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Incentivos Eleitorais, Partidos e Política Orçamentária

Incentives Électorales, Partis et Politique Budgétaire

Electoral Incentives, Parties, and Budget Policy

Resumos

Dans cet article, on discute les interprétations sur la participation des législateurs au processus budgétaire centrées sur les incentives que les lois électorales produisent. On y voit que les normes et règlements qui fixent le processus budgétaire incident sur la répartition des moyens entre les différents pouvoirs et à l’intérieur même du législatif. Des formes constitutionnelles et légales préservent la proposition d’origine envoyée par le pouvoir exécutif. Dans le parlement, les normes institutionnelles privilégient la participation collective des parlementaires par la présentation, par exemple, d’amendements signés par des groupes représentant les États brésiliens. On voit aussi que la participation du législatif au processus budgétaire ne peut être comprise que si les partis politiques sont pris en considération. C’est alors que la coordination des actions que les partis exercent débouche sur la formation de deux grands blocs - "situation" et opposition. C’est dire que la participation des partis au processus budgétaire dépend de leurs rapports avec le pouvoir exécutif. Ainsi, la stratégie adoptée par la majorité qui appuie l’exécutif tient compte de la contribution de celle-ci en vue du succès des politiques déjà menées par le gouvernement auquel cette majorité appartient.

politique budgétaire; partis; lois électorales


This article challenges the interpretations concerning participation by Brazilian legislators in the budget process focused on incentives generated by the electoral legislation. We show that the rules and regulations governing the budget process affect the distribution of funds both between branches of government and within the legislative branch itself. Constitutional and legal rules preserve the original proposal submitted by the Executive. Within Congress, the bylaws favor collective participation of members, for example, by way of submission of amendments by State representations. We further show that participation by the legislative branch in the budget process can only be understood when the political parties are taken into account. Coordination of efforts by the political parties thus ends up grouping them in two major blocs, pro-administration and opposition. In other words, partisan participation in the budget process depends on the parties’ relations with the Executive. Thus, the strategy adopted by the majority supporting the Executive takes into account their contribution to the success of policies sponsored by the administration of which they are a part.

budget policy; parties; electoral legislation


politique budgétaire; partis; lois électorales

budget policy; parties; electoral legislation

Incentivos Eleitorais, Partidos e Política Orçamentária* * Este texto é resultado de uma pesquisa ainda em andamento, que conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, para o projeto temático Instituições Políticas, Padrões de Interação Executivo Legislativo e Capacidade Governativa, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, na forma de bolsa de produtividade científica. Contou também com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA para a realização do projeto Planejamento e Políticas Públicas na Elaboração e Execução Orçamentárias: Relações Executivo-Legislativo. Uma versão anterior foi apresentada no seminário Political Parties and Legislative Organization in Parliamentary and Presidential Regimes, Departamento de Ciência Política, Universidade de Yale, em 2002. Agradecemos aos participantes desses seminários e, em especial, a José Antonio Cheibub e Marcus Figueiredo a leitura dessas versões e os comentários.

Argelina Cheibub Figueiredo

Fernando Limongi

INTRODUÇÃO

O uso de variáveis institucionais na análise comparada seguiu um curso próprio. Com o tempo, no entanto, o paradigma dominante nos estudos legislativos norte-americanos foi incorporado à literatura comparada. Adotou-se, de forma generalizada, a premissa segundo a qual políticos querem, antes de tudo, se reeleger e, para tanto, buscam estabelecer vínculos pessoais com seus eleitores. Mais do que isso, passou-se a dar por estabelecido que as conseqüências daí derivadas pela interpretação distributivista da política norte-americana poderiam ser transpostas, com pequenas adaptações, para outros sistemas políticos1 1 . Interpretações alternativas baseiam-se nos modelos informacional (Krehbiel, 1991) e partidário (Cox e McCubbins, 1993). Ver Limongi (1994) para uma resenha dessas três correntes interpretativas. Para uma análise comparada, ver Cox e Rosenbluth (1995) e McCubbins e Noble (1995a; 1995b). .

Provavelmente, a transposição desse modelo encontrou seu ponto mais alto no Brasil. A análise institucional deu apoio à expectativa de que o sistema político brasileiro funcionaria de maneira similar ao norte-americano: a forma de governo e as leis eleitorais gerariam os mesmos incentivos para que os políticos estruturassem suas carreiras privilegiando laços pessoais, e não os partidários, com seus eleitores. Dado que a “conexão eleitoral” assumiria a mesma forma, segue-se que as políticas públicas patrocinadas pelos políticos também deveriam ser similares.

A participação dos legisladores brasileiros no processo de elaboração do orçamento ocupa posição de destaque no argumento, já que esta é uma situação privilegiada para que os políticos desenhem políticas públicas com o objetivo de atender às demandas particulares de seus eleitores. As emendas individuais dos parlamentares ao orçamento são vistas, em certa medida, como “o equivalente funcional” do sistema de comissões norte-americano, isto é, o instrumento por meio do qual os interesses especiais dos eleitores são atendidos. Obviamente, políticos agem dessa forma na expectativa de esses benefícios virem a ser convertidos em votos.

As interpretações usuais analisam o processo orçamentário de um ponto de vista mais amplo das relações entre o Executivo e o Legislativo. Nesse caso, essas relações tomam a forma de uma barganha entre um Executivo carente de apoio no Congresso e legisladores desejosos de orientar as políticas públicas para o atendimento dos interesses particulares e imediatos de suas clientelas eleitorais. O Executivo seria forçado a barganhar com cada um dos parlamentares a cada nova medida que introduz. Para obter votos no Parlamento, o presidente precisa atender às necessidades eleitorais dos parlamentares, liberando os recursos previstos pelas emendas. Nestes termos, seria possível observar uma correlação positiva entre votos dados ao Executivo em apoio à sua agenda e a liberação de recursos orçamentários.

Segue dessa caracterização uma visão do processo orçamentário que enfatiza sua propensão a sacrificar as políticas nacionais em nome das locais e particularistas. A passagem do orçamento pelo Congresso faria com que a proposta perdesse sua consistência programática. De outra parte, seria possível observar uma relação direta entre execução de emendas orçamentárias e continuidade das carreiras políticas. Taxas de reeleição seriam uma função direta da execução das emendas individuais ao orçamento (ver, esp., Ames, 2001; Pereira e Mueller, 2002; Pereira e Rennó, 2001; Serra, 1994; Santos et alii, 1997).

Neste trabalho, apresentamos um argumento contrário à transposição para o Brasil do modelo do voto pessoal. Sustentamos que o processo orçamentário no Brasil e a própria participação do Congresso nele não podem ser compreendidos tomando esse modelo como referência. Procuramos mostrar que o sistema político brasileiro não gera as condições motivacionais, e nem mesmo as institucionais, para que políticos baseiem suas carreiras políticas exclusivamente em vínculos pessoais e apartidários com os eleitores e com o Executivo. Não se pode assumir que, do ponto de vista dos retornos eleitorais buscados, congressistas tenham preferências homogêneas quanto ao tipo de política pública a ser privilegiada. Os políticos têm a seu dispor várias estratégias para obter mandatos representativos e o Congresso é constituído por políticos que perseguem objetivos diversos.

Em segundo lugar, independentemente do que se passa na arena eleitoral, mesmo que se assuma como verdade que as leis eleitorais tornem atrativa a opção do voto pessoal, não se pode desconsiderar o peso das normas constitucionais e regimentais que regulam o processo decisório. Tomemos o bordão neo-institucionalista a sério: resultados não podem ser derivados mecanicamente das preferências. Em outras palavras: mesmo que, devido à influência da arena eleitoral, soubéssemos as preferências dos parlamentares quanto ao tipo de política pública que patrocinariam, estas não podem ser deduzidas daquelas. Dito de maneira positiva: a capacidade de os parlamentares aprovarem políticas depende da organização ou estrutura do processo decisório, mais especificamente, da distribuição dos direitos parlamentares.

O texto está dividido em outras quatro seções. Na primeira, reexaminamos os argumentos relativos aos efeitos da lei eleitoral brasileira. Nosso objetivo é questionar as interpretações que derivam da lista aberta com representação proporcional os incentivos para que políticos cultivem o voto pessoal. Argumentamos que os retornos eleitorais desta estratégia não são tão expressivos e tampouco inequívocos. Ademais, não há evidências empíricas suficientes para sustentar que parlamentares estabeleçam laços sólidos e estáveis com seus eleitores, laços estes que lhes garantiriam carreiras estáveis, construídas ao largo dos partidos.

Na segunda seção tratamos das normas e procedimentos que regulam o processo orçamentário e seus efeitos na distribuição de recursos entre os Poderes e no interior do próprio Legislativo. Mostramos que as regras vigentes não visam atender única e exclusivamente ao interesse eleitoral imediato e individual dos parlamentares. A participação do Congresso na elaboração do orçamento é fortemente regulada por normas constitucionais e legais que preservam a proposta original enviada pelo Executivo. Além disso, as normas regimentais adotadas privilegiam a participação coletiva dos parlamentares por meio, por exemplo, da apresentação de emendas patrocinadas pelas bancadas estaduais.

Na terceira seção analisamos a distribuição dos recursos orçamentários de 1996 a 1999, buscando mostrar a ação coordenadora dos partidos políticos sobre o processo tomado em seu conjunto. A forte presença dos partidos políticos agrupados em dois grandes grupos, situação e oposição, em todas as suas etapas, explica o padrão distributivo encontrado, sobretudo quando se consideram as dotações por ministérios e programas. Ou seja, a noção de que o Congresso desfigura e retira a coerência programática do orçamento não é validada pela análise que empreendemos.

Na última seção trazemos como conclusão uma interpretação ancorada nos argumentos por nós desenvolvidos anteriormente sobre as bases institucionais do presidencialismo de coalizão brasileiro (ver Limongi e Figueiredo, 1998)2 2 . Vale observar que o argumento que desenvolvemos é distinto do apresentado por Abranches (1988), na medida em que enfatizamos como as instituições vigentes induzem à formação de coalizões em bases partidárias. Abranches, por sua vez, destaca o conflito institucional entre Poderes potencializado pela questão federativa, cujo resultado final é a paralisia decisória. . Ressaltamos a importância de dois aspectos para o entendimento da política orçamentária, a saber: a forte concentração de poderes legislativos nas mãos da Presidência e a centralização do processo decisório no interior do Legislativo. Dadas estas condições, a ação independente e individual de legisladores torna-se inócua. O curso de ação racional é o de atuar por meio dos partidos, a única forma mediante a qual os políticos serão capazes de ter influência sobre a política pública e, dessa forma, pleitear mandatos junto ao eleitorado.

