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Sentidos do Partidarismo: Construindo uma Tipologia Multidimensional de Eleitores

Senses of Partisanship: Building a Multidimensional Typology of Voters

Sens du Partisanisme : Construction d’une Typologie Multidimensionnelle des Électeurs

Sentidos del Partidismo: Construyendo una Tipología Multidimensional de Electores

Resumo

Este artigo busca fornecer elementos para a compreensão da estrutura do partidarismo no Brasil, investigando os componentes socioeconômicos, atitudinais, ideológicos e comportamentais dos diferentes tipos de eleitores no país. Utilizando o método Grade of Membership , construiu-se uma tipologia multidimensional de eleitores em que foram delineados três perfis extremos: o dos “Radicais céticos politicamente sofisticados”, o dos “Apáticos socialmente desfavorecidos” e o dos “Moderados politicamente engajados”. A análise apontou indícios de que uma parte relevante dos eleitores brasileiros mostra disposição a se engajar na política e se identificar com partidos, enquanto a apatia e a insatisfação política são, paralelamente, fenômenos palpáveis. Contudo, tanto a manutenção de atitudes partidárias positivas quanto negativas parecem estar associadas a maiores níveis de sofisticação cognitiva.

partidarismo; comportamento político; identificação partidária; antipartidarismo; grade of membership

Abstract

This article aims to provide elements for understanding the structure of partisanship in Brazil, investigating the socioeconomic, attitudinal, ideological, and behavioral components of the different kinds of voters in the country. It uses the grade of membership method to create a multidimensional typology of voters, outlining three extreme profiles: the politically sophisticated skeptical radicals, the socially disadvantaged apathetic, and the politically engaged moderates. The analysis suggested that a significant part of Brazilian voters shows some willingness to get involved in politics and identify with a party, despite existing and perceptible apathy and political dissatisfaction. However, it seems that both positive and negative attitudes towards political parties are associated with higher levels of cognitive sophistication.

partisanship; political behavior; party identification; antipartisanship; grade of membership

Résumé

Cet article vise à fournir des éléments pour comprendre la structure du partisanisme au Brésil en examinant les composantes socio-économiques, attitudinales, idéologiques et comportementales des différents types d’électeurs dans le pays. En utilisant la méthode Grade of Membership , une typologie multidimensionnelle des électeurs a été élaborée, identifiant trois profils extrêmes : celui des «Radicaux sceptiques politiquement sophistiqués», celui des «Apathiques socialement défavorisés» et celui des «Modérés politiquement engagés». L’analyse a révélé des indications selon lesquelles une partie importante des électeurs brésiliens montre une disposition à s’engager en politique et à s’identifier à des partis, tandis que l’apathie et l’insatisfaction politique sont également des phénomènes tangibles. Cependant, maintenir des attitudes positives ou négatives envers les partis semble être associé à des niveaux plus élevés de sophistication cognitive.

partisanisme; comportement politique; identification partisane; antipartidarisme; Grade of Membership

Resumen

Este artículo busca proporcionar elementos para la comprensión de la estructura del partidismo en Brasil, investigando los componentes socioeconómicos, actitudinales, ideológicos y comportamentales de los diferentes tipos de electores en el país. Utilizando el método Grade of Membership , se construye una tipología multidimensional de electores en la cual que se identificaron tres perfiles extremos: el de los “Radicales escépticos políticamente sofisticados”, el de los “Apáticos socialmente desfavorecidos” y el de los “Moderados políticamente comprometidos”. El análisis evidenció que una parte relevante de los electores brasileños tiene disposición a participar en política e identificarse con partidos políticos, mientras que la apatía e insatisfacción política son, paralelamente, fenómenos palpables. Sin embargo, el mantenimiento de actitudes partidarias positivas tanto como negativas parecen estar asociadas a mayores niveles de sofisticación cognitiva.

partidismo; comportamiento político; identificación partidaria; antipartidismo; grade of membership

Introdução

A centralidade dos partidos políticos para o funcionamento das democracias contemporâneas decorre de sua importância para a organização atual da vida política. Entre outras coisas, eles são responsáveis por articular e agregar interesses na sociedade, informar a população, promover o recrutamento e o treinamento de elites políticas, contribuir para a criação de maiorias no governo e para organizar a dissidência e a oposição ( Dalton, Wattenberg, 2000Dalton, Russell J.; Wattenberg, Martin P. (2000), “Unthinkable democracy: Political change in advanced industrial democracies”, in R. J. Dalton; M. P. Wattenberg (eds.), Parties without Partisans: Political change in advanced industrial democracies. Oxford: Oxford University Press, pp. 3-16.: 8-9). Assim, mudanças nas organizações partidárias e nas suas relações com o eleitorado podem trazer implicações sérias para as próprias democracias. E é justamente por isso que o partidarismo, isto é, a conexão entre os cidadãos e os partidos políticos, se constitui enquanto objeto de estudo relevante.

Contudo, embora as diferentes maneiras como as pessoas se sentem em relação aos partidos seja algo digno de atenção, a produção teórica e empírica nesse sentido tem se restringido a apenas uma das formas possíveis de relacionamento. Com efeito, o partidarismo não se limita apenas às vinculações positivas dos eleitores com os partidos, e uma literatura mais recente tem se preocupado, cada vez mais, em abordar essa questão de modo mais complexo. Em outras palavras, há diferentes formas e graus de partidarismo. O que, na prática, significa que sentimentos de hostilidade ou rejeição direcionados a organizações partidárias também podem ser relevantes do ponto de vista da análise do comportamento político.

A maior parte do conhecimento produzido sobre partidarismo é proveniente dos contextos estadunidense e europeu. Por esse motivo, como lembram Borba et al. (2018Borba, Julian et al. (2018), “Determinantes individuais e de contexto da simpatia partidária na América Latina”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 33, n. 97, pp. 1-25.: 3), ainda sabemos pouco sobre a estruturação das relações entre partidos e eleitores nas democracias mais recentes, como aquelas da América Latina. Os estudos já realizados mostram que o percentual de indivíduos que manifestam vínculos partidários varia tremendamente entre os países da região, bem como em cada um destes ao longo do tempo, mas também que o perfil de tais indivíduos tende a ser semelhante ao encontrado em democracias consolidadas ( Lupu, 2015Lupu, Noam. (2015), “Partisanship in Latin America”, in R. E. Carlin; M. M. Singer; E. J. Zechmeister (eds.), The Latin American voter: Pursuing representation and accountability in challenging contexts. Ann Arbor: Michigan University Press, pp. 226-245.: 234-5).

No Brasil, historicamente os partidos são considerados como irrelevantes para a maioria dos brasileiros. Conforme apontaram Speck e Balbachesvky (2016Speck, Bruno W.; Balbachevsky, Elizabeth. (2016), “Identificação partidária e voto: as diferenças entre petistas e peessedebistas”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 569-602.: 573), há no país uma longa tradição de questionamento da utilidade do conceito de identificação partidária. Aqui, prevaleceriam estímulos clientelistas e personalistas, no lugar de estímulos ideológicos e partidários, na decisão do voto. Afirmações desse tipo seriam ancoradas sobretudo na observação dos níveis gerais de partidarismo, comumente considerados baixos. No entanto, desde a redemocratização do país, as taxas agregadas de identificação partidária oscilam, sem grandes variações, entre 40% e 50% do eleitorado ( Braga, Pimentel Jr., 2011Braga, Maria do Socorro S.; Pimentel Jr., Jairo. (2011), “Os partidos políticos brasileiros realmente não importam?”. Opinião Pública, v. 17, n. 2, pp. 271-303. ; Borges, Vidigal, 2018Borges, André; Vidigal, Robert. (2018), “Do lulismo ao antipetismo? Polarização, partidarismo e voto nas eleições presidenciais brasileiras”. Opinião Pública, v. 24, n. 1, pp. 53-89. ). Mesmo tendo caído para cerca de 30% a partir de 2014, trata-se de um patamar significativo, principalmente quando se considera a elevada fragmentação e a baixa institucionalização do sistema partidário brasileiro. A questão é que a maior parte desse partidarismo tende a se concentrar em uma única legenda: o Partido dos Trabalhadores (PT), que costuma reunir cerca da metade de todas as manifestações de simpatia partidária. Isso levou alguns autores a sustentarem que o partidarismo no Brasil importa unicamente para o PT, seja por meio de identificação ou rejeição ( Carreirão, Rennó, 2019Carreirão, Yan de Souza; Rennó, Lucio. (2019), “Presidential Voting: Partisanship, Economy, Ideology”, in B. Ames (ed.), Routledge Handbook of Brazilian Politics. New York: Routledge, pp. 216-235.: 227).

Diante das questões ora levantadas, esta pesquisa representa um esforço no sentido de compreender a estrutura do partidarismo no Brasil a partir de um olhar mais complexo e multifacetado. Recorrendo a um método ainda pouco utilizado na Ciência Política, mas usualmente empregado nos estudos de demografia, esboçamos uma tipologia multidimensional dos eleitores brasileiros no pleito de 2018, levando em conta não apenas orientações positivas e negativas em relação a partidos individuais, mas também atitudes a respeito de diversos elementos da democracia representativa, bem como aspectos socioeconômicos dos cidadãos. Por meio da comparação dessa tipologia atitudinal geral com as tipologias mais específicas sobre partidarismo existentes na literatura, buscamos entender quais características estão associadas aos diferentes sentimentos que os eleitores manifestam em relação aos partidos.

O que se segue, portanto, está dividido da seguinte maneira: na próxima seção, buscamos discutir o partidarismo a partir de uma perspectiva multidimensional e apresentar algumas dessas tipologias. Após isso, explicamos o método aqui utilizado para a construção da nossa, o Grade of Membership (GoM), enquanto nas seções subsequentes são relatados os resultados obtidos a partir de sua aplicação, em diálogo com a literatura nacional e internacional pertinente. Por fim, tecemos algumas considerações finais.

