Acessibilidade / Reportar erro

Conversas com tradutores

NOTAS SOBRE LIVROS BOOKNOTES

Letícia Kayano

LAEL/PUC-SP. E-mail: leticia.kayano@uol.com.br

BENEDETTI, Ivone; Adail Sobral. 2003. Conversas com tradutores. São Paulo: Parábola 216 p.

Conversas com Tradutores – Diálogos da prática com a teoria, obra recém publicada pela Parábola Editorial, se propõe a ouvir, de forma didática e atraente, as opiniões de 18 tradutores brasileiros – profissionais de um amplo espectro de experiências e formações – tanto sobre o fazer tradutório como sobre o pensar sobre o pensar a tradução.

Organizado por Ivone Benedetti e Adail Sobral, Conversas é balizado por dez perguntas, que cobrem o universo de todo aquele que vive do ofício – de sua área de atuação à captação de clientes e remuneração, passando por sua formação como tradutor e uso de ferramentas que, teoricamente, automatizam o trabalho e, penetrando em setores mais delicados e capciosos, que vão da famosa dicotomia erro e acerto em tradução à composição de imagem do profissional na sociedade e na imprensa, bem como sobre a possível influência da globalização ou dos efeitos da prática do tradutor – nefasta ou benigna – sobre a língua portuguesa. As dez perguntas propostas são as seguintes:

1. Em que área(s) você tem atuado? Quais as peculiaridades dessa(s) área(s)? O há de comum entre ela(s) e as outras áreas?

2. O tradutor e seu mercado: que tipo de público tem acesso à sua produção? Quem lhe encomenda trabalho? As características desse mercado influem nas suas opções de tradução ou o texto de partida é soberano? Se influir, como isso ocorre?

3. Em sua opinião, que tipo de tradutor (formação, dons pessoais etc.) exige a tradução em geral e a tradução em sua área? Qual a função da teoria da tradução na formação do tradutor?

4. O tradutor e a sociedade: como se dá a interação entre ambos? De que modo o tradutor sente a resposta de seu público, de sua clientela?

5. De que modo a globalização tem influenciado a atividade de tradução em sua área específica? De que modo a tradução é afetada por esses fatores?

6. E o português? O que você pensa das atuais medidas de proteção do idioma? Até que ponto o tradutor é responsável pelo que acontece à língua portuguesa?

7. O que é erro e o que é acerto em tradução?

8. Quais as perspectivas da tradução no Brasil? Você acha que o tradutor poderá ser substituído pela máquina? Por quê?

9. O tradutor tem remuneração adequada? No passado o cenário foi melhor ou pior?

10. Como você analisa o papel da imprensa no trabalho de crítica da tradução? Aliás, é possível haver crítica de tradução? Por quem ela seria feita?

Cabe ao destacado Professor Francis Henrik Aubert a introdução da obra, discorrendo, com sua experiência, sobre os dois movimentos que envolvem a Teoria da Tradução na atualidade. O primeiro, da teorização pela teorização, que reflete o nascimento de um espaço institucional próprio, decorrente da reflexão intelectual – e o segundo, o que leva à geração de alianças com áreas teóricas afins, como a lexicografia, a análise de discurso, a antropologia, os Estudos da Mulher, os Estudos Interculturais, a psicanálise. Esses dois movimento ensejam firmar os estudos da Tradução institucionalmente, reconstruindo as pontes entre teoria e prática. De acordo com Aubert, é da teoria que advém a conscientização que leva à verdadeira prática profissional, compondo a tríade: Teoria + conscientização = prática profissional.

A seguir, a tradutora Ivone Benedetti encarrega-se de, no Prefácio, esmiuçar a definição do conceito de tradução, não só como um fazer intelectual, mas também chegando às suas subdivisões mais conhecidas – as chamadas tradução técnica e tradução literária. Além de defini-las, a autora tece considerações que contemplam as diferenças sobre valores monetários atribuídos aos dois tipos de trabalho. Nesse momento, ela parte para explorar um outro aspecto da tradução – aquele que prescinde do tradutor – conhecido por tradução mecânica e discorre sobre a tradução por máquina, colocando-a em seu devido lugar no mercado. Outros dois conceitos explorados pela tradutora, com maestria, são os de tradução-meio e tradução-fim. Ela ainda faz comentários sobre as agências de tradução e sobre os programas de auxílio à tradução, chegando a dois pontos nevrálgicos do ofício: o da invisibilidade social e invisibilidade textual. Estes pontos levam a uma candente questão: Tradutor é autor?