LEIS ELEITORAIS: REEXAMINANDO A TESE DO VOTO PESSOAL

Nesta seção, nosso objetivo é mostrar que não há razões para aceitar sem questionamento as teses correntes acerca das conseqüências da adoção do voto proporcional com lista aberta. De acordo com esta visão, políticos brasileiros adotariam estratégias eleitorais similares às praticadas pelos políticos norte-americanos, isto é, procurariam construir laços pessoais com seus eleitores por meio da provisão de bens tangíveis e localizados que trariam alto retorno eleitoral3 3 . Para organizar o debate, é importante ter como ponto de partida uma definição operacional de voto pessoal. Adotamos a fornecida por Cain, Ferejohn e Fiorina (1987:9), a saber: “O voto pessoal refere-se àquela porção do apoio eleitoral do candidato que se origina nas suas qualidades pessoais, qualificações, atividades e histórico. A parte do voto que não é pessoal inclui apoio ao candidato baseado na sua filiação partidária, características dos eleitores, como classe, religião e etnia, reação a condições nacionais, como a situação econômica, e avaliações de desempenho centradas na chefia do governo”. .

Segundo interpretação canônica, a lista aberta enfraqueceria os partidos ao subtrair das lideranças os meios que poderiam ser empregados para punir o comportamento individualista e antipartidário dos políticos. No caso do Brasil, este fato é agravado pela existência da “candidatura nata”, que garante ao deputado que busca a reeleição acesso à lista.

Esse aspecto singular da legislação brasileira tem recebido enorme ênfase na literatura desde o trabalho pioneiro de Mainwaring (1991). Na realidade, esse é o único critério usado por Carey e Shugart (1995:428, 436, nota 24) para atribuir à legislação brasileira seu score mais alto no item falta de controle partidário sobre candidaturas contendo incentivos para o voto pessoal. Nos demais quesitos considerados por esses autores – transferência de votos no interior da lista e a possibilidade de voto no candidato e não apenas na legenda –, a legislação eleitoral brasileira é equiparada à chilena, em que os incentivos para o voto pessoal, segundo eles, seriam bem menores.

A candidatura nata é tomada como a comprovação de que líderes partidários não detêm controle algum sobre a composição da lista partidária, o que, manifestamente, não é o caso. Esta é fixada pela convenção partidária. Cada partido pode, de acordo com a legislação vigente, apresentar um candidato e meio por vaga4 4 . As coligações podem apresentar dois candidatos por vaga. . O número pode ser considerado excessivo, mas não é ilimitado. Logo, a lista é definida pelo partido e resulta da competição intrapartidária que ocorre na etapa pré-eleitoral5 5 . A afirmação de Mainwaring (2001:309), segundo a qual “[...] a irrelevância das organizações partidárias nacionais no Brasil para a escolha de candidatos (exceto para presidente) tem conseqüências para a vida partidária”, parece-nos, portanto, exagerada. Partidos não são irrelevantes para a escolha dos candidatos. . A própria existência da candidatura nata comprova haver uma competição real entre pretendentes a figurar na lista. Não fosse pelo temor de ser excluído da mesma, por que detentores de mandato precisariam dessa proteção legal?

Na realidade, a Lei nº 8.713/93 que regulou a eleição de 1994 não previu a “candidatura nata”. Ela foi reinstaurada pela Lei nº 9.504/97 que presidiu o pleito de 1998. Quando revisávamos este artigo (maio de 2002) para publicação, o Supremo Tribunal Federal – STF declarou a candidatura nata inconstitucional. Logo, este preceito peculiar não mais pode ser citado para distinguir o Brasil do Chile, onde, de acordo com as tipologias correntes, observaríamos um sistema partidário forte e consolidado (Mainwaring e Scully, 1995). Em ambos os países, a composição da lista é uma prerrogativa do partido e, dessa forma, a caracterização do sistema chileno oferecida por Carey e Shugart – “a reputação partidária ainda é muito significativa [...] porque os votos de todos os candidatos de um partido são somados – ou seja, os votos para qualquer candidato da lista aumenta o total do partido – e porque é o partido que determina que candidato pode usar a legenda” (1995:427) – pode ser estendida ao Brasil.

Mesmo que assumíssemos que o partido não controla a elaboração da lista, isto é, que a lista é efetivamente aberta a todo e qualquer pré-candidato, e que, portanto, líderes não detêm o controle sobre esse instrumento, possivelmente um dos mais eficientes, para influenciar o comportamento dos parlamentares, não segue que inexistam outros meios, e que estes estejam igualmente fora do controle dos líderes, para se obter os mesmos resultados. Na verdade, os líderes partidários podem recorrer a outras armas para disciplinar os parlamentares. Na arena eleitoral, pode-se citar o controle exercido pelo partido sobre a distribuição do tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (ver Schmitt et alii, 1999). Mas não é necessário que recursos que produzam esse efeito estejam restritos à arena eleitoral, algo que a literatura comparada não leva em consideração. Para que um político se eleja manipulando políticas públicas, direcionando-as para atender aos interesses de seus eleitores, sua capacidade de influenciá-las é crucial para que o argumento se sustente. Logo, a arena decisória não pode ser desconsiderada.

A identificação dos efeitos negativos da lista aberta enfatiza ainda o fato de esta estimular a competição intrapartidária, o que poderia minar a solidariedade entre candidatos de uma mesma legenda. Onde se adota a lista fechada, membros de uma mesma agremiação não disputam os votos dos eleitores. Nestes casos, a competição por votos se resume à disputa entre partidos. Onde se adota a lista aberta, a sorte do candidato depende dos votos conseguidos por ele mesmo. Distinguir-se de seus co-partidários é, portanto, essencial para que receba votos e seja eleito.

De fato, esta lógica opera integralmente em distritos multinominais em que os votos não são transferidos no interior dos partidos, como era o caso do sistema eleitoral adotado pelo Japão até 1933 (McCubbins e Rosenbluth, 1995:37-42). No entanto, como a representação proporcional garante a transferência de votos no interior da lista, as competições intrapartidária e interpartidária não têm o mesmo peso para a sorte eleitoral do candidato.

Usualmente assume-se que a lista aberta faz com que a competição entre membros do partido suplante a competição entre partidos. Mainwaring, por exemplo, afirma que “onde vigora a lista aberta, a competição intrapartidária é freqüentemente – e talvez até usualmente – mais acirrada do que a competição interpartidária” (1991:41). No entanto, Mainwaring sustenta seu argumento de forma contraditória ao afirmar que

“[...] os candidatos podem normalmente fazer incursões eleitorais contra seus próprios colegas de partido com maior facilidade do que contra candidatos de outros partidos. Tomar votos de candidatos de outros partidos é mais difícil porque, na medida em que o eleitorado associa vagas aspirações e imagens a diferentes partidos, é menos provável que o eleitor mude para um candidato de outro partido” (ibidem, ênfases nossas).

Ou seja, ainda que o faça de forma diluída e ambígua, Mainwaring assume que o eleitor vota partidariamente.

Em um sistema de “lista aberta”, a competição intrapartidária não suplanta a interpartidária. Como os votos na lista são transferidos, qualquer voto dado a um candidato do partido aumenta as chances de os demais se elegerem. Votos em outra lista têm efeito contrário. A possibilidade de os candidatos se comportarem da forma descrita por Mainwaring apenas indica a importância da composição da lista para o partido. As estratégias eleitorais utilizadas pelos partidos para compor a lista são ainda pouco estudadas.

Carey e Shugart argumentam que a importância da competição intrapartidária cresce com a magnitude do distrito eleitoral. Quando há mais de um postulante a uma mesma cadeira, candidatos só obteriam votos suficientes para se eleger à medida que investissem em se diferenciar de seus co-partidários. Ora, se todos seguem esta estratégia, os custos para se distinguir aumentarão, devendo ser levados em conta pela análise. A descrição oferecida por Mainwaring mostra que esta estratégia se desenvolve no interior dos limites definidos pela imagem do próprio partido.

Os argumentos baseados na dicotomia voto pessoal/voto partidário assumem a existência de um trade-off entre estas duas alternativas. No entanto, onde a legislação prevê a transferência de votos no interior da lista, como é o caso por definição de sistemas proporcionais com lista aberta, votos pessoais e partidários são complementares e dificilmente distinguíveis.

Em resumo, as conseqüências usualmente deduzidas da lista aberta não são tão deletérias para o partido como normalmente se afirma. Os incentivos para que políticos cultivem o voto pessoal não são inequívocos. A importância da composição da lista, uma prerrogativa da convenção partidária, não deve ser desconsiderada.

O valor do voto pessoal no sistema político brasileiro pode ser equacionado com base em evidências empíricas. Em apoio à tese de que a lista aberta enfraquece o partido, citam-se com freqüência as baixas taxas de identificação partidária (Mainwaring, 2001:156). Ademais, quando perguntada a respeito dos critérios utilizados para decidir sobre o destino do seu voto, a esmagadora maioria dos eleitores afirma pautar suas decisões com base nas qualidades pessoais dos candidatos, independentemente dos partidos a que estejam filiados (idem:169). No entanto, como Soares (1973:214) mostrou há algum tempo, preferências pessoais estão altamente correlacionadas à filiação partidária dos candidatos. Ou seja, os atributos pessoais e partidários estão associados na percepção dos eleitores, uma indicação de que, ao menos nesse plano de análise, não existe dicotomia entre voto pessoal e voto partidário6 6 . A passagem relevante de Soares é a seguinte: “Em pesquisa eleitoral que realizei na Guanabara perguntei aos entrevistados em quem votariam se o melhor candidato fosse o candidato do pior partido, e vice-versa: 77% responderam que votariam no melhor candidato do pior partido e somente 10% responderam que votariam no pior candidato do melhor partido (os demais votariam em terceiros candidatos, não votariam, etc.). Não obstante, observa-se estreita relação entre as preferências partidárias e a votação efetiva [...]. A grande maioria dos entrevistados, que acreditavam que votariam no melhor candidato do pior partido, percebia o candidato do partido como o melhor. Assim sendo, a afirmação de que ‘votariam no melhor candidato do pior partido’ é inócua, porque o candidato do partido preferido era, sistematicamente, percebido como o melhor. A escolha de um candidato é fortemente dependente da preferência partidária” (1973:214-215). . Pesquisa recente do IBOPE, usando metodologia diversa da usual, que permite que eleitores consultem cartão com alternativas, revelou que 63% dos eleitores têm simpatia ou se identificam com algum dos partidos apresentados. Cabe notar que as taxas de identificação não apresentaram variações regionais ou relativas ao porte dos municípios ou sua condição (capital, periferia e interior)7 7 . Pesquisa IBOPE (OPP 217/00), Amostra Nacional, 2000 entrevistas, Campo: de 1-7 de julho de 2000, Acervo do Doxa/IUPERJ. .

Outro indicador freqüentemente invocado para demonstrar a fragilidade partidária nacional, o fato de os eleitores raramente se recordarem de quem votaram na última eleição proporcional, lança dúvidas sobre os vínculos que uniriam eleitores e seus representantes. Se estes fossem pessoais e fortes, dever-se-ia observar uma taxa de recordação mais alta.