O partidarismo em perspectiva multidimensional e as tipologias de eleitores

Em sua formulação original, o conceito de identificação partidária dizia respeito a uma identificação psicológica e afetiva de um indivíduo com um partido político, que tendia a ser transmitida de uma geração a outra e a apresentar elevada estabilidade ao longo do tempo ( Campbell et al., 1967Campbell, Angus et al. (1967), The American voter: An abridgement. New York: John Wiley & Sons. ). Autores ligados à perspectiva da escolha racional, porém, questionaram esse significado, defendendo a ideia de que a identificação partidária não se tratava de uma identidade adquirida por meio da socialização na infância e na adolescência, mas correspondia ao produto da avaliação que os indivíduos faziam do desempenho de governos e candidatos ( Holmberg, 2009Holmberg, Sören. (2009), “Partisanship reconsidered”, in R. J. Dalton; H-D. Klingemann (eds.), The Oxford Handbook of Political Behavior. New York: Oxford University Press, pp. 557-570.: 562-3). Ao longo de décadas desse debate teórico, diferentes achados empíricos foram mobilizados para apoiar uma ou outra abordagem 1 1 . Não revisaremos esse debate aqui, pois seus meandros já foram habilmente explorados por outros autores (cf. Franklin, Jackson, 1983; Holmberg, 2009 ; Gimenes et al., 2016 ; Borba et al., 2018 ). . Atualmente, no entanto, há indícios suficientes para sustentar que esses dois modelos dominantes não são tão incompatíveis quanto antes se imaginava. Como mostraram Baker et al. (2016)Baker, Andy et al. (2016), “The dynamics of partisan identification when party brands change: The case of the Workers Party in Brazil”. The Journal of Politics, v. 78, n. 1, pp. 197-213. , os dois tipos de partidários que tais modelos concebem podem coexistir no eleitorado, tornando a velha dicotomia entre “partidarismo como identidade” e “partidarismo como avaliação” falsa.

Além das críticas feitas por expoentes das abordagens econômicas ou racionais, uma parte da literatura questionou as formas tradicionais de mensuração e operacionalização empírica da identificação partidária. Como argumentou Weisberg (1980)Weisberg, Herbert F. (1980), “A multidimensional conceptualization of party identification”. Political Behavior, v. 2, n. 1, pp. 33-60. , embora esta tenha sido tratada em termos bastante amplos pelos autores de The American Voter , as questões convencionais presentes nos surveys para medi-la tendiam a não captar toda sua complexidade 2 2 . A pergunta padrão para a detecção da identificação partidária, presente no livro de Campbell e seus colegas (1967:68) e utilizada quase sem modificações pelo American National Election Studies (ANES) até hoje, indaga: “Falando de forma geral, você se considera Republicano, Democrata, Independente ou o quê?”. Para os que se classificam como partidários, uma nova pergunta é feita para medir a intensidade de sua identificação. Aqueles que se classificam como independentes são instados a expressar se possuem ao menos uma inclinação a um dos dois partidos. Com base nesses questionamentos, os eleitores americanos podem ser classificados em Republicanos Fortes, Republicanos Fracos, Independentes Republicanos, Independentes, Independentes Democratas, Democratas Fracos e Democratas Fortes. Embora pesquisas realizadas em diferentes países utilizem questões com enunciados diferentes, muitas delas são apenas variações daquela original, falhando igualmente em captar aspectos importantes do conceito de identificação partidária (cf. Almeida, 2020: 22-26). , uma vez que não permitiam a identificação com mais de um partido e continham um entendimento problemático do que significava ser independente. Conforme ele constatou, os eleitores interpretavam a independência política como algo mais complexo do que a simples ausência de identificação partidária: enquanto uma parte significativa deles se considerava tanto partidária quanto independente, outro contingente expressivo não se via nem como uma coisa e nem como outra. Para o autor, portanto, isso era um indicativo claro de que a identificação partidária era multidimensional, envolvendo atitudes separadas em relação a objetos distintos, como partidos políticos em geral, partidos específicos e a própria independência política ( Weisberg, 1980Weisberg, Herbert F. (1980), “A multidimensional conceptualization of party identification”. Political Behavior, v. 2, n. 1, pp. 33-60.: 33-51).

Ademais, no período mais recente, uma literatura crescente tem chamado atenção ao fato de que os eleitores podem se relacionar com os partidos não apenas em uma dimensão “positiva”, de simpatia ou afeição, mas também de maneira “negativa”, manifestando rejeição ou antipatia. E da mesma maneira que as disposições partidárias positivas dos cidadãos podem impactar o seu comportamento, os sentimentos de aversão a determinados partidos também são capazes disso, afetando, entre outras coisas, sua decisão de voto ( Medeiros, Noël, 2014Medeiros, Mike; Nöel, Alain. (2014), “The forgotten side of partisanship: negative party identification in four Anglo-American democracies”. Comparative Political Studies, v. 47, n. 7, pp. 1022-1046. ; Caruana, McGregor, Stephenson, 2014Caruana, Nicholas J.; McGregor, R. Michael; Stephenson, Laura B. (2015), “The power of the dark side: Negative partisanship and political behaviour in Canada”. Canadian Journal of Political Science, v. 48, n. 4, pp. 771-789. ; Abramowitz, Webster, 2016Abramowitz, Alan I.; Webster, Steven. (2016), “The rise of negative partisanship and the nationalization of US elections in the 21st century”. Electoral Studies, v. 41, pp. 12-22. ). Na verdade, a possibilidade de falar em identificações negativas com partidos já estava presente desde a formulação original do conceito de identificação partidária (cf. Campbell et al., 1967Campbell, Angus et al. (1967), The American voter: An abridgement. New York: John Wiley & Sons.: 68, 72), mas, como muito se tem apontado, a pesquisa na área levou em conta quase que exclusivamente a vinculação positiva dos eleitores com os partidos ( Medeiros, Noël, 2014Medeiros, Mike; Nöel, Alain. (2014), “The forgotten side of partisanship: negative party identification in four Anglo-American democracies”. Comparative Political Studies, v. 47, n. 7, pp. 1022-1046. ; McGregor, Caruana, Stephenson, 2015McGregor, R. Michael; Caruana, Nicholas; Stephenson, Laura B. (2015), “Negative Partisanship in a Multiparty System: The Case of Canada”. Journal of Elections, Public Opinion and Parties, v. 25, n. 3, pp. 300-316. ; Samuels, Zucco, 2018Samuels, David; Zucco, Cesar. (2018), Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil. Cambridge; New York, Cambridge University Press. ).

Nesse sentido, embora a incapacidade de detectar identificações múltiplas e negativas não seja tão crítica em contextos bipartidários, em que a lógica da simpatia e da rejeição se torna mais simples e relativamente automática 3 3 . Em sistemas bipartidários essa lógica geralmente é considerada mais simples pelo fato de haver apenas duas opções disponíveis aos eleitores, que representam oposições “naturais” uma à outra (McGregor, Caruana e Stephenson, 2016; Abramowitz, Webster, 2016). Mesmo assim, um dos aspectos que tem sido bastante enfatizado no que diz respeito ao partidarismo negativo é que ele não deve ser encarado como um simples espelho do positivo, seu equivalente oposto. Um não pressupõe automática e necessariamente o outro, embora, em muitos casos, eles possam existir conjuntamente e estar correlacionados. De todo modo, os indivíduos podem nutrir sentimentos negativos em relação a determinados partidos sem, no entanto, se vincularem positivamente a quaisquer outros, e vice-versa (Caruana, McGregor e Stephenson, 2014; Samuels, Zucco, 2018; Almeida, 2020: cap. 3). , o mesmo não pode ser dito para sistemas multipartidários. De acordo com Garry (2007Garry, John. (2007), “Making ‘party identification’ more versatile: Operationalising the concept for the multiparty setting”. Electoral Studies, v. 26, n. 2, pp. 346-358.: 348-9), nestes é bem provável que existam partidos que não são muito diferentes entre si e que possam atrair as simpatias dos eleitores de maneira simultânea 4 4 . Um operário em um país marcado por clivagens de classe, por exemplo, pode estar disposto a apoiar mais de um partido com viés trabalhista. . Já a noção de partidarismo negativo deve ser útil em sociedades marcadas por profundas divisões sociais (sobretudo étnicas, raciais ou religiosas), uma vez que é plausível que os cidadãos de um lado da “divisa” sejam hostis a partidos localizados no outro lado 5 5 . Segundo o autor, a Irlanda do Norte é um caso clássico de sociedade fortemente dividida em termos religiosos. Por esse motivo, foi o país escolhido por ele para testar suas novas propostas de mensuração da identificação partidária. . A noção de antipatia partidária também é particularmente útil em nações que estiveram ou estão submetidas a regimes de partido único ou dominante durante muito tempo ( Rose, Mishler, 1998Rose, Richard; Mishler, William. (1998), “Negative and positive party identification in post-communist countries”. Electoral Studies, v. 17, n. 2, pp. 217-234. ). Afinal, em casos assim, há uma única organização a se culpar por perturbações e adversidades atuais e/ou passadas.

Dessa maneira, por mais diversas que sejam essas abordagens, elas parecem convergir quanto à ideia de o partidarismo ser um conceito multidimensional. E quando novas dimensões são acrescentadas à análise, é comum que sejam criadas tipologias de partidários. A bibliografia sobre comportamento eleitoral, inclusive, conta com uma variedade delas, algumas das quais são elencadas por Ribeiro, Carreirão e Borba (2016)Ribeiro, Ednaldo; Carreirão, Yan; Borba, Julian. (2016), “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637. e apresentadas aqui, acrescidas de outras. Almond e Verba (1989Almond, Gabriel; Verba, Sidney. (1989), The civic culture: Political attitudes and democracy in five nations. London: Sage.: 114-5), por exemplo, classificam os eleitores de acordo com seu nível de antagonismo a apoiadores de outros partidos e de envolvimento emocional com o processo eleitoral. Assim, eles falam em “partidários intensos”, para nomear eleitores com níveis altos tanto em uma quanto em outra dimensão, em “partidários apáticos”, para caracterizar aqueles com níveis baixos em ambas, em “partidários abertos”, para denominar cidadãos envolvidos emocionalmente nas eleições, mas com níveis baixos de antagonismo, e em “partidários paroquiais”, que embora apresentem um grau acentuado de rivalidade com simpatizantes de outros partidos, costumam ser indiferentes às disputas eleitorais.

