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Padrões de mudança técnica nas economias latino-americanas: 1963-2008 * * O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES.

Patterns of technical change in the Latin American economies: 1963-2008

Resumo

O presente artigo emprega a relação de distribuição-crescimento para descrever os padrões de progresso técnico das economias latino-americanas no período 1963-2008. A relação de distribuição-crescimento possibilita visualizar a mudança técnica ao longo do tempo. A análise revelou a predominância do padrão de progresso técnico Marx-viesado e poupador de insumos com aumento da relação capital-trabalho no período como um todo. Também se verificou um processo de desmecanização em dois países e retrocesso do progresso técnico em outros dois países. Contudo, houve três fases na evolução do progresso técnico na América Latina, 1963-1980, 1980-2000 e 2000-2008. O padrão Marx-viesado foi predominante na primeira fase, houve regresso técnico na segunda fase, enquanto na terceira fase o padrão mais observado foi o poupador de insumos com aumento da intensidade de capital.

Palavras-chave:
Progresso técnico; América Latina; Relação Distribuição-Crescimento; Produtividade do Trabalho; Produtividade do Capital

Abstract

This paper employs the growth-distribution schedule to study the patterns of technical change in Latin America in the 1963-2008 period. The growth-distribution schedule makes it possible to visualize the changes in labor and capital productivities over time. Regardingthe period as a whole, the study revealed the predominance of the Marx-biased and the factor-saving patterns with an increasing capital-labor ratio. There were two cases of de-mechanization and two cases of technical regress. However, there were three phases of technical change: 1963-1980, 1980-2000 and 2000-2008. In the first phase, the Marx-biased pattern was predominant, in the second phase there was a technical regress, in the third phase the pattern with the largest number of observations was the factor-saving with an increasing capital-labor ratio.

Keywords:
Technical Progress; Latin America; Growth-Distribution Schedule; Labor Productivity; Capital Productivity

Introdução

A América Latina, ao longo do período 1963-2008, apresentou três fases de crescimento. Na primeira, entre 1963 e 1980, as taxas de crescimento dos países foram relativamente elevadas. Nessa fase, de acordo com os dados da Extended Penn World Tables versão 4.0 (EPWT 4.0), as sete maiores economias da América Latina expandiram a uma taxa média de crescimento de 6,5% ao ano. Em contraste, a segunda fase, de 1980 a 2000, foi marcada por reduzidas taxas de crescimento econômico, sendo que as sete maiores economias da região reduziram sua taxa de crescimento para 2,1% ao ano. Por fim, a partir de 2000, os países da região retomaram um maior ritmo de crescimento, expandindo a 3,9% ao ano, taxa inferior à observada na primeira fase. Nas mesmas fases, o crescimento dos Estados Unidos foi de 3,5%, 3,3% e 2,1% ao ano.

É importante ressaltar que ao longo do período 1980-2000 os países da região passaram por significativas reformas econômicas e políticas. Em termos econômicos, entre as reformas mais relevantes estão a adoção de um novo modelo de crescimento econômico com o abandono da industrialização por substituição de importações; uma nova forma de integração internacional com a liberalização comercial e financeira; a redução do papel do Estado na atividade econômica com a privatização das empresas públicas; e a redução da taxa de inflação. Da perspectiva política, a década de 1980 foi marcada pelo processo de redemocratização e da consolidação da democracia na América Latina.

Concomitantemente, ocorreram importantes mudanças institucionais na economia internacional a partir de 1980. O objetivo era tornar o mercado o mecanismo fundamental de alocação de recursos e, consequentemente, reduzir o papel do Estado nesse processo. Além disso, na mesma década, as novas tecnologias de informação e comunicação abriram possibilidades de aumentos nas produtividades do trabalho e do capital, especialmente quando associadas a mudanças organizacionais nas empresas (Duménil; Lévy, 2004DUMÉNIL, G.; LÉVY, D. Capital resurgent. Roots of the neoliberal revolution. Cambridge: Harvard University Press, 2004.). Também, a maior abertura econômica permitiu o aumento do processo de globalização, o qual foi marcado por um crescente fluxo de capitais e mercadorias entre os países. No entanto, tais mudanças tiveram efeitos reduzidos em termos de crescimento na maior parte dos países da América Latina. As duas maiores economias da região, o Brasil e o México, que tiveram um desempenho elevado no período 1963-1980, apresentaram uma redução expressiva no crescimento ao longo de toda a fase 1980-2000.

O crescimento dos países depende, em última instância, da expansão populacional, da acumulação de capital e do progresso técnico. Os autores clássicos, Smith e Ricardo, e Marx foram os pioneiros em estudar o padrão de incorporação do progresso técnico e a evolução da produtividade no longo prazo. Smith analisou os efeitos da divisão do trabalho sobre a produtividade. Ricardo analisou, no capítulo “Sobre a Maquinaria”, os efeitos da substituição de trabalho por capital sobre a distribuição de renda e o emprego. Marx associou a análise do desenvolvimento capitalista com o padrão de progresso técnico. Para esse autor, a forma de produzir é constantemente alterada no capitalismo com a introdução de inovações técnicas com o objetivo de obter um super lucro. Na disputa entre capitalistas e trabalhadores sobre o valor adicionado, Marx viu um incentivo sistemático para o progresso técnico tomar uma forma viesada: poupador de trabalho e consumidor de capital. A mecanização seria a forma de progresso técnico típico das economias capitalistas. Aumentos da produtividade do trabalho são obtidos com a redução da produtividade do capital, resultando na queda da taxa de lucro se a distribuição de renda for mantida constante. FoleyeMichl (1999FOLEY, D.; MICHL, T. Growth and distribution. Cambridge: Harvard University Press, 1999.) denominam a mudança técnica poupadora de trabalho e consumidora de capital de progresso técnico Marx-viesado.