Finalmente, a existência de distritos informais é tida como suficiente para demonstrar que os políticos adotam estratégia própria aos sistemas distritais8 8 . Vale notar que Cain, Ferejohn e Fiorina (1987:216-217) acreditam que o sistema inglês, por causa da convivência entre voto partidário e distritos uninominais, esteja fora de equilíbrio, o que os leva à afirmação temerária de que, dada a inevitável ascensão do voto pessoal, esse sistema passaria por transformações radicais, movimentando-se em direção ao modelo norte-americano. . Para Ames, por exemplo, a presença de um padrão espacial de votação concentrada e dominante é tomada como suficiente para sustentar a afirmação de que o sistema eleitoral brasileiro produz políticos “que se preocupam mais com seu eleitorado pessoal e com seus interesses privados do que com questões nacionais”, de onde se segue que o sistema político produziria “políticas clientelistas a expensas de políticas nacionais” (2001:185-186). Ames apóia a sua análise em apenas um padrão espacial de votação. No entanto, seus dados mostram que parlamentares eleitos em 1991 se distribuem de maneira uniforme pelos quatro padrões logicamente possíveis, a saber: concentrado-dominante, concentrado-compartilhado, disperso-dominante e disperso-compartilhado (idem:43-44).

A diversidade de padrões espaciais de votos encontrados por Ames (idem), confirmados para legislaturas posteriores por Cheibub e Camargos (2002), sugere que a legislação eleitoral brasileira permite que políticos lancem mão de estratégias variadas para se eleger e reeleger, recorrendo à construção de vínculos diversificados com o eleitorado. Em boa medida, o padrão espacial apresentado pode ser um reflexo da estratégia perseguida pelo partido ao compor a lista. A solução dessa questão passa pela comparação entre a dispersão espacial dos votos partidários e dos votos pessoais, contrapondo a competição intrapartidária à interpartidária em cada unidade geográfica.

As taxas de reeleição verificadas no Brasil apresentam um problema adicional para a adaptação do modelo do voto pessoal. Na literatura norte-americana, não é demais recordar, o conceito foi elaborado para responder à constatação de que a competição eleitoral nos distritos estaria diminuindo, favorecendo os detentores de mandato, qualquer que fosse o partido pelo qual concorressem. Ou seja, identifica-se a existência de uma vantagem na competição eleitoral que decorreria do próprio exercício do mandato. A hipótese que se segue é que os representantes estariam moldando as políticas públicas de forma a garantir a sua reeleição.

No Brasil, as taxas de reeleição estão muito distantes das verificadas nos Estados Unidos. A taxa média de reeleição nas três últimas eleições foi de 43,9%. A série histórica mostra uma tendência ao crescimento, mas ainda assim ela permanece relativamente baixa. Mesmo se considerarmos o sucesso dos deputados que concorreram à reeleição, ele é bastante modesto: 62,2% dos que buscaram a reeleição a obtiveram. Ou seja, o mandato não traz a segurança na esfera eleitoral que deveria ocorrer como uma conseqüência do voto pessoal.

Os dados revelam ainda que os deputados têm pouco controle sobre sua sorte eleitoral. Receber mais votos pessoais não assegura a reeleição: dos que não foram reeleitos nas três últimas eleições, 15% deles receberam mais votos quando derrotados. Da mesma forma, perder votos e posições na lista partidária não acarreta a perda da cadeira: 39,4% dos deputados reeleitos em 1998 perderam votos entre as eleições de 1994 e 1998. Para 29,8% dos parlamentares que concorreram à reeleição em 1998, o exercício do mandato fez com que perdessem votos pessoais entre duas eleições. Na eleição de 1994, 40% dos candidatos à reeleição haviam recebido mais votos em 1990. Logo, os deputados brasileiros não se mostram capazes de neutralizar as incertezas do mercado eleitoral.

Tais fatos têm implicações óbvias para a suposição de que o voto pessoal forneceria a referência básica para se entender o comportamento dos parlamentares. Ao que tudo indica, os políticos brasileiros não contam com bases de apoio pessoal com as quais possam resistir às pressões do Executivo e dos líderes partidários com vistas à coordenação de suas ações9 9 . Como observam Cain, Ferejohn e Fiorina, “Na medida em que parlamentares consigam construir e manter bases pessoais de apoio junto a seus diferentes eleitorados, eles estarão, caso desejem fazê-lo, melhor preparados para resistir às tentativas dos líderes nacionais para controlar e coordenar suas ações” (1987:8). . Além disso, dado o baixo rendimento eleitoral do exercício do mandato, parece difícil sustentar que as políticas públicas tenham o perfil que se espera venham a ter sob a vigência do voto pessoal.

A adaptação do modelo do voto pessoal ao Brasil baseia-se quase que exclusivamente na identificação dos incentivos gerados pela legislação eleitoral. A correspondência entre os alegados incentivos e os dados empíricos que a comprovariam é antes sugerida que demonstrada.

ORGANIZAÇÃO LEGISLATIVA E CONTROLE INSTITUCIONAL DA PARTICIPAÇÃO PARLAMENTAR

Até aqui, discutimos a arena eleitoral e os incentivos que esta geraria para um determinado tipo de comportamento dos parlamentares. Por mais fortes que sejam esses incentivos eles não podem ser considerados separadamente das demais instituições, em especial as que regulam o processo decisório. Nos Estados Unidos, como argumentam Cain et alii (1987:9), o voto pessoal é parte de um equilíbrio institucional entre leis eleitorais e organização do processo decisório no interior do Legislativo. O modelo do voto pessoal está ancorado no sistema de comissões, isto é, os incentivos para cultivar o voto pessoal encontram-se em harmonia com um processo decisório descentralizado em que os parlamentares controlam a produção legislativa na jurisdição que mais afeta os eleitores de seu distrito.

Na adaptação do modelo ao Brasil, a prerrogativa conferida aos parlamentares de apresentar emendas ao orçamento é tomada como prova suficiente de que poderiam imprimir um perfil distributivista às políticas públicas. Ou seja, o sistema de comissões, com as inúmeras teses auxiliares envolvidas (homogeneidade social dos distritos, composição por auto-seleção, seniority, monopólio de proposição, jurisdições próprias e não concorrentes, deferência do plenário etc.), é substituído pelo simples direito de apresentar emendas individuais ao orçamento10 10 . Ver Shepsle e Weingast (1984) para uma análise do orçamento norte-americano que ressalta a importância do sistema de comissões. .

O esclarecimento da questão pede mais que isso. Se for para levar o jargão a sério, se instituições de fato contam, então precisamos saber mais sobre os aspectos institucionais que regulam o processo orçamentário no Brasil. Mostraremos que dispositivos constitucionais e legais garantem a primazia do Executivo, preservando sua proposta orçamentária, e que normas congressuais neutralizam a participação parlamentar individual.

A Constituição atual estabelece que o Executivo tem a prerrogativa exclusiva de iniciar toda e qualquer legislação relacionada a matérias orçamentárias, o que envolve o Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA, e as chamadas Leis de Crédito, que são propostas ao longo do ano para atender às variações na receita e a circunstâncias excepcionais.

A Constituição reconhece o direito de o Legislativo emendar os projetos enviados pelo Executivo. No caso do Projeto de Lei Orçamentária – PLO, o artigo 116 da Constituição estabelece que cabe ao Executivo estimar as receitas e que as emendas congressuais são aceitas desde que indiquem “os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidem sobre: a) dotações para pessoal e seus encargos; b) serviço da dívida; c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal”. Como a Lei nº 4.320/64 veda o cancelamento das dotações destinadas às despesas correntes, a intervenção do Congresso na confecção do orçamento resume-se, praticamente, ao remanejamento das despesas com investimento. Esses recursos, como mostra a Tabela 1, representam uma proporção pequena do orçamento, mas não são desprezíveis.

A posição privilegiada em que se encontra o Executivo vis-à-vis o Legislativo é reforçada pelo fato de a Constituição não regulamentar as conseqüências da não-aprovação do orçamento no final do ano fiscal. Esta regulamentação tem sido feita pela LDO que, até 1996, facultava ao Executivo a execução de 1/12 ao mês das dotações previstas no projeto enviado. Com isto, está claro, o Executivo perdia todo interesse em ter a LOA aprovada no prazo. De fato, entre 1988 e 1996, a LOA nunca foi aprovada antes do início do ano11 11 . Em 1995, a LOA só foi aprovada em novembro, ou seja, por pouco mais de dez meses os gastos foram liberados com base na proposta enviada. . Nos últimos anos, o Legislativo tem previsto conseqüências mais drásticas à não-aprovação do orçamento, limitando as áreas em que gastos podem ser autorizados (como pagamento de pessoal) e o período máximo de execução excepcional12 12 . Para um tratamento mais extenso dessas normas, consultar Giacomini (2001:250 e ss.). . Desde 1997, o orçamento tem sido aprovado no prazo.

A vantagem estratégica do Executivo estende-se à execução dos gastos previstos pela LOA. A lei orçamentária é autorizativa; não é mandatória. Isto é, o Executivo necessita de aprovação legislativa para efetuar qualquer gasto, mas não precisa fazer todos os gastos autorizados. A Lei nº 4.320/64 permite que, dentro de certos limites definidos pela própria LOA, dotações possam ser remanejadas pelo Executivo sem consulta prévia ao Legislativo13 13 . Segundo observa Rocha, as LOAs do período têm autorizado o “[...] poder Executivo a abrir créditos suplementares até 20% do valor consignado no subprojeto/subatividade suplementado, sem prévia autorização legislativa. Entre as fontes de recursos possíveis à suplementação, está o cancelamento de até 20% de dotações indicadas na lei orçamentária. Apenas para o Orçamento de 1997 é que estes limites caíram para 15%, na suplementação e no cancelamento. [...] Na prática, este dispositivo permite ao Executivo uma considerável margem de manobra sobre a Lei Orçamentária sem que o Legislativo seja ouvido, à medida que cada dotação pode ser cancelada e acrescida em margem considerável” (1997:92). . Além disso, uma vez que os desembolsos dependem do comportamento efetivo da receita, a legislação vigente prevê a promulgação, por parte do Executivo, de um decreto estabelecendo a programação financeira e o organograma de execução mensal de desembolsos. Para muitos analistas e gestores públicos, esse decreto define o “orçamento real”, posto que fixa o percentual das dotações contingenciadas por órgãos (ministérios). Por essa prática – ponto importante para a discussão a ser feita na próxima seção –, a decisão final quanto à execução do orçamento, respeitados os limites estabelecidos, é transferida para os ministérios.

A participação do Congresso no processo orçamentário, portanto, se dá dentro de limites claros, definidos pelas restrições constitucionais e legais ao direito de emendar e pelos graus de liberdade reservados ao Executivo na proposição e execução do orçamento. Os recursos que podem ser usados para patrocinar políticas públicas (programas) que atendam aos supostos interesses eleitorais dos congressistas se resumem, praticamente, aos recursos destinados a investimentos. Estes são, como se pode ver na Tabela 2, os recursos que sofrem as maiores perdas na execução do orçamento, posto que são estes, justamente, os gastos passíveis de serem protelados ou executados de acordo com o comportamento das variáveis macroeconômicas. Gastos com pessoal e com despesas correntes não podem ser comprimidos da mesma forma.

