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Crescimento econômico e pressão sobre recursos hídricos Os autores agradecem as contribuições valiosas dos pareceristas. Versão preliminar deste artigo foi apresentada no XIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos em 2015; Previsão de demanda por água em regiões econômicas de escassez hídrica.

Resumo

Este estudo objetivou, através de uma matriz insumo-produto inter-regional (estimada para 2004) em um modelo ecológico-econômico, simular três cenários de demandas futuras (para o ano 2020) pelo uso dos recursos hídricos nas bacias hidrográficas Piracicaba-Capivari-Jundiaí (PCJ), Paraíba do Sul (PBS), Alto Tietê (AT) e Sorocaba e Médio Tietê (SMT). Essas simulações baseiam-se nas expectativas hipotéticas de alterações na demanda final dos bens da economia, o que culminou no confronto dos resultados das estimativas de demandas por água com as disponibilidades hídricas hipotéticas. A crescente escassez dos recursos hídricos, especialmente superficiais, motiva estudos sobre análises da demanda por esse recurso, especialmente com vistas a proposição de estratégias poupadoras. A simulação resultou em montantes de água que retratam importante escassez hídrica nas bacias AT e SMT, realidade esta já existente há algumas décadas, mas que pode se acentuar. Adicionalmente, identificou-se escassez de água na bacia PCJ provocada principalmente pelas transposições para outras bacias hidrográficas, especialmente AT que abrange a região metropolitana de São Paulo.

Palavras-Chave
Economia dos recursos hídricos; Demanda por água; Matriz insumo-produto

Abstract

This paper aimed, through an inter-regional input-output matrix (estimated for 2004) in an ecological-economic model, simulate three scenarios of future demand (for 2020) for the use of water resources in river basins Piracicaba-Capivari-Jundiaí (PCJ), Paraiba do Sul (PBS), Alto Tiete (AT) and Sorocaba and Mid Tietê (SMT). These simulations are based on the hypothetical expectations of changes in the final demand of goods in the economy, resulting in a comparison between estimates results of demand for water with the hypothetical water availability. The growing shortage of water resources motivates studies on analysis of the demand, especially with a view to proposing sparing strategies. The simulation results showed water amounts that depict important water shortage in AT and SMT basins, which is a problem that has been around for a few decades and can become even worse. In addition, water shortage was identified in the PCJ basin mainly due to water transpositions to other river basins, especially AT covering the entire metropolitan region of São Paulo.

Keywords
Water Economics; Water input; Input-output matrix

1. Introdução

Entre as maiores preocupações da humanidade está a escassez dos recursos naturais. A evolução da sociedade resultou em demandas crescentes de recursos naturais. Neste aspecto, o recurso natural "água" tem suscitado atenção especial não somente de organismos internacionais e do poder público de cada País, mas também, em maior ou menor escala, da sociedade civil (devido ao uso e consumo das famílias) (PAHL-WOSTL, 2002PAHL-WOSTL, C. "Towards sustainability in the water sector - the importance of human actors and processes of social learning." Aquatic sciences. Vol. 64(2002):394-411.).

Em muitas regiões e países, a valorização da água é acentuada devido à sua escassez excessiva, a qual pode refletir nos preços cobrados para o fornecimento do recurso. Isto, muitas vezes, impede a implantação de certas indústrias e formas de agricultura e serviços demandantes de quantidades importantes de água para o seu funcionamento (por exemplo: algumas indústrias de alimentos, agricultura irrigada, transportes, lazer e turismo, dentre outros) (OCDE, 2010OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Pricing water resources and water and sanitation services. OECD: Paris. 2010.).

Neste sentido, as demandas por recursos hídricos para os diversos usos devem ser monitoradas e confrontadas com a disponibilidade hídrica, bem como deve ser controlada adequadamente à qualidade das águas devolvidas aos mananciais (lançamento de efluentes). Isto porque as águas poluídas, em maior ou menor grau, podem impossibilitar alguns usos e, portanto, os custos econômicos e ambientais se tornam relevantes (MOLDEN, 1997MOLDEN, D. "Accounting for water use and productivity." SWIN paper 1. Colombo-Sri Lanka: International irrigation management institute. 1997.).

Do lado da demanda por água, a maior parte dos estudos econômicos não abordam as bacias hidrográficas como unidade de análise, e isso têm importantes desdobramentos, uma vez que a disponibilidade (oferta) de água é dada nas bacias e não em qualquer outra unidade administrativa (Estado, município, região econômica, etc.). Portanto, é importante identificar as demandas referentes às bacias. Os usos de recursos hídricos, seja na produção ou no consumo das famílias, são considerados usos econômicos (CARRERA-FERNANDEZ, GARRIDO; 2002CARRERA-FERNANDEZ, J. and R. J. Garrido. "Economia dos recursos hídricos." Salvador: Edufba, 2002.). Consecutivamente, existem relações econômicas entre regiões, e neste caso entre bacias hidrográficas, seja pela transferência de água incorporada aos produtos via processos produtivos ou no consumo final. Outro fator importante, em especial em bacias com grande escassez de águas, é que pode haver transposição (derivação) de águas entre bacias, ou seja, transferência de águas por canais ou adutoras, para atender às demandas em bacias cuja oferta de água é deficitária (SANTANA, 2010SANTANA, T.A.R. "Estudo dos Impactos Econômicos Da Cobrança Pelo Uso Da Água Na Bacia Do Rio São Francisco: Uma Abordagem de Insumo-Produto." Dissertação de mestrado em economia. Universidade Federal da Bahia. 2010.).

Baseado nesses argumentos, neste estudo são implementadas três simulações em diferentes cenários para estimar as demandas por água (captação, consumo, transposição de águas entre bacias e lançamento de efluentes), considerando os impactos diretos e indiretos regionais e inter-regionais, e comparando-se essas simulações com a disponibilidade dos recursos hídricos, hierarquizando os setores mais sensíveis ao crescimento econômico.

Em termos específicos este artigo objetiva: i) Simular três cenários de crescimento na demanda final sobre a demanda hídrica e confrontá-los com os montantes de disponibilidades hídricas hipotéticos em cada bacia estudada, para o ano de 2020; ii) Identificar, dentre as bacias estudadas, os resultados de simulações com maior escassez de água e os setores com maiores impactos. Para atender a estes objetivos, o presente estudo utilizou uma matriz insumo-produto inter-regional para as bacias hidrográficas PCJ, PBS, AT e SMT,1 1 Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), Paraíba do Sul (PBS), Alto Tietê (AT) e Sorocaba e Médio Tietê (SMT). estimada para o ano de 2004, em um modelo ecológico-econômico. Essas bacias, por serem importantes em termos econômicos e cujos setores são bastante desenvolvidos (presença de um número bastante diverso e elevado de indústrias e da sua produção), podem fornecer um importante locus de análise para identificar relações entre o crescimento econômico e elevação da demanda por água.

O presente estudo, além desta introdução, está distribuído em outras 6 (seis) seções. A segunda seção aborda a questão regional que envolve as bacias de maneira geral, bem como aquelas aqui estudadas. Uma terceira seção discute modelos de insumo-produto, especialmente inter-regionais, aplicados à questão hídrica. Outra seção discorre sobre as matrizes insumo-produto, bem como o modelo ecológico-econômico utilizado. A quinta seção discorre sobre a construção da matriz inter-regional e dos dados empregados na simulação. A próxima seção apresenta os resultados e sua discussão. A última seção dedica-se a apresentar as principais considerações acerca dos resultados do artigo.

2. Questão hídrica, bacias hidrográficas e importância econômica

No Brasil, devido à sua extensão continental e diversidade, existem situações distintas em termos de disponibilidade hídrica regional. Uma simples análise superficial revela muitos casos de escassez hídrica e uma quase que generalizada degradação, dada a poluição de origem doméstica, industrial e agrícola (FELICIDADE, MARTINS E LEME; 2001FELICIDADE, N.; Martins, R. C. And Leme, A. A. "A água como valor social: considerações acerca de uma prática acadêmica em torno do tema." In: Felicidade, N.; Martins, R. C, 2001.). Assim como na maioria dos países em desenvolvimento e pobres, o Brasil detém baixo índice de cobertura de saneamento básico e altas taxas de perdas físicas no abastecimento de água tratada/potável. Parte significativa da população brasileira não é atendida pelos sistemas de abastecimento, resultando em esgoto não tratado lançado nas calhas dos rios, lagos e mar.