Após a introdução a este cadinho de idéias, o leitor é apresentado aos dezoito entrevistados.

Com Regina Alfarano, trilharemos os meandros da tradução médica, literária e artística, além da tradução e interpretação simultâneas. João Azenha Júnior nos revelará os segredos da tradução do alemão e do francês e da tradução literária infanto-juvenil. Com Heloísa Gonçalves Barbosa, descobriremos especificidades das versões para o inglês. Claudia Berliner tratará das traduções de textos de psicanálise e Ciências Sociais. Erik Borten falará de suas especialidades - textos de engenharia, Arquitetura, Economia e Direito. Heloisa Martins Costa discorrerá sobre o trabalho do intérprete de conferência e tradutor técnico da área de Direito. Lucia Helena França trará a visão de uma tradutora juramentada que se dedica às áreas jurídica e comercial. Maria Stela Gonçalves, como lingüista, falará de suas traduções de textos do inglês, francês e espanhol na área de Ciências Humanas para editoras. De Mário Laranjeira, Professor de Língua Francesa, teremos a dedicação à tradução literária (prosa de ficção e poesia) e paraliterária (ensaios e crítica). Com Alfredo Barcellos Pinheiro de Lemos, repórter formado em Direito e Publicidade, vislumbraremos como atua na tradução de livros de ficção de inglês, francês e espanhol para o português. Nilson Carlos Moulin Louzada mostrará sua paixão pela língua italiana. De Haroldo Netto, teremos a visão de quem se especializou em traduzir contos e romances de "ficção americana" e é intérprete consecutivo. Vera Pereira, socióloga e jornalista, falará sobre a tradução de textos da área de Ciências Sociais. De Marcelo Perine teremos dados sobre a especialização de um tradutor de textos da área de filosofia. Com Renato Rosenberg, a especialização é outra: tradução para dublagem de filmes para TV e cinema. Mauro T.B. Sobhie apresentará o pensamento do tradutor técnico das áreas de eletrônica e telecomunicações. Elaine Alves Trindade fará uma exposição sobre a tradução audiovisual, fazendo legenda e dublagem de filmes, séries e documentários para canais de TV pagos. A conversa termina com Lia Wyler, tradutora especializada em textos de literatura culta, de massa e infanto-juvenil.

Chega-se por fim ao Posfácio, escrito por Adail Sobral, no qual ele mapeia alguns postulados sobre a condição e ação do tradutor. Partindo da concepção bakhtiniana de exotopia, Sobral define o tradutor como interlocutor e locutor e a tradução como um ato ético. A seguir, apresenta um panorama das posições que o tradutor ocupa na sociedade, das injustiças que sofre ao papel de leitor-autor, da visibilidade que não possui na imprensa – salvo se incorrer em algum erro – a condição de porta-voz do dinamismo na língua. Afinal, o tradutor é, como afirma Sobral, acima de tudo, um lingüista aplicado, que deve saber equilibrar as variedades padrão e não-padrão – nem tanto à norma, nem tanto à variação.

Essas entrevistas são leitura obrigatória para todos aqueles que se dedicam à língua, pois é possível se ver a si mesmo, como num espelho, em muitos dos momentos partilhados. Suas experiências nos transportam a situações desafiadoras, por vezes engraçadas e mostram com leveza quantas habilidades é preciso ter para ser essa personagem tão multifacetada – o tradutor. Os exemplos citados por alguns dos autores nos dão uma pequena amostra da profundidade da tarefa árdua que esses profissionais da língua diligentemente executam quando aceitam um trabalho. As descrições são tão vivas e criativas que, ao final de cada entrevista, o leitor fica esperando talvez uma reprodução de trechos das modalidades citadas – sejam de tradução técnica, literária, audiovisual, da dublagem ou da poesia. Merecem destaque as considerações que cada profissional tece sobre as noções de erro e acerto, suas visões de mercado de trabalho e da imagem que fazem de sua profissão. Ao final da leitura, é possível compor o ethos, ainda que parcial, do tradutor. Sem dúvida, um livro instigante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: delta@pucsp.br