Dadas essas restrições ao direito do Legislativo de emendar o orçamento, para avaliar o impacto da atuação do Congresso nesse processo, a análise que se segue se limita aos gastos de investimentos. Considerar a participação do Legislativo nos gastos totais minimizaria o seu papel nas decisões orçamentárias. Nas despesas de investimento, restrições à apresentação e aprovação de emendas são pequenas. Em tese, o Congresso poderia alterar quase que integralmente a proposta enviada pelo Executivo. O Congresso define uma parcela bem menor do orçamento do que potencialmente poderia (ver Tabela 3). Além disso, como veremos adiante, preserva a proposta enviada14 14 . A distinção entre os recursos aportados por cada um dos Poderes é feita de acordo com metodologia explicitada no Anexo. Vale notar que os procedimentos adotados sobreestimam a participação do Legislativo na medida em que: a) em casos de conflito entre dados na definição da participação dos dois Poderes na LOA deu-se precedência às emendas parlamentares sobre a proposta do Executivo; b) o cálculo das taxas de execução teve como prioridade o valor da emenda – por exemplo, se o Executivo alocou R$ 80 em uma rubrica no valor total de R$ 100, e apenas R$ 20 foram executados, consideramos que a emenda de R$ 20 foi inteiramente executada e, finalmente; c) boa parte das emendas dos relatores são, na realidade, correções na proposta do Executivo. .

A apreciação dos projetos de lei referentes a matérias orçamentárias enviadas pelo Executivo se dá no Congresso Nacional (sessão conjunta das duas Casas), e está a cargo de uma comissão formada por senadores e deputados, a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO, cuja existência é prevista pelo texto constitucional. A organização dos trabalhos desta Comissão e a participação dos parlamentares no processo orçamentário são matérias de decisão interna ao próprio Congresso Nacional.

No que se refere à apreciação do orçamento, a atuação do Congresso é regulada pela Resolução nº 2/95-CN, que foi produto da CPI do Orçamento constituída em 1993 em razão de denúncias de corrupção15 15 . Recentemente, esta Resolução foi alterada pela Resolução nº 1/2001-CN, que buscou incorporar práticas e aperfeiçoamentos adotados nos últimos anos. As modificações introduzidas não afetam o espírito norteador da Resolução nº 2/95 nem as análises que apresentamos a seguir. . Esta resolução altera radicalmente a maneira pela qual o Congresso se envolve no processo orçamentário, redefinindo o papel do relator geral e disciplinando o atendimento da demanda parlamentar.

A participação do Congresso na lei orçamentária anual se dá por meio da aprovação de emendas que podem ser distinguidas de acordo com três tipos de proponentes: individuais, coletivos e os relatores. Quanto às emendas individuais, no período analisado, 1996-1999, vigorou um teto para o número de emendas por parlamentar (vinte) e para o valor de recursos destinados a cada parlamentar (R$ 1,5 milhão)16 16 . Em 2000, este teto foi ampliado para R$ 2 milhões por parlamentar. . Assim, após a promulgação da Resolução nº 2/95-CN, a distribuição de recursos entre os parlamentares passou a ser uniforme e fixa, retirando do relator geral a possibilidade de favorecer este ou aquele grupo na repartição desses recursos.

As emendas coletivas, por sua vez, podem ser de três tipos: emendas de bancadas estaduais, de bancadas regionais e de comissões do Senado e da Câmara. A Resolução nº 2/95-CN aumentou as exigências de apoio para acolhimento das emendas coletivas. No caso das emendas de bancadas estaduais, por exemplo, a exigência de metade da bancada foi aumentada para três quartos17 17 . A Resolução nº 1/2001 alterou estas proporções para dois terços. Como as assinaturas do Senado e da Câmara são tomadas e computadas separadamente, a exigência de três quartos dos senadores implicava apoio dos três senadores. .

Por último, cabe considerar as emendas dos relatores. A Resolução nº 2/95-CN buscou imprimir um caráter mais colegiado à ação dos relatores e, ao mesmo tempo, cercear a liberdade de eles oferecerem suas próprias emendas sobre qualquer área e a qualquer momento do processo de apreciação da LOA. Procurou-se limitá-las a correções e omissões identificadas no projeto original. Uma certa ambigüidade foi preservada na medida em que se reservou aos relatores a faculdade de apresentar emendas que visem promover “a adequação dos pareceres setoriais (relatórios aprovados pelas subcomissões), de modo a suprimir eventuais conflitos e redundâncias entre estes, bem como as alterações de destaques aprovados” (art. 23, § 1º).

Osvaldo Maldonado Sanches observa que o papel do relator geral ainda é muito grande.

“Não obstante os esforços dos membros do Parlamento no sentido de limitar os papéis decisórios do Relator Geral, por intermédio das normas da Resolução nº 2/95-CN (sobretudo as do artigo 23), que o situa basicamente como um coordenador dos Relatores responsáveis pelas decisões, na prática, este continua a concentrar grande poder a expensas do esvaziamento das Relatorias Setoriais” (1998:10).

O mesmo autor destaca que as emendas dos relatores setoriais se confundiram com as das bancadas estaduais na medida em que tanto o Parecer Preliminar de 1996 como o de 1997 instituíram as chamadas “Indicações de Bancada para Emendas de Relator”, o que “além de contornar restrições às emendas de Relator, vieram a sistematizar uma forma de violação aos limites quantitativos fixados pela Resolução nº 2/95-CN para as emendas de bancada estadual” (idem:9).

Ainda assim, é inegável que a atuação dos relatores, após a promulgação da Resolução nº 2/95-CN, desenvolveu-se em um contexto de maior transparência e controle partidário. A relatoria passou a atuar de forma colegiada, uma vez que o parecer do relator geral deve ser elaborado em conjunto com os relatores parciais. O relator geral, assim como os parciais, são designados pelo presidente da CMO, “de acordo com as indicações das Lideranças Partidárias ou dos Blocos Parlamentares, observado o critério da proporcionalidade partidária”18 18 . Artigo 9º, da Resolução nº 2/95-CN. .

O artigo 10 da Resolução nº 2/95-CN prevê ainda que as lideranças partidárias devem fazer a indicação formal de seus representantes na CMO, constituindo assim um Colegiado de Representantes das Lideranças Partidárias. Ainda que este Colegiado não possua atribuições formais, segundo observa Rocha (1997:115), ele vem assumindo crescente importância no processo decisório da CMO, atuando durante a elaboração do parecer preliminar, momento-chave, como veremos, de todo o processo.

A participação relativa de cada um dos proponentes no total de recursos aprovados pelo Legislativo para gastos em investimento encontra-se na Tabela 4.

As emendas individuais não são as que recebem a maior parcela de recursos. A Resolução nº 2/95-CN estabelece que as emendas coletivas têm prioridade sobre as demais. Este preceito, como mostram os dados, vem sendo seguido à risca.

Como observado anteriormente, o processo orçamentário não se esgota com a aprovação da LOA, estendendo-se para as decisões relativas à liberação das verbas. Vejamos as taxas de execução das emendas por tipo de proponente.

Há uma grande variação anual nas taxas de execução. Em 1996, apenas a metade dos recursos previstos foi efetivamente executada. Nos demais anos, a taxa foi mais elevada, mas ainda assim não ultrapassou 70%. Nota-se, ainda, uma forte variação no interior de cada ano, variação esta que é um pouco mais acentuada nos anos de baixa execução. As mais baixas taxas de execução, para qualquer dos anos considerados, verificam-se nas emendas individuais, sensivelmente afetadas pelo comportamento anual das taxas de execução.

As emendas individuais são o recurso com que os parlamentares contariam para “cultivar o voto pessoal”, atendendo aos interesses particulares dos seus eleitores. Não são recursos propriamente vultosos, não passam de 5,85% do total dos investimentos executados no período 1996-99.

Em resumo, as reformas institucionais promovidas após a CPI do Orçamento transformaram radicalmente a participação dos parlamentares no processo orçamentário, privilegiando a atuação de atores coletivos como as bancadas estaduais e os partidos. Demandas individuais não deixam de ser atendidas. Há espaço para que os parlamentares cultivem laços e vínculos pessoais com seus eleitores. No entanto, esses recursos são limitados, isto é, o Congresso não organizou sua participação no processo orçamentário com o objetivo de privilegiar os interesses eleitorais de parlamentares que mantêm vínculos pessoais e diretos com seus eleitores.

PARTIDOS POLÍTICOS E DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS

Nas seções anteriores procuramos mostrar que os parlamentares brasileiros não possuem quer as bases eleitorais que lhes garantam independência, quer as condições institucionais para oferecer resistência aos esforços dos líderes e do governo visando coordenar suas ações. Parlamentares têm limitada capacidade de influir, de forma individual, na alocação de recursos orçamentários19 19 . Em outro trabalho, mostramos que, no pós-88, o parlamentar brasileiro tem igualmente baixa capacidade de prover benefícios pessoais por meio de legislação (Figueiredo e Limongi, 2000). Sobre o papel do Congresso na aprovação de leis de natureza distributiva, ver Lemos (2001) e Ricci (2001). . A apreciação do orçamento pelo Congresso se dá por meio de um processo altamente centralizado. Decisões-chave são tomadas pelos relatores com a participação direta dos representantes dos líderes partidários, isto é, do Colegiado de Representantes das Lideranças Partidárias na CMO. Mostraremos, nesta seção, como essa atuação se caracteriza pela complementaridade entre a maioria que domina o Legislativo e o Executivo. Este, dado o controle que mantém sobre a elaboração e a execução do orçamento, se encontra em posição estratégica favorável, podendo induzir os congressistas à cooperação. Por esta razão, os recursos orçamentários são distribuídos de acordo com a participação dos partidos no governo e segundo uma divisão de trabalho entre Executivo e Legislativo, o que significa dizer que a divisão de recursos orçamentários não obedece a uma lógica localista inteiramente subjugada aos interesses particularistas dos parlamentares, mas se realiza de acordo com prioridades estabelecidas pelo Executivo. Sobretudo, o Executivo garante a capacidade de manter o orçamento equilibrado por meio da projeção das despesas e compressão, quando necessário, dos gastos com investimento.

Cabe ao relator geral definir a parcela a ser reivindicada pelo Congresso Nacional para acomodar suas emendas. Isto é feito por meio de cortes lineares nos montantes alocados nos grupos de despesas passíveis de serem emendados. Os remanejamentos podem ocorrer apenas no interior do conjunto de unidades orçamentárias que compõem a área temática de cada sub-relatoria. Constitui-se, dessa forma, o que no jargão orçamentário se chama de “bolsa de emendas”.

Com essa operação, o Congresso supera o enorme problema de coordenação que decorre da aplicação do preceito constitucional segundo o qual cada emenda depende, para sua apreciação, da identificação da fonte de recursos a ser cancelada. Tomado ao pé da letra, este preceito implicaria que se duas ou mais emendas identificassem a mesma fonte, somente uma poderia ser aprovada.

