas a cabo medidas que ampliaram a oferta de professores e de escolas, o que resultou no aumento da taxa de matrícula, como pode ser visto no Gráfico 23.


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

*População de 15 a 17 anos estimada.

**População de 15 a 17 anos em 1995.

A taxa de matrícula no 1º grau é a razão entre o número de matriculados no ensino primário e a população entre 7 e 14 anos de idade. Como se pode verificar, a melhoria desse indicador é constante. Em 1920, a matrícula correspondia a apenas 19,4% da população em idade escolar de 1° grau. Em 1980 essa taxa era de 84,4%, e em 1991 de 104,0%. Este último dado revela que há mais gente matriculada no ensino primário do que crianças entre 7 e 14 anos. Muito provavelmente existe um contingente de matriculados, acima de 14 anos, que não teve a oportunidade de entrar no ensino primário na idade de 7 anos.

Qualquer análise desses dados que chame a atenção para o fato de que o 1º grau no Brasil ¾ em função da repetência, do trabalho infantil e de outros motivos semelhantes ¾ não é freqüentado por quem potencialmente deveria fazê-lo, não nega, todavia, que tenha havido no período uma expressiva melhora da taxa de matrícula. Em outras palavras, as 107,3 crianças que existiam em 1940 para cada professor de 1° grau indicam que havia um número significativo de pessoas em idade escolar sem professor algum. Deve ser salientado ainda que a taxa de matrícula no 1º grau também é superior a 100% para Espanha, Reino Unido, França, Alemanha e Estados Unidos, para citar apenas alguns países desenvolvidos (Banco Mundial, 1995:217).

A ampliação da rede de ensino não se restringiu ao 1° grau. Os três gráficos que se seguem apresentam os mesmos indicadores para o 2° grau23. Também aí a melhora é inegável.


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

*População de 15 a 17 anos estimada.

**População de 15 a 17 anos em 1995.

O aumento da oferta de unidades escolares de 2° grau, em relação à população potencial para esse serviço, é bastante significativo. Em 1940 havia 3.354 pessoas entre 15 e 17 anos para cada estabelecimento escolar; em 1991 essa razão era de 806. O maior avanço foi verificado entre 1940 e 1950, mas também nos anos 80 houve uma melhoria significativa. A mesma tendência aplica-se à oferta de professores (Gráfico 25)24.


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

*População de 15 a 17 anos estimada.

**População de 15 a 17 anos em 1995.

Em 1940 existiam 229 adolescentes entre 15 e 17 anos para cada professor de 2° grau; em 1991 essa razão era de 37,34. Da mesma maneira que o indicador anterior, a melhora mais acentuada ocorreu entre 1940 e 1950, mas avanços importantes aconteceram de 1950 a 1980. Por outro lado, há uma estabilização da oferta de professores na década de 80. O aumento de estabelecimentos de ensino e de professores de 2° grau em relação à sua clientela potencial acabou contribuindo para que a taxa de matrícula no ensino secundário também aumentasse. É isto que pode ser visto no Gráfico 26.


Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

*População de 15 a 17 anos estimada.

**População de 15 a 17 anos em 1995.

A taxa de matrícula no 2° grau tem melhorado de maneira ininterrupta de 1940 até os dias atuais. Em 1940 os matriculados no ensino secundário correspondiam a 6,2% da população entre 15 e 17 anos. Em 1960 essa taxa era de 18,1%, e em 1991 em torno de 40%. Mesmo considerando-se que os dados disponíveis não incluem os cursos técnicos nem pedagógicos, não há dúvida de que o ensino de 2° grau está longe de abarcar toda a sua clientela potencial. Reconhecer o que há para ser feito, contudo, não impede de revelar o que já foi realizado. A melhoria nessa área, nos últimos cinqüenta anos, foi bastante grande.