As reservas de água dos rios, lagos e subterrâneas sempre foram de livre acesso, onde se podia fazer captações, lançar efluentes, etc., sem pagar tarifa alguma. Entretanto, quando se faz uma captação, outros consumidores deixam de usufruir deste recurso. O mesmo acontece quando algum agente lança dejetos diluídos, uma vez que pode ser prejudicada a captação dos demais agentes que se localizam "abaixo" no rio. Este prejuízo acontece quando a água no seu ponto de captação não se presta às necessidades do agente (p. ex.: a água captada é muito poluída, de tal forma que não serve para o processo de determinada indústria). Isso influencia o custo de tratamento da água, além do que essas externalidades podem comprometer o abastecimento para gerações futuras (SANTOS, 2003SANTOS, M. R. M. "O princípio do poluidor-pagador e a gestão de recursos hídricos: a experiência europeia e brasileira." : MAY, P. H.; LUSTOSA, M. C.; VINHA, V. da (org.). Economia do meio ambiente: teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.). Complementarmente, existem as demandas inter-regionais (entre bacias) de produtos que implicam demandas in-ter-regionais de água incorporadas a esses produtos, bem como águas demandadas diretamente por transposição de águas entre diferentes bacias hidrográficas.

No Brasil, alguns comitês de bacias hidrográficas têm avançado na questão da cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Isto se dá tanto pela questão da escassez atual do recurso, quanto por uma preocupação futura, e daí a necessidade de implementação de mecanismos de gestão de águas. Estas políticas de gestão têm sido implementadas em várias regiões brasileiras, inclusive no estado de São Paulo, que tem grande importância econômica a exemplo dos comitês das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), Paraíba do Sul (PBS), Alto Tietê (AT) e Sorocaba e Médio Tietê (SMT), que tem avançado em termos de base de dados e cobrança pelo recurso água.

Neste aspecto, para o desenvolvimento desta pesquisa, a escolha das bacias PCJ, PBS, AT e SMT, está relacionada, primeiramente, ao atual estado crítico dos conflitos pelo uso da água, bem como pela disponibilidade em termos de base de dados e também pela sua representatividade em termos de proporção no total da população e na economia regional e nacional (PIB, emprego, etc., conforme apresentado na Tabela 1).

Tabela 1
Participação (%) do PIB e população das bacias hidrográficas dos Rios PCJ, PBS, AT e SMT sobre o PIB e população da Região Sudeste e Brasil - 2010

Na Figura 1 observa-se a disposição das bacias hidrográficas e associamse as bacias hidrográficas estudadas com áreas de alta densidade demográfica e concentração de atividade industrial, que provocam elevada pressão sobre a disponibilidade de recursos hídricos. Ademais, as bacias estudadas abrigam grandes centros urbanos, tais como a região metropolitana de São Paulo (que é o maior município em termos de aglomeração de pessoas do grande continente americano), além dos municípios de Campinas e São José dos Campos, e outros grandes municípios interioranos. Ainda, a bacia PBS transpõe (envia) águas para a bacia do Rio Guandú, importante fonte de águas para a região metropolitana do Rio de Janeiro, município este que é o sexto maior município (em termos populacionais) das Américas.

Figura 1
Localização das bacias hidrográficas no Estado de São Paulo

Em outras palavras, as bacias abordadas neste estudo estão relacionadas com as duas maiores aglomerações urbanas brasileiras, bem como dois dos maiores municípios do continente americano. Adicionalmente, a bacia AT que representa a região metropolitana do município de São Paulo também recebe águas transpostas da bacia PCJ, bem como a bacia SMT recebe águas transpostas das bacias PCJ e AT.

Portanto, um modelo que se adapta a esta realidade é o modelo de insumo-produto inter-regional, que capta não somente os efeitos diretos e indiretos (via coeficientes técnicos), bem como aqueles derivados do comércio inter-regional sobre as demandas de água para os mais diversos usos, mas também permite alocar coeficientes para a transposição de águas entre bacias. Isto se torna possível através de uma matriz insumo-produto híbrida de coeficientes técnicos para todos os usos (captação, consumo, transposição de águas e lançamento de efluentes). Especialmente, este modelo ao reconhecer coeficientes técnicos de transposição de águas, computa na demanda total por águas, em determinada bacia hidrográfica, as águas transpostas para/de outras bacias hidrográficas, como resposta às variações na demanda final dessas outras bacias hidrográficas.

Esta modelagem também tem aderência conceitual aos preceitos da economia ecológica ou relacionada ao meio ambiente. No início dos anos 1990, o conceito de água 'incorporada' ou 'virtual' foi proposto para medir o volume total de água doce necessário na produção de bens ou serviços (ALLAN, 1998AALLAN, J.A. "Watersheds and problemsheds: explaining the absence of armed conflict over water in the Middle East." MERIA - Middle East Review of International Affairs. v. 2 (1) [1998a]:1-3.; ALLAN, 1998BALLAN, J.A. "Virtual water: a strategic resource global solutions to regional deficits." Ground Water. V. 36 (4) [1998b] pp.545-546.; ALLAN, 2001ALLAN, J.A. "The Middle East Water Question: Hydropolitics and the Global Economy." I. B. Tauris, London, 2001.; CHAPAGAIN E ORR, 2009CHAPAGAIN, A. and S. Orr. "An Improved Water Footprint Methodology Linking Global Consumption to Local Water Resources: A Case of Spanish Tomatoes." Journal of Environmental Management, V. 90 [2009]:1219-1228.; HOEKSTRA, 2003HOEKSTRA, A. "Virtual Water: An Introduction. Virtual Water Trade." Proceedings of the International Expert Meeting on Virtual Water Trade. IHE Delft, The Netherlands. 2003.). Esta água é descrita como "virtual" porque se estende para além da água física e localmente contida no produto, ou seja, importações e exportações de insumos e produtos usuários de água são importantes. A metodologia também pode ser identificada com o conceito de "Blue Water" que representa o volume de água superficial e subterrânea consumida (evaporada ou incorporada ao produto) durante o processo de produção (CHAPAGAIN et al., 2006CHAPAGAIN et al. "The water footprint of cotton consumption: an assessment of the impact of worldwide consumption of cotton products on the water resources in the cotton producing countries." Ecological Economics. V. 60 (1) [2006]:186-203.; CHAPAGAIN e ORR, 2009CHAPAGAIN, A. and S. Orr. "An Improved Water Footprint Methodology Linking Global Consumption to Local Water Resources: A Case of Spanish Tomatoes." Journal of Environmental Management, V. 90 [2009]:1219-1228.), tal como o balanço hídrico (disponibilidade hídrica-captação + lançamento de efluentes). Ainda, o conceito insumo-produto tem aderência com a definição de "Pegada Hídrica", que representa o montante de água utilizada por agentes no consumo de produtos (HOEKSTRA e HUANG, 2002HOEKSTRA, A. Y. and P. Q. Huang. "Virtual water trade: A quantification of virtual water flows between nations in relation to international crop trade." Value of water research report series. Institute for Water Education. Holanda: UNESCO-IHE, 66p. 2002.).

3. A literatura de insumo-produto e a questão hídrica

Na bibliografia internacional referente ao uso de modelos de insumo -produto em questões relacionadas à água, duas compilações importantes de estudos nesta área podem ser destacadas. De maneira geral, Duarte e Yang (2011)DUARTE, R. and H. Yang. "Input-Output and water: introduction to the special issue." Economic Systems Research. V. 23(4) [2011]: 341-351. fazem um importante diagnóstico dos estudos publicados em revistas científicas e que tem a metodologia de insumo -produto como método de análise e que se dedicam a estudar questões referentes aos recursos hídricos, em suas diversas aplicações: captação, lançamento de poluentes, comércio de água virtual, pegada hídrica, "blue water", demanda por água, etc.