Além de resolver o problema de coordenação enfrentado pelos parlamentares, por meio da bolsa de emendas, o relator geral preserva a distribuição original de recursos contida na proposta enviada pelo Executivo. Como o remanejamento tem lugar no interior dos recursos alocados previamente a cada relatoria, a divergência entre a proposta enviada e a aprovada é, necessariamente, limitada. O Congresso não elabora a sua proposta do zero, realocando livremente todos os recursos reservados pela bolsa de emendas. Os remanejamentos propostos pelo Legislativo não podem, portanto, desconsiderar completamente as prioridades estabelecidas pelo Executivo. Dada a correspondência entre as sub-relatorias e os principais programas controlados pelos ministérios, a proposta enviada pelo Executivo define a participação relativa de cada ministério no bolo orçamentário. Em boa medida, a alocação feita pelo Congresso resume-se à indicação, com maior precisão, do local de aplicação dos recursos.

Em outras palavras, o Congresso remaneja uma parcela de recursos bem inferior ao que poderia, e mesmo a parcela realocada se atém a parâmetros definidos pelo Executivo. Ou seja, ao aprovar o parecer preliminar, o Congresso ata suas próprias mãos. A questão está em saber por que o faz. Tal operação não faz sentido no interior de um modelo que toma o Legislativo como ator unitário e com interesses antagônicos aos do Executivo.

O comportamento dos relatores pode ser mais bem entendido se os tomamos como agentes da maioria que apóia o Executivo, que, enquanto tal, tem interesse em preservar suas políticas prioritárias. Verifica-se, assim, a importância dos papéis institucional e partidário desempenhados pelos relatores. Não por acaso, a escolha dos nomes para exercer esta função recai sobre um círculo seleto de membros dos partidos da coalizão que apóia o presidente.

Por outro lado, a distribuição interna dos recursos apropriados pelo Congresso não se orienta nem por uma lógica inteiramente individualista, nem por uma lógica que potencialize os conflitos partidários. A Resolução nº 2/95 delimitou os conflitos distributivos dessa natureza, ordenando e induzindo a alocação de recursos. Interesses individuais são atendidos dentro de limites preestabelecidos e por meio de uma distribuição de recursos uniforme que não faz distinção alguma entre parlamentares, seja de ordem partidária ou eleitoral.

Os requisitos para a proposição de emendas coletivas, de outra parte, fazem com que estas atendam, de fato, a interesses mais gerais. As emendas de comissões refletem as decisões tomadas no interior de cada uma delas, devendo ser acompanhadas das atas de reuniões em que foram aprovadas. Já as emendas de bancadas, que representam a maior parte dos recursos alocados, não podem responder ao interesse de um único partido. De acordo com o regimento, as bancadas estaduais podem apresentar apenas dez emendas e as regionais cinco. Essas emendas, no período estudado, necessitavam do apoio de três quartos dos membros das bancadas dos estados ou de maioria absoluta das bancadas das regiões responsáveis por sua apresentação20 20 . Para que uma emenda de bancada regional seja acatada, deve contar com o apoio de pelo menos 20% dos representantes de cada estado que a compõe. . Os partidos da coalizão do governo detêm três quartos das cadeiras da Câmara em vinte dos 27 estados, porém, como eles são, no mais das vezes, competidores no plano estadual, essa exigência e a unanimidade dos senadores implica que emendas desse tipo devem passar por um acordo entre os partidos, principalmente se levarmos em conta o limite ao número de emendas apresentadas. Dessa forma, projetos e atividades financiados por emendas de bancadas estaduais dificilmente poderiam ser creditados à ação de parlamentares específicos de forma a gerar retornos eleitorais que estreitassem vínculos de natureza pessoal.

A liberação das verbas orçamentárias relativas às emendas individuais tende a ser vista como importante moeda de troca nas negociações entre o Executivo e o Legislativo. Em uma versão deste argumento, um Executivo frágil é chantageado por legisladores oportunistas (Ames, 2001). Em uma versão alternativa, um presidente forte usa seu poder discricionário para liberar verbas visando obter os votos de legisladores premidos pela necessidade de distribuir recursos para suas bases eleitorais. De acordo com Pereira e Mueller: “[...] o presidente da República recompensa os parlamentares que sistematicamente votam a favor dos projetos de interesse do governo, autorizando a execução de suas emendas individuais, e, ao mesmo tempo, pune os que não votam nesses projetos simplesmente não executando as emendas propostas por eles” (2002:274; ver, também, Pereira, 1999).

Partidos não desempenham nenhum papel nesta explicação. No máximo, há uma correspondência entre determinados comportamentos e filiação partidária. O grau de apoio que o presidente obtém de um determinado parlamentar depende tão-somente da execução de suas emendas. O presidente não teria por que discriminar este ou aquele parlamentar com base em sua filiação partidária. O que contaria seria o apoio dado por cada parlamentar à agenda do presidente em cada uma das votações nominais.

A execução das emendas individuais, porém, favorece os parlamentares filiados aos partidos que pertencem à coalizão presidencial. A Tabela 6 apresenta as taxas médias anuais de execução das emendas individuais agregadas por partido. Os deputados filiados às siglas que fazem parte da coalizão de apoio ao presidente são beneficiados. No entanto, há variação no interior desses partidos e, sobretudo, há variação anual nas taxas de execução. Nos anos em que estas taxas foram mais altas, a execução dos partidos de oposição aproximou-se das taxas obtidas pelos partidos da situação nos anos de baixa execução.

Parafraseando Pereira e Mueller (2002:287), se a execução orçamentária fosse usada como uma maneira de chantagear os legisladores para apoiar o Executivo, permitindo que este respondesse às demandas dos legisladores fiéis e evitando que gastasse recursos com os legisladores infiéis, então o apoio ao presidente deveria variar na mesma proporção. No entanto, os dados relativos ao apoio partidário ao presidente mostram grande estabilidade. Como a Tabela 7 deixa claro, o apoio médio dos partidos não varia com as taxas de execução orçamentária.

A demonstração da tese de Pereira e Mueller pediria, por exemplo, que o apoio ao presidente variasse com a taxa de execução das emendas. No entanto, as taxas de execução para o PT em 1997 são similares às do PSDB em 1996, sem que as taxas de apoio de ambos ao presidente mostrem qualquer flutuação significativa. O mesmo deveria se aplicar às taxas de apoio do PDT que, em 1997, teve taxas de execução maiores do que as dos partidos da coalizão governamental no ano anterior, exceção feita ao PFL.

Tão ou mais importante é o fato de que na execução das emendas, como vimos, o Executivo favorece as coletivas e não as individuais. São estas últimas as primeiras a serem cortadas quando o governo enfrenta problemas com os gastos públicos. Se a execução de emendas individuais fosse a moeda usada para obter apoio, o presidente deveria privilegiar a execução dessas emendas e contingenciar as coletivas. Os cortes das emendas individuais, portanto, segue menos uma lógica política e mais a macroeconômica.

Por essa mesma razão, a própria execução da proposta do Executivo em relação a gastos com investimentos se vê prejudicada. Para os anos considerados, essas taxas variaram entre um mínimo de 46,8% em 1999 e um máximo de 59,8% em 1996. A partir de 1997, as alocações de investimentos determinadas pelo próprio Executivo deixam de ser privilegiadas na execução. Em 1999, a vantagem relativa do Congresso é patente (ver Tabela 5).

Em realidade, conquanto o Executivo tenha certos graus de liberdade para controlar a liberação de recursos, não segue que eles sejam absolutos. Os decretos de programação orçamentária não são tão flexíveis a ponto de permitir uma relação linear entre apoio ao Executivo e execução das emendas. Por isso, em nenhum ano, a taxa de execução dos partidos de oposição chega a zero e, tampouco, todos aqueles que apóiam integralmente o Executivo têm todas as suas emendas executadas. A subordinação da execução do orçamento de investimentos aos imperativos macroeconômicos é patente. A liberação dessas verbas é fortemente concentrada no final do ano, após o governo ter assegurado o equilíbrio das contas públicas. Por outro lado, a variação nas taxas anuais de execução pode ser interpretada muito mais como resposta a condicionantes de natureza econômica do que a oscilações nas bases de apoio do governo.

O modelo explicativo proposto por Pereira e Mueller é uma versão de um argumento mais geral segundo o qual o Legislativo seria capaz de impor a sua vontade ao Executivo21 21 . Linz e Stepan apresentam um argumento deste tipo: “No período de 1985 a 1993, governos fracos no Brasil não procuraram ou não puderam enfrentar a crise fiscal e estabilizar a economia. O preço do apoio legislativo foi quase sempre um acordo para não colocar a reforma fiscal na agenda ou para dar subsídios especiais ao eleitorado dos congressistas e dos governadores” (1996:180). . Na medida em que o Executivo depende dos votos dos legisladores para aprovar sua agenda e não conta com a ameaça de dissolução da legislatura, acaba por ser uma presa dos interesses especiais e localistas dos congressistas. Apoio político só seria obtido quando esses interesses fossem atendidos. Pereira e Mueller procuram fornecer bases empíricas para esse modelo, buscando enriquecê-lo com evidências do processo orçamentário que permitiriam explicar as elevadas taxas de disciplina partidária observadas. O modelo proposto, porém, não é capaz de identificar o mecanismo por meio do qual votos seriam trocados por liberação de recursos para a execução das emendas individuais. Os problemas para o cumprimento dos compromissos firmados por meio dessas trocas são óbvios. Para explicar esse apoio, dizer que se trata de um jogo que se repete no tempo é apenas uma forma de recolocar a questão. Se partidos forem invocados, então, já não se trata mais de um modelo de trocas individuais e localizadas de liberação de recursos por votos.

A idéia segundo a qual o Executivo se vê forçado a atender demandas alheias às suas próprias prioridades não encontra apoio nos dados. De fato, quando os recursos alocados pelo Legislativo e pelo Executivo são discriminados e organizados por programas, como demonstrado na Tabela 8, nota-se que as prioridades dos dois Poderes não são assim tão diversas. Em boa medida, isto se deve às restrições legais frisadas acima, complementadas pelo fato de o Legislativo atar as suas próprias mãos por meio do Parecer Preliminar.

Esta tabela organiza as despesas por programa de acordo com as prioridades do Legislativo (coluna 1): dez programas, dentre os cerca de sessenta para os quais foram alocados recursos no período, respondem por 81,3% das despesas aprovadas pelo Legislativo na lei orçamentária. A segunda coluna da tabela mostra que esses mesmos programas recebem também atenção privilegiada do Executivo, correspondendo à metade dos gastos definidos por esse poder na LOA. O subtotal do Executivo é menor que o do Legislativo porque alguns programas, tais como Administração (7,4% dos gastos do Executivo), Ciência e Tecnologia (4,6%), Transporte Aeroviário (3,6%) e Defesa Terrestre (3,6%), além dos gastos com os órgãos dos Poderes Judiciário e Legislativo, por eles próprios definidos, são deixados inteiramente nas mãos do Executivo.