A crise de qualidade do ensino público básico pode, de fato, ser verdadeira, mas trata-se de uma crise tocquevilliana. A massificação da educação básica resultou na diminuição de sua qualidade, em particular no ensino básico público. Houve uma mediocrização, no sentido exato do termo, da educação. A trajetória acima descrita (freqüentar escolas públicas, fazer curso superior e ocupar postos de destaque na sociedade brasileira) se tornou bastante rara. A questão é que se isso ocorria no passado, acontecia ao mesmo tempo que milhares de crianças não sentavam nos bancos escolares, não eram alfabetizadas nem aprendiam a somar e diminuir. Os exemplos de ascensão social via ensino público são, em geral, de pessoas que viviam em grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, e em particular neste último por ter sido capital federal. Isto não é por acaso. Enquanto nesses lugares havia boas escolas públicas, na maior parte do país, ainda pouco urbanizado, poucas pessoas tinham acesso às escolas, que praticamente não existiam.

Assim, a crise pela qual estamos passando é boa: trata-se, repito, da crise da massificação da educação. É este processo que explica o problema nacional que se tornou o baixo nível salarial dos professores de 1° e 2° graus. Antes isto não era um problema, porque a razão entre professores e estudantes, ou mesmo contribuintes, era bem menor do que hoje. Uma vez massificada a educação básica e multiplicado o contingente de professores, deve-se tratar da qualidade destes no ensino público. A qualidade das escolas públicas, ou pelo menos de muitas delas, deve ser suficiente para que haja, de fato, igualdade de oportunidades no Brasil. O estudante de escola pública deve ser preparado para competir em igualdade de condições com estudantes treinados em boas escolas da rede privada, por um lugar nas melhores universidades do Brasil. Não devemos alimentar ilusões de que deve ser essa a qualidade de toda a rede pública. Da mesma forma que existe uma hierarquia de escolas privadas quanto à sua qualidade, deve haver o mesmo no setor público. Isto gerará uma saudável competição por vagas entre os estudantes, e por qualidade entre as escolas.

AUMENTO DO ELEITORADO

Uma outra variável que conheceu evolução positiva nas últimas décadas é a da participação política, quando medida como aumento do eleitorado em relação à população. O Gráfico 27 mostra essa trajetória.


Fontes: IBGE, Estatísticas Históricas do Brasil. Homepage do IBGE: < http://www.ibge.gov.br >. Homepage do TSE: < http://www.tse.gov.br > Para 1980: dados relativos ao eleitorado inscrito em 1982. População de 1996 estimada pela PNAD de 1995.

O eleitorado brasileiro correspondia nas décadas de 40 e 50 a pouco mais de 6% e 20% da população, respectivamente. O envelhecimento da população brasileira, somado a fatores como alistamento eleitoral mais eficaz e voto facultativo aos 16 anos25, fez com que esse percentual atingisse, em 1996, a marca de 66,5% da população. O efeito mais importante desse crescimento foi o aumento da pressão popular sobre o sistema político. Se considerarmos que no mesmo período houve também um aumento não desprezível da alfabetização, dos níveis de escolaridade e dos meios de comunicação, temos um eleitorado proporcionalmente maior, mais educado e mais bem informado.

O aumento da quantidade e da qualidade da participação política é um dos fatores que contribuem para a sensação de que o país caminha para os lados ou para trás. Comparada com períodos de menor e pior participação, a massificação da política torna qualquer problema, por menor ou menos importante que seja, muito mais visível e mais próximo de um número maior de cidadãos. A ampliação do eleitorado como proporção da população envolve mais pessoas nos problemas que antes mobilizavam ou interessavam a uma parcela menor da população.

CONCLUSÃO

O artigo buscou reconhecer e enfatizar o avanço de diversos indicadores referentes ao Brasil. A ênfase nas melhorias foi ao mesmo tempo uma provocação ao complexo de "vira-latas" e uma tentativa de reconhecer o que muitas vezes é negado. Existem textos que registram timidamente a melhora mas enfatizam ruidosamente o que há por fazer. Admito que muito há por fazer, todavia, o contínuo e insistente reconhecimento e a ênfase nos aspectos negativos podem ser paralisantes. Afinal, se há anos os brasileiros, por meio de diversas ações, organizações e instituições, lutam por melhorias e elas nunca ocorrem ou não são reconhecidas, cabe perguntar então por que continuar querendo mudar para melhor. Por outro lado, o reconhecimento das melhorias já alcançadas, desde que acompanhado do que há por realizar, ajuda a continuar melhorando.