Modelos de insumo-produto para questões relacionadas à água, via multiplicadores, foram aplicados inicialmente por Isard e Romanoff, na década de 1960; outra análise se refere ao impacto de uma nova cidade hipotética em Plymouth Bay, EUA, implementado por Isard e colegas, trabalhos esses citados em Lenzen e Foran (2001)LENZEN, M. and B. Foran. "An input-output analysis of Australian water usage." Water Policy. Vol. 3 (2001): 321-340.. Outro estudo importante, citado por Velázquez-Alonso (2003)VELÁZQUEZ-ALONSO, E. "Matriz de Intercambios de água. Análisis mediante la Teoría de Grafos." Economía Agraria y Recursos Naturales. Vol. 3(1) p:31-56. 2003. é creditado a Lofting e McGauhey, que introduziram as demandas por água como entrada em um modelo insumo-produto tradicional, atualizaram o modelo com dados para a Califórnia, e aplicaram um programa de otimização linear para identificar a trajetória temporal dos preços sombra da água para 24 setores.

Duarte e Yang (2011)DUARTE, R. and H. Yang. "Input-Output and water: introduction to the special issue." Economic Systems Research. V. 23(4) [2011]: 341-351. destacam que no passado as questões referentes à água não eram centrais para os estudiosos de insumo-produto. Isto porque, em muitos países, não haviam dados disponíveis, bem como a relativa abundância de água não fazia com que esse assunto despertasse o interesse do poder público e prevalecia a ideia de que a água era tão somente uma questão relacionada à agricultura, ocasionando, por um certo tempo, a exclusão da água e seus aspectos das aplicações de insumo-produto. Tal dinâmica se alterou a partir dos anos 2000, com o interesse geral sobre o assunto e o desenvolvimento de conceitos e linhas de pesquisa, sobretudo ligadas à economia ecológica.

Modelos insumo-produto, que tem como regionalização bacias hidrográficas, são bastante escassos. Na literatura internacional disponível, a especial abordagem regional (ou seja, modelos de uma única região) aplicada a bacias hidrográficas pode ser encontrada em quatro estudos, são eles: Anderson e Manning (1983)ANDERSON, A.W. and T.W. Manning. "The Use of Input-Output Analysis in Evaluating Water Resource Development." Canadian Journal of Agricultural Economics/ Revenue Canadianne d'agroeconomie. V.31 (1983):15-26., Leistritz et al. (2002)LEISTRITZ, F.L.; J.A Leitch and D.A. Bangsund. "Regional economic impacts of water management alternatives: the case of Devils Lake, North Dakota, USA." Journal of Environmental Management. V. 66 (2002):465-473., Suttinon e Seigo (2008)SUTTINON, P. and N. Seigo. "Household Water Demand Prediction Model with Changing Economic Effects by Using Input-Output Table Model." International Water Resources Association. 13th World Water Congress. França, Montpellier: 2008., e Zhao et al. (2010)ZHAO et al. "Applying the Input-Output Method to Account for Water Footprint and Virtual Water Trade in the Haihe River Basin in China." Environmental Science &Technology. V. 44 (2010): 9150-9156.. Estudos esses com aplicações ao uso hídrico no Canadá, Estados Unidos, Tailândia e China, respectivamente.

Wiedmann et al. (2007)WIEDMANN et al "Examining the global environmental impact of regional consumption activities" - Part 2: Review of input-output models for the assessment of environmental impacts embodied in trade. Ecological Economics. V. 61(2007): 15-26. fazem uma revisão dos estudos de insumo-produto publicados e expõem que os modelos multirregionais aplicados à água que foram desenvolvidos, principalmente a partir dos anos 2000, foram exequíveis dadas as melhorias na qualidade e disponibilidade nas bases de dados.

Com referência aos objetivos do presente artigo, o mesmo consiste em simulações de cenários de crescimento econômico a partir de um modelo de insumo-produto inter-regional (portanto, multirregional), que se destina à previsão setorial de demandas por água, com abordagem em bacias hidrográficas. Este modelo engloba os usos para captação, consumo, lançamento de efluentes e transposição de águas entre bacias hidrográficas. Na literatura disponível, existem muitas aplicações de insumo-produto para a questão hídrica, mas é possível identificar apenas três estudos envolvendo modelos inter-regionais (multirregional) com ênfase em bacias hidrográficas.

O primeiro deles foi desenvolvido por Feng et al. (2012), que implementaram um modelo inter-regional para as 3 sub-bacias do Rio Amarelo e resto da China, para o ano base de 2007, para 48 setores. O objetivo foi avaliar os fluxos de água virtual entre os trechos da bacia e o resto da China, distinguindo os conceitos de "blue water", "green water", bem como os usos doméstico, rural e urbano. Os resultados mostram que os três trechos são exportadores de água virtual. Ainda, o uso de água do agregado familiar médio urbano é mais do que o dobro em relação ao rural. Os outros dois artigos pertencem a Liu et al. (2008) e Liu et al. (2009), que utilizam o mesmo modelo base de 9 bacias hidrográficas da China em um sistema inter-regional com 39 setores produtivos e 12 setores de conservação de água, para o ano base de 1999. Este modelo, em ambos os estudos, usa de programação linear para obter os preços-sombra setoriais para a água. A diferença entre os estudos de 2008 e 2009 são basicamente os tipos de restrições implementadas e o modelo de 2009 compara os preços-sombra com os preços praticados pelas autoridades locais. Os resultados apresentam variação de 2% nos usos na bacia com maior abundância de água e 157% na bacia com maior escassez. Os preços variam entre 0,18 e 5,13 RMB/ ton. de água, para os setores industriais/produtivos. Incluindo os setores de conservação de água, os preços ficam entre 0,02 e 2,34 RMB/ton. de água. Os preços cobrados pelas autoridades locais variam entre 0,020 a 0,212 RMB/metro cúbico, dependendo da bacia hidrográfica; enquanto que os preços-sombra encontrados variam de 0,025 a 0,725 para setores industriais/produtivos, e ao se incluir os setores de conservação da água, os preços ficam entre 0,003 a 0,331RMB/metro cúbico de água. Ou seja, os preços cobrados pelas autoridades locais é, em poucos casos, maior que os preços-sombra apurados.

Entre os estudos desenvolvidos no Brasil com o uso da análise de insumo-produto para a questão hídrica, tem-se poucos estudos disponíveis. Destes, apenas o estudo de Silveira (2000)SILVEIRA, S. de F.R. "Inter-relações econômicas dos Estados na Bacia do Rio São Francisco: uma análise de insumo-produto." Tese de Doutoramento em Ciências - Área de concentração Economia Aplicada, ESALQ-USP. 2000. desenvolveu uma matriz de insumo-produto inter-regional que continha a bacia do Rio São Francisco e demais unidades da federação, para o ano base de 1995. Este estudo procurou identificar as diferenças entre a matriz bacia e as matrizes das unidades da federação que deram origem à matriz bacia. Concluiu, através de uma série de indicadores, que a matriz bacia é mais "parecida" com a matriz do estado de Minas Gerais.

Por fim, nota-se que não existem estudos disponíveis que tratem as economias das bacias hidrográficas numa perspectiva inter-regional simultaneamente em diversos usos da água (captação, consumo, lançamento de efluentes e transposição de águas), especialmente com vistas à previsão. Neste sentido, pode-se dizer que o presente estudo é pioneiro neste tipo de análise.

4. A matriz de relações intersetoriais (MRI)

Seguindo extensivamente o descrito na literatura de insumo-produto, particularmente aprofundado em Miller e Blair (2009)MILLER, R. E. and P. D. Blair. "Input-Output analysis: foundations and extensions." 2a. ed. New York: Cambridge U. Press, 2009., o modelo de insumo-produto foi desenvolvido admitindo uma relação constante entre os insumos consumidos por setor e a produção total respectiva.

Matricialmente, tem-se:

(1) x = Zi + f

Na qual x é um vetor do valor total da produção (diversos setores existentes); Z é a matriz de trocas intersetoriais de consumo intermediário; i é um vetor coluna de valores iguais a um; e f é um vetor de demanda final. Tem-se, então, que um coeficiente técnico direto de produção pode ser expresso por:

(2) a ij = z ij x j

Em que aij = coeficiente técnico direto de produção (proporção entre o valor ($) gasto com insumo do setor i, e valor ($) gasto do produto do setor j); zij e xj são, respectivamente, por exemplo, o valor do insumo água (i) comprado pelos produtores de alimentos (j) em determinado ano e o total da produção de alimentos no mesmo ano. Em termos matriciais tem-se:

(3) A = Z x ̂ 1

No qual, A é a matriz de coeficientes técnicos diretos; é um vetor do valor total da produção (para consumo intermediário e final) disposto em uma matriz cuja diagonal principal contém os valores de x e os demais elementos da matriz são compostos por zeros.

Após algumas manipulações algébricas, obtém-se a matriz (I - A)-1, a qual é a matriz de Leontief ou matriz de coeficientes técnicos diretos e indiretos (nas contas nacionais é oriunda das tabelas de recursos e usos).2 2 Haddad (1989). Nas colunas da matriz de coeficientes técnicos (A) estão os insumos necessários à produção de uma unidade monetária e em (Z) os coeficientes técnicos diretos e indiretos que traduzem os impactos encadeados entre os setores econômicos.

Partindo desta formulação básica do modelo de insumo-produto, dadas as informações da matriz de Leontief, torna-se possível a avaliação de impactos regionais e inter-regionais sobre a demanda por recursos hídricos. Mas para isto, este modelo descrito até aqui deve incorporar a característica de um modelo inter-regional híbrido ecológico-econômico, em que se parte do modelo básico, desagrega-se as trocas inter-regionais (tanto do consumo intermediário quanto da demanda final) e acopla-se matrizes de montantes de captação, lançamento de efluentes, consumo e transposição de águas.

Além disso, um modelo inter-regional de insumo-produto permite, primeiramente, efetuar uma análise dos efeitos de transbordamento inter -regional, especialmente decorrentes de alguma variação na demanda final de pelo menos uma das regiões, assim como das implicações para as transações comerciais entre as regiões (HADDAD, 1976HADDAD, P. R. "Contabilidade social e economia regional: Análise de insumo-produto." Rio de Janeiro: Zahar, 1976.). A matriz inter-regional e interindustrial de fluxos de bens pode ser determinada através das relações entre os setores de determinada região, frente aos setores de outras regiões.3 3 Miller e Blair (2009).

Os coeficientes inter-regionais de comércio são encontrados da mesma maneira que aqueles coeficientes das matrizes Zs regionais, ou seja:

(4) a ij rs = z ij rs x j r
(5) a ij sr = z ij sr x j r

Num sistema inter-regional é possível captar efeitos que não seriam possíveis de serem captados em um sistema regional tradicional. Por exemplo, um aumento na demanda por água na bacia hidrográfica do Alto Tietê (que inclui a região metropolitana de São Paulo) causa impactos na demanda por água na bacia hidrográfica PCJ, devido principalmente à transposição de águas pelo sistema Cantareira, que transfere águas da bacia PCJ para a bacia AT e SMT. Ainda, poder-se-ia dizer que o aumento da população na cidade de São Paulo, ou um aumento na demanda por produtos produzidos na bacia PCJ, e que demandam quantidades significativas de água, causam impactos sobre a atividade econômica e disponibilidade hídrica da bacia PCJ, que por sua vez tem impacto sobre a atividade econômica e disponibilidade hídrica na bacia AT.

Ou seja, a importância dos encadeamentos inter-regionais depende não somente dos elementos das matrizes inter-regionais de coeficientes de insumos, mas também do conjunto total de coeficientes regionais de insumos das outras regiões. Adicionalmente, deve-se considerar no modelo as relações da água setorialmente. Esquematicamente, um modelo híbrido inter-regional ecológico-econômico tem uma disposição similar à Tabela 1(A).

Tabela 1 (A)
Fluxos de Produtos Econômico-Ecológicos em Matriz IP

Em um modelo híbrido inter-regional econômico-ecológico ter-se-ia além dos coeficientes técnicos apresentados nas Equações (4) e (5), os coeficientes técnicos de cada um dos elementos de duas submatrizes (N e M), em complemento à matriz Z, de usos de água (captação, transposição e consumo de águas, além do lançamento de efluentes), como por exemplo:

(6) a ij rs = n ij rs x j s
(7) a ij sr = m ij sr x j r

Neste caso, a interpretação também é similar àqueles coeficientes apresentados em (4) e (5), contudo, trata-se de volumes de água e/ou efluentes (nos diversos usos) enviados e recebidos entre as regiões.

A metodologia utilizada neste estudo envolve a utilização de uma MRIs das bacias hidrográficas que formam um sistema inter-regional, além da construção de matrizes de captação, lançamento de efluentes, consumo de água e transposição de águas.

5. Abordagem metodológica e dados

Os dados utilizados para compor as matrizes das bacias hidrográficas foram obtidos de Ichihara (2007)ICHIHARA, S. M. O uso combinado dos modelos de insumo-produto e técnicas de geoprocessamento. Tese de doutorado. USP - Universidade de São Paulo / ESALQ - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. 2007., cuja base é o ano de 2000 e estimada para 2002. Esta matriz dispõe dos valores das trocas intersetoriais e inter-regionais, bem como dos componentes da demanda final. Complementarmente, utilizou-se esta matriz para obter os coeficientes técnicos intersetoriais e inter-regionais e, a partir destes adequá-los a outra matriz de trocas intersetoriais inter-regionais do ano 2000 e estimada para 2004 (mesma base de dados da matriz 2002 de Ichihara (2007)ICHIHARA, S. M. O uso combinado dos modelos de insumo-produto e técnicas de geoprocessamento. Tese de doutorado. USP - Universidade de São Paulo / ESALQ - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. 2007., disponibilizada pelo NEREUS, porém sem a abertura por bacias hidrográficas, mas sim para as 27 regiões administrativas brasileiras).

Nas matrizes de Ichihara (2007)ICHIHARA, S. M. O uso combinado dos modelos de insumo-produto e técnicas de geoprocessamento. Tese de doutorado. USP - Universidade de São Paulo / ESALQ - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. 2007., foram estimados os fluxos de comércio a partir da demanda setorial regional com o uso do método de Leontief-Strout e com este a estimativa dos fluxos comerciais entre os municípios paulistas através do modelo Gravitacional, dados os custos de transporte das mercadorias. Complementarmente, para a matriz de 2004 foram utilizadas as matrizes estaduais em um sistema inter-regional desenvolvidas no NEREUS/USP (Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos - Universidade de São Paulo), a partir de Guilhoto et al (2010)GUILHOTO, J.J.M.; U.A. Sesso Filho. "Estimação da Matriz Insumo-Produto Utilizando Dados Preliminares das Contas Nacionais: Aplicação e Análise de Indicadores Econômicos para o Brasil em 2005". Economia & Tecnologia. UFPR/TECPAR. Ano 6, Vol 23, Out. 2010.; Guilhoto e Sesso Filho (2010)GUILHOTO, J.J.M.; U.A. Sesso Filho. "Estimação da Matriz Insumo-Produto Utilizando Dados Preliminares das Contas Nacionais: Aplicação e Análise de Indicadores Econômicos para o Brasil em 2005". Economia & Tecnologia. UFPR/TECPAR. Ano 6, Vol 23, Out. 2010.; e Guilhoto e Sesso Filho (2005)GUILHOTO, J.J.M.; U.A. Sesso Filho. "Estimação da Matriz Insumo-Produto a Partir de Dados Preliminares das Contas Nacionais". Economia Aplicada. Vol. 9(2) p:277-299. Abril-Junho. 2005.. Essas matrizes foram agregadas para oito setores (Agropecuária, Extração Mineral, Indústria, Comércio, Serviços, SIUP - serviços industriais de utilidade pública -, Construção Civil e Administração Pública) devido à compatibilidade com as matrizes municipais (em oito setores) desenvolvidas no estudo de Ichihara (2007)ICHIHARA, S. M. O uso combinado dos modelos de insumo-produto e técnicas de geoprocessamento. Tese de doutorado. USP - Universidade de São Paulo / ESALQ - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. 2007..

Sendo assim, no presente estudo agregou-se as matrizes dos municípios que compõem as bacias (aquelas totalmente no território paulista bem como aquelas que extrapolam para outros estados), tanto os componentes setoriais de consumo intermediário, quanto da demanda final. Deste modo, possibilitou a obtenção dos coeficientes técnicos de produção para o ano de 2002 que foram utilizados para estimar os montantes das trocas intersetoriais inter-regionais para a matriz 2004, totalizada para as bacias completamente. Isto é útil tanto para bacias paulistas e com trecho paulista, como também para aquelas bacias que extrapolam o estado de São Paulo. Os municípios paulistas que não estão inclusos em nenhuma das 4 bacias deste estudo ficam agregados junto a uma unidade regional chamada Resto do Sudeste.

Para a matriz de 2004, primeiramente foram agregadas as 27 regiões brasileiras nas grandes regiões (Sul, Sudeste, Centro-Oeste e juntos Norte-Nordeste). Obtiveram-se os valores das trocas intersetoriais inter-regionais a partir da matriz de coeficientes técnicos de Ichihara (2007)ICHIHARA, S. M. O uso combinado dos modelos de insumo-produto e técnicas de geoprocessamento. Tese de doutorado. USP - Universidade de São Paulo / ESALQ - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. 2007.. Como todas as bacias estão localizadas no Sudeste brasileiro, então foram desagregados os componentes da oferta da matriz 2004 para as quatro bacias hidrográficas.

Logo, para o propósito do estudo aqui executado, obtiveram-se as matrizes para as quatro bacias hidrográficas (Paraíba do Sul, PiracicabaCapivari-Jundiaí, Alto Tietê e Sorocaba-Médio Tietê), além de outras quatro matrizes. Estas outras matrizes são de interesse especial dados os efeitos de encadeamentos inter-regionais com as demais regiões do Brasil. Portanto, a matriz inter-regional utilizada neste estudo tem a dimensão de 64 linhas e 64 colunas, que correspondem às oito regiões (quatro bacias e outras quatro regiões) e oito setores em cada região.4 4 Esta disposição permite a execução deste e de outros estudos que envolvam a questão interregional numa perspectiva das grandes regiões brasileiras.

A nova dinâmica de agregação tem impacto na distribuição espacial das atividades e suas relações com as entidades regionais. Na Tabela 2 pode ser visualizada a estrutura de distribuição espacial da produção.

Tabela 2
Participação do produto total setorial das regiões no produto total setorial brasileiro e participação das regiões no produto total do Brasil (2004)

Nesta nova agregação, percebe-se que a região resto do Sudeste e a bacia Alto Tiete são as regiões mais importantes em termos de participação no produto total brasileiro, 36% e 30%, respectivamente. Isto era esperado, uma vez que a bacia Alto Tietê engloba a região metropolitana de São Paulo. Das bacias estudadas, nota-se ainda que as bacias AT, PBS e SMT são importantes com respeito aos setores "Indústria" e "SIUP" que são grandes demandantes de água. Logo, os efeitos multiplicadores destes setores em conjunto com os coeficientes de demanda por água resultarão em grandes quantidades demandadas de água. Ademais, apesar do setor "Agropecuária" ser setor importante na demanda por água, sua importância regional não é elevada. Mas, no setor extração mineral, que é importante demandante de água, deve-se destacar a bacia SMT.

A ideia principal desta nova agregação é compatibilizar a produção e os fluxos inter-regionais de comércio com as demandas por água setoriais das bacias estudadas. Neste sentido, alguns setores que são economicamente importantes, não necessariamente o são em termos de demanda por água (objetivo principal deste estudo). Isto porque podem demandar quantidades pequenas de água (tal qual o setor comércio). Portanto, coeficientes técnicos elevados (na matriz de Leontief) não necessariamente representam elevados coeficientes de demanda por água, pois dependem da quantidade de água demandada setorialmente, ou em termos mais precisos, dos coeficientes setoriais de demanda por água.

As limitações desta agregação decorrem de uma série de fatores, especialmente aquelas de caráter setorial, regionalização ou técnico. As limitações de caráter setorial se justificam porque esta agregação foi elaborada em resposta aos dados disponíveis de demanda por água segundo setorização disponível, logo, isto dificulta um entendimento setorial mais minucioso dos resultados e avaliações, especialmente nos setores industrial, agrícola e SIUP. A regionalização adotada, por sua vez, obedece às dimensões das bacias hidrográficas estudadas, enquanto que as demais regiões foram agrupadas segundo regionalização tradicional brasileira (grandes regiões). Neste particular, é consensual que quanto maior a desagregação da matriz insumo-produto brasileira, dada a técnica em que ela é construída e os dados que são fornecidos sobre ela pelo IBGE, perde-se em acurácia e, portanto, os resultados de seu uso podem distanciar-se em alguma medida dos verdadeiros. Já as limitações técnicas decorrem da utilização de coeficientes técnicos fixos e, consequentemente, retornos constantes de escala, neste caso podese estar simplificando o modelo de forma que este produz resultados por vezes divergentes, em certa medida, da realidade. Isto porque, se existem retornos crescentes de escala no uso da água, ao simular-se exogenamente (o que também significa um problema) alterações da demanda final, é certo que aqueles setores em que existem economias de escala, os resultados se distanciam da realidade. Mas apesar das limitações, as matrizes de insumo-produto têm sido empregadas com sucesso na previsão e análise dos mais diversos problemas econômicos.

Em complemento à matriz inter-regional utilizada, para medir os impactos de alterações na demanda final sobre a demanda por recursos hídricos e lançamento de efluentes, torna-se necessária a identificação de coeficientes técnicos de demanda por água (captação, transposição e consumo) e lançamento de efluentes. Isto é determinado, por exemplo, em:

(8) m ij ss = c ij ss x j

Em que o mSSij = coeficiente técnico de demanda por água, que representa a proporção entre o volume de água captada, transposta ou consumida como insumo do setor i na região s, e o valor gasto ($) do produto total no setor j na região s; cSSij = montante captado, transposto ou consumido de água (em milhões de metros cúbicos por ano) na região s pelo setor i, que é destinado ao setor j na região s; xj = produto total do setor j.

Adicionalmente, tem-se:

(9) n ij rr = k ij rr x j

Em que o nrrij = coeficiente técnico de efluentes produzidos e lançados nos mananciais, que representa a proporção entre o volume de efluentes produzidos pelo setor i na região r, e o valor gasto ($) do produto total no setor j na região r; Krrij = montante de efluentes produzidos (em milhões de metros cúbicos por ano) na região r pelo setor i, que atende à produção no setor j na região r, por ano; xj = produto total do setor j.

Portanto, a partir desses coeficientes é possível obter uma matriz de coeficientes técnicos (M) e outra (N), que representam os usos de água nos diversos setores. Com essas matrizes, calculam-se as matrizes geradoras de demanda por água (captação, transposição e consumo) e de lançamento de efluentes. Primeiro, a matriz de demandas por água é definida por:

(10) D = M I A 1

Em que D = matriz geradora de demanda por água nos usos captação, transposição e consumo, resultante da multiplicação da matriz (M) pela matriz de impactos diretos e indiretos (I - A)-1.

Adicionalmente, tem-se uma segunda matriz de lançamentos de efluentes, dada por:

(11) E = N I A 1

Em que E = matriz geradora de lançamentos de efluentes, resultante da multiplicação da matriz (N) pela matriz de impactos diretos e indiretos (I - A)-1.

Para identificar setorialmente as demandas por água, tanto para captação, transposição, consumo e lançamento de efluentes, deve-se multiplicar cada uma das matrizes geradoras pelo vetor de demanda final projetado (). Algebricamente, tem-se:

(12) g = D f ̂
(13) h = E f ̂

Em que g e h são vetores que representam, respectivamente, os volumes de demandas por água projetados (captação, transposição e consumo) e os volumes de lançamentos de efluentes, por setor e regiões. Portanto, trata-se de uma simulação dos impactos de mudanças na demanda final de setores e regiões sobre as demandas de água. Sendo assim, é possível efetuar diversos tipos de simulações diferentes, podendo-se definir, por exemplo, demandas finais diferentes de zero (além da demanda final observada) para setores e regiões de interesse e zero (igual a demanda final observada) para setores e regiões que se quer manter constante o impacto.

As informações referentes às demandas por água, utilizadas para calcular os coeficientes técnicos, tanto para captação, transposição, como lançamento de efluentes, e consequentemente consumo de água, foram identificadas junto aos relatórios dos planos das bacias em estudo, bem como do CNARH - Cadastro Nacional de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas. Esses valores estão dispostos na Tabela 3.

Tabela 3
Volumes de água nos diversos usos por setores nas bacias PBS, PCJ, AT e SMT (milhões de m3/ano) – 2012

A partir desses dados, obtêm-se os coeficientes técnicos de demanda por água em cada um dos setores econômicos. Deve-se ressaltar que como a relação da matriz insumo-produto é estabelecida entre bacias ou entre bacia e outra região econômica, os municípios que captam águas em outras bacias, estão representados pelas suas respectivas bacias ou regiões econômicas. Portanto, este tipo de extração de água dos mananciais está computado nos volumes de "transposição", expressos nos relatórios dos comitês de bacias hidrográficas, seus planos de bacias e no CNARH (Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos), que é a base de dados da ANA (Agência Nacional de Águas).

Ao analisar os coeficientes dos usos de água (Tabela 4) percebe-se que os maiores valores estão relacionados aos setores SIUP, Agropecuária, Extração Mineral e Indústria, respectivamente nesta ordem, considerando de maneira geral quase todos os usos (captação, lançamento de efluentes, e consumo).

Tabela 4
Coeficientes diretos técnicos de demanda por água – diversos usos (milhões de m3/ano/milhões de R$ do Produto Total setorial gerado)

Destaca-se, principalmente, o setor SIUP que compõe os Serviços Industriais de Utilidade Pública, em que se encontra agregada a indústria de tratamento e distribuição de água nos municípios, além do tratamento e destinação dos resíduos residenciais e parte dos resíduos industriais. Este destaque maior está vinculado ao maior volume demandado de recursos hídricos.

Quanto ao uso "Consumo", este resulta da diferença entre "Captação" e "Lançamento de Efluentes". Um importante indicador no uso "Consumo" são as perdas de recursos hídricos, especialmente de água beneficiada que é distribuída à população (residências) e indústrias (setor SIUP), ou seja, as perdas por vazamentos na rede de distribuição podem ser importantes a depender da qualidade da estrutura de canalização.

O setor agropecuário é um importante setor de "Consumo" de água, uma vez que somente um pequeno montante da água utilizada na irrigação agrícola retorna aos mananciais superficiais. Neste aspecto a bacia PBS é mais expressiva, cujo volume consumido é elevado, comparativamente às demais bacias.

Para o uso "Transposição", que também pode ser chamado de derivação de águas de uma bacia hidrográfica para outra, o coeficiente técnico de destaque está na transposição de águas da bacia AT para a bacia SMT. Os maiores volumes estão vinculados ao envio de água da bacia PBS para a região metropolitana do Rio de Janeiro, bem como da bacia PCJ para as bacias SMT e AT com destaque para o sistema de transporte de águas "Cantareira" (dutos, elevadores e canais de transporte de água). Este sistema abastece com água a região metropolitana de São Paulo, que é deficitária em disponibilidade hídrica. O funcionamento deste sistema é datado da década de 1970, quando se tornou mais importante a questão da escassez hídrica na bacia AT. Ressalta-se que neste estudo os volumes de transposição não são considerados estáticos, mas sim evoluem de acordo com o avanço das demandas setoriais.

Como os componentes da demanda final crescem a taxas diferentes no tempo, procurou-se obter parâmetros para fazer simulações baseados na taxa média de crescimento de variáveis base. Assim, a partir de projeções de crescimento dos componentes da demanda final (variáveis base), obtidas junto às informações do IBGE - SCN (variação real do consumo das famílias e variação real dos investimentos - 2005/2012), Project Link Research Centre, World Economic Outlook (meeting forecast) (projeção da evolução do consumo do governo - 2010/2012) e variação real das exportações IBGE (2005-2010)IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIDRA: base de dados - PIB municipal. 2012. acessado em 28 jun 2012. - Todos esses dados disponíveis e coletados em IPEADATA (2013)IPEADATA - Base de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em <www.ipeadata.gov.br>. Acessado em 12 jun 2013.
www.ipeadata.gov.br...
, foram projetados três diferentes cenários para o ano 2020 em relação à demanda final.

Para as simulações, empregou-se um cenário "Otimista", representando maior crescimento da demanda final, que está vinculado ao nível de crescimento econômico observado em grande parte dos anos 2000. Outro cenário chamado "Realista" representa expectativas da demanda final mais condizentes com o atual ritmo de crescimento econômico. Tem-se, ainda, um terceiro cenário chamado "Pessimista" que simboliza uma atividade econômica aquém ao cenário realista.

O cenário "Otimista" expressa as mesmas taxas de crescimento dos componentes da demanda final obtidas das variáveis base para os anos 2000. Enquanto que o cenário "Realista" é composto por 25% (1/4) da taxa de crescimento dos componentes da demanda final observada no cenário otimista - entre 2013 e 2020. Complementarmente, o cenário "Pessimista" representa 15% da taxa de crescimento dos componentes da demanda final no cenário otimista - entre 2013 e 2020. A amplitude dos cenários futuros (ano de 2020), se justifica e está em conformidade com os objetivos traçados nos relatórios de planejamento das bacias hidrográficas ou Planos das Bacias. Os parâmetros de simulação estão expostos na Tabela 5.

Tabela 5
Taxas de crescimento da demanda final nas simulações (%)

As estimativas de volume de água para os diversos usos, dados os impactos diretos e indiretos na economia como um todo, são obtidos de acordo com a variação obtida na demanda final. Em especial, neste estudo, para cada bacia hidrográfica e demais regiões no modelo inter-regional de relações intersetoriais, os componentes da demanda final foram ajustados individualmente. Isto gera variações distintas nas demandas finais de cada bacia e regiões. Entretanto, como as bacias que são consideradas contíguas e próximas, os incrementos na demanda final não diferem substancialmente, o que implica em resultados relativos próximos.

6. Resultados e discussão

Os resultados das simulações, quanto às taxas de crescimento das demandas por água, podem ser observados no Gráfico 1. Nota-se que para o cenário "otimista", o destaque fica para os setores Extração Mineral (maior taxa de crescimento de demanda por água), Indústria e Agropecuária, em ordem decrescente de taxa. Ainda para este cenário, ressalta-se a importância do setor Extração Mineral na bacia SMT, com a maior taxa de elevação da demanda. De maneira geral para todas as bacias, as taxas de crescimento denotam o comportamento simulado da demanda por água no período 2013/2020, e que resultou em uma taxa média em torno de 45%.

Gráfico 1
Taxas de crescimento setoriais para os usos captação, lançamentos de efluentes e consumo segundo bacias e cenários (2013/2020)

Adicionalmente, identifica-se que as taxas de crescimento setoriais das demandas por água para o cenário "realista" são de aproximadamente 10%. Paralelamente, no cenário "pessimista" de crescimento econômico esta taxa se reduziu para aproximadamente 6%.

As grandezas dos coeficientes diretos e indiretos da matriz insumo-produto influenciam fortemente na dinâmica da produção dos resultados. Isto pode ser observado entre os setores: Agropecuária, Extração mineral e Indústria; entre os quais o setor Agropecuária apresenta o maior coeficiente direto de demanda por água (Tabela 4). Mas, quando observados os resultados (taxas de crescimento no Gráfico 1) os setores Agropecuária e Indústria se equivalem, bem como o setor Extração mineral apresenta maiores taxas de crescimento. Esta dinâmica se deve, principalmente, aos efeitos dos coeficientes técnicos diretos e indiretos da matriz insumo-produto.

A implicação econômica desses resultados é de que as taxas de crescimento da demanda por água se elevam aproximadamente às taxas de crescimento da demanda final. Isto em consonância aos dados dos coeficientes técnicos de demanda por água que foram estimados e apresentados na Tabela 4, bem como as taxas simuladas de crescimento da demanda final. Em relação à homogeneidade dos resultados, esta é determinada pelos cenários utilizados e pela matriz geradora de demandas por água e lançamento de efluentes (matriz de Leontief multiplicada pela matriz de coeficientes técnicos diretos de demanda por água e lançamento de efluentes). Dada a grandeza dos coeficientes técnicos dos usos da água, esta multiplicação não resultou em uma diferença substancial em relação aos coeficientes da matriz (I -A)-1, o que implicou certa homogeneidade de resultados quando aplicados os cenários de crescimento da demanda final. Ressalte-se que os resultados apresentados são taxas de crescimento da demanda por água e lançamento de efluentes e, portanto, tem-se que o crescimento das demandas por água e lançamentos de efluentes acompanha aproximadamente a taxa de crescimento da demanda final.

Portanto, os resultados são inerentes ao modelo, especificamente com respeito aos coeficientes técnicos apurados (matriz geradora de demanda por água e lançamento de efluentes), a linearidade do modelo insumo-produto e os rendimentos de escala constantes. Sendo assim, pesquisas específicas em relação aos setores econômicos poderiam esclarecer possíveis diferenças em termos de retornos de escala na utilização de água, nos setores produtivos. Mas, a certeza ex-ante é de que, a depender do setor e da região, deve haver diferenças em termos de escala no uso da água.

Os resultados obtidos para o uso de recursos hídricos do tipo "transposição" são próximos àqueles observados para os demais usos e cenários, conforme Gráfico 2. Em outras palavras, para o cenário otimista temse uma taxa de crescimento da demanda de aproximadamente 45%; enquanto que para o cenário realista e pessimista, aproximada e respectivamente 10% e 6%. Logo, o crescimento das necessidades de água para transposição aumenta de tal forma que acompanha o avanço da demanda final.

Gráfico 2
Taxas de crescimento para o uso transposição, segundo regiões/bacias e cenários (2013/2020)

Os totais por uso dos recursos hídricos para cada cenário e nas quatro bacias fornecem as estimativas dos volumes de água necessários para atender às demandas setoriais em cada uso e bacia (Tabela 6). Ao analisar os valores totais dos usos de água, nota-se um maior volume na bacia PBS em todos os usos e cenários. Isto se justifica pelo motivo de que esta é a maior (em extensão e volume de águas) entre as quatro bacias hidrográficas estudadas. Inclusive pode ser observado que o volume de água transposta para a região metropolitana do Rio de Janeiro via bacia do rio Guandu é bastante elevado se comparado às demais transposições. Outras bacias com volumes relevantes de água nos diversos usos são as bacias PCJ e AT.

Tabela 6
Totais estimados de usos dos recursos hídricos nas bacias hidrog. PBS, PCJ, AT e SMT (milhões de m3/ano) - 2020

Quanto aos volumes absolutos de águas segundo usos, verifica-se ainda uma diferença bastante significativa dos valores atribuídos ao cenário otimista de crescimento da demanda comparativamente aos demais cenários. Isto se dá pela elevada taxa de crescimento atribuída a este cenário e que fora observado em parte dos anos 2000. Nestes anos, o PIB da economia brasileira crescia a taxas aproximadas de 3% a 5% ao ano. Contudo, na atualidade esta taxa se reduziu ao nível de aproxi-madamente 1% anual. Isto torna os cenários realista e pessimista, mais condizentes com a realidade atual. Consecutivamente, estes cenários mais modestos de crescimento são favoráveis ao mercado de águas, pois imprimem menor pressão sobre a oferta hídrica se comparados com o cenário mais otimista.

Em relação às demandas setoriais, destaque deve ser dado aos setores Agropecuária e Indústria na bacia PBS. Além desses, volumes elevados estão associados aos setores SIUP e Indústria.

Entretanto, somente comparando os volumes de água ofertados (segundo histórico de águas superficiais e de subsolo, além das transposições líquidas) com as demandas por água que se pode concluir acerca do nível de escassez do recurso água em cada uma das bacias. Neste sentido, as disponibilidades hídricas estão apresentadas na Tabela 7.

Tabela 7
Disponibilidade hídrica (milhões de m3/ano) – 2020* * Computados os valores de oferta histórica de águas (superficial e de subsolo), bem como de transposição simulados

Se observados os volumes demandados e a disponibilidade hídrica, através do balanço hídrico, percebe-se que a bacia PBS não demonstra problemas aparentes de escassez hídrica. Entretanto, na bacia AT a escassez hídrica é uma realidade na prática (pouca água disponível - como proporção do total demandado - e com nível de potabilidade ruim), assim as demandas hídricas somente são atendidas com a transposição de águas de outras bacias, uso de águas subterrâneas e reservatórios livres, tais como lagos e similares. Ressalta-se que esta escassez é uma realidade mesmo no cenário pessimista.

Para a bacia PCJ existe alguma disponibilidade hídrica, mas as transposições para as bacias AT e SMT fazem com que, no longo prazo e dependendo do cenário, esta bacia se encontre em estado crítico de atenção quanto à escassez de águas, especialmente no cenário otimista. Contudo, a oferta hídrica expressa na Tabela 7 é baseada em séries históricas (para águas superficiais e livres) e experimentos (no caso de água subterrânea), logo, qualquer desequilíbrio em termos de redução das intensidades de chuvas afeta a disponibilidade de águas e altera o volume disponível, antecipando (no tempo) o estado crítico da dis-ponibilidade hídrica. Isto é vivenciado na bacia PCJ atualmente, com reflexos sobre as bacias AT e SMT, em que os reservatórios do sistema Cantareira se encontram com estoques de água reduzidos. Neste caso, sem a ocorrência de crises de oferta hídrica, os gargalos permanentes de atendimento às demandas por águas se verificariam apenas a partir dos anos 2020 sob o cenário otimista.

Os balanços hídricos das bacias, que são as disponibilidades hídricas deduzidas as captações e transposições e somados os lançamentos de efluentes, são apresentados na Tabela 8.

Tabela 8
Balanços hídricos nas bacias hidrográficas PBS, PCJ, AT e SMT (milhões de m3/ano) - 2020

No balanço hídrico percebe-se que a oferta hídrica da bacia AT é positiva; isto somente é possível a partir das transposições recebidas da bacia PCJ. Os efeitos dessa transposição podem ser adequadamente quantificados ao se notar o valor negativo em relação ao balanço superficial no cenário otimista para a bacia PCJ. Este valor denota um esgotamento das reservas durante praticamente quase todo o período anual, notadamente das águas superficiais da bacia PCJ. Isto decorre tanto do avanço dos usos internos à bacia, quanto em grande parte das transposições.

A partir do balanço hídrico é possível verificar o comprometimento da disponibilidade hídrica, tanto em relação ao uso "consumo" quanto "captação". Estas informações constam da Tabela 9, na qual se visualiza escassez crítica na bacia AT, analisando especificamente as necessidades de captação. Ademais, as bacias AT e SMT têm disponibilidades de águas superficiais restritas e insuficientes para atender as demandas internas à bacia, pois existem problemas relevantes de potabilidade dessas águas, um dos motivos pelos quais existe maior dependência de águas externas.

Tabela 9
Comprometimento da disponibilidade hídrica (%)* * Computados os montantes simulados de transposição

Para a bacia PCJ pode ser considerado um estado de alerta em relação a um risco elevado de disponibilidade hídrica, particularmente no cenário otimista. Isto porque esta bacia (PCJ) envia águas por transposição para as bacias AT e SMT, e estas necessitarão num futuro próximo de maiores quantidades de águas, dado o crescimento das demandas, e este suprimento comprometerá a disponibilidade de águas na bacia PCJ mesmo no cenário pessimista.

Em relação à proporção captação/disponibilidade hídrica, valores acima de 20% tecnicamente revelam uma realidade de alerta sobre os usos dos recursos hídricos. Estas porcentagens elevadas podem ser verificadas nas bacias PCJ, AT e SMT, em qualquer dos cenários pesquisados. Contudo, uma taxa alarmante acima de 100%,5 5 Taxas acima de 100% representam falta de água de ordem da diferença a ser explorada, ou seja, na bacia PCJ haverá um déficit de pouco mais de 4% do total de águas normalmente disponível; enquanto na bacia AT haverá déficit de cerca de 10% do total de águas ofertadas. ou seja, falta absoluta de água, pode ser identificada na bacia PCJ, por conta dos impactos da transposição. Neste caso, a situação da bacia AT continua sendo grave porque recebe, ou seja, é dependente de volumes bastante elevados de águas por transposição.

Para a bacia AT, nota-se que no cenário pessimista será preciso captar aproximadamente 1.787 milhões de m3/ano, ou poder-se-ia dizer 57 m3/s adicionais por transposição. Se analisado os cenários realista e otimista, a necessidade adicional de águas na bacia AT é da ordem de 59 m3/s e 78 m3/s, respectivamente. Dado que a bacia AT tem outorga para transposição da bacia PCJ de um volume de 79 m3/s, e atualmente (entre os anos de 2012-13) são transpostos cerca de 33 m3/s, logo o total de transposição de aproximadamente 57 m3/s ainda seria possível. Mas nota-se que a bacia PCJ no cenário 2020 terá algum nível importante de escassez no cenário pessimista, no entanto enfrentará estado crítico de falta de águas no cenário otimista. Portanto, além das bacias AT e SMT, também a bacia PCJ encontrar-se-á em escassez de águas.

7. Considerações finais

O presente estudo apresentou uma estimativa dos montantes de usos de água para quatro importantes bacias hidrográficas no território brasileiro. Isto em resposta a cenários de crescimento econômico via demanda final num modelo de insumo-produto inter-regional. Estas bacias englobam a Região Metropolitana de São Paulo (AT) e outros municípios importantes intensamente urbanizados e populosos. Além disso, uma dessas bacias (PBS) envia águas para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que não pertence a nenhuma das bacias hidrográficas estudadas. Em outras palavras, este estudo relaciona direta e indiretamente os usos de águas nas duas regiões metropolitanas mais importantes no Brasil, além de outros grandes centros urbanos e industriais.

Os resultados da demanda por água, nos diversos usos, foram confrontados com a oferta hídrica histórica em cada uma das bacias (sem considerar a atual crise do estoque de águas nestas bacias). Isto possibilitou quantificar o comprometimento da disponibilidade hídrica atual e futura, ou seja, uma medida de escassez de água. Assim, a bacia AT (Região metropolitana de São Paulo) tem, para 2020, um comprometimento de toda água disponível em sua bacia. Além das transposições que a bacia AT recebe, necessitará transpor maior quantidade de águas, na ordem de 24 m3/s adicionais para o cenário pessimista, 26 m3/s para o cenário realista, e 45 m3/s adicionais em um cenário otimista de crescimento da demanda final do modelo Insumo-Produto. Atualmente, esta bacia recebe em torno de 33 m3/s em transferência da bacia PCJ, e tem outorgado no comitê de bacia um montante de 79 m3/s.

Entretanto, se for honrada esta outorga, não haverá água suficiente para atender as demandas internas da bacia PCJ que se encontrará, em 2020, com toda a sua disponibilidade hídrica comprometida num cenário otimista e para os demais cenários haverá uma elevada escassez.

Isto porque as maiores transposições são da bacia PCJ para as bacias AT e SMT e, especialmente, da bacia PBS para a região denominada resto do Sudeste, que em realidade é destinada à região metropolitana do Rio de Janeiro.

Para as bacias PCJ e AT, o setor mais demandante, para a maioria dos diversos usos, é SIUP, que engloba os serviços de tratamento e distribuição de águas, bem como o beneficiamento de efluentes para retorno aos mananciais. Para as bacias SMT e PBS, o setor agrícola se destaca como principal demandante na maioria dos usos; isto revela a característica dessas áreas no emprego da agricultura irrigada, especialmente hortifrutigranjeiros, tal como um "cinturão verde" de produção de alimentos para os grandes centros urbanos. De maneira geral, a agricultura é o setor que mais consome água em todas as bacias, menos na bacia AT.

Portanto, existe um problema importante de oferta de água futura para atender à demanda projetada nas bacias SMT, AT e PCJ. Essas primeiras duas bacias (SMT e AT) têm problemas relevantes quanto ao nível de tratamento de efluentes, logo a poluição das águas impede alguns usos importantes. Para essas bacias existe uma grande dependência das águas transpostas da bacia PCJ, e as autoridades devem refletir sobre novas fontes de água, pois em um futuro não muito distante certamente haverá restrição de oferta de águas na bacia PCJ. Para a bacia PCJ, a capacidade de produção de água para oferta seria razoável se os usos fossem apenas internos à própria bacia, mas as transposições imprimem pressão sobre a oferta, destacadamente em meses de estiagem. Logo, os gestores de águas devem identificar medidas que reduzam os níveis de transposição desta bacia para que não haja restrição de oferta.

Outras estratégias paralelas que poderiam auxiliar seriam a ampliação e melhoria nos sistemas de tratamentos de efluentes que elevariam a qualidade das águas nos corpos hídricos. Consequentemente, um melhor aproveitamento das águas a um menor custo seria possível. Além disso, reduções nas perdas de água nos sistemas urbanos de distribuição (companhias de águas) auxiliariam na redução do uso consumo e, con-sequentemente, aumentariam a quantidade de águas disponíveis para os demais usos.

Finalmente, este estudo abre novas perspectivas de análises, principalmente a partir de reflexões sobre diferentes dificuldades encontradas no desenvolvimento desta pesquisa. Primeiro, uma desagregação das matrizes em quantidade maior de setores auxiliaria uma identificação mais precisa dos setores de maior impacto sobre os usos de recursos hídricos. Isto não foi executado, uma vez que a disponibilidade de informações sobre os usos da água nas bacias não abrange uma amplitude setorial maior (disponível no máximo para 6 setores na maioria dos relatórios dos comitês de bacias). Mas como os meios de geração e armazenamento de informações nas agências e comitês de bacias hidrográficas têm melhorado constantemente, acredita-se que este tipo de estudo mais abrangente seja possível num futuro bastante próximo.

Outra questão importante é a desagregação do setor SIUP e o isolamento dos serviços de água e esgotamento sanitário, especialmente para identificar quanto este setor é vendedor às famílias e cada segmento setorial das empresas. Esse tipo de análise seria fundamental para um mapeamento integral dos usos dos recursos hídricos. Infelizmente, a inacessibilidade às informações das companhias de águas que atuam nos municípios das bacias estudadas não permitiu esse tipo de análise. Talvez, esse tipo de abordagem integral seja possível através de parcerias futuras com as companhias de água e esgotamento sanitário, pois dado o cenário atual de estresse hídrico nas bacias, é possível que haja interesse em entender melhor a dinâmica dos fluxos de recursos monetários e água.

Estudos a serem considerados futuramente são a implementação de cenários de mudança na tecnologia (poupadoras de água), que representariam uma mudança estrutural setorial, com e sem mobilidade locacional de setores maiores consumidores de água. Ainda, dentre outras opções, pode-se avançar em análises relativas à projeção e quantificação do volume e nível de toxicidade dos efluentes lançados nos mananciais, bem como da identificação dos volumes ótimos de águas nos usos e setores por bacia hidrográfica, dentre outras possibilidades.

  • 1
    Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), Paraíba do Sul (PBS), Alto Tietê (AT) e Sorocaba e Médio Tietê (SMT).
  • 2
    Haddad (1989)HADDAD et al. "Economia Regional: Teorias e métodos de análise." Fortaleza: BNB-ETENE, 1989..
  • 3
    Miller e Blair (2009)MILLER, R. E. and P. D. Blair. "Input-Output analysis: foundations and extensions." 2a. ed. New York: Cambridge U. Press, 2009..
  • 4
    Esta disposição permite a execução deste e de outros estudos que envolvam a questão interregional numa perspectiva das grandes regiões brasileiras.
  • 5
    Taxas acima de 100% representam falta de água de ordem da diferença a ser explorada, ou seja, na bacia PCJ haverá um déficit de pouco mais de 4% do total de águas normalmente disponível; enquanto na bacia AT haverá déficit de cerca de 10% do total de águas ofertadas.
  • Os autores agradecem as contribuições valiosas dos pareceristas. Versão preliminar deste artigo foi apresentada no XIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos em 2015; Previsão de demanda por água em regiões econômicas de escassez hídrica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2015
  • Aceito
    29 Nov 2016
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