Acessibilidade / Reportar erro

Intervenções do farmacêutico clínico em uma Unidade de Cuidados Intermediários com foco no paciente idoso

RESUMO

Objetivo

Discutir o papel do farmacêutico clínico no cuidado hospitalar de pacientes críticos, idosos.

Métodos

Ao longo do período de 4 meses, foi realizado o acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes críticos com 60 anos ou mais, admitidos pela equipe de Clínica Médica em uma Unidade de Cuidados Intermediários. Diariamente, foram realizadas avaliações das prescrições médicas, frente ao quadro clínico, a fim de encontrar oportunidades de otimização da farmacoterapia prescrita, contribuindo para a maior segurança da prescrição, a redução de desconfortos, e o uso correto e racional de medicamentos.

Resultados

Foram avaliadas 386 prescrições e realizadas 212 intervenções farmacêuticas, sendo 64,3% destas classificadas como aceitas com alteração na prescrição, 28,5% não aceitas e 7,2% aceitas verbalmente, porém sem alteração na prescrição. As intervenções envolviam indicações farmacoterapêuticas, orientações para ajustes de dose, redução do uso de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos, ajustes de prescrição, suspensão de medicamentos desnecessários, entre outras.

Conclusão

O significativo número de intervenções aceitas pela equipe da saúde reforça o papel que o farmacêutico clínico tem a desempenhar na equipe multiprofissional, sobretudo quando direcionados ao cuidado de idosos.

Saúde do idoso; Farmacêuticos; Tratamento farmacológico; Cuidados críticos; Serviço de farmácia hospitalar

ABSTRACT

Objective

To discuss the role of the clinical pharmacist in hospital care of critical elderly patients.

Methods

Critical patients aged 60 years and over admitted by the clinical staff to an Intermediate Care Unit were followed-up for 4 months regarding their drug therapies. Medical prescriptions were reviewed daily on the basis of patients’ clinical conditions, with the view to identify opportunities for optimization of drug therapies, contributing to safer prescribing, reduced discomfort and correct and rational use of drugs.

Results

A total of 386 prescriptions were reviewed and 212 pharmaceutical interventions performed; 64.3% of prescriptions were classified as accepted with changes, 28.5% not accepted and 7.2% verbally accepted with no changes. Interventions included drug therapy indications, directions for dose adjustment, reduction of the use of potentially inappropriate medications for older patients, prescription adjustments, discontinuing unnecessary drugs, among others.

Conclusion

The significant number of interventions accepted by the healthcare staff supports the relevance of the clinical pharmacist as a member of the multiprofessional team, especially in care of the elderly.

Health of the elderly; Pharmacists; Drug therapy; Critical care; Pharmacy service; hospital

INTRODUÇÃO

A transição epidemiológica é um conceito que se refere à modificação em longo prazo dos padrões de morbidade, mortalidade e invalidez, que caracterizam uma população específica e que geralmente coincidem com outras transformações demográficas, sociais e econômicas. Estima-se que, em 2025, o Brasil tenha a sexta maior população de idosos no mundo, com cerca de 35 milhões de indivíduos com 60 anos ou mais, proporcionando desafios cada vez maiores nos serviços de saúde, devido aos cuidados necessários a esta faixa etária.(11. de Lyra Júnior DP, do Amaral RT, Veiga EV, Cárnio EC, Nogueira MS, Pelá IR. [Pharmacotherapy in the elderly: a review about the multidisciplinary team approach in systemic arterial hypertension control]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(3):435-41. Review. Portuguese.,22. Locatelli J. [Drug interactions in hospitalized elderly patients]. einstein (São Paulo). 2007;5(4):343-46.)

O aumento da expectativa de vida pode ter como consequências o maior tempo de convivência com doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), necessidade de acompanhamento médico constante e uso de polifarmácia. Sabe-se que, em idosos, a redução da capacidade de reserva e a reação a injúrias os levam mais facilmente a estados críticos, que requerem cuidados intensivos em unidades clínicas especializadas.(22. Locatelli J. [Drug interactions in hospitalized elderly patients]. einstein (São Paulo). 2007;5(4):343-46.

3. Sitta MC, Jacob Filho W, Farfel JF. O idoso no centro de terapia intensiva. In: Freitas EV, Py L, editoras. Tratado de geriatria e gerontologia. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p.1242-6.