Já Klingemann e Wattenberg ( apud Ribeiro, Carreirão e Borba, 2016Ribeiro, Ednaldo; Carreirão, Yan; Borba, Julian. (2016), “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637.: 608), avaliando simpatias e antipatias pelos partidos, falaram em “eleitores antagonistas”, para se referir àqueles que gostavam de um partido e ativamente rejeitavam o da oposição, em “eleitores equilibrados”, para designar aqueles capazes de identificar qualidades e defeitos nos maiores partidos do sistema, e em “apáticos”, para reunir o grupo dos indiferentes, que não manifestavam quaisquer tipos de sentimentos partidários. Rose e Mishler (1998Rose, Richard; Mishler, William. (1998), “Negative and positive party identification in post-communist countries”. Electoral Studies, v. 17, n. 2, pp. 217-234.: 2234), por sua vez, apresentam quatro tipos de partidarismo: o “partidarismo negativo”, em que o eleitor apresenta apenas uma orientação partidária negativa, indicando o partido que rejeita e/ou no qual jamais votaria; o “partidarismo fechado”, em que o eleitor manifesta simultaneamente uma identificação partidária positiva e outra negativa; o “partidarismo apático”, que se refere a um eleitor sem sentimentos partidários positivos ou negativos; e, por último, o “partidarismo aberto”, que caracteriza um eleitor com uma visão positiva de partido político, mas que não manifesta sentimentos negativos com relação a nenhum outro. A classificação mais recente de Samuels e Zucco (2018)Samuels, David; Zucco, Cesar. (2018), Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil. Cambridge; New York, Cambridge University Press. agrupa os eleitores da mesma maneira, mas empregando rótulos ligeiramente diferentes. Utilizando os mesmos critérios, isto é, a existência ou não de sentimentos partidários positivos ou negativos, eles falam em “partidários negativos”, “partidários extremos” (os “fechados”, no modelo de Rose e Mishler), “não partidários” (“apáticos”) e “partidários positivos” (“abertos”).

Por fim, levando em conta o nível de mobilização cognitiva dos eleitores e se eles possuem ou não uma identificação partidária (positiva), Dalton (2013Dalton, Russell J. (2013), The Apartisan American: Dealignment and changing electoral politics. Thousand Oaks: CQ Press.: 40-1) os classifica em quatro grupos: o dos “independentes apolíticos”, quando não manifestam partidarismo e apresentam níveis baixos de sofisticação política; o dos “partidários rituais”, quando se guiam pela sua vinculação com um partido na ausência de recursos cognitivos; o dos “partidários cognitivos”, quando possuem lealdades partidárias, mas são capazes de entender a política para além dos atalhos que estas fornecem; e o dos “apartidários”, quando apresentam habilidades e recursos necessários para se orientarem para a política e prescindem de identificação com um partido.

Como se pode ver, as tipologias acima apresentam algumas semelhanças, e alguns dos tipos carregam até o mesmo nome. A importância das tipologias de eleitores se deve ao fato de elas representarem esforços de organização e sintetização de uma dada realidade, por meio de critérios e dimensões específicas, contribuindo para sua melhor apreensão. Em outros termos, elas procuram identificar regularidades em contextos complexos e oferecer capacidade heurística (Hirata apud Melo, 2007Melo, Frederico Luiz B. de. (2007), “Casais na Grande São Paulo: investigando a diversidade”. Nova Economia , v. 17, n. 2, pp. 207-240.: 208). A classificação de Dalton (2013)Dalton, Russell J. (2013), The Apartisan American: Dealignment and changing electoral politics. Thousand Oaks: CQ Press. , por exemplo, auxilia na compreensão do fenômeno do desalinhamento partidário. Ao adicionar a dimensão da mobilização cognitiva, ele mostra que o enfraquecimento dos vínculos entre eleitores e partidos, presente em diversas democracias nas últimas décadas, não significa necessariamente um aumento da despolitização, mas sim a ascensão de um tipo de independente mais informado e interessado em política. A aplicação desse modelo para o contexto latino-americano, inclusive, encontrou rendimentos empíricos coerentes, revelando a pertinência de tratar independentes apolíticos e apartidários como categorias separadas, uma vez que estes demonstraram, em relação aos primeiros, propensão muito maior a apoiar a democracia. Ao mesmo tempo, na ausência de sofisticação cognitiva, a existência de laços partidários pode fazer diferença como estímulo ao comparecimento eleitoral ( Gimenes, 2015Gimenes, Éder Rodrigo. (2015), A relação dos eleitores com partidos políticos em novas democracias: partidarismo na América Latina. Tese (Doutorado em Sociologia Política), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.: 162, 193). As tipologias de Rose e Mishler (1998)Rose, Richard; Mishler, William. (1998), “Negative and positive party identification in post-communist countries”. Electoral Studies, v. 17, n. 2, pp. 217-234. e Samuels e Zucco (2018)Samuels, David; Zucco, Cesar. (2018), Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil. Cambridge; New York, Cambridge University Press. , por seu turno, ajudam a entender a distribuição dos sentimentos partidários positivos e negativos na população e, quando observados ao longo do tempo, sua variação.

Na próxima seção, apresentaremos o método que nos permitirá delinear uma tipologia atitudinal e comportamental dos eleitores brasileiros no ano de 2018, que será confrontada com as classificações sobre partidarismo descritas acima, de modo a lançar luz sobre as relações que os cidadãos estabelecem com os partidos no Brasil.

O método Grade of Membership

O Grade of Membership (GoM) é um método de modelagem de dados que permite o agrupamento de indivíduos em perfis extremos (ou de referência), com base na lógica de conjuntos difusos ( fuzzy sets ) 6 6 . Sobre o conceito de grade of membership e lógica de conjuntos difusos ( fuzzy sets ), ver Giles (1988) . . O GoM estima a probabilidade de uma categoria l , de uma variável j , pertencer ao perfil extremo k, λ kjl , simultaneamente ao grau de pertencimento, g ik , de um indivíduo i a um perfil extremo k . São identificados, entre os elementos do conjunto, dois ou mais perfis extremos, também chamados de perfis de referência. Os escores de grau de pertinência g ik , também chamados de escores de GoM, mensuram o grau em que cada indivíduo manifesta propriedades associadas com os perfis formados. Quanto mais um indivíduo se aproxima de um dos perfis de referência, maior será o seu escore em relação a ele, e menor em relação aos demais. Um indivíduo que possui todas as características de um dos perfis extremos terá um grau de pertinência a ele de 100% e, consequentemente, de 0% aos demais. O elemento que possui pertencimento total a um perfil é chamado de “tipo puro” desse perfil. À medida que os indivíduos vão se afastando de um perfil extremo, vão perdendo algumas das características associadas a ele e assimilando as de outro. É possível que alguns indivíduos estejam equidistantes a todos os perfis extremos, não possuindo, portanto, características que os aproximem de nenhum deles. As probabilidades de uma l -ésima resposta a uma j -ésima variável pertencerem ao k -ésimo perfil, dadas por λ kjl , são estimadas para os tipos puros de cada perfil, ou seja, o modelo pressupõe a existência de pelo menos um indivíduo que é um membro bem definido do k -ésimo perfil (Sawyer, Leite e Alexandrino, 2002; Guedes et al., 2016Guedes, Gilvan Ramalho et al. (2016), Grade of Membership: Conceitos básicos e aplicação empírica usando o programa GoM para Windows, Linux, Stata e R. Belo Horizonte: Editora UFMG. ).

Dessa maneira, como o valor g ik representa a proporção ou intensidade de pertinência a cada perfil extremo, ele varia de 0 a 1 para cada indivíduo e cada perfil (a somatória de todos os g ik estimados para um indivíduo é, portanto, igual a 1). Do mesmo modo, as probabilidades de escolha de cada categoria de resposta de cada variável por um dado perfil (o parâmetro λ kjl ) variam entre 0 e 1 (com a somatória de todas essas probabilidades para cada perfil e variável sendo igual a 1). O modelo matemático que descreve a estimação desses parâmetros foi escrito originalmente por Woodbury e Clive (1974)Woodbury, Max; Clive, Jonathan. (1974), “Clinical pure types as a fuzzy partition”. Journal of Cybernetics and Systems, v. 4, n. 3, pp. 111-121. , e depois por Manton, Woodbury e Tolley (1994). Por questões de espaço, as fórmulas não serão apresentadas aqui, mas podem ser vistas em Almeida (2020)Almeida, Renan da Silva R. (2020), Sentidos do partidarismo: uma análise sobre os sentimentos dos cidadãos brasileiros em relação aos partidos políticos. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de Brasília, Brasília. .

Os perfis extremos gerados correspondem a conjuntos fechados, já os graus de pertinência dos elementos constituem um conjunto difuso ( Guedes et al., 2016Guedes, Gilvan Ramalho et al. (2016), Grade of Membership: Conceitos básicos e aplicação empírica usando o programa GoM para Windows, Linux, Stata e R. Belo Horizonte: Editora UFMG.: 20). Uma vez que os perfis de referência são construídos a partir da contribuição de cada categoria de resposta a cada variável, quanto maior for o número de variáveis utilizadas no modelo, mais bem definidos ficam os perfis gerados. Além disso, o GoM é apropriado para bases de dados com pequeno número de observações. Assim, dentro dos limites plausíveis, é possível obter bons resultados com uma amostra relativamente pequena, desde que o número de variáveis incluídas seja significativo ( Sawyer, Leite e Alexandrino, 2002Sawyer, Diana Oya; Leite, Iúri da Costa; Alexandrino, Ricardo. (2002), “Perfis de utilização de serviços de saúde no Brasil”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n. 4, pp. 757-776.: 759).