Diante de todas as melhorias apontadas neste artigo, muitos poderiam objetar que faltou abordar algo crucial para a sociedade brasileira: a desigualdade. De fato, uma análise comparativa com os países para os quais existem dados sobre renda mostra que o Brasil é o país que apresenta um dos maiores índices de desigualdade no mundo, e que a distribuição de renda piorou entre 1960 e 1990 (a mais acentuada piora ocorreu entre 1960 e 1970). De acordo com esse tipo de objeção, o presente artigo pecaria por ignorar esse elemento, talvez o mais importante, da situação socioeconômica na qual o Brasil se encontra. Pode-se argumentar, todavia, que a desigualdade de renda no Brasil, além de ser elevada, tem aceitação social desde que existam compensações tais como redução da pobreza, melhoria da qualidade de vida e elevada mobilidade social. Foi justamente o que ocorreu no mesmo período em que a desigualdade aumentou. Esse argumento não é o mais adequado para o presente artigo. Cumpre aqui concluir, tentando compreender por que, diante de melhorias tão abrangentes e profundas, inúmeras análises sobre o Brasil insistem em não reconhecer a melhora e em enfatizar as possíveis crises e colapsos que hão de vir. Talvez assim seja possível compreender por que e como a desigualdade de renda entra no debate acadêmico.

Em primeiro lugar, desejo sublinhar que as análises citadas no início deste artigo, como ilustração de estudos catastrofistas, em certa medida não são incompatíveis com o fato de o Brasil ter melhorado consistentemente. Afirmar que o Brasil avançou não é inconciliável com afirmar que a pobreza é elevada, que a saúde tem de avançar mais, enfim, que ainda há muito o que fazer. Dizer que o Brasil melhorou é uma assertiva que está baseada no que ocorreu no passado, e as demais têm a ver com o futuro. De fato, exemplificando a compatibilidade, pode-se dizer que a pobreza vem diminuindo consistentemente, e tem de diminuir mais no futuro uma vez que ela ainda é muito elevada. Não existe contradição entre os dois enunciados. O problema fundamental das análises que prevêem crises e colapsos futuros está na incapacidade de realizar uma descrição adequada da realidade brasileira26.

Considero que o conhecimento científico busca a inferência, tanto descritiva quanto explicativa27, isto é, o que diferencia a pesquisa científica de outros tipos de pesquisa é a busca da aplicação das regras da inferência científica. Isso independe das diferenças existentes entre conhecimento descritivo e explicativo. Assim, o tratamento depreciativo que descrições realizadas por cientistas sociais recebem, sob o rótulo de "meras descrições", não faz jus a elas, e acaba por distorcer a importância das boas descrições. Sabemos que pouca utilidade tem uma boa descrição se ela não levar à explicação de fenômenos sociais relevantes. Por outro lado, também é verdade que as explicações, para que sejam válidas, dependem em grande parte de descrições precisas e acuradas da realidade. Nesse sentido, não existe superioridade da explicação em relação à descrição ou vice-versa. O que importa e o que deve ser buscado pelos cientistas sociais são inferências válidas e de boa qualidade, sejam elas descritivas ou explicativas. Isto nos leva a concluir que uma boa descrição é melhor e mais desejável do que uma explicação errada.

Essa breve digressão é necessária porque, em geral, as previsões estão baseadas em explicações. Faço a ressalva que, às vezes, é possível explicar sem que sejamos capazes de prever, e prever sem conseguirmos explicar28. Todavia, o que ocorre na maioria dos casos é que uma boa teoria nos habilita a fazer ambas as coisas. Assim, previsões corretas estão geralmente fundamentadas em explicações válidas e, estas, por sua vez, têm como base boas descrições. Isto pode responder, pelo menos em parte, por que as previsões catastrofistas feitas acerca do futuro (próximo ou distante) do Brasil estavam erradas. Talvez os equívocos dessas análises estejam relacionados com a falta de precisão e acuidade das descrições da evolução social, política e econômica do país. Descrições erradas, ou a simples ausência de descrições que chamassem a atenção para as melhorias vividas pelo país, podem ter levado diversos pesquisadores a concluir que o Brasil se encontrava à beira de um colapso em uma ou mais das três áreas acima mencionadas. Os termos que denominam esses colapsos são variados, mas todos têm em comum a suposição de crise(s) de grande gravidade. Na realidade, o que as previsões e explicações erradas negligenciaram foi a mudança para melhor, algo identificado por Hirschman já na década de 7029.