Os dados apresentados na Tabela 8 deixam igualmente claro que a execução orçamentária não altera as prioridades definidas pelo Legislativo: a participação relativa dos gastos propostos (coluna 1) não diverge da participação relativa do mesmo programa sobre os gastos executados (coluna 3). Por outro lado, a comparação das despesas contidas nas colunas 3 e 4 mostra que a maioria desses programas tem participação significativa nos gastos de cada um dos dois Poderes. Os gastos com Transporte Rodoviário, por exemplo, representam a maior proporção dos gastos dos dois Poderes. No entanto, como se vê na última coluna da tabela, apesar de expressiva (40,6%), a participação do Legislativo nos gastos totais com esses programas varia muito. Enquanto o Legislativo é responsável por quase 95% dos gastos no programa de Urbanismo, sua participação no programa de Transporte Urbano não passa de 21%.

A participação do Legislativo nas despesas executadas com os dez programas por ele definidos como prioritários é maior do que a do Executivo em quatro programas: Saneamento, Habitação, Urbanismo e Proteção ao Meio Ambiente. As despesas com Saneamento estão alocadas nos programas de Infra-Estrutura de Saneamento Básico, Sistema de Abastecimento de Água, de Coleta e Tratamento de Resíduos Sólidos e de Esgotamento Sanitário, implementados pelo Ministério da Saúde. No Ministério do Planejamento e Orçamento, esses mesmos programas fazem parte das Ações de Saneamento Básico no âmbito dos Programas de Redução da Mortalidade Infantil. O programa de Habitação compreende recursos do Fundo de Habitação Popular que são alocados em habitações de interesse social nas áreas urbana e rural. O programa de Urbanismo, por sua vez, inclui ações não especificadas de desenvolvimento urbano em diversas localidades. Esses dois programas são implementados no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento. Finalmente, os programas de Proteção ao Meio Ambiente, além de algumas atividades gerais no interior do Programa Nacional de Meio Ambiente, incluem ações específicas de controle de enchentes, construção e recuperação de açudes públicos, apoio a projetos de irrigação, conservação, recuperação e preservação de bacias hidrográficas, obras de canalização de córregos, drenagem e desassoreamento de rios etc. Todos esses programas se referem a ações localizadas e, em geral, são alocados por meio de emendas individuais.

Quatro outros programas ocupam lugar de destaque entre as prioridades do Legislativo e do Executivo, mas o primeiro tem uma participação minoritária, cerca de um terço, nas despesas executadas. São eles: Transporte Rodoviário, Recursos Hídricos, Saúde e Programas Integrados. Em Transporte Rodoviário, programa de maior participação nos recursos de investimentos, os gastos legislativos são quase inteiramente definidos por emendas coletivas das bancadas estaduais, já que o Parecer Preliminar veda, praticamente, emendas individuais nesse programa. Isto porque se segue uma recomendação da CPI do Orçamento para que se evite que emendas levem ao início de obras com proporções ínfimas dos recursos necessários à sua conclusão. Comparação mais fina dos gastos definidos pelo Executivo e Legislativo nessa área não revela diferenças significativas no que diz respeito ao tipo de obra patrocinada. Os gastos com saúde contemplam basicamente a construção de unidades de saúde e a compra de material de saúde no interior do Sistema Único de Saúde – SUS. Esses recursos são, em geral, alocados por meio de emendas individuais e direcionados para diferentes municípios. Os gastos com Transporte Urbano, por sua vez, são alocados, fundamentalmente, mediante emendas de bancadas estaduais, para obras de construção do metrô. Os Programas Integrados compreendem projetos de Infra-Estrutura Urbana, como construção de viadutos e pavimentação de ruas, a maioria dos quais direcionados para localidades específicas, por meio de emendas individuais, sendo os de maior vulto apresentados pelos relatores e bancadas estaduais. Esses programas se referem também a projetos de Desenvolvimento Rural e de Apoio ao Pequeno Produtor Rural, do mesmo modo que a outros projetos, tais como o Programa de Desenvolvimento da Agricultura Familiar – PRONAF, desenvolvidos no âmbito do Ministério da Agricultura. Finalmente, os Programas de Recursos Hídricos incluem as seguintes atividades: Controle de Enchentes e Recuperação de Vales e Cidades, Construção e Recuperação de Açudes, Fortalecimento da Infra-Estrutura Hídrica, Apoio a Projetos Complementares de Irrigação, Implantação da Política Integrada para a Amazônia Legal, Proteção a Florestas Tropicais, Conservação, Recuperação e Preservação de Bacias Hidrográficas etc., implementadas pelo Ministério do Meio Ambiente e Recursos Hídricos.

Os programas que compreendem a pauta prioritária do Legislativo estão concentrados em apenas quatro ministérios: Transportes, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Saúde, Planejamento e Orçamento. Estes ministérios, vale notar, mostraram alta estabilidade ao longo de todo o governo Fernando Henrique, tendo sido controlados por políticos identificados com os principais partidos que compõem a coligação de apoio presidencial. O Ministério dos Transportes coube ao PMDB e, com a saída de Odacir Klein, em 1997, passou a ser conduzido por Eliseu Padilha até 2002. A pasta do Meio Ambiente foi destinada ao PFL, sendo ocupada por Gustavo Krauser em todo o primeiro mandato de FHC e por José Sarney Filho, no segundo. O Ministério da Saúde passou das mãos de Adib Jatene, um técnico com ligações remotas com o PFL, para Carlos Albuquerque e, finalmente, para José Serra, do PSDB, que permaneceu no cargo no segundo mandato. Serra, na realidade, iniciou a gestão no Ministério do Planejamento que, depois de sua saída, passou às mãos de outro membro do partido, o deputado Antônio Kandir, que deixou o cargo para disputar a reeleição. Desde então, o Ministério do Planejamento foi dirigido por técnicos próximos ao presidente. Os programas urbanos e de saneamento, que até 1998 eram implementados no âmbito do Ministério do Planejamento, foram transferidos, em 1999, para a Presidência da República.

Em suma, a análise dos programas contemplados com recursos pelo Legislativo e pelo Executivo revela alta concentração em alguns poucos programas cujos gastos são definidos conjuntamente pelos dois Poderes. Cabe enfatizar que os gastos determinados pelo Legislativo não são demasiadamente fragmentados e não há indicações de que estejam em desacordo com as prioridades estabelecidas pelo Executivo. Em termos gerais, as despesas com os programas identificados acima são compatíveis com as prioridades definidas pelo Plano Plurianual aprovado em 1996 (Figueiredo e Limongi, 2001). Por outro lado, a distribuição dos recursos ajusta-se às prioridades de políticas públicas estabelecidas pelo governo federal.

Além disso, o Congresso não aloca de forma excessivamente dispersa os recursos orçamentários. A Tabela 9 organiza os dados de forma a mostrar a participação relativa de cada Poder na definição dos gastos executados por local de aplicação dos recursos.

A atenção dispensada pelo Congresso aos municípios é, de fato, muito maior do que a que lhe confere o Executivo. Os estados também recebem mais consideração do Congresso, enquanto o Executivo privilegia gastos nacionais. O maior “localismo” do Congresso, contudo, não pode ser confundido com fragmentação excessiva ou mesmo com “municipalismo”. Municípios recebem, em média, cerca de um terço dos recursos definidos pelo Congresso. Recursos alocados para gastos nos estados ultrapassam, em todos os anos, a marca de 50%, chegando a 64% em 1998. No período 1996-99, as bancadas estaduais aprovaram um número médio de nove emendas por estado, em um valor médio anual que variou de R$ 3,5 milhões a R$ 6 milhões, mostrando uma tendência clara de crescimento. Essa distribuição decorre das normas que favorecem as emendas coletivas das bancadas estaduais, responsáveis, em geral, por esses gastos, enquanto os valores alocados aos municípios vêm das emendas individuais.

Diante desses dados, parece-nos difícil sustentar que as políticas públicas tenham seu perfil determinado pelo voto pessoal. A alocação individual de recursos orçamentários é limitada e sua execução parece ditada por exigências de ajustes nas contas públicas e não por fatores de ordem política ou eleitoral. Por outro lado, a participação do Congresso na distribuição de benefícios que atendam a interesses localizados, pelos quais créditos possam ser atribuídos à atuação específica de um parlamentar, está circunscrita a prioridades definidas pelo Executivo. Se a participação no orçamento for o único ou o principal meio pelo qual políticos constroem e retêm vínculos pessoais com suas clientelas eleitorais, será forçoso concluir que estes vínculos são frágeis e insuficientes para afetarem significativamente a competição eleitoral.

INCENTIVOS ELEITORAIS, PROCESSO DECISÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA INTERPRETAÇÃO

De acordo com o modelo distributivista, o sistema político norte-americano pode ser caracterizado pela existência de um equilíbrio entre leis eleitorais e organização interna dos trabalhos legislativos. De acordo com a conhecida passagem de Mayhew:

“A organização do Congresso atende muito bem às necessidades eleitorais de seus membros. Se um grupo de planejadores se pusesse a desenhar um punhado de assembléias nacionais com o fim de atender às necessidades eleitorais de seus membros, ano sim, ano não, eles teriam grande dificuldade em aprimorar o que já existe.” (1974:81)

Identificar uma situação de equilíbrio não é o mesmo que explicar sua emergência. A presença de uma daquelas características institucionais não implica a existência da outra. Ainda assim, a literatura neo-institucionalista tem se inclinado a postular uma relação causal entre leis eleitorais e organização legislativa. Cain, Ferejohn e Fiorina, por exemplo, afirmam que

“Uma fonte de mudança institucional é o grau de consistência entre as regras legislativas e eleitorais. Quando as regras eleitorais criam incentivos para o voto pessoal e as regras legislativas negam aos parlamentares a oportunidade de estabelecer este tipo de vínculo, uma tensão emerge no sistema ou, para colocar de outra maneira, as regras estão em desequilíbrio. De fato, sugerimos uma hipótese ainda mais forte: há uma tendência inerente ao sistema majoritário de distritos uninominais na direção de maior descentralização e independência eleitoral” (1987:217).

Seguindo esta linha de argumentação, leis eleitorais são invocadas como uma espécie de primeiro princípio a partir do qual tudo o mais pode ser derivado22 22 . Na literatura comparada, o poder explicativo das leis eleitorais compete apenas com a forma de governo. No caso do Brasil, estes dois princípios explicativos não dariam lugar a tensões e maiores dificuldades, na medida em que os incentivos postos em marcha por um e outro são complementares. De um lado, o presidencialismo daria fracos estímulos ao comportamento parlamentar responsável e cooperativo; de outro, o sistema de lista aberta daria incentivos para a busca de políticas particularistas. . O sistema de comissões seguido pelo Congresso norte-americano, no entanto, não pode ser visto como uma conseqüência “natural” e inelutável das leis eleitorais adotadas por aquele país; não pode ser assumido como um modelo para o qual converge todo e qualquer país cujas leis eleitorais contenham incentivos para que políticos cultivem o voto pessoal. Isto é, as variáveis próprias à organização legislativa devem ser tomadas como variáveis independentes.