O progresso técnico em países de industrialização tardia, que realizam o processo de aproximação aos países líderes, tende a tomar a forma de mecanização. O aumento da produtividade do trabalho é obtido através do maior emprego de máquinas e equipamentos com a concomitante redução da produtividade do capital. Portanto, na tradição clássica-marxiana é fundamental investigar concomitantemente as produtividades do trabalho e do capital.

Assim, o propósito do presente artigo é descrever os padrões de crescimento das economias latino-americanas, analisando a direção do progresso técnico dos países da região no período 1963-2008. Para tanto, emprega-se a relação distribuição-crescimento, um instrumento contábil que permite visualizar as mudanças técnicas de uma economia no tempo. As contas nacionais são representadas pela relação distribuição-crescimento, uma reta que possui a produtividade do trabalho como intercepto vertical e a produtividade do capital como intercepto horizontal.

Com a análise dos movimentos da relação distribuição-crescimento será possível identificar o padrão de progresso técnico nos países da América Latina e se houve mudanças na evolução das produtividades do trabalho e do capital nos anos 80 e nos anos 2000. Além disso, será examinado se houve diferenças nos padrões de progresso técnico entre os países e ao longo do período em estudo, bem como se ocorreu a retomada do dinamismo tecnológico nos anos 2000.

Na tradição neoclássica, o desempenho da América Latina é analisadoa partir da evolução da produtividade total dos fatores (PTF). Sob a hipótese de progresso técnico neutro no sentido de Hicks, a PTF é igual à média ponderada das taxas de crescimento das produtividades do trabalho e do capital pela parcela salarial e a parcela dos lucros na renda. Os trabalhos apontam para a redução da PTF nos anos 80 e certo aumento após 2000, o que explicaria o menor crescimento da região entre 1980 e 2000 e a moderada expansão após 2000. Para Ferreira, Pessôa e Veloso (2013FERREIRA, P.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (). On the evolution of total produtivity in Latin America. Economic Inquiry, v 51, p. 16-30, 2013.), o crescimento da PTF entre 1960 e final da década de 1970 era elevado na América Latina, passando a declinar na década de 1980. O reduzido dinamismo tecnológico observado a partir do final dos anos 70 seria a causa do baixo crescimento da América Latina. Resultados similares foram obtidos em outros estudos para a região (Solimano; Soto, 2003SOLIMANO, A.; SOTO, R. Latin American economic growth in the late 20th century: evidence and interpretation. In: SOLIMANO, A. (Org.). Vanishing growth in Latin America. Cheltenham: Edward Elgar Publishers, 2006.; Hofman, 2000HOFMAN, A. The economic development of Latin America in the Twentieth Century. Northampton: Edward Elgar, 2000.; Marinho; Bittencourt, 2007MARINHO, E.; BITTENCOURT, A. Produtividade e crescimento econômico na América Latina: a abordagem da fronteira de produção estocástica. Estudos Econômicos, v. 37, n. 1, p. 5-33, 2007.; Cole et al., 2005COLE, H.; OHANIAN, L.; RIASCOS, R.; SCHITZ JR., J. Latin America in the Rearview Mirror. Journal of Monetary Economics, v. 52, p. 69-107, 2005.; Loayza; Fajnzylber; Calderón, 2005LOAYZA, N.; FAJNZYLBER, P.; CALDERON, C. Economic growth in Latin America and the Caribbean: stylized facts, explanations, and forecasts. Washington: World Bank, 2005.). Os estudos para países específicos mostram resultados similares, por exemplo, Bonelli (2014BONELLI, R. Produtividade e armadilha do lento crescimento. In: De NEGRI, F.; CAVALCANTE, L. (Org.). Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes. Brasília: Ipea, 2014. p. 111-142.) e Ellery Jr. (2014ELLERY, R. Desafios para o cálculo da produtividade total dos fatores. In: DE NEGRI, F.; CAVALCANTE, L. (Org.). Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes. Brasília: Ipea, 2014. p. 53-86.) para o Brasil; Bello, Blyde e Restuccia (2011BELLO, O.; BLYDE, J.; RESTUCCIA, D. Venezuela’s growth experience. Latin American Journal of Economics, v. 48, p. 199-226, 2011.) para Venezuela; Kehoe e Meza (2011KEHOE, T.; MEZA, F. Catch-up growth followed by stagnation: Mexico, 1950-2010. Latin American Journal of Economics, v. 48, p. 227-268, 2011.) para o México; Kydland e Zarazaga (2002KYDLAND, F.; ZARAZAGA, C. Argentina’s lost decade. Review of Economic Dynamics, v. 5, p. 152-165, 2002.) e Coremberg (2012COREMBERG, A. Fuentes del crecimiento económico en Argentina, 1990-2004. “¿Otro caso de la tiranía de los números?” Revista de Economía Política de Buenos Aires, v. 1, p. 55-88, 2011.) para a Argentina.