Segundo Hirschman, são quatro os fatores que levam à não-percepção da mudança para melhor: 1) a persistência da "pequena tradição"; 2) o viés da percepção da mudança cumulativa; 3) o estilo da mudança em países dependentes e nos avançados; e 4) a durabilidade e ausência de adequação de ideologias importadas. O primeiro fator diz respeito à persistência, no presente, de costumes nascidos em períodos anteriores, antes mesmo de o processo de modernização econômica ter sido iniciado. Esses costumes não necessariamente são abolidos ou deixam de existir quando há forte desenvolvimento social e econômico. Por causa disso, muitos julgamentos são contaminados por eles, operando da seguinte forma: se eles ainda se comportam desta forma, então são subdesenvolvidos e nada melhoraram em tempos recentes. No caso do Brasil, um exemplo seria a paralisação de dias de trabalho nos jogos da seleção brasileira em Copas do Mundo. A manutenção desse costume tende a levar a julgamentos equivocados, de que não se trata de uma país sério, para lembrar De Gaulle, ou de um país que não tenha melhorado nas áreas social, política e econômica. Sabemos que não há relação entre uma coisa e outra.

O segundo fator, relativo à mudança cumulativa, consiste no viés associado à percepção das mudanças em países avançados, que são geralmente vistas como algo profundo, abrangente, "revolucionário", ao passo que mudanças equivalentes em países subdesenvolvidos são consideradas triviais. Muitas vezes é o oposto que ocorre. O próprio Hirschman chama a atenção para o fato de que o impacto do rádio transistor foi muito maior em sociedades subdesenvolvidas por causa dos custos do transporte, da circulação de informação e dos altos índices de analfabetismo, do que nos países avançados. Todavia, muitas vezes a percepção da profundidade de uma mudança desse tipo carrega o viés acima descrito. Quando os países menos desenvolvidos não operam mudanças de acordo com os padrões dos países avançados, tende-se a negligenciar a mudança: "nada de fato aconteceu por aqui".

O terceiro fator, que ofusca a percepção das melhorias, diz respeito às diferenças de estilo da mudança em países dependentes e nos avançados. Os países menos desenvolvidos são, de modo geral, dependentes, no sentido de terem menor grau de liberdade em suas decisões do que os países avançados. Assim, os países líderes são capazes de "pôr as cartas na mesa", escolher para aonde ir, e divulgar maciçamente suas decisões, mudanças e conquistas. Já para um país dependente, que aceita este status, resta apenas a opção de introduzir as mudanças em pequenas doses, de tal sorte que elas não sejam percebidas ou não tenham grande repercussão. É o estilo brasileiro de "revolução silenciosa", ou de transição "lenta e gradual". A mudança para melhor é ofuscada pelo prestígio dos países avançados e pela familiaridade que as elites dos países menos desenvolvidos têm com a história de mudança daqueles.

Por fim, o quarto e último fator é a durabilidade e inadequação das ideologias importadas, que modificam a imagem que os analistas fazem de sua própria sociedade, fornecem lentes que resultam na distorção da análise, tornando-a ou uma apologia ou uma crítica radical do status quo. São exemplos de tais ideologias, o livre comércio, a explicação da evolução política pela dicotomia entre sociedade oligárquica e de massas, e o populismo na política brasileira em oposição à pureza da luta de classes na Europa. A falta de adequação de muitas ideologias importadas é, por um lado, o que assegura a sua durabilidade, e, por outro, o que contribui para tornar mais difícil a percepção da mudança. Para ficar em um exemplo, de acordo com a ideologia do livre comércio, o Brasil ainda é um país autárquico, que evolui com muita lentidão, se é que o faz, em direção à plena abertura comercial.