Uma das vantagens de utilizar o método para o estudo das atitudes dos eleitores consiste no fato de que o padrão de agrupamento destes não é definido a priori , mas sim por meio de processos iterativos entre as variáveis, isto é, emerge a partir da convergência dos dados, cabendo ao pesquisador interpretar seu significado posteriormente. Esse tipo de abordagem indutiva é útil na medida em que fornece subsídios empíricos para se repensar teorias clássicas, como buscaremos fazer aqui.

Além do mais, a ferramenta ainda possui uma propriedade extremamente proveitosa, que consiste na possibilidade de manter os valores de não resposta nas variáveis, evitando que observações sejam perdidas no caso de haver valores válidos para o mesmo elemento em outras variáveis relevantes ( Guedes et al., 2016Guedes, Gilvan Ramalho et al. (2016), Grade of Membership: Conceitos básicos e aplicação empírica usando o programa GoM para Windows, Linux, Stata e R. Belo Horizonte: Editora UFMG.: 25). Torna-se possível, então, explorar padrões de não resposta entre os indivíduos que compõem a amostra. Desse modo, por ser recomendado para a aplicação a problemas de pesquisa que pressupõem que dado fenômeno seja experimentado pelos indivíduos de forma complexa, ao longo de diversas dimensões (Pinto e Caetano, 2013:168), o GoM se mostra uma alternativa útil para a pesquisa aqui empreendida.

Para estimação dos parâmetros do modelo, foram utilizados os dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) realizado em 2018, cujas variáveis foram recodificadas de modo sequencial para que não houvesse “saltos” entre as categorias de resposta (p. ex., 1, 2, 3, 9, foi recodificado para 1, 2, 3, 4). Aquelas com valores iniciando em 0 foram recodificadas para começarem com o valor 1. No total, foram utilizadas 173 questões do ESEB 2018 e sua amostra total de 2.506 eleitores.

As variáveis empregadas na diferenciação dos perfis buscam abarcar uma ampla gama de características atitudinais e socioeconômicas dos eleitores, com as principais delas podendo ser agregadas em 12 grupos. A abordagem identifica variáveis salientes para a diferenciação dos perfis, cabendo ao analista aprofundar essas diferenças com base na interpretação sobre os sentidos das relações preponderantes. O primeiro grupo se refere a variáveis sociodemográficas , como sexo, idade, raça, local de residência, renda familiar mensal etc. O segundo reúne variáveis relacionadas à sofisticação política , como a escolaridade, o interesse manifestado por política, a intensidade com a qual se acompanha política pelos meios de comunicação e a autoavaliação quanto à capacidade de entender os problemas políticos mais importantes do país. O terceiro grupo engloba as variáveis mais propriamente ligadas ao partidarismo , como as simpatias e antipatias partidárias, os “termômetros” partidários e as opiniões sobre a importância dos partidos para a democracia. Também foram consideradas, num quarto grupo, variáveis relativas ao engajamento político , como aquelas que aferem a filiação a partidos e a sindicatos, bem como à participação em uma série de organizações.

Quanto ao quinto, sexto e sétimo grupos, eles combinam variáveis correspondentes a, respectivamente, atitudes em relação à democracia , como satisfação e apoio ao regime, atitudes em relação a políticos ou à elite política , como confiança nos políticos em geral e avaliação afetiva de lideranças políticas específicas, e atitudes em relação às eleições , como confiança no processo eleitoral e percepção sobre a eficácia do voto. Junto a medidas sobre satisfação com políticas públicas e confiança e avaliação das instituições , variáveis do oitavo e do nono grupo, esses itens permitirão compreender que tipos de sentimentos sobre aspectos importantes do regime político caminham junto à preferência ou ausência de preferência por um partido. Conforme conjecturou a literatura, partidários são mais propensos a apoiar a democracia?

O décimo grupo de variáveis, por sua vez, está relacionado a medidas comportamentais , como o comparecimento eleitoral e o voto, de modo a avaliar como agem os diferentes tipos de eleitores gerados pelo modelo. Aqueles mais próximos a partidos comparecem em maior medida que os mais distantes das agremiações, como prevê a bibliografia especializada? Que candidatos cada perfil favorece? Finalmente, no que se refere aos dois últimos grupos, eles reúnem variáveis referentes a aspectos ideológicos , incluindo, entre outras coisas, a autolocalização no espectro esquerda-direita e opiniões sobre o papel do governo na redução das desigualdades, e posturas sobre matérias econômicas , como avaliação da situação da economia nacional, opiniões sobre a relação entre crescimento econômico e bem-estar etc. A relação de todas as questões do ESEB utilizadas no modelo encontra-se no Anexo.

Ao rodar o arquivo R-script que realiza os cálculos necessários no ambiente ativo do R 7 7 . Os cálculos das probabilidades λkjl e dos escores de grau de pertencimento gik foram feitos por meio do “GoMRcpp.R”, um arquivo R-script, desenvolvido por Julimar Pinto e André Caetano, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). O GoMRcpp.R utiliza as mesmas funções matemáticas originalmente descritas por Woodbury e Clive (1974) . , foram definidos apenas os parâmetros obrigatórios da função GoMRcpp e o número inicial de perfis a ser modelado. Foram gerados modelos com dois, três e quatro perfis extremos. O Critério de Informação de Akaike (AIC) fornece uma medida estatística para a escolha da quantidade de perfis. A regra de decisão corresponde ao modelo com valor mínimo da estatística AIC, que indica aquele com melhor adequação e menor viés (Assis, Machado e Rodrigues, 2008:680) 8 8 . A estatística AIC pode ser obtida pela fórmula: AIC = 2p - 2lnL , em que L é o valor da verossimilhança e p é o número de parâmetros estimados pelo modelo ( Guedes et al., 2016 ). . O modelo com o menor valor de AIC foi o com três perfis extremos (AIC 3 = 1.242.330,388, contra AIC 2 = 1.268.161,623 e AIC 4 = 1.263.618,368), que foi o escolhido para análise.

Construindo uma tipologia multidimensional de eleitores

Para a caracterização e descrição dos perfis extremos foi utilizada a razão entre a frequência marginal estimada e a frequência marginal observada, chamada de Razão E/O. Sawyer, Leite e Alexandrino (2002)Sawyer, Diana Oya; Leite, Iúri da Costa; Alexandrino, Ricardo. (2002), “Perfis de utilização de serviços de saúde no Brasil”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n. 4, pp. 757-776. sugerem um valor de corte de 20%, ou seja, considera-se que uma categoria de resposta l , de uma variável j , é característica ou marcadora de um perfil extremo k sempre que a Razão E/O for igual ou maior que 1,2. Isso significa que, para o tipo puro do k -ésimo perfil extremo, a probabilidade de escolher uma l -ésima categoria, em uma j -ésima variável, é 20% maior em relação ao total da população. Apesar de, como indicado anteriormente, o modelo ter sido gerado a partir de 173 variáveis, por questões de espaço, apenas os resultados de uma pequena parcela delas são apresentados aqui, sendo destacados aqueles que apresentaram maior saliência para diferenciar os perfis. A Tabela 2 do Apêndice serve de referência para essa caracterização.

Perfil Extremo 1 – Radicais céticos politicamente sofisticados

Os tipos puros do Perfil Extremo 1 não são discriminados por sua disposição em expressar partidarismo positivo. Quando muito, eles reportam apenas leve inclinação em relação a algum partido. Tendem, porém, a apontar que não gostam de alguma legenda, conforme pode ser visto na Tabela 2 do Apêndice. Trata-se, portanto, de um perfil mais disposto a desgostar do que a gostar de algum partido ou de partidos como um todo, o que é reforçado pela sua crença de que a democracia pode funcionar sem partidos políticos ou Congresso Nacional. Ao indicarem o partido que não gostam, é mais provável que os tipos puros do Perfil Extremo 1 escolham o PT (λ = 0,54 e E/O = 1,97), mas eles são mais propensos que o eleitorado como um todo a indicarem antipatia a outros partidos. A probabilidade λ de manifestarem rejeição a outros partidos que não o PT (nesse caso, Movimento Democrático Brasileiro − MDB, Partido Social Liberal − PSL, Democratas − DEM, Partido da Social Democracia Brasileira − PSDB, Partido Socialismo e Liberdade − PSOL e Partido Comunista do Brasil − PCdoB) é de 0,20, enquanto a frequência marginal observada para essas manifestações na amostra é de 11,97%. Também é um perfil que tende a desconfiar fortemente e a avaliar negativamente as principais instituições políticas do país (como governo federal, partidos políticos e Congresso Nacional).

Quando precisam se classificar dentro do espectro ideológico, os tipos puros deste perfil tendem a se posicionar de maneira mais contundente como de esquerda ou de direita, optando pelos valores mínimo e máximo da escala. Talvez por esse motivo eles tendam a escolher as categorias de resposta polares em algumas questões, expressando opiniões opostas. Quanto à avaliação afetiva de partidos e lideranças políticas específicas, por exemplo, tendem a apresentar tanto sentimentos muito positivos (“gosto muito”) quanto muito negativos (“não gosto de jeito nenhum”) 9 9 . Quando se trata de políticos do PT (Lula, Fernando Haddad e Dilma Rousseff) e do PSDB (Geraldo Alckmin e Aécio Neves), os tipos puros do Perfil 1 tendem a nutrir apenas sentimentos fortemente negativos. , mas esta última categoria sempre marca o perfil de maneira muito mais intensa (com Razões E/O que chegam a 4 ou 5). Nem sempre, contudo, essa opção por categorias polares reflete divisões ideológicas claramente definidas. Quando indagados sobre sua satisfação com o funcionamento da democracia no Brasil, por exemplo, os tipos puros do Perfil Extremo 1 novamente tendem a afirmar que estão muito satisfeitos ou que estão muito insatisfeitos, embora mais uma vez a insatisfação marque o perfil de modo mais forte (o que é evidenciado pelos maiores valores de λ e da Razão E/O para esta última categoria). Há também casos em que a escolha de alternativas polares não se verifica, como quando os tipos puros do perfil expressam concordância com afirmações como “A maior parte dos políticos não se importa com as pessoas” e “Os políticos são o principal problema do Brasil”.