Contudo, Felipe e McCombie (2003FELIPE, J.; McCOMBIE, J. Methodological problems with neoclassical analyses of the East Asian miracle. Cambridge Journal of Economics, v. 54, p. 695-721, 2003., 2008FELIPE, J.; McCOMBIE, J. Why the data tell us nothing about the importance of increasing returns to scale and externalities to capital. Economia e Sociedade, v. 17, p. 655-675, 2008.) argumentam que os exercícios de contabilidade do crescimento são uma tautologia. Partindo de uma identidade contábil em que o valor adicionado é igual à soma entre salários e lucros, sem assumir as hipóteses de retorno constante de escala e produtividade marginal, é possível construir uma equação igual ao exercício da contabilidade do crescimento, no qual a PTF é calculada. O problema decorre da agregação de diferentes tipos de capital físico e produto em termos monetários para construir uma função de produção macroeconômica. As condições para agregação são muito restritivas, o que torna improvável derivar uma função de produção agregada bem comportada a partir das funções de produção microeconômicas1 1 Temple (2006) reconhece que a função de produção agregada existe somente em condições muito especiais. . Portanto, não está claro o que os exercícios de contabilidade do crescimento estão calculando.

Além da introdução, o artigo está organizado em cinco seções. Na primeira, descreve-se a relação distribuição-crescimento e discute-se as classificações da mudança técnica. A segunda seção mostra a evolução da relação distribuição-crescimento nas economias latino-americanas no período 1963-2008, identificando-se, para cada país, os padrões de progresso técnico. Na terceira seção, o período 1963-2008 é dividido em três fases: 1963-1980, 1980-2000 e 2000-2008, para as quais é discutido o padrão de mudança técnicanos países da região. Na quarta seção se investiga as taxas de crescimento da produtividade do trabalho e do capital nas fases de crescimento. Na última seção são elaboradas as considerações finais.

1 Mudança técnica: representação e classificação

O instrumento utilizado para analisar a mudança técnica no curso do crescimento econômico dos países da América Latina é a relação distribuição-crescimento. Baseada na curva salário-lucro de Sraffa (1960SRAFFA, P. Production of commoditiesby means of commodities: prelude to a critique of Economic Theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1960.), a relação distribuição-crescimento representa os componentes das contas nacionais2 2 O debate de Cambridge (Harcourt, 1972) apontou que a curva de salário-lucro pode não ser linear em economias com diferentes tipos de capital. Assim, o mesmo valor do estoque de capital pode representar diferentes estruturas de bens de capital para diferentes taxas salariais. A relação de distribuição-crescimento pode ser interpretada como uma aproximação a uma curva de salário-lucro não-linear. .

Para construir essa relação, Foley e Michl (1999FOLEY, D.; MICHL, T. Growth and distribution. Cambridge: Harvard University Press, 1999.) consideram uma economia fechada e sem governo, que produz um único bem, empregado para consumo ou investimento. Para essa economia e para um dado ano, X representa o produto agregado bruto, K o estoque de capital acumulado e N o número de trabalhadores empregados. O consumo agregado, o investimento bruto, a compensação total dos trabalhadores, o lucro bruto e o lucro líquido são definidos, respectivamente, como C, I, W, Z e R. D simboliza a depreciação. O produto líquido, Y, é definido como o produto bruto menos a depreciação. Pela ótica da despesa, o produto bruto é expresso por:

X = C + I (1)

Pela ótica da renda, o produto bruto é obtido por:

X = W + Z = W + R + D (2)

onde o lucro bruto é calculado por:

Z = X W (3)

e o lucro líquido por:

R = Z D (4)

Ao comparar a evolução de países de tamanhos diferentes ao longo do tempo é conveniente expressar as variáveis em termos de razões por trabalhador empregado e por estoque de capital. Desse modo, pode-se definir x = X/N como o produto agregado bruto por trabalhador, ou ainda, a produtividade do trabalho; k = K/N como o capital por trabalhador, a relação capital-trabalho ou a intensidade do capital; w = W/N como o salário médio real; c = C/N como o consumo social por trabalhador, i = I/N como o investimento por trabalhador e z = Z/N como o lucro por trabalhador. Em termos de estoque de capital, as variáveis são descritas como: p = X/K = x/k é o produto por unidade de capital, a relação produto-capital ou a produtividade do capital; v = Z/K = z/k é a taxa bruta de lucro; d = D/K é a taxa de depreciação. A taxa líquida de lucro é dada por r = v - d. A relação capital-trabalho também pode ser calculada por k = x/p. A parcela dos lucros na renda nacional é dada por π = Z/X = z/x e a dos salários é por 1 - π. Logo, v = Z/K = (Z/X)/(K/X) = πp. Por fim, gX = ∆x/x - 1 é a taxa de crescimento da produtividade do trabalho e gk + d = I/K é a taxa de acumulação de capital.

Dividindo as equações (1) e (2) pelo número de trabalhadores e realizando algumas manipulações simples, as mesmas podem ser expressas por:

c = x i = x ( g K + d ) k (5)

w = x z = x ( r + d ) k (6)

A equação (5) representada na Figura 1 é a relação consumo social-taxa de crescimento e descreve a alocação do produto entre consumo e investimento bruto. Para uma dada tecnologia, ela expressa o trade-off entre o consumo e a acumulação de capital. Quando o investimento é igual a zero, todo o produto bruto é consumido e a taxa de acumulação de capital é igual a zero. Quando o consumo social é zero, o investimento é igual ao produto bruto e a taxa máxima de acumulação de capital é igual à produtividade do capital. No ponto gk + d, a produtividade do trabalho é alocada entre investimento por trabalhador, i, e consumo por trabalhador, c.