Os fatores apontados por Hirschman como responsáveis por impedir a percepção da mudança podem explicar, ao menos parcialmente, a insistência no tema da desigualdade. Afirmei acima que a desigualdade de renda no Brasil é um tema de enorme relevância, mas que ofusca a percepção da mudança para melhor no que se refere a outros indicadores. Mais grave do que isto, o aumento da desigualdade, e seu elevado patamar, pode até mesmo ser considerado suficiente para anular as outras conquistas. Afinal, de que adianta diminuir a pobreza, aumentar a oferta de bens públicos básicos, desenvolver-se economicamente, se ao mesmo tempo a desigualdade de renda se amplia? O aumento da desigualdade reforça e está baseado na percepção de que nada que importa mudou para melhor. A ênfase que recai sobre a desigualdade, insisto, revela a relutância em admitir que mudamos para melhor, a não ser que as mudanças sejam por demais evidentes. Além disso, onde há dificuldades de se perceber a mudança existe a possibilidade de não se aproveitar as oportunidades abertas por ela e de acelerá-la, caso conveniente, na direção correta. Os obstáculos à percepção da mudança tornam-se, eles próprios, um obstáculo à mudança.

Este artigo buscou enfatizar as mudanças para melhor, e também chamar a atenção para o fato de que o esforço nacional não foi pequeno para que tantas e tamanhas melhorias fossem alcançadas. O sucesso não pertence a Getulio Vargas, nem aos militares ou partidos políticos específicos. Pertence e é usufruído pelos brasileiros. Pode-se argumentar que melhorias semelhantes foram conseguidas nos países do leste da Ásia em um período mais curto do que o nosso. A comparação não é justa. Não se deve ignorar as dimensões territoriais e populacionais em jogo. O Brasil é um país continental que experimentou entre 1900 e 1995 um aumento populacional da ordem de 873%. Em 1900, a população do país era de 17.438.43430; em 1995 ela atingiu a marca de 152.374.603 (excluindo a população rural da região Norte). Não se trata de uma tarefa fácil e trivial prover melhorias em todas as áreas apontadas por causa da extensão territorial do país e desse estupendo crescimento populacional.

Em outras áreas o país também melhorou. Um exemplo é o da qualidade de vida dos habitantes dos municípios que formam a Amazônia Legal, que corresponde a 57% do território nacional. Em 1980, a qualidade de vida dessa enorme região era superior à de 1970 (Haller et alii, 1996). O estado nutricional da população brasileira e seu índice de massa corporal conheceram melhorias nas décadas de 70 e 80 (IBGE, 1995; Monteiro, 1995). Além disso, estamos passando por um processo de desconcentração da riqueza regional, em uma lenta convergência do PIB per capita das grandes regiões do país (Affonso e Silva, 1995: cap. 1). Por fim, vale mencionar que a tendência demográfica também apresenta melhora: houve uma queda significativa da taxa de crescimento populacional ¾ que já foi de 2,33 em 1980 ¾ para 1,64 em 1990, com estimativas de 1,15 em 2000 (IBGE, 1995).

No final do século XX podemos afirmar que o Brasil, este empreendimento tocado pelos brasileiros, é um grande sucesso.

(Recebido para publicação em junho de 1998)

NOTAS:

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ABSTRACT

Brazil at the Close of the Twentieth Century: A Case of Success

The article examines analyses of Brazilian society and politics which underscore negative aspects of the question and generally result in incorrect evaluations and predictions about Brazil. Temporal series on a number of socioeconomic as well as political data are used to show that such negative analyses of Brazil have proven wrong. The conclusion offers a brief analysis of how certain segments of Brazilian social science have failed to detect the major improvements Brazil has witnessed this century.

Keywords: Brazil; society; twentieth century

RÉSUMÉ

Le Brésil à la Fin du XXe Siècle: Un Constat de Succès

L’article cherche à confronter des analyses sur la société et la politique brésiliennes qui en soulignent souvent les aspects négatifs et se prolongent par des bilans et des pronostics erronés. À l’aide de séries temporelles obtenues à partir des données socioéconomiques et politiques, on montre que les analyses négatives sur le Brésil sont fausses. Pour conclure, on dégage la difficulté qu’éprouvent certains secteurs des sciences sociales au Brésil d’identifier les profonds progrès survenus dans le pays au cours du XXe siècle.