Quanto à decisão de voto, o Perfil Extremo 1 não é discriminado pela disposição de votar se o voto não fosse obrigatório. De modo geral, as chances de os tipos puros deste perfil não terem ido votar no primeiro turno das eleições presidenciais são maiores do que o verificado no total da população. Aqueles que compareceram às urnas tenderam a votar em Jair Bolsonaro, do PSL (λ = 0,47 e E/O = 1,40), em Henrique Meirelles, do MDB, em João Amoêdo do NOVO, em Marina Silva, do REDE (os valores λ dos três candidatos somados é 0,05 e a Razão E/O é 1,90) ou a anular o voto (λ = 0,06, E/O = 1,57). No segundo turno, tenderam a optar por Bolsonaro (λ = 0,52, E/O = 1,27), a anular o voto (E/O = 1,58) ou votar em branco (E/O = 1,44).

Em relação a aspectos demográficos, pode-se afirmar que o Perfil Extremo 1 é composto predominantemente por homens, com idade entre 35 e 44 anos, geralmente concentrados na região Sudeste, com tendência a se autodeclararem racialmente como brancos, amarelos ou indígenas e a possuírem renda média (entre dois e 10 salários-mínimos) ou elevada (entre 10 e 15 ou acima de 20 salários-mínimos). Por conta de sua elevada escolaridade (tendem a possuir ensino universitário incompleto ou completo) e seu elevado interesse por política (eles também tendem a se considerar muito entendidos sobre os principais problemas políticos do país e a acompanharem política com muita intensidade), acreditamos que os tipos puros deste perfil são, em geral, indivíduos com alta sofisticação cognitiva. Em virtude disso e das outras características aludidas acima, nomeamos este perfil como Radicais céticos politicamente sofisticados .

Perfil Extremo 2 – Apáticos socialmente desfavorecidos

Em contraste com o primeiro perfil, os tipos puros do Perfil Extremo 2 são caracterizados por não possuírem nenhum interesse e não se sentirem informados sobre política, além de pertencerem às camadas sociais mais desprivilegiadas: tendem a ser mulheres, ou muito jovens (com 16 ou 17 anos de idade), ou bem mais velhas (com idades entre 55 e 64 anos ou acima disso), concentradas na região Nordeste, com baixa escolaridade (são analfabetas, possuem primário completo ou incompleto, ginásio e colegial incompletos), tendência a se autodeclararem pretas ou a não saber ou não responder sobre a própria cor ou raça, além de possuírem baixíssima renda (até um salário-mínimo).

A principal característica dos tipos puros do Perfil Extremo 2 é a tendência a escolher as categorias de não resposta (“não sabe” ou “não respondeu”) em praticamente todas as variáveis. Esse padrão é extremamente consistente. Quando perguntados sobre sua localização no espectro ideológico, por exemplo, os tipos puros deste perfil geralmente não sabem o que é esquerda e direita, não sabem se posicionar na escala ou simplesmente não respondem à questão, como fica claro pelos valores das Razões E/O na Tabela 2 do Apêndice. Quando não são esses os casos, esses eleitores tendem a se posicionar à direita. Quando indagados sobre lideranças políticas específicas, eles novamente tendem a não conhecer, não responder ou não saber avaliar. Quando sabem avaliar, tendem a apresentar majoritariamente sentimentos positivos.

A tendência à não resposta também se manifesta nas questões sobre partidarismo, mas os tipos puros deste perfil também tendem a responder “não” na questão sobre se há algum partido que eles não gostam. Quando instados a avaliar os partidos separadamente em uma escala afetiva, ou dizem não conhecer o partido, ou não respondem ou não sabem avaliar. Quando não são esses os casos, tendem a ter visões positivas em relação a alguns partidos.

Ademais, tendem a estar muito insatisfeitos com o funcionamento da democracia no Brasil (ou tendem às categorias de não resposta) e pensam que tanto faz uma ditadura ou uma democracia (ou, novamente, tendem às categorias de não resposta). Não obstante, demonstram muita confiança nas principais instituições políticas do país (como governo federal, partidos políticos e Congresso Nacional). Os tipos puros do Perfil Extremo 2 não teriam ido votar se o voto não fosse obrigatório. Entre eles, as chances de encontrar eleitores que não votaram em nenhum dos turnos nas eleições presidenciais de 2018 são maiores do que o observado para o eleitorado de forma geral (E/O = 1,68 para o segundo turno). Entre os que votaram, sobressaem-se os que escolheram Fernando Haddad, do PT (λ = 0,32, E/O = 1,44), anularam o voto (E/O = 1,34), votaram em branco (E/O = 1,74) ou não se lembram do voto. No segundo turno, tenderam a escolher o candidato do PT (λ = 0,34, E/O = 1,20).

Em função das características descritas acima, os tipos puros do Perfil Extremo 2 foram denominados de Apáticos socialmente desfavorecidos .

Perfil Extremo 3 – Moderados politicamente engajados

Para os tipos puros do Perfil Extremo 3, as categorias de resposta intermediárias, quando estão disponíveis, são os marcadores mais importantes. Isso fica claro, por exemplo, quando são observadas suas avaliações de lideranças políticas específicas: eles expressam tanto sentimentos positivos quanto negativos, mas quase nunca nas categorias polares (“não gosto de jeito nenhum” ou “gosto muito”). O mesmo se dá quando são observadas suas avaliações dos principais partidos brasileiros. Esse padrão se repete nas questões que indagam sobre a concordância com diferentes afirmações, isto é, os tipos puros do Perfil Extremo 3 manifestam apenas concordância ou discordância parcial, pois se concentram nas categorias de resposta intermediárias 10 10 . O Perfil Extremo 3 também concentra eleitores que demonstram alguma ou pouca confiança em relação a todas as instituições. Eles avaliam a atuação da maioria das instituições como “boa”, “regular” ou, às vezes, “ruim”, mas raramente como “ótima” ou “péssima” (cf. Almeida, 2020 ). .

Pode-se dizer, ainda, que o Perfil Extremo 3 é ideologicamente diverso, com posições de esquerda, centro e direita, mas novamente nas categorias intermediárias, raramente nas polares. Essa diversidade explica em parte as opiniões conflitantes. No que se refere ao partidarismo, o Perfil Extremo 3 é claramente o mais partidário dos três. Em comparação à totalidade do eleitorado, seus tipos puros possuem maior chance de responder “sim” a todas as questões sobre partidarismo 11 11 . Além disso, em contraste com os tipos puros do Perfil Extremo 1, eles pensam que sem partidos políticos ou Congresso Nacional não é possível haver democracia. , mas não são discriminados pela sua disposição em desgostar de algum partido. Este perfil é também o mais engajado politicamente. Seus tipos puros possuem maiores chances de responder “sim” a todas as questões sobre engajamento político. Eles tendem, em maior medida que a população geral, a ser filiados a sindicatos, a partidos políticos e a se engajar em diferentes grupos e organizações, de associações de moradores a reuniões do orçamento participativo. Trata-se do único perfil que teria ido votar ou talvez teria ido votar mesmo se o voto não fosse obrigatório no Brasil. Nas eleições presidenciais de 2018, seus tipos puros tenderam a votar nos mais diversos candidatos no primeiro turno, mas, no segundo, suas chances de optar por Jair Bolsonaro foram maiores do que o observado na totalidade da população (λ = 0,52, E/O = 1,27. Os valores para Fernando Haddad foram 0,30 e 1,07, respectivamente).

Quanto ao aspecto demográfico, o Perfil Extremo 3 é composto por uma maioria de homens, com idade entre 25 e 34 anos, concentrados na região Sul, com escolaridade elevada (possuem de colegial completo até pós-graduação) e sem distinção por cor ou raça. O tipo puro deste perfil possui renda média (entre dois e 10 salários-mínimos) ou elevada (entre 10 e 15 salários-mínimos) e interesse razoável em política (variando de pouco a muito, com a categoria “interessado” sendo a mais marcante), que acompanha política com elevada intensidade (“muita” e “alguma intensidade”, sendo esta última a categoria mais marcante) e considera-se muito entendido sobre os problemas políticos mais importantes do país.

Por conta da sua característica marcante de escolha de categorias intermediárias de resposta em quase todas as questões (evidenciando opiniões mais moderadas) e de seu elevado grau de engajamento político, os tipos puros deste perfil foram denominados de Moderados politicamente engajados . O Gráfico 1 a seguir sumariza algumas das principais características dos três perfis acima descritos.

Gráfico 1
: Chances de cada perfil apresentar diferentes características (%)

Distribuição dos perfis na população e caracterização dos perfis mistos

Conforme já explicado, o modelo GoM estima probabilidades de resposta para os tipos puros de cada perfil, ou seja, para aqueles indivíduos com escore de grau de pertencimento igual a 1 para determinado perfil e zero para os demais. No entanto, os tipos puros de cada perfil, somados, perfazem apenas cerca de 9% da amostra. Uma medida crua da prevalência de cada perfil na população em estudo consiste nas médias dos escores de pertinência para cada perfil. Os valores dessas médias são 0,229 (ou 22,9% de prevalência) para o Perfil Extremo 1, 0,362 (ou 36,2% de prevalência) para o Perfil Extremo 2 e 0,407 (ou 40,7% de prevalência) para o Perfil Extremo 3. Pode-se concluir, então, que o Perfil 3 (dos Moderados politicamente engajados) possui maior prevalência na amostra. Essa medida, contudo, pouco diz sobre como cada indivíduo manifesta as propriedades de cada um dos perfis. Por isso, é necessário classificá-los com base na noção de preponderância, utilizando os escores g ik para eles estimados. O critério aplicado para a classificação dos indivíduos foi aquele sugerido por Melo (2007)Melo, Frederico Luiz B. de. (2007), “Casais na Grande São Paulo: investigando a diversidade”. Nova Economia , v. 17, n. 2, pp. 207-240. , descrito a seguir:

1. O indivíduo i é considerado como pertencente ao perfil com predominância das características de m quando tiver os seguintes graus de pertencimento g aos perfis extremos m, n e o , com mno:

a. Preponderância muito alta de m:

g im ≥ 0,75 ou

b. Preponderância alta de m:

0,50 < g im < 0,75 ∩ ( g in ≤ 0,25 ∩ g io ≤ 0,25)

2. O indivíduo i é considerado como pertencente ao perfil misto de m com n (em que predominam as características de m ) quando seus graus de pertencimento aos perfis m e n são:

a. 0,50 < g im ≤ 0,75 ∩ (0,25 ≤ g in < 0,50)

3. O indivíduo i do tipo misto sem predomínio (tipo amorfo) é aquele com os seguintes graus de pertencimento g:

a. Sem predominância total:

g im < 0,50 ∩ g in < 0,50 ∩ g io < 0,50 ou

b. Sem predominância pareada:

0,50 < g im = 0,50 ∩ g in = 0,50

A partir desse critério, é possível compreender como as características dos perfis extremos se distribuem na amostra. Essa distribuição está presente na Tabela 1 . Os indivíduos classificados nos grupos de predominância de um dos perfis (P1, P2 e P3 da tabela abaixo) são aqueles com maiores chances de apresentar as características associadas aos tipos puros de cada perfil. Os indivíduos classificados nos grupos mistos entre dois perfis, com preponderância de um sobre o outro (MP12, MP13, MP21, MP23, MP31 e MP32), são aqueles que apresentam as características de dois perfis extremos, mas algumas características de um dos perfis se sobressaem em relação a algumas do outro. Finalmente, os indivíduos classificados no grupo misto sem predomínio (MSP) representam o tipo amorfo, que estão distantes de todos os três perfis extremos gerados.

Tabela 1
: Distribuição absoluta e relativa dos perfis extremos e tipos mistos gerados

Observando a Tabela 1 , vê-se que os eleitores com características predominantes do Perfil Extremo 3 (Moderados politicamente engajados) são realmente aqueles com maior prevalência na população. Os cidadãos com características predominantes do Perfil Extremo 2 (Apáticos socialmente desfavorecidos) também compreendem um contingente expressivo do eleitorado, enquanto aqueles com características predominantes do Perfil Extremo 1 (Radicais céticos politicamente sofisticados), embora minoritários, somam uma minoria nada desprezível.

Ao observar mais de perto as características dos subtipos gerados a partir da mistura entre diferentes perfis, constata-se que todos aqueles que são resultado da convergência com o Perfil Extremo 2 (dos Apáticos socialmente desfavorecidos) – seja este predominante ou não – são constituídos por uma maioria de mulheres, conforme mostra o Gráfico 2 . Os subtipos formados pela convergência entre os perfis 1 (Radicais céticos politicamente sofisticados) e 3 (Moderados politicamente engajados), por outro lado, são compostos, em ambos os casos (MP13 e MP31), por quase 70% de homens cada um. Isso indica que o sexo é realmente um diferenciador poderoso dos três perfis de referência gerados. Também indica que, de forma geral, variando de acordo com a posição social, as mulheres tendem mais à apatia política do que os homens. Essa apatia, é claro, não é natural, mas sim reflexo, dentre outras coisas, da divisão sexual do trabalho e das assimetrias de poder que dela são derivadas.

Gráfico 2
: Composição dos perfis “puros” e mistos segundo sexo (%)

A renda reproduz um padrão semelhante àquele encontrado em relação ao sexo: os subtipos frutos da convergência entre qualquer perfil e o Perfil Extremo 2 são aqueles que concentram os indivíduos com menores rendimentos. Nos subtipos mistos com predominância do Perfil 2 (MP21 e MP23), quase metade das pessoas possui renda de até dois salários-mínimos (48,8% e 47%, respectivamente). Nos grupos mistos em que o Perfil Extremo 2 não possui predominância (MP12 e MP32), o contingente de eleitores com renda de até dois salários-mínimos também é expressivo (39,5% e 45,2%, respectivamente). Os subtipos frutos da convergência entre os perfis 1 e 3 (MP13 e MP31), por sua vez, reúnem percentuais muito menores de eleitores nessa faixa de renda (25,8% e 27,6%, respectivamente). Nestes dois subtipos, os estratos de renda média (mais de 2 até 10 salários-mínimos) são maioria (únicos casos em que isso acontece).

Com relação ao interesse por política manifestado pelos cidadãos, percebe-se que o desinteresse pela política é expressivo em todos os subtipos gerados, mas naqueles que misturam as características dos perfis 1 e 3 (MP13 e MP31), mais da metade dos eleitores relatou possuir algum ou muito interesse em política (60,8% e 55,7%, respectivamente). Em contrapartida, nenhum dos subtipos frutos da convergência de qualquer perfil com o Perfil Extremo 2 (MP12, MP21, MP23 e MP32) reuniu mais do que 22% de pessoas com algum ou muito interesse em política (18,5%, 17,10%, 17,4% e 21,2%, respectivamente). Estes subtipos também concentraram os eleitores que em geral não se sentem bem entendidos sobre os problemas políticos mais importantes do país, enquanto o contrário se dá com os subtipos MP13 e MP31, cuja maioria esmagadora (70,7% e 73,8%, respectivamente) concorda total ou parcialmente com a afirmação de que entende sobre esses problemas.

Fica evidente, portanto, que os subtipos consequentes das misturas de características entre os perfis 1 (Radicais céticos politicamente sofisticados) e 3 (Moderados politicamente engajados), isto é, MP13 e MP31, são os mais politicamente ativos e socialmente privilegiados. Eles apresentam os maiores percentuais de eleitores filiados a partidos (10% e 10,9%, respectivamente), que manifestam partidarismo positivo (21,4% e 21,8%) ou negativo (73,6% e 75,6%) e são os únicos que apresentam uma maioria de pessoas dispostas a votar mesmo em caso de não obrigatoriedade do voto (55,7% e 52,6%, respectivamente). Os subtipos com mistura entre qualquer perfil e o Perfil Extremo 2 (Apáticos socialmente desfavorecidos) são sempre os que apresentam os maiores percentuais de eleitores que não votariam se o voto não fosse obrigatório, evidenciando que a apatia ou o abstencionismo político é uma característica marcante do Perfil Extremo 212 11 11 . Além disso, em contraste com os tipos puros do Perfil Extremo 1, eles pensam que sem partidos políticos ou Congresso Nacional não é possível haver democracia. . Por seu turno, os subtipos consequentes da mistura entre o Perfil Extremo 3 e qualquer outro perfil são, relativamente aos demais, quase sempre mais propensos a se engajar em organizações, o que evidencia que o engajamento político é realmente uma característica importante do Perfil Extremo 3.

Os perfis multidimensionais de eleitores e as tipologias de partidarismo

A tipologia aqui gerada a partir do método GoM pode ser comparada a algumas outras presentes na literatura sobre partidarismo, como aquelas discutidas anteriormente. Assim, é possível estabelecer algumas semelhanças entre os “partidários abertos” de Almond e Verba (1989)Almond, Gabriel; Verba, Sidney. (1989), The civic culture: Political attitudes and democracy in five nations. London: Sage. e o perfil dos Moderados politicamente engajados apresentados neste artigo, no que tange ao fato de ambos reunirem pessoas emocional e cognitivamente envolvidas com o processo político eleitoral, mas que possuem atitudes de abertura e moderação. Esse perfil também poderia estar associado ao tipo dos “partidários intensos”, no sentido de que sua forte identificação com um dos grandes partidos seria um componente importante de seu envolvimento intenso com o processo político. Já o perfil dos Apáticos socialmente desfavorecidos poderia, em alguns aspectos, ser considerado análogo aos “partidários apáticos” ou aos “partidários paroquiais”, por não manifestarem envolvimento racional ou emocional com a competição eleitoral, podendo até se abster de votar (Almond, Verba, 1989:115; Ribeiro, Carreirão, Borda, 2016Ribeiro, Ednaldo; Carreirão, Yan; Borba, Julian. (2016), “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637.: 608). O perfil dos Radicais céticos politicamente sofisticados , por sua vez, não encontraria equivalentes no modelo dos autores, pois, ao contrário dos “partidários intensos”, eles não definiriam sua hostilidade a determinados partidos em função de uma identificação partidária prévia. De modo similar, o perfil dos Moderados politicamente engajados poderia refletir, em algumas dimensões, os “eleitores antagonistas” ou os “equilibrados” da tipologia de Klingemann e Wattenberg ( apud Ribeiro, Carreirão e Borba, 2016). Os Apáticos socialmente desfavorecidos, naturalmente, estariam próximos dos “eleitores apáticos” postulados pelos autores, e os Radicais politicamente sofisticados, mais uma vez, não encontrariam correspondência no modelo, pelo mesmo motivo citado anteriormente. No que se refere à classificação de Dalton (2013)Dalton, Russell J. (2013), The Apartisan American: Dealignment and changing electoral politics. Thousand Oaks: CQ Press. , os seus “partidários cognitivos” seriam semelhantes ao Perfil Extremo 3 aqui descrito, eleitores com elevada sofisticação política e vinculação com um partido. Os “independentes apolíticos”, por sua vez, estariam mais fortemente relacionados ao Perfil Extremo 2, enquanto os “partidários rituais” e os “apartidários” provavelmente estariam próximos de perfis com mistura entre as características dos Perfis 2 e 3, em um caso, e 1 e 3, no outro.

Por último, não é difícil imaginar como a tipologia de Samuels e Zucco (2018)Samuels, David; Zucco, Cesar. (2018), Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil. Cambridge; New York, Cambridge University Press. , que ecoa a de Rose e Mishler (1998)Rose, Richard; Mishler, William. (1998), “Negative and positive party identification in post-communist countries”. Electoral Studies, v. 17, n. 2, pp. 217-234. , pode se relacionar com os perfis de eleitores aqui delineados. Com efeito, os Moderados politicamente engajados poderiam, em alguns aspectos, ser análogos dos “partidários extremos” ou dos “positivos”. Os Radicais céticos politicamente sofisticados, por seu turno, poderiam ser comparados aos “partidários negativos”, enquanto os Apáticos socialmente desfavorecidos estariam relacionados aos “não partidários”. Por meio da classificação dos eleitores conforme os critérios de Samuels e Zucco (2018)Samuels, David; Zucco, Cesar. (2018), Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil. Cambridge; New York, Cambridge University Press. e de uma análise de correspondências múltiplas, é possível testar essas suposições, observando os padrões de aproximação entre as categorias de ambas as tipologias. É o que pode ser observado na Figura 1 .

Figura 1
: Mapa de análise das correspondências múltiplas Perfis dos eleitores e Tipologia de Samuels e Zuco (2018)

Percebe-se que o subtipo de eleitores com predominância das características do Perfil Extremo 3 (P3) está próximo tanto do grupo dos partidários extremos quanto dos partidários positivos, mas tende ao primeiro. Os eleitores com características mistas entre os Perfis Extremos 2 e 3 e predominância deste (MP32) mostram-se mais próximos aos partidários positivos e aos não partidários. O grupo de eleitores com predominância das características do Perfil Extremo 1 (P1), assim como os grupos com características mistas e predominância deste (MP12 e MP13), estão mais próximos dos partidários negativos. Curiosamente, o subtipo fruto da convergência entre os Perfis Extremos 1 e 3 com preponderância deste (MP31) mostra-se muito similar ao subtipo MP13, também estando mais próximo ao grupo dos partidários negativos. O grupo de eleitores com características predominantes do Perfil Extremo 2 (P2), assim como aqueles com características mistas com preponderância deste (MP21 e MP23) estão mais próximos dos não partidários. Os perfis P2 e MP23, aliás, estão muito mais próximos dos não partidários do que o perfil misto MP21, que quase passa ao quadrante em que se situa o partidarismo negativo.

A partir dessa análise, pode-se estabelecer que os indivíduos com características predominantes do Perfil Extremo 3 (P3) e com características mistas dos perfis 2 e 3 e predominância deste (MP32) são, comparativamente, mais propensos a serem partidários extremos e positivos, respectivamente. Aqueles com predominância de características do Perfil Extremo 1 (P1), em contrapartida, assim como os classificados como parte dos subtipos MP12 e MP13, são mais propensos a serem partidários negativos. Os indivíduos do subtipo MP31 se assemelham aos destes dois últimos em sua propensão a manifestar partidarismo negativo. Por fim, os eleitores com características predominantes do Perfil Extremo 2 (P2), bem como aqueles classificados em MP21 e MP23, tendem a ser comparativamente mais não partidários.

Dessa forma, podemos intuir que tanto a manutenção de atitudes positivas quanto a de atitudes negativas em relação aos partidos estão associadas a maiores níveis de sofisticação cognitiva, dadas as características dos Perfis 1 e 3. Além disso, longe de representarem o ideal do eleitor independente, que decide sem ser influenciado por paixões partidárias e que estaria, segundo Dalton (2013)Dalton, Russell J. (2013), The Apartisan American: Dealignment and changing electoral politics. Thousand Oaks: CQ Press. , mais próximo às exigências normativas da democracia, os não partidários brasileiros geralmente são aqueles que se sentem menos entendidos de política e que manifestam menor interesse por ela, algo que já havia sido observado por diferentes autores ( Pereira, 2014Pereira, Frederico Batista. (2014), “A estabilidade e a efetividade da preferência partidária no Brasil”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 13, pp. 213-244. ; Borba et al., 2018Borba, Julian et al. (2018), “Determinantes individuais e de contexto da simpatia partidária na América Latina”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 33, n. 97, pp. 1-25. ). Como indicou Gimenes (2015Gimenes, Éder Rodrigo. (2015), A relação dos eleitores com partidos políticos em novas democracias: partidarismo na América Latina. Tese (Doutorado em Sociologia Política), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.: 187), o Brasil é um dos países latino-americanos em que os não partidários menos se aproximam desse ideal. Aqui, portanto, eles parecem corresponder, em maior medida, à descrição feita por Campbel et al. (1967:83), de indivíduos menos envolvidos em política, com menor interesse na campanha e menor preocupação com os resultados eleitorais. Mais importante ainda, uma parte expressiva dos não partidários é desproporcionalmente proveniente dos grupos sociais desprivilegiados, e sua relutância em reconhecer vínculos partidários tem relação com uma tendência mais ampla a se sentirem incapazes perante a política.

Os resultados desta pesquisa também corroboram a afirmação de Paiva, Krause e Lameirão (2016:648) de que existe terreno fértil para a proliferação de antipartidarismo e partidarismo negativo no país. As evidências aqui presentes, similarmente ao que mostram essas autoras, indicam que uma parte dos leitores que expressam antipatia ao PT também manifestam sentimentos negativos em relação a todos os principais partidos brasileiros. A formação de orientações negativas a partidos, pelo menos no Brasil e pelo menos no período mais recente, parece se relacionar com um posicionamento ideológico mais contundente, enquanto a disposição a manter orientações positivas parece estar ligada a posturas políticas mais moderadas.

Conclusões

A tipologia aqui apresentada foi estabelecida a partir da delineação de três perfis extremos no eleitorado brasileiro. O primeiro deles, o qual chamamos de Radicais céticos politicamente sofisticados , foi caracterizado por manter atitudes negativas em relação a quase todos os principais partidos e lideranças políticas do país e por possuir opiniões políticas mais fortes, além de apresentar elevado nível de sofisticação cognitiva e elevadas chances de se localizar nos estratos socioeconômicos mais altos. O segundo perfil extremo, por sua vez, que chamamos de Apáticos socialmente desfavorecidos , foi marcado pela tendência à abstenção em quase todas as questões sobre política, além de um elevado nível de desinteresse por assuntos políticos e maior localização nos setores mais marginalizados da população. O terceiro perfil extremo, por fim, que nomeamos de Moderados politicamente engajados , foi diferenciado por sua maior disposição a se engajar em diversos grupos e associações políticas, bem como por assumir posições mais equilibradas em relação a diferentes assuntos. Tal como o Perfil Extremo 1, eles reúnem os estratos socioeconômicos médios e altos da população brasileira, com melhores condições de vida.

Os resultados expostos nas seções anteriores nos permitem chegar a conclusões similares àquelas presentes em outros estudos, mesmo utilizando métodos diferentes. Como há muito já observado pela literatura nacional ( Castro, 1994Castro, Mônica Mata M. de. (1994), Determinantes do Comportamento Eleitoral: a centralidade da sofisticação política. Tese (Doutorado em Ciência Política), Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ; Reis, 1978Reis, Fábio Wanderley. (1978), “Classe social e opção partidária: as eleições de 1976 em Juiz de Fora”, in F. W. Reis (org.), Os partidos e o regime: a lógica do processo eleitoral brasileiro. São Paulo: Símbolo, pp. 213-287. ; Lamounier, 1978Lamounier, Bolívar. (1978) “Presidente Prudente: o crescimento da oposição num reduto arenista”, in F. W. Reis, (org.), Os partidos e o regime: a lógica do processo eleitoral brasileiro. São Paulo: Símbolo, pp. 1-89. ), as camadas mais baixas da população tendem a apresentar maiores níveis de desinformação e alheamento em relação a temas políticos, enquanto os setores mais privilegiados são justamente os mais interessados e informados. Isso porque o custo da obtenção de informações é mais elevado para os estratos socioeconômicos mais desfavorecidos. Conforme apontou Bourdieu (2007Bourdieu, Pierre. (2007), A distinção: crítica social do julgamento . São Paulo, Edusp; Porto Alegre, Zouk.: 378), o interesse por política cresce ao se passar dos indivíduos menos instruídos para os mais instruídos.

Além disso, quando observamos as características manifestadas pelo perfil com maior vulnerabilidade social (o dos Apáticos socialmente desfavorecidos), podemos encontrar algum suporte para a abordagem de Singer (2012)Singer, André. (2012), Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras. e outros autores (p. ex., Veiga, 2007Veiga, Luciana Fernandes. (2007), “Os partidos brasileiros na perspectiva dos eleitores: mudanças e continuidades na identificação partidária e na avaliação das principais legendas após 2002”. Opinião Pública, v. 13, n. 2, pp. 340-365. ) a respeito da mudança da base social do PT, uma vez que os tipos puros deste perfil foram aqueles que mais tenderam a votar no candidato deste partido em 2018. A parte do eleitorado classificada neste perfil, apesar de expressar sentimentos positivos em relação ao PT, não é diferenciada por sua disposição a manifestar partidarismo. Pelo contrário, o Perfil Extremo 2 parece reunir um eleitorado não alinhado, o que corrobora os achados de Rennó e Cabello (2010)Rennó, Lúcio; Cabello, Andrea. (2010), “As bases do lulismo: A volta do personalismo, realinhamento ideológico ou não alinhamento?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 25, n. 74, pp. 39-60. de que o fenômeno do lulismo significou a conquista pelo PT de apoio entre os eleitores não alinhados. O eleitor petista “típico”, por assim dizer, leal ao partido desde antes dos governos Lula e Dilma, caracterizado por apresentar rejeição mais forte ao PSDB e propenso a se considerar de esquerda ( ibidem ), com maior nível de escolaridade e renda ( Kinzo, 2005Kinzo, Maria D’Alva. (2005), “Os partidos no eleitorado: percepções públicas e laços partidários no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 57, pp. 65-81. ), provavelmente se encontra no Perfil 3 ou naqueles com características mistas entre este e o Perfil Extremo 1.

Nesse sentido, é persuasivo pensar que os partidários “clássicos”, tal como descritos por Campbell et al. (1967)Campbell, Angus et al. (1967), The American voter: An abridgement. New York: John Wiley & Sons. , estejam concentrados no Perfil Extremo 3. Embora os níveis de não partidarismo sejam altos para todos os perfis (como indicam as probabilidades estimadas), o dos Moderados politicamente engajados é aquele com maior chance de expressar algum grau de partidarismo, o que, levando em consideração suas características socioeconômicas, trata-se de um achado consistente com os padrões descritos pela literatura, como mencionado ao fim da seção anterior. Considerando a prevalência das características deste perfil na amostra, nossa análise fornece indícios de que uma parte relevante dos eleitores brasileiros mostra alguma disposição a se engajar na política, seja por meio de partidos, seja por meio de outras organizações. Por outro lado, a pesquisa também revela que há uma massa de cidadãos que tende à apatia, à demissão voluntária da política, fruto de um sentimento de incapacidade de apreender os acontecimentos políticos 13 13 . Como afirma Bourdieu (2007: 378), a indiferença pela política “nada é além de uma manifestação de incapacidade”. . Esses cidadãos, não por acaso membros de grupos subordinados, caso não fossem obrigados a votar, simplesmente se absteriam de comparecer eleitoralmente, o que fornece um argumento poderoso em defesa da manutenção da obrigatoriedade do voto no Brasil.

É importante assinalar que a insatisfação política também é um fenômeno evidente, que se manifesta em extrema desconfiança em relação às instituições e aos principais atores do jogo político. Ao que tudo indica, os eleitores brasileiros parecem mais dispostos a nutrir sentimentos negativos do que positivos em relação aos partidos existentes. O fato de os tipos puros do Perfil 1 serem mais propensos a manifestar sentimentos negativos em relação a partidos e os tipos puros do Perfil 3 serem mais inclinados a expressar sentimentos partidários positivos nos leva a crer que a manutenção tanto de um tipo de atitude quanto do outro está relacionada a um elevado nível de sofisticação política. Isso ajuda a explicar por que estudos recentes não encontraram diferenças significativas entre eleitores petistas e antipetistas (Borges, Vidigal, 2018; Samuels, Zucco, 2019).

Em síntese, o uso do método Grade of Membership para o estudo das atitudes partidárias dos cidadãos brasileiros permitiu a identificação de diferentes padrões de associação, abrindo novos caminhos e possibilidades no que se refere à investigação empírica sobre o partidarismo. Um dos mais interessantes, não desenvolvido aqui, consiste na investigação das mudanças nos perfis multidimensionais ao longo do tempo, no lugar de observar uma “fotografia” da conjuntura, como faz o presente artigo. Para isso, dados de estudos em painel representariam a alternativa mais apropriada, mas, devido a seu elevado custo, estudos desse tipo raramente estão disponíveis. Assim, outra opção, menos ideal, seria comparar os perfis gerados a partir das diferentes ondas do ESEB, isto é, comparar diferentes “fotografias”. Tal empreendimento demandaria algumas modificações no modelo, inclusive uma redução na quantidade de variáveis utilizadas. Apesar das limitações desta pesquisa, esperamos que ela anime uma nova agenda de pesquisas, disposta a empregar métodos e abordagens menos convencionais.

AGRADECIMENTOS

Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 44º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e publicada nos anais do evento ( Almeida e Machado, 2020Almeida, Renan; Machado, Carlos. (2020), “Sentidos do partidarismo: construindo uma tipologia multidimensional de eleitores”. Anais do 44º Encontro Anual da ANPOCS, Anais Eletrônicos . ). Agradecemos aos participantes do GT de Comportamento Político, Opinião Pública e Cultura Política pelos seus comentários. Agradecemos também aos três pareceristas anônimos da revista DADOS pelas suas valiosas críticas e sugestões, que contribuíram para o aprimoramento deste trabalho. O artigo teve como ponto de partida a dissertação de mestrado de Almeida (2020)Almeida, Renan da Silva R. (2020), Sentidos do partidarismo: uma análise sobre os sentimentos dos cidadãos brasileiros em relação aos partidos políticos. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de Brasília, Brasília. , autor principal deste texto, orientada pelo coautor Carlos Machado. A pesquisa foi realizada com recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Notas

  • 1
    . Não revisaremos esse debate aqui, pois seus meandros já foram habilmente explorados por outros autores (cf. Franklin, Jackson, 1983; Holmberg, 2009Holmberg, Sören. (2009), “Partisanship reconsidered”, in R. J. Dalton; H-D. Klingemann (eds.), The Oxford Handbook of Political Behavior. New York: Oxford University Press, pp. 557-570. ; Gimenes et al., 2016Gimenes, Éder Rodrigo et al. (2016), “Partidarismo no Brasil: Análise longitudinal dos condicionantes da identificação partidária (2002-2014)”. Revista Debates, v. 10, n. 2, pp. 121-148. ; Borba et al., 2018Borba, Julian et al. (2018), “Determinantes individuais e de contexto da simpatia partidária na América Latina”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 33, n. 97, pp. 1-25. ).
  • 2
    . A pergunta padrão para a detecção da identificação partidária, presente no livro de Campbell e seus colegas (1967:68) e utilizada quase sem modificações pelo American National Election Studies (ANES) até hoje, indaga: “Falando de forma geral, você se considera Republicano, Democrata, Independente ou o quê?”. Para os que se classificam como partidários, uma nova pergunta é feita para medir a intensidade de sua identificação. Aqueles que se classificam como independentes são instados a expressar se possuem ao menos uma inclinação a um dos dois partidos. Com base nesses questionamentos, os eleitores americanos podem ser classificados em Republicanos Fortes, Republicanos Fracos, Independentes Republicanos, Independentes, Independentes Democratas, Democratas Fracos e Democratas Fortes. Embora pesquisas realizadas em diferentes países utilizem questões com enunciados diferentes, muitas delas são apenas variações daquela original, falhando igualmente em captar aspectos importantes do conceito de identificação partidária (cf. Almeida, 2020Almeida, Renan da Silva R. (2020), Sentidos do partidarismo: uma análise sobre os sentimentos dos cidadãos brasileiros em relação aos partidos políticos. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de Brasília, Brasília.: 22-26).
  • 3
    . Em sistemas bipartidários essa lógica geralmente é considerada mais simples pelo fato de haver apenas duas opções disponíveis aos eleitores, que representam oposições “naturais” uma à outra (McGregor, Caruana e Stephenson, 2016; Abramowitz, Webster, 2016). Mesmo assim, um dos aspectos que tem sido bastante enfatizado no que diz respeito ao partidarismo negativo é que ele não deve ser encarado como um simples espelho do positivo, seu equivalente oposto. Um não pressupõe automática e necessariamente o outro, embora, em muitos casos, eles possam existir conjuntamente e estar correlacionados. De todo modo, os indivíduos podem nutrir sentimentos negativos em relação a determinados partidos sem, no entanto, se vincularem positivamente a quaisquer outros, e vice-versa (Caruana, McGregor e Stephenson, 2014; Samuels, Zucco, 2018; Almeida, 2020Almeida, Renan da Silva R. (2020), Sentidos do partidarismo: uma análise sobre os sentimentos dos cidadãos brasileiros em relação aos partidos políticos. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de Brasília, Brasília.: cap. 3).
  • 4
    . Um operário em um país marcado por clivagens de classe, por exemplo, pode estar disposto a apoiar mais de um partido com viés trabalhista.
  • 5
    . Segundo o autor, a Irlanda do Norte é um caso clássico de sociedade fortemente dividida em termos religiosos. Por esse motivo, foi o país escolhido por ele para testar suas novas propostas de mensuração da identificação partidária.
  • 6
    . Sobre o conceito de grade of membership e lógica de conjuntos difusos ( fuzzy sets ), ver Giles (1988)Giles, Robin. (1988), “The concept of grade of membership”. Fuzzy Sets and Systems, v. 25, n. 3, pp. 297-323. .
  • 7
    . Os cálculos das probabilidades λkjl e dos escores de grau de pertencimento gik foram feitos por meio do “GoMRcpp.R”, um arquivo R-script, desenvolvido por Julimar Pinto e André Caetano, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). O GoMRcpp.R utiliza as mesmas funções matemáticas originalmente descritas por Woodbury e Clive (1974)Woodbury, Max; Clive, Jonathan. (1974), “Clinical pure types as a fuzzy partition”. Journal of Cybernetics and Systems, v. 4, n. 3, pp. 111-121. .
  • 8
    . A estatística AIC pode ser obtida pela fórmula: AIC = 2p - 2lnL , em que L é o valor da verossimilhança e p é o número de parâmetros estimados pelo modelo ( Guedes et al., 2016Guedes, Gilvan Ramalho et al. (2016), Grade of Membership: Conceitos básicos e aplicação empírica usando o programa GoM para Windows, Linux, Stata e R. Belo Horizonte: Editora UFMG. ).
  • 9
    . Quando se trata de políticos do PT (Lula, Fernando Haddad e Dilma Rousseff) e do PSDB (Geraldo Alckmin e Aécio Neves), os tipos puros do Perfil 1 tendem a nutrir apenas sentimentos fortemente negativos.
  • 10
    . O Perfil Extremo 3 também concentra eleitores que demonstram alguma ou pouca confiança em relação a todas as instituições. Eles avaliam a atuação da maioria das instituições como “boa”, “regular” ou, às vezes, “ruim”, mas raramente como “ótima” ou “péssima” (cf. Almeida, 2020Almeida, Renan da Silva R. (2020), Sentidos do partidarismo: uma análise sobre os sentimentos dos cidadãos brasileiros em relação aos partidos políticos. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de Brasília, Brasília. ).
  • 11
    . Além disso, em contraste com os tipos puros do Perfil Extremo 1, eles pensam que sem partidos políticos ou Congresso Nacional não é possível haver democracia.
  • 12
    . Esses subtipos também são os mais propensos à não resposta, sendo aqueles com predominância do Perfil Extremo 2 (MP21 e MP23) ainda mais propensos à não resposta, o que reforça as conclusões feitas acima.
  • 13
    . Como afirma Bourdieu (2007Bourdieu, Pierre. (2007), A distinção: crítica social do julgamento . São Paulo, Edusp; Porto Alegre, Zouk.: 378), a indiferença pela política “nada é além de uma manifestação de incapacidade”.

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2022
  • Revisado
    29 Jun 2022
  • Aceito
    29 Ago 2022
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