Figura 1
A Relação Distribuição-Crescimento

A equação (6) é a relação salário real-taxa de lucro, igualmente representada na Figura 1, e mostra a distribuição do produto bruto entre salários e lucros. Ela é uma linha reta, tendo como inclinação o negativo da intensidade de capital e como pontos extremos (0, c) quando o montante de lucro bruto é zero e (p, 0) quando o montante de salários é igual a zero. No ponto v = r + d, a produtividade do trabalho é alocada entre o salário por trabalhador (w) e lucro por trabalhador (z).

A combinação de ambas relações, matematicamente idênticas, é denominada por Foley e Michl (1999FOLEY, D.; MICHL, T. Growth and distribution. Cambridge: Harvard University Press, 1999.) de relação distribuição-crescimento. Ilustrada na Figura 1, tal relação é uma linha reta com intercepto vertical igual àprodutividade do trabalho, intercepto horizontal igual àprodutividade do capital e inclinação igual ao negativo da relação capital-trabalho. Ela fornece uma visão completa do processo de crescimento da economia capitalista, ilustrando o tipo de mudança técnica que está ocorrendo, como a economia aloca seu produto entre crescimento e consumo, bem como as relações distributivas subjacentes entre salários e lucros3 3 A literatura na tradição neoclássica investiga a evolução da produtividade utilizando a produtividade total dos fatores (PTF). Sob a hipótese de progresso técnico neutro no sentido de Hicks, a PTF é igual à média ponderada das taxas de crescimento das produtividades do trabalho e do capital pela parcela salarial e a parcela dos lucros na renda (Foley; Michl, 1999, p. 162). Para uma crítica ao conceito de PTF e de seu emprego para representar o progresso técnico ver Shaikh (1974) e Felipe e McCombie (2003). .

Conforme Foley e Michl (1999FOLEY, D.; MICHL, T. Growth and distribution. Cambridge: Harvard University Press, 1999.), assumindo que a taxa de depreciação é constante através de todas as técnicas, uma técnica de produção pode ser representada pela produtividade do trabalho (x) e pela relação capital-trabalho (k) ou pelas produtividades do trabalho (x) e do capital (p). Assim, o padrão de mudança técnica que uma economia experimenta ao longo do tempo é revelado pelas comparações das suas relações de distribuição-crescimento. Autores como Foley e Marquetti (1997FOLEY, D.; MARQUETTI, A. Economic growth from a classical perspective. In: JOANILIO, R. (Org.). Money, growth, distribution and structural change: contemporaneos analyses. Brasília: Editora UNB, 1997., 1999FOLEY, D.; MARQUETTI, A. Productivity, employment and growth in European Integration. Metroeconomica, v. 50, p. 277-300, 1999.), Marquetti (2002MARQUETTI, A. Progresso técnico, distribuição e crescimento na economia brasileira: 1955-1998. Estudos Econômicos, v. 32, n. 1, p. 103-124, 2002., 2003MARQUETTI, A. Analyzing historical and regional patterns of technical change from a classical-Marxian perspective. Journal of Economic Behavior & Organization, v. 52, p. 191-200, 2003.), Marquetti, Ourique, Muller (2009MARQUETTI, A.; OURIQUE, L.; MULLER, L. Um modelo clássico de crescimento e o padrão de catching up/falling behind na América Latina: 1969-2003. Porto Alegre: UFRGS, 2009. (Texto para Discussão, n. 2009/06).), Pichardo (2007PICHARDO, G. Economic growth models and growth tendencies in major Latin American countries and in the United States, 1963-2003. Investigación Económica, v. LXVI, n. 262, p. 59-87, 2007.) e Felipe e Kumar (2010FELIPE, J.; KUMAR, U. Technical change in India’s organized manufacturing sector. New York: Levy Economics Institute of Bard College, 2010. (Working Paper, n. 626). Disponível em: Disponível em: http://works.bepress.com.br/kumarutsav/21 . Acesso em: 2 nov. 2011.
http://works.bepress.com.br/kumarutsav/2...
) empregaram a relação distribuição-crescimento para estudar o comportamento das produtividades do trabalho e do capital.

Nesse contexto, quatro movimentos da relação distribuição-crescimento são relevantes. No primeiro movimento, representado na Figura 2, da técnica A para a técnica B, a mudança técnica gira a relação distribuição-crescimento no sentido horário em torno do seu intercepto horizontal, aumentando assim a intensidade do capital. Essa mudança corresponde ao padrão técnico Harrod-neutro ou puramente poupador de trabalho, ocorrendo aumento da produtividade do trabalho, mantida constante a produtividade do capital. No padrão puramente poupador de trabalho, se o salário real aumenta na mesma proporção que o aumento na produtividade do trabalho, a taxa de lucro não se altera.

Figura 2
Classificação do progresso técnico neutro

Da técnica B para a técnica C, o progresso técnico gira a relação distribuição-crescimento no sentido horário em torno do seu intercepto vertical, havendo um aumento da produtividade do capital, com a produtividade do trabalho constante e redução da intensidade do capital. Essa mudança técnica é denominada de Solow-neutra ou puramente poupadora de capital. Nesse tipo de padrão técnico, cada unidade de capital funciona de modo mais que eficiente, aumentando a relação produto-capital. Mantida constante a distribuição de renda, há um aumento da taxa de lucro e o salário real permanece constante.

Do ponto A para o ponto C, a mudança técnica desloca paralelamente para fora a relação distribuição-crescimento, cujas produtividades do trabalho e do capital crescem na mesma proporção, mantendo a mesma intensidade do capital. Esse padrão técnico é igualmente poupador de trabalho e de capital e equivale ao progresso técnico Hicks-neutro. Em outros termos, na mudança técnica Hicks-neutra os mesmos insumos capital e trabalho produzem mais produto.