Mots-clé: Brésil; société; XXe siècle

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  • WEFFORT, Francisco. (1980), O Populismo na Política Brasileira Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • 1
    . Outros elementos de nossa identidade nacional, segundo Lívia Barbosa (1998), são o jeitinho brasileiro, o mito das três raças (mistura entre o europeu português branco, o negro africano e o índio americano), a importância da natureza e as relações que estabelecemos entre nação e sociedade. Segundo a autora, a nação é concebida como tendo uma identidade negativa de um país que não vai para a frente. Esta visão é compensada por uma identidade positiva atribuída à sociedade, suas relações sociais e raciais, e sua cultura. Um dos fatores que explicam o sucesso de músicas como
    Haiti, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que afirma que o Haiti é aqui, e
    Que País É Este?, do extinto grupo Legião Urbana, que questiona o país, mas não a sociedade, é provavelmente essa concepção negativa que atribuímos ao país e à nação. Canções de sucesso que critiquem as nossas relações sociais são inexistentes na música popular brasileira.
    2
    . Sobre esse tema, ver Ianni (1975) e Weffort (1980).
  • 3
    . Busquei mostrar em minha tese de doutorado alguns equívocos das análises sobre o Brasil que se utilizam do conceito de populismo (ver Almeida, 1998).
    4
    . O título ¾
    A Transição Incompleta ¾ de uma coletânea de artigos, organizada por Edmar Bacha e Herbert Klein (1986) e publicada em dois volumes, afirma de outra maneira que o Brasil é um país do futuro. A transição só será completa no futuro, mas quando isto ocorrer pode ser necessária uma nova transição, uma transição de outro tipo.
  • 5
    . Um livro com título semelhante é dedicado a apontar desgraças, crises e catástrofes nas mais diferentes áreas no Brasil, trata-se de Rattner (1979).
    6
    . Para sustentar seu diagnóstico os autores citam inúmeras matérias de jornais. Vale mencionar os títulos de algumas delas: "1991, o Pior dos Últimos Dez Anos no Brasil"; "Pobres Dão Nota Baixa à Democracia Brasileira"; "Brasileiro Só Crê no Anjo da Guarda"; e "Pesquisa Mostra Onda de Pessimismo no País".
  • 7
    . A posição oposta, que sublinha não as crises mas os avanços, é minoritária. Um dos exemplos é o artigo de Antonio Barros de Castro (1990). Ali, o autor, além de chamar a atenção para o fato de que apontar e prever melhorias é uma posição minoritária, faz uma previsão que, na época, foi relegada a segundo plano, a respeito da formação de um mercado de massas no Brasil, e enfatiza as melhorias de qualidade de vida até então obtidas pela população brasileira.
    8
    . Tais melhorias não ocorreram nos últimos dois ou três anos. Ou seja, não se pode atribuí-las ao atual governo. A série histórica mais curta aqui apresentada é de quatorze anos.
  • 9
    . As previsões sobre o futuro próximo, baseadas na análise de movimentos mais velozes e conjunturais, muitas vezes são mais imprecisas do que previsões sobre o futuro distante baseadas em movimentos mais lentos e longos.
    10
    . Trata-se de uma versão amenizada da falácia pragmática na qual incorre aquele que seleciona fatos e evidências empíricas úteis à causa social. Nesse caso, nutre-se a esperança de que o trabalho do analista é ou será útil para alguém, em algum lugar, algum dia. Útil pelo menos do ponto de vista da intervenção em problemas sociais (ver Fischer, 1970).
  • 11
    . Ver o texto do ex-presidente do IBGE, Schwartzman (1997). Há um livro inteiramente dedicado a criticar a utilização da estatística na pesquisa social: Besson (1995). Quando as estatísticas brasileiras, oficiais ou não, apresentam piora, elas são, em geral, mais facilmente aceitas. Séries históricas de dados que apresentam melhoras são duramente contestadas. Basta acompanhar a cobertura da imprensa acerca dos dados liberados periodicamente pelo IBGE.
    12
    . Para uma conceituação e medição da qualidade de vida, ver Almeida (1997).
  • 13
    . Os trabalhos clássicos sobre o assunto, isto é, acerca da melhoria da qualidade de vida e da renda
    per capita resultante da diminuição da mão-de-obra empregada na agricultura são os de Clark (1938; 1940).
    14