O Legislativo brasileiro é organizado de forma centralizada. Para nos atermos apenas às questões relativas à matéria orçamentária, a Constituição, o quadro legal vigente e as próprias regras internas ao Poder Legislativo limitam o raio de ação possível da participação do Legislativo na definição do orçamento. O arcabouço institucional em vigor provê poucos recursos e pequenas possibilidades para que os legisladores venham a influenciar individualmente nos resultados da alocação de recursos.

Dado esse quadro, considerar que nas barganhas entre o Legislativo e o Executivo este último seja o contendor mais fraco faz pouco sentido. Parlamentares não têm como pôr em xeque o Executivo individualmente. Para que esta ameaça seja efetiva, os legisladores devem ser capazes de coordenar suas ações. Já o Executivo deve levar a sério apenas ameaças apresentadas coletivamente, uma vez que somente estas podem afetar os resultados de uma votação qualquer e, desta forma, aumentar o poder de barganha dos legisladores em suas negociações com o Executivo. Nesses termos, entende-se por que parlamentares delegam poderes aos líderes partidários. Partidos, ao resolverem o problema de coordenação com que políticos se defrontam, são os veículos das demandas coletivas. Como argumentamos em outra ocasião:

“[...] parlamentares não podem agir como franco-atiradores. Para ameaçarem o governo, é preciso que saibam como seus pares agirão. Visto de maneira positiva [...] os parlamentares têm muito a ganhar quando são capazes de coordenar sua ação, isto é, quando resolvem o problema de ação coletiva que enfrentam. Reunir-se em torno de partidos é uma solução para esse problema. [Mesmo que sejam movidos exclusivamente pelo interesse em obter patronagem,] [...] a estratégia racional a ser seguida pode levá-los a fortalecer os partidos a que se filiam” (Figueiredo e Limongi, 1999:34-35).

Agindo individualmente, os parlamentares terão pequena capacidade de extrair benefícios do Executivo. Do ponto de vista do Executivo, negociar com partidos é vantajoso porque, desta forma, obtém apoio mais estável e previsível no longo prazo, reduzindo os custos de transação em que poderia incorrer se optasse pela negociação caso a caso. Na verdade, dada a distribuição de direitos legislativos em favor dos líderes partidários, a possibilidade de os partidos serem desconsiderados quer pelos parlamentares quer pelo Executivo é muito pequena.

O papel dos partidos vai muito além de uma mera acomodação pragmática e não programática dos pleitos dos parlamentares. Partidos assumem posições públicas com relação às políticas perseguidas pelo Executivo. Alguns deles são membros da coalizão governamental, outros fazem oposição ao governo. A idéia segundo a qual todo parlamentar age da mesma forma diante de qualquer proposta governamental não se encaixa bem com esse fato. Parece descabido supor que a sorte eleitoral dos parlamentares filiados a partidos situacionistas seja totalmente dissociada da sorte do governo. Quando governos vão mal, seus candidatos à sucessão perdem eleições e seus aliados parlamentares perdem apoio eleitoral. Como o inverso também é verdadeiro, parlamentares têm incentivos para cooperar com o governo que apóiam. Ser parte de um governo bem-sucedido é uma excelente moeda eleitoral para qualquer parlamentar de um partido aliado. Isto não é o mesmo que dizer que parlamentares pautem suas ações por rígidos princípios programáticos. Cabe aos líderes partidários a árdua tarefa de conciliar os interesses eleitorais individuais dos parlamentares com seu posicionamento diante do Executivo.

A lógica da competição político-partidária na arena eleitoral não entra em conflito com a acomodação desses pleitos individuais. Como a análise das leis eleitorais revela, não há uma oposição pura e simples entre o interesse individual e o partidário. Se não fosse assim, como explicar que o governo pudesse perseguir, como de fato perseguiu nesse período, políticas públicas que implicaram cortes significativos de gastos públicos. Partidos desempenharam um papel crucial para balancear as demandas diversas e conflitantes de suas clientelas eleitorais por bens particularistas e coletivos.

(Recebido para publicação em março de 2002)

NOTAS

ANEXO

Procedimentos Utilizados para a Reorganização do Banco de Dados do Orçamento Geral da União

A fonte das informações utilizadas neste artigo é o banco de dados Execução Orçamentária da União que a Assessoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara, juntamente com o PRODASEN, elabora e disponibiliza no site da Comissão Mista de Orçamento e Fiscalização. Esse banco de dados foi reorganizado para a finalidade específica desta pesquisa, ou seja, distinguir nos valores consignados para a menor unidade de dotação orçamentária (RUBRICA) a alocação de recursos realizada pelo Executivo e pelo Legislativo na Lei Orçamentária Anual e no Orçamento Executado.

Os dados contidos nos bancos originais permitem o acompanhamento das diferentes fases do processo orçamentário, a saber: o Projeto de Lei Orçamentária enviado pelo Executivo (PLO), as emendas aprovadas pelo Legislativo (EME), o projeto aprovado, os vetos presidenciais (VETOS), a Lei Orçamentária Anual (LOA) conforme sancionada pelo presidente e, finalmente, os montantes liquidados (LIQ), após os remanejamentos, indisponibilidades e suplementações que alteram parcial ou totalmente o valor consignado a cada rubrica na LOA.

A RUBRICA é uma combinação única das seguintes classificações orçamentárias: Unidade Orçamentária (UO), Função, Programa, Subprograma, Projeto-Atividade, Subprojeto-Atividade. No banco que organizamos, distinguimos também as RUBRICAS pela Natureza da Despesa (GND). Os bancos construídos para cada um dos anos considerados contêm, em média, 15 mil registros, que correspondem à combinação única de RUBRICAS e grupos de despesas (GND).

O primeiro tratamento dispensado teve por objetivo assegurar a consistência interna dos dados. Para tanto, tomamos os valores contidos no orçamento aprovado (LOA) como referência. A consistência requerida significa, do ponto de vista das emendas aprovadas (EME) pelo Congresso, condicionar a incorporação destas à existência da dotação correspondente na LOA. Se o valor da emenda exceder o que consta na LOA, corrigimos este valor. O valor máximo admitido para as emendas do Congresso em uma determinada RUBRICA/GND é igual ao valor da LOA. Assim, em nosso banco, o valor original das emendas (EME) foi revisado, formando uma nova variável que chamamos de EMER. Notem que poderíamos ter adotado o procedimento inverso: corrigir a LOA com base nas informações relativas às emendas. Se fosse esta a opção, elevaríamos a participação inicial do Congresso no orçamento aprovado, mas reduziríamos sensivelmente sua participação nos valores executados. Isto porque, em geral, emendas sem correspondência na LOA não são executadas, isto é, há fortes indicações que, de fato, se trata de erro nos registros.

Houve um problema adicional a resolver nesta operação que decorre do fato de os dados para emendas, exceção feita a 1999, não contarem com o identificador do GND. Como a grande maioria das rubricas possui apenas um GND, a atribuição do GND às emendas é, nestes casos, uma operação trivial. Quando isto não ocorre, recorremos a rotinas (programas) para fazer a atribuição “mecânica” a partir de regras lógicas que buscam maximizar a correspondência entre os dados e minimizar as correções necessárias. Em casos mais complexos, uma emenda precisou ser subdividida em mais de uma RUBRICA/GND. Sabemos que a maioria dos gastos definidos pelo Congresso se destina a investimentos, GND = 4, mas precisamos garantir que este conhecimento estabelecido respeite a consistência interna dos dados.

Construímos, assim, bancos de dados paralelos e integrados para as emendas aprovadas pelo Legislativo a cada ano. Nestes bancos, a unidade de referência não é a RUBRICA/GND, mas sim a emenda, à qual atribuímos uma RUBRICA/GND. Cabe notar que uma RUBRICA/GND pode ser objeto de mais de uma emenda. Para 1996, o banco de emendas conta com 5.100 registros. Há um acréscimo significativo de emendas nos três anos seguintes, quando o banco de emendas passa a contar com uma média de 8.500 registros.

Contando com dados consistentes para a dotação inicial aprovada e para os valores desta (ou seja, da LOA) que podem ser atribuídos às emendas, podemos deduzir, por mera subtração, o valor da proposta enviada pelo Executivo que consta da LOA, isto é, LOA – EMER = PLOR. PLOR, portanto, é a parte aprovada do Projeto de Lei Orçamentária enviado pelo Executivo. Atribuindo ao Executivo a proposição de todas as dotações que não são originárias de emendas, garantimos a consistência interna dos dados no nível de desagregação adequado à análise. Este procedimento desconsidera as informações contidas no banco original, relativas ao projeto enviado inicialmente pelo Executivo (PLO). Isto é, não comparamos o que o Executivo envia com o que é aprovado. Tomando a LOA como referência não temos como distinguir, no PLO, o que é erro do que são cortes impostos pelo Legislativo. Trabalhamos, portanto, com uma decomposição do que é aprovado na LOA do que se deveu à iniciativa do Legislativo e o que pode ser creditado à proposta original do Executivo. Cabe notar ainda que a proposta do Executivo incorpora os gastos dos órgãos que têm autonomia orçamentária, como o Judiciário e o Legislativo.

O banco de dados original acompanha as diversas modificações por que passa o orçamento ao longo do ano. As informações relativas a cortes, remanejamentos e créditos adicionais foram resumidas e computadas em uma única variável, suplementações (SUP). Isto foi feito, novamente, para cada RUBRICA/GND de forma a obter o saldo dessas operações, a dotação autorizada (AUT). Isto é, para cada unidade do banco, a regra seguida é que LOA + SUP = AUT. Vale notar que o valor de SUP não é necessariamente positivo. AUT pode ser obtido pela operação EMER+ PLOR + SUP, já que LOA = EMER + PLOR.

Por último, acompanhamos a execução orçamentária para cada RUBRICA/GND. Para garantir consistência aos dados, corrigimos esses valores de tal forma que eles não excedam o valor autorizado. Feito isto, a variável que indica o valor executado (LIQ) pode ser decomposta em três partes que formam toda e qualquer dotação com gastos autorizados. Como uma RUBRICA/GND pode contar com aportes dos três diferentes momentos identificados, precisamos estabelecer a ordem em que gastos são liquidados. Optamos por privilegiar a execução das verbas consignadas pelo Congresso, isto é, a execução liquida primeiro os gastos de EMER até seu limite máximo. Restando saldo a liquidar na RUBRICA/GND, passamos à liquidação dos gastos propostos pelo Executivo, respeitado seu limite máximo. A operação é repetida para os valores suplementados. Temos assim que LIQ = LIQEME + LIQPLO + LIQSUP, respeitadas as restrições óbvias de que não se podem efetuar gastos sem autorização, isto é, é sempre verdade que LIQEME £ EMER, LIQPLO £ PLOR, LIQSUP £ SUP. Garantimos dessa forma, consistência interna aos dados, evitando dupla contagem.