O último movimento relevante é apresentado na Figura 3, na qual pode ser evidenciada a combinação de mudança técnica poupadora de trabalho e consumidora de capital, em que o emprego de máquinas e equipamentos substitui o trabalho vivo. Caracteriza-se, dessa forma, como um processo de mecanização, chamado por Foley e Michl (1999FOLEY, D.; MICHL, T. Growth and distribution. Cambridge: Harvard University Press, 1999.) de padrão Marx-viesado. A relação distribuição-crescimento se desloca para a esquerda no eixo horizontal e para cima no eixo vertical, aumentando a produtividade do trabalho, declinando a produtividade do capital e expandindo a quantidade de capital por trabalhador.

Figura 3
O progresso técnico Marx-viesado

Segundo Marx (1994MARX, K. O capital. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S. A., 1994. Livro 1, v. 1.), o fator determinante da mudança técnica é a busca por uma maior lucratividade. Os capitalistas individuais adotam mudanças técnicas que reduzam os custos de produção aos preços e salários vigentes, obtendo assim uma taxa de lucro superior à taxa média quando vendem seus produtos por um preço determinado por concorrentes que empregam técnicas de menor produtividade. A taxa de lucro determina a acumulação de capital, que é o modo em que novas máquinas e equipamentos são colocadas no processo produtivo. A acumulação de capital possui um papel fundamental no processo de mecanização. No entanto, se os salários reais aumentam na mesma proporção que a produtividade do trabalho, o processo de mecanização resulta em queda da taxa de lucro e da taxa de acumulação de uma economia.

Em geral, através da análise da representação gráfica da relação distribuição-crescimento e de suas mudanças no tempo é possível classificar qualquer forma de progresso técnico que uma economia experimenta (Ferretti, 2008FERRETTI, F. Patterns of technical change: a geometrical analysus using the wage-profit rate schedule. International Review of Apllied Economics, v. 22, n. 5, p. 565-583, 2008.). Sendo assim, elas podem ser utilizadas para classificar outras formas de mudança técnica.

No presente trabalho serão classificadas três formas de “regresso técnico” observados na experiência dos países latino-americamos. Na primeira forma ocorre uma redução da produtividade do trabalho e da produtividade do capital, um movimento contrário ao padrão Hicks-neutro, com o deslocamento da relação de distribuição-crescimento C para a A na Figura 2. Esse padrão de progresso técnico, consumidor de trabalho e de capital, será denominado de “retrocesso do progresso técnico”.

Na segunda forma há uma queda da produtividade do trabalho e um aumento da produtividade do capital, isto é, um padrão de mudança técnica oposto ao Marx-viesado. Tal padrão de regresso técnico é denominado de “desmecanização”. Na relação distribuição-crescimento ocorre um deslocamento para baixo no eixo vertical da produtividade do trabalho e para a direita no eixo horizontal da produtividade do capital4 4 A desmecanização pode resultar em crescimento da PTF, pois ocorre uma expansão da produtividade do capital. .

Na terceira forma a produtividade do trabalho declina e a produtividade do capital permanece constante, caracterizando um regresso técnico puramente consumidor de trabalho. Na Figura 2, essa forma de regresso técnico é representada pelo movimento da relação de distribuição-crescimento de B para a A, denominada no presente artigo de padrão “puramente redutor de trabalho”.

Por sua vez, o padrão de progresso técnico poupador de trabalho e de capital pode ocorrer com diferentes taxas de crescimento das produtividades do trabalho e do capital. Denominam-se progresso técnico poupador de insumos com aumento da intensidade do capital os casos em que a expansão da produtividade do trabalho é superior à da produtividade do capital. Progresso técnico poupador de insumos com redução da intensidade do capital ocorre quando a taxa de crescimento da produtividade do trabalho é inferior à do capital.

2 Padrões de progresso técnico na América Latina: 1963-2008

Os dados da EPWT 4.0 permitem analisar o padrão de progresso técnico dos países latino-americanos entre 1963 e 2008. A Figura 4 apresenta a relação de distribuição-crescimento para 20 países da América Latina no período em estudo.

Figura 4
Padrões de Progresso Técnico nas Economias Latino-Americanas: 1963-2008

O padrão Marx-viesado, poupador de trabalho e consumidor de capital, ocorreu em oito países: Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e República Dominicana. Esse foi o padrão mais observado, ocorrendo em 40% dos países da amostra.

O progresso técnico foi consistente com o padrão poupador de insumos com aumento da intensidade de capital para a Argentina, o Chile, o Equador e o Uruguai. Por sua vez, ocorreu o padrão poupador de insumos com redução da intensidade de capital na Bolívia e no Peru.

O Brasil e a Colômbia tiveram um padrão de progresso técnico Harrod-neutro. Esse seria o padrão típico de progresso técnico segundo os fatos estilizados de Kaldor (1961KALDOR, N. Capital accumulation and economic growth. In: LUTZ, H. (Ed.). The theory of capital. London: Palgrave, 1961. p. 177-222.). Contudo, os dados aqui apresentados não corroboram os fatos estilizados. Uma possível explicação para essa discrepância é que o presente trabalho aborda o caso de países em desenvolvimento, onde o processo de acumulação resulta na tranferência de técnicas intensivas em capital dos países líderes.

Por sua vez, em Cuba e na Venezuela houve um movimento de desmecanização, com queda na produtividade do trabalho e aumento na produtividade do capital. Enfatiza-se que em Cuba as informações cobrem o período 1983-2008.