4. Mourandi A, Vasilevskis E, Pandharipandle PP, Girard TD, Solberg LM, Neal EB, et al. Inappropriate medication prescriptions in elderly adults surviving an intensive care unit hospitalization. J Am Geriatr Soc. 2013;61(7):1128-34.
-55. Kane RL, Ouslander JG, Abrass IB, Resnick B. Fundamentos de geriatria clínica. 7a ed. Porto Alegre: McGraw Hill; 2015.)

O processo de envelhecimento envolve modificações fisiológicas, que podem levar a alterações farmacocinéticas (como aumento do tempo de meia-vida e concentração sérica dos medicamentos) e farmacodinâmicas, reforçando a necessidade de acompanhamento farmacoterapêutico e ajuste de dose de medicamentos sobretudo nesta faixa etária. A possibilidade de dano induzido por medicamentos, mesmo quando utilizados nas doses preconizadas e com indicação correta, constitui um grande problema ao paciente idoso internado.(55. Kane RL, Ouslander JG, Abrass IB, Resnick B. Fundamentos de geriatria clínica. 7a ed. Porto Alegre: McGraw Hill; 2015.

6. Chronopoulos A, Rosner MH, Cruz DN, Ronco C. Acute kidney injury in elderly intensive care patients: a review. Intensive Care Med. 2010;36(9):1454-64. Review.

7. Kane SL, Weber RJ, Dasta JF. The impact of critical care pharmacists on enhancing patient outcomes. Intensive Care Med. 2003;29(5):691-8. Review.
-88. Medeiros EF, Moraes CF, Karnikowski M, Nóbrega OT, Karnikowski MG. [An interdisciplinary intervention as a strategy for Rational Use of Drugs by the elderly]. Cien Saude Colet. 2011;16(7):3139-49. Portuguese.)

A incidência de eventos adversos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) é de 19 eventos por 1.000 pacientes ao dia, comparada a 10 eventos por 1.000 pacientes ao dia em outros contextos de cuidado.(99. Leape LL, Cullen DJ, Clapp MD, Burdick E, Demonaco HJ, Erickson JI, et al. Pharmacist participation on physician rounds and adverse drug events in the intensive care unit. JAMA. 1999;282(3):267-70. Erratum in: JAMA. 2000; 283(10):1293.)

O termo ‘farmácia clínica’ é utilizado para designar as ações realizadas pelo farmacêutico em favor do paciente, por meio da identificação, resolução e prevenção de problemas relacionados aos medicamentos (PRM). Estas ações são caracterizadas pela abordagem dos medicamentos do hospital e pela revisão das prescrições médicas, reduzindo os riscos a elas associados; auxiliando no manejo da doença e na redução do tempo de internação, PRM e mortalidade; produzindo benefícios econômicos; e garantindo a segurança e a efetividade da terapia prescrita, bem como seu uso racional em equipes multidisciplinares em diferentes níveis de cuidado.(44. Mourandi A, Vasilevskis E, Pandharipandle PP, Girard TD, Solberg LM, Neal EB, et al. Inappropriate medication prescriptions in elderly adults surviving an intensive care unit hospitalization. J Am Geriatr Soc. 2013;61(7):1128-34.,77. Kane SL, Weber RJ, Dasta JF. The impact of critical care pharmacists on enhancing patient outcomes. Intensive Care Med. 2003;29(5):691-8. Review.,1010. Jamal I, Amin F, Jamal A, Saeed A. Pharmacist’s interventions in reducing the incidences of drug related problems in any practice settings. Int Curr Pharma J. 2015;4(2):347-52.

11. Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Analysis of clinical pharmacist interventions in a tertiary teaching hospital in Brazil. einstein (São Paulo). 2013;11(2):190-6.

12. Horn E, Jacobi J. The critical care clinical pharmacist: evolution of an essential team member. Critic Care Med. 2006;34(3 Suppl):S46-51. Review.
-1313. Pinto IV, Castro MS, Reis AM. [Description of the role of the pharmacist in a multiprofessional team focused on the care of hospitalized elderly]. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(4):747-58. Portuguese.)

A polifarmácia traz ao menos um fármaco desnecessário à farmacoterapia(11. de Lyra Júnior DP, do Amaral RT, Veiga EV, Cárnio EC, Nogueira MS, Pelá IR. [Pharmacotherapy in the elderly: a review about the multidisciplinary team approach in systemic arterial hypertension control]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(3):435-41. Review. Portuguese.) e, que quando associada a comorbidades, os riscos de toxicidade por drogas se elevam.(55. Kane RL, Ouslander JG, Abrass IB, Resnick B. Fundamentos de geriatria