    . Na seção deste artigo que trata do consumo será visto o aumento do percentual de residências com aparelhos de televisão. Isso depende, evidentemente, não apenas da disponibilidade de energia elétrica, mas também da capacidade de consumo.
  • 15
    . Inúmeros e variados indicadores mostrando melhorias na saúde da população brasileira podem ser encontrados em Monteiro (1995).
    16
    . As duas cidades brasileiras com maior incidência
    per capita de AIDS, Itajaí (SC) e Santos (SP), são centros altamente urbanizados onde a ocorrência das outras doenças infecciosas é bastante reduzida. Trata-se de cidades portuárias.
  • 17
    . Até 1969, Cr$1.000.000,00; de 1970 a 1980, Cz$1.000,00; de 1980 a 1990, CR$1.000,00; a partir de 1990, R$1.000,00.
    18
    . Para os dados de rádio e televisão foi feita uma interpolação entre os anos de 1981 e 1987, posto que levantamentos sobre esses bens não constavam da PNAD.
  • 19
    . Esses elementos podem indicar a melhoria da produtividade da indústria e dos serviços, o que, por sua vez, é característica básica do desenvolvimento dos países do Primeiro Mundo. Isso reforça a proposição de que o Brasil se desenvolveu e a qualidade de vida da população melhorou.
    20
    . A coleta desses indicadores pelo IBGE é ainda incipiente. Eles podem ser encontrados em publicações das associações de cada setor industrial, e em publicações de consultorias como a ACNilsen ou a Datamark.
  • 21
    . Agradeço a Eliane Thompson-Flores a sugestão desse indicador. Na mesma fonte podem ser encontrados dados que mostram o aumento do salário real na indústria entre 1970 e 1990 (ver Thompson-Flores, 1992).
    22
    . Agradeço a Marcelo Neri pela sugestão bibliográfica e dados (ver Neri, 1997).
  • 23
    . Os dados para o ensino secundário não incluem os cursos técnico ou pedagógico.
    24
    . O ano de 1970 não foi colocado nessa série por contabilizar o ensino médio em geral, não sendo comparável aos demais anos.
  • 25
    . Esses dois fatores, apesar de politicamente importantes, acrescentam pouco ao tamanho do eleitorado se comparados com a mudança do perfil etário da população brasileira.
    26
    . Exemplos de análises desse tipo foram fornecidos no início deste artigo.
  • 27
    . Ver, sobre esse tema, King, Keohane e Verba (1994).
    28
    . Para exemplos de ambos os casos, ver Elster (1994:23-24).
  • 29
    . Sobre esse assunto, ver Hirschman (1971). Agradeço a recomendação desse texto a Zairo Cheibub. A reflexão de Hirschman acerca desse fenômeno é iniciada por um episódio prosaico, mas que muito se assemelha às percepções de inúmeros cientistas sociais acerca da mudança no Brasil. Em visita a uma capital de um país latino-americano, e desejando reencontrar um amigo que não via há algum tempo, Hirschman perguntou a várias pessoas se seria possível encontrá-lo por meio da lista telefônica. Todos responderam que a lista não mudava, que ela não era atualizada, e que estava repleta de nomes de pessoas que já haviam deixado o país ou falecido. Houve unanimidade em recomendar que a lista telefônica não fosse utilizada. Contrariando as sugestões, Hirschman lançou mão da lista e encontrou quem procurava. Ele teve de enfrentar um fenômeno que atinge parte da elite intelectual de vários países latino-americanos: a dificuldade de perceber a mudança quando ela é para melhor, e o viés favorável à mudança quando ocorre para pior.
    30
    . A título de comparação, em 1996 a população do Estado do Rio de Janeiro era de 13.316.455.
  • *
    Este artigo foi produzido com o apoio financeiro, e é parte, do Pronex/Cpdoc-UFF, "Brasil em Transição, um Balanço do Final do Século XX". Agradeço especialmente à professora Alzira Alves de Abreu, que como coordenadora do Pronex tem concedido todo o apoio institucional necessário. Agradeço a Acir dos Santos Almeida que realizou o exaustivo, paciente e cuidadoso levantamento de dados que permitiu a redação deste texto. Agradeço também as sugestões de José Augusto Drummond, Fabiano Mendes Santos, Zairo Borges Cheibub e aos pareceristas anônimos de
    Dados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 1999
    • Data do Fascículo
      1998

    Histórico

    • Recebido
      Jun 1998
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