Uma vez calculado o valor de LIQEME, podemos retornar ao banco de emendas para distribuir os valores liquidados por cada emenda aprovada. Para os casos em que existe apenas uma emenda aprovada para uma RUBRICA/GND, a operação não acarreta problemas. Quando mais de uma emenda contribuiu para a dotação em uma RUBRICA/GND, calculamos a contribuição proporcional de cada uma delas para o valor total das emendas aprovadas naquela RUBRICA/GND e impusemos uma participação relativa análoga ao valor executado. Assim, se uma emenda contribui com 50% da dotação aprovada, atribuiremos a esta mesma emenda 50% dos valores executados. Este procedimento visa evitar dupla contagem, garantindo que o total de valores executados no banco de emendas seja igual ao obtido no de RUBRICA/GND.

Cabe notar, para finalizar, que os dados por nós organizados de forma a garantir a consistência interna no nível mais desagregado possível apresentam diferenças marginais dos dados apresentados de forma agregada por órgãos, programas etc. nos diferentes sites do governo e do Legislativo.

ABSTRACT

Electoral Incentives, Parties, and Budget Policy

This article challenges the interpretations concerning participation by Brazilian legislators in the budget process focused on incentives generated by the electoral legislation. We show that the rules and regulations governing the budget process affect the distribution of funds both between branches of government and within the legislative branch itself. Constitutional and legal rules preserve the original proposal submitted by the Executive. Within Congress, the bylaws favor collective participation of members, for example, by way of submission of amendments by State representations. We further show that participation by the legislative branch in the budget process can only be understood when the political parties are taken into account. Coordination of efforts by the political parties thus ends up grouping them in two major blocs, pro-administration and opposition. In other words, partisan participation in the budget process depends on the parties’ relations with the Executive. Thus, the strategy adopted by the majority supporting the Executive takes into account their contribution to the success of policies sponsored by the administration of which they are a part.

Key words: budget policy; parties; electoral legislation

RÉSUMÉ

Incentives Électorales, Partis et Politique Budgétaire

Dans cet article, on discute les interprétations sur la participation des législateurs au processus budgétaire centrées sur les incentives que les lois électorales produisent. On y voit que les normes et règlements qui fixent le processus budgétaire incident sur la répartition des moyens entre les différents pouvoirs et à l’intérieur même du législatif. Des formes constitutionnelles et légales préservent la proposition d’origine envoyée par le pouvoir exécutif. Dans le parlement, les normes institutionnelles privilégient la participation collective des parlementaires par la présentation, par exemple, d’amendements signés par des groupes représentant les États brésiliens. On voit aussi que la participation du législatif au processus budgétaire ne peut être comprise que si les partis politiques sont pris en considération. C’est alors que la coordination des actions que les partis exercent débouche sur la formation de deux grands blocs – “situation” et opposition. C’est dire que la participation des partis au processus budgétaire dépend de leurs rapports avec le pouvoir exécutif. Ainsi, la stratégie adoptée par la majorité qui appuie l’exécutif tient compte de la contribution de celle-ci en vue du succès des politiques déjà menées par le gouvernement auquel cette majorité appartient.

Mots-clé: politique budgétaire; partis; lois électorales

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  • 1
    . Interpretações alternativas baseiam-se nos modelos informacional (Krehbiel, 1991) e partidário (Cox e McCubbins, 1993). Ver Limongi (1994) para uma resenha dessas três correntes interpretativas. Para uma análise comparada, ver Cox e Rosenbluth (1995) e McCubbins e Noble (1995a; 1995b).
  • 2
    . Vale observar que o argumento que desenvolvemos é distinto do apresentado por Abranches (1988), na medida em que enfatizamos como as instituições vigentes induzem à formação de coalizões em bases partidárias. Abranches, por sua vez, destaca o conflito institucional entre Poderes potencializado pela questão federativa, cujo resultado final é a paralisia decisória.
  • 3
    . Para organizar o debate, é importante ter como ponto de partida uma definição operacional de voto pessoal. Adotamos a fornecida por Cain, Ferejohn e Fiorina (1987:9), a saber: “O voto pessoal refere-se àquela porção do apoio eleitoral do candidato que se origina nas suas qualidades pessoais, qualificações, atividades e histórico. A parte do voto que não é pessoal inclui apoio ao candidato baseado na sua filiação partidária, características dos eleitores, como classe, religião e etnia, reação a condições nacionais, como a situação econômica, e avaliações de desempenho centradas na chefia do governo”.
  • 4
    . As coligações podem apresentar dois candidatos por vaga.
  • 5
    . A afirmação de Mainwaring (2001:309), segundo a qual “[...] a irrelevância das organizações partidárias nacionais no Brasil para a escolha de candidatos (exceto para presidente) tem conseqüências para a vida partidária”, parece-nos, portanto, exagerada. Partidos não são irrelevantes para a escolha dos candidatos.
  • 6
    . A passagem relevante de Soares é a seguinte: “Em pesquisa eleitoral que realizei na Guanabara perguntei aos entrevistados em quem votariam se o melhor candidato fosse o candidato do pior partido, e vice-versa: 77% responderam que votariam no melhor candidato do pior partido e somente 10% responderam que votariam no pior candidato do melhor partido (os demais votariam em terceiros candidatos, não votariam, etc.). Não obstante, observa-se estreita relação entre as preferências partidárias e a votação efetiva [...]. A grande maioria dos entrevistados, que acreditavam que votariam no melhor candidato do pior partido, percebia o candidato do partido como o melhor. Assim sendo, a afirmação de que ‘votariam no melhor candidato do pior partido’ é inócua, porque o candidato do partido preferido era, sistematicamente, percebido como o melhor. A escolha de um candidato é fortemente dependente da preferência partidária” (1973:214-215).
  • 7
    . Pesquisa IBOPE (OPP 217/00), Amostra Nacional, 2000 entrevistas, Campo: de 1-7 de julho de 2000, Acervo do Doxa/IUPERJ.
  • 8
    . Vale notar que Cain, Ferejohn e Fiorina (1987:216-217) acreditam que o sistema inglês, por causa da convivência entre voto partidário e distritos uninominais, esteja fora de equilíbrio, o que os leva à afirmação temerária de que, dada a inevitável ascensão do voto pessoal, esse sistema passaria por transformações radicais, movimentando-se em direção ao modelo norte-americano.
  • 9
    . Como observam Cain, Ferejohn e Fiorina, “Na medida em que parlamentares consigam construir e manter bases pessoais de apoio junto a seus diferentes eleitorados, eles estarão, caso desejem fazê-lo, melhor preparados para resistir às tentativas dos líderes nacionais para controlar e coordenar suas ações” (1987:8).
  • 10
    . Ver Shepsle e Weingast (1984) para uma análise do orçamento norte-americano que ressalta a importância do sistema de comissões.
  • 11
    . Em 1995, a LOA só foi aprovada em novembro, ou seja, por pouco mais de dez meses os gastos foram liberados com base na proposta enviada.
  • 12
    . Para um tratamento mais extenso dessas normas, consultar Giacomini (2001:250 e ss.).
  • 13
    . Segundo observa Rocha, as LOAs do período têm autorizado o “[...] poder Executivo a abrir créditos suplementares até 20% do valor consignado no subprojeto/subatividade suplementado, sem prévia autorização legislativa. Entre as fontes de recursos possíveis à suplementação, está o cancelamento de até 20% de dotações indicadas na lei orçamentária. Apenas para o Orçamento de 1997 é que estes limites caíram para 15%, na suplementação e no cancelamento. [...] Na prática, este dispositivo permite ao Executivo uma considerável margem de manobra sobre a Lei Orçamentária sem que o Legislativo seja ouvido, à medida que cada dotação pode ser cancelada e acrescida em margem considerável” (1997:92).
  • 14
    . A distinção entre os recursos aportados por cada um dos Poderes é feita de acordo com metodologia explicitada no Anexo. Vale notar que os procedimentos adotados sobreestimam a participação do Legislativo na medida em que: a) em casos de conflito entre dados na definição da participação dos dois Poderes na LOA deu-se precedência às emendas parlamentares sobre a proposta do Executivo; b) o cálculo das taxas de execução teve como prioridade o valor da emenda – por exemplo, se o Executivo alocou R$ 80 em uma rubrica no valor total de R$ 100, e apenas R$ 20 foram executados, consideramos que a emenda de R$ 20 foi inteiramente executada e, finalmente; c) boa parte das emendas dos relatores são, na realidade, correções na proposta do Executivo.
  • 15
    . Recentemente, esta Resolução foi alterada pela Resolução nº 1/2001-CN, que buscou incorporar práticas e aperfeiçoamentos adotados nos últimos anos. As modificações introduzidas não afetam o espírito norteador da Resolução nº 2/95 nem as análises que apresentamos a seguir.
  • 16
    . Em 2000, este teto foi ampliado para R$ 2 milhões por parlamentar.
  • 17
    . A Resolução nº 1/2001 alterou estas proporções para dois terços. Como as assinaturas do Senado e da Câmara são tomadas e computadas separadamente, a exigência de três quartos dos senadores implicava apoio dos três senadores.
  • 18
    . Artigo 9º, da Resolução nº 2/95-CN.
  • 19
    . Em outro trabalho, mostramos que, no pós-88, o parlamentar brasileiro tem igualmente baixa capacidade de prover benefícios pessoais por meio de legislação (Figueiredo e Limongi, 2000). Sobre o papel do Congresso na aprovação de leis de natureza distributiva, ver Lemos (2001) e Ricci (2001).
  • 20
    . Para que uma emenda de bancada regional seja acatada, deve contar com o apoio de pelo menos 20% dos representantes de cada estado que a compõe.
  • 21
    . Linz e Stepan apresentam um argumento deste tipo: “No período de 1985 a 1993, governos fracos no Brasil não procuraram ou não puderam enfrentar a crise fiscal e estabilizar a economia. O preço do apoio legislativo foi quase sempre um acordo para não colocar a reforma fiscal na agenda ou para dar subsídios especiais ao eleitorado dos congressistas e dos governadores” (1996:180).
  • 22
    . Na literatura comparada, o poder explicativo das leis eleitorais compete apenas com a forma de governo. No caso do Brasil, estes dois princípios explicativos não dariam lugar a tensões e maiores dificuldades, na medida em que os incentivos postos em marcha por um e outro são complementares. De um lado, o presidencialismo daria fracos estímulos ao comportamento parlamentar responsável e cooperativo; de outro, o sistema de lista aberta daria incentivos para a busca de políticas particularistas.
  • *
    Este texto é resultado de uma pesquisa ainda em andamento, que conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, para o projeto temático Instituições Políticas, Padrões de Interação Executivo Legislativo e Capacidade Governativa, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, na forma de bolsa de produtividade científica. Contou também com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA para a realização do projeto Planejamento e Políticas Públicas na Elaboração e Execução Orçamentárias: Relações Executivo-Legislativo. Uma versão anterior foi apresentada no seminário Political Parties and Legislative Organization in Parliamentary and Presidential Regimes, Departamento de Ciência Política, Universidade de Yale, em 2002. Agradecemos aos participantes desses seminários e, em especial, a José Antonio Cheibub e Marcus Figueiredo a leitura dessas versões e os comentários.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2002
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2002
    Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) R. da Matriz, 82, Botafogo, 22260-100 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel. (55 21) 2266-8300, Fax: (55 21) 2266-8345 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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