O Haiti e a Nicarágua experimentaram um retrocesso do progresso técnico no período em estudo. Para o Haiti as informações cobrem o período 1973 e 2008. Deve-se mencionar que os dois países tiveram conflitos políticos durante o período em estudo.

A Tabela 1 mostra as taxas anuais de acumulação de capital e de crescimento econômico, bem como as produtividades do trabalho e do capital em contraste com os padrões de mudança técnica de longo prazo.Observa-se que os países com as maiores taxas de acumulação de capital e as taxas de crescimento mais elevadas possuem padrões de progresso técnico Marx-viesado e Harrod-neutro.

Tabela 1
Evolução das variáveis nas economias Latino-Americanas: 1963-2008

Entre os países com o padrão Marx-viesado estão os dois que apresentaram as taxas de crescimento do produto e as taxas de acumulação mais elevadas do período,ou seja, o Panamá e a República Dominicana, com expansão do PIB a 5,4% e 5,2% ao ano, respectivamente, e taxas de acumulação do capital de 5,7%e 6,4% ao ano, respectivamente. Com a exceção da Guatemala e El Salvador, que expandiram a 3,9% e a 3,1% ao ano, os demais países com esse padrão de mudança técnica cresceram a taxas superiores a 4% ao ano. Os dois países que apresentaram o padrão Harrod-neutro também cresceram a taxas anuais e tiveram taxas de acumulação de capital superiores a 4% ao ano.Os países com os demais padrões de progresso técnico apresentaram menores taxas de acumulação de capital e taxas de crescimento. Nos padrões poupador de insumos com aumento da intensidade do capital e poupador de insumos com redução da intensidade do capital há países com taxas anuais de crescimento inferiores a 3% ao ano. Asmenores taxas de crescimento ocorreram nos países com os padrões desmecanização e retrocesso do progresso técnico.

3 Fases do progresso técnico nos países latino-americanos

Para investigar os padrões de progresso técnico nos países da América Latina e sua relação com o crescimento econômico, o período 1963-2008 é dividido em três fases: 1963-1980; 1980-2000; e 2000-2008. As fases se relacionam com as diferentes taxas de crescimento verificadas na América Latina no período em estudo. As Tabelas 2, 3 e 4 mostram o padrão de mudança técnica, a evolução das produtividades do trabalho e do capital, e a taxa de crescimento e de acumulação de capital de cada país nas fases em estudo.

Tabela 2
Mudança técnica e crescimento nas economias latino-americanas: 1963-1980
Tabela 3
Mudança técnica e crescimento nas economias latino-americanas: 1980-2000
Tabela 4
Mudança técnica e crescimento nas economias latino-americanas: 2000-2008

Na Tabela 2, observa-se que 11 países apresentaram o padrão Marx-viesado entre 1963 e 1980, três o padrão Harrod-neutro e quatro o padrão poupador de insumos com aumento da intensidade de capital. Os países com as taxas de acumulação mais elevadas apresentaram um progresso técnico Marx-viesado ou Harrod neutro. O Brasil foi o país com maior taxa de crescimento e de acumulação de capital. Somente a Nicarágua, que passou por guerra cívil no final dos anos 1970, apresentou retrocesso do progresso técnico no período em análise. Na fase de maior acumulação de capital e crescimento, a dos países da América Latina, o padrão preponderante foi o Marx-viesado.

O processo de mecanização reflete o esforço para superar o atraso relativo dos países atrasados com acumulação de capital. O aumento na produtividade do trabalho é obtida mediante a redução na produtividade do capital. Nessa fase, a elevada taxa de acumulação de capital ocasionou a difusão de técnicas mais intensivas em capital, bem como uma expansão do setor industrial no valor adicionado. O período corresponde aos anos finais da industrialização por substituição de importações na América Latina. A literatura sobre progresso técnico na tradição neoclássica também aponta essa fase como a mais dinâmica em termos de aumento da produtividade total dos fatores.

Por outro lado, na fase 1980-2000 (Tabela 3) houve um mudança no padrão de mudança técnica e grande número de países apresentaram regresso técnico. Dos vinte países em estudo, quatorze tinham em 2000 uma produtividade do trabalho inferior a vigente em 2000. Três países tiveram regresso técnico puramente consumidor de trabalho, cinco tiveram retrocesso do progresso técnico com redução da produtividade do trabalho e do capital e seis países tiveram um processo de desmecanização, com redução da produtividade do trabalho e aumento da produtividade do capital. Entre os seis países que apresentaram progresso técnico, dois experimentaram um padrão Marx-viesado, dois o padrão Harrod-neutro, um país teve o padrão poupador de insumos com aumento da intensidade do capital e um país teve o padrão poupador de insumos com redução da intensidade do capital.

Ocorreu um forte declínio na taxa de acumulação de capital e na taxa de crescimento. Destaca-se em particular, a queda observada no desempenho do Brasil e do México, os maiores países da região. A queda da taxa de acumulação ocorreu quando estavam se desenvolvendo as tecnologias de informação nos países capitalistas desenvolvidos. A elevada taxa de acumulação em países em desenvolvimento é fator fundamental para o crescimento econômico e o processo de aproximação aos países líderes.

Esta foi a fase de menor crescimento da América Latina. A principal exceção foi a economia chilena que teve taxa de acumulação e de crescimento superiores as verificadasna primeira fase. Interessante observar que o Chile apresentou um padrão de progresso técnico Marx-viesado entre 1980 e 2000.

Pichardo (2007PICHARDO, G. Economic growth models and growth tendencies in major Latin American countries and in the United States, 1963-2003. Investigación Económica, v. LXVI, n. 262, p. 59-87, 2007.) investigou o padrão de mudança técnica para a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México entre 1963 e 2003. Os resultados são consistentes com os obtidos no presente trabalho. Entre 1963 e 1980, com a exceção do Chile, os demais países apresentaram um padrão Marx-viesado. Houve uma estagnação técnica após 1980 nos países, com a exceção do Chile que apresentou o padrão Marx-viesado.

Na terceira fase verificou-se a retomada do dinamismo do progresso técnico em grande parte dos países em estudo, como se observa na Tabela 4. Houve expansão na taxa de acumulação de capital e do crescimento econômico na região.O padrão Marx-viesado de mudança técnica ocorreu em seis países,o padrão Harrod-neutro em dois países, o padrão poupador de insumos com aumento da intensidade do capital em seis países, em quatro houve o padrão poupador de insumos com redução da intensidade do capital e, em dois países, houve retrocesso do progresso técnico. A maior acumulação de capital possibilitou ganhos na produtividade do trabalho e do capital que podem ser parcialmente explicados pela difusão das tecnologias de informação e comunicação. Manuelito e Jiménez (2015MANUELITO, S.; JIMÉNEZ, S. Stylized features of the investment-growth connection in Latin America, 1980-2012. CEPAL Review, v. 115, p. 7-22, 2015.) mostram uma expansão da taxa de investimento na América Latina a partir do início da década de 2000.

As três fases de progresso verificadas quando se examina a evolução da relação capital-trabalho ao longo do período em estudo. Como se observa na Figura 5, há um aumento da relação capital-trabalho entre 1963 e o final da década de 1970, com a exceção do Chile e do Peru. No início dos anos 1980, a relação capital-trabalho passou a declinar noPanamá, Republica Dominicana, Costa Rica, México, Honduras, Guatemala, El Salvador, Colômbia, Brasil, Equador, Argentina, Uruguai, Bolívia, Haiti e Venezuela. Na Nicarágua, a queda da relação capital-tarbalho iniciou em 1978. No Chile a relação capital-trabalho passou a aumentar no final da década de 1980 e no Peru no início dos anos 1990. Houve a retomada do aumento da relação capital-trabalho em muitos dos países latino-americanos por volta do ano 2000. Entre os quatro países que tiveram regresso técnico no período em estudo, em três a relação capital-trabalho em 2008 era inferior àobservada em 1963. O comportamento da relação capital-trabalho para os países da América Latina é consistente com a análise do padrão de progresso apresentada acima.

Figura 5
A relação capital-trabalho nas economias latino-americanos: 1963-2008

4 Taxas de crescimento das produtividades do trabalho e do capital

A evidência discutida acima revela que os países latino-americanos apresentaram três fases de progresso técnico, o que é consistente com o crescimento econômico verificado ao longo do período em estudo. A presente seção investiga as taxas de crescimento da produtividade do trabalho e do capital nas fases três fases de crescimento da América Latina.

A Figura 6 apresenta os gráficos de dispersão das taxas de crescimento das produtividades do trabalho e do capital para 18 países da América Latina para o período 1963-2008, bem como para as fases 1963-1980, 1980-2000 e 2000-2008.

Figura 6
A curva de possibilidade de progresso técnico na América Latina em diferentes períodos, 1963-2008

A análise não considera as informações para Cuba e Haiti. Observa-se a existência de um U-invertido entre as taxas de crescimento das produtividades do capital e do trabalho para todos os períodos em análise. A curva de possibilidade de progresso técnico possui um segmento de inclinação positiva quando a taxa de crescimento da produtividade do capital é negativa e um segmento de inclinação negativa quando a taxa de crescimento da produtividade do capital é positiva. Outro aspecto interessante do formato da curva de possibilidade de progresso técnico é que os valores absolutos elevados da taxa crescimento da produtividade do capital se associam a menores valores para as taxas de crescimento da produtividade do trabalho.

É importante observar o deslocamento da curva de possibilidade de progresso técnico nas fases de crescimento dos países latino-americanos. Observam-se na primeira fase maiores possibilidades de progresso técnico, uma forte redução das possibilidades na segunda fase e uma retomada na terceira fase. Na terceira fase há um maior número de países com taxa de crescimento positiva da produtividade do capital. Esse resultado pode estar associado com a maior difusão das tecnologias de informação e comunicação no período. As diferenças entre as fases, como mostra a Tabela 5, se expressam na média das taxas de crescimento das produtividades para os 18 países em estudo.

Tabela 5
Média das taxas de crescimento das produtividades do trabalho e do capital para 18 países da América Latina

Considerações finais

O presente artigo examinou a evolução do progresso técnico nas economias latino-americanas entre 1963 e 2008. A análise revelou diferentes padrões de mudança técnica experimentados pelos países da região, prevalecendo o progresso técnico poupador de trabalho e consumidor de capital, denominado de Marx-viesado, em oito países, o padrão poupador de insumos com aumento da intensidade de capital em quatro países e o padrão poupador de insumos com redução da intensidade de capital em quatro países. Em quatro países houve regresso do progresso técnico, com redução da produtividade do trabalho. Somente dois países apresentaram o padrão Harrod-neutro.

Ao longo do período em estudo foram identificadas três fases de progresso técnico. A primeira fase, entre 1963 e 1980 foi marcada pela predominância das mudanças técnicas Marx-viesada e poupadora de insumos com aumento da intensidade do capital. A segunda fase entre 1980 e 2000 caracterizou-se por apresentar um regresso técnico e reduzido crescimento econômico; seis países tiveram redução da produtividade do trabalho e aumento da produtividade do capital e cinco queda nas duas produtividades. O Chile foi a principal exceção, apresentando maior crescimento econômico do que na primeira fase e um padrão Marx-viesado. Na terceira fase (2000-2008), houve um maior crescimento econômico e os padrões de progresso técnico Marx-viesado e poupador de insumos com aumento da intensidade de capital voltaram a ser dominantes. Os resultados foram consistentes com a literatura de progresso técnico na tradição neoclássica que investiga a experiência da América Latina e de países individuais.

Também ocorreu uma mudança na evolução da relação capital-trabalho na década de 80 na América Latina. Houve queda na intensidade de capital em 10 países da região após 1980. Ainda que a taxas inferiores as observadas na fase 1963-1980, verificou-se um maior crescimento da relação capital trabalho após o ano de 2000. A difusão das tecnologias de informação e comunicaçãopode ter ocasionado o aumento da produtividade do capital na fase 2003-2008.

Os resultados apontam para possíveis trabalhos a serem realizados no futuro. Seria importante investigar a relação entre acumulação de capital, progresso técnico e desindustrialização na América Latina. Outro trabalho relevante seria investigar a relação entre abertura comercial, investimento direto estrangeiro e o tipo de progresso técnico experimentado pelos países da América Latina. Tais estudos poderiam levar a um melhor entendimento sobre a trajetória do progresso técnico no processo de desenvolvimento econômico.

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  • *
    O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES.
  • 1
    Temple (2006TEMPLE, J. Aggregate production functions and growth economics. International Review of Applied Economics, v. 20, p. 301-317, 2006.) reconhece que a função de produção agregada existe somente em condições muito especiais.
  • 2
    O debate de Cambridge (Harcourt, 1972HARCOURT, G. (). Some Cambridge Controversesin the Theory of Capital.Cambridge: CambridgeUniversity Press. 1972) apontou que a curva de salário-lucro pode não ser linear em economias com diferentes tipos de capital. Assim, o mesmo valor do estoque de capital pode representar diferentes estruturas de bens de capital para diferentes taxas salariais. A relação de distribuição-crescimento pode ser interpretada como uma aproximação a uma curva de salário-lucro não-linear.
  • 3
    A literatura na tradição neoclássica investiga a evolução da produtividade utilizando a produtividade total dos fatores (PTF). Sob a hipótese de progresso técnico neutro no sentido de Hicks, a PTF é igual à média ponderada das taxas de crescimento das produtividades do trabalho e do capital pela parcela salarial e a parcela dos lucros na renda (Foley; Michl, 1999FOLEY, D.; MICHL, T. Growth and distribution. Cambridge: Harvard University Press, 1999., p. 162). Para uma crítica ao conceito de PTF e de seu emprego para representar o progresso técnico ver Shaikh (1974SHAIKH, A. Laws of production and laws of algebra: the Humbug production function. The Review of Economics and Statistics, v. 56, n. 1, p. 115-102, 1974.) e Felipe e McCombie (2003FELIPE, J.; McCOMBIE, J. Methodological problems with neoclassical analyses of the East Asian miracle. Cambridge Journal of Economics, v. 54, p. 695-721, 2003.).
  • 4
    A desmecanização pode resultar em crescimento da PTF, pois ocorre uma expansão da produtividade do capital.
  • 6
    JEL O11.

Anexo

Fonte de Dados e Definição das Variáveis

Para construir as relações de distribuição-crescimento das economias latino-americanas foram utilizados os dados da EPWT 4.0. A EPWT 4.0 contempla um conjunto de informações referentes as contas nacionais, crescimento econômico, progresso técnico, distribuição de renda, demografia e meio ambiente para 176 países entre 1963 e 2008. Contudo, para alguns países as informações não contemplam todo o período.

No presente estudo, a amostra é composta por 20 países da América Latina com dados que cobrem o período 1963-2008. As exceções são o Chile, o Haiti e Cuba com a primeira observação em 1964, 1983 e 1973, respectivamente. As variáveis empregadas na análise e sua descrição são apresentadas a seguir.

O Produto Interno Bruto real (X) é um índice em cadeia expresso em paridade de poder de compra de 2005 (2005 PPP), obtido multiplicando-se as variáveis população e o PIB real per capita, coletados da Penn World Table 7.0 (PWT 7.0). O resultado foi multiplicado por 1.000.

A produtividade do trabalho (x) é o PIB por trabalhador, expressa em 2005 PPP por trabalhador. A variável número de empregados (N) foi mensurada dividindo-se o Produto Interno Bruto pela produtividade do trabalho.

A produtividade do capital (p) foi calculada dividindo-se o Produto Interno Bruto pelo estoque líquido de capital fixo. O estoque líquido de capital fixo, expresso em 2005 PPP, foi obtido a partir das séries de investimento computadas da variável participação do investimento real no PIB da PWT 7.0. Empregando-se o método dos estoques perpetuados e considerando-se uma vida útil do ativo de 14 anos e uma taxa de depreciação de 7,5%, o estoque líquido de capital fixo foi estimado como a soma acumulada do investimento descontada a depreciação. A relação capital-trabalho (k) é expressa em 2005 PPP foi calculada como a razão entre o estoque líquido de capital fixo e o número de trabalhadores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2014
  • Aceito
    21 Fev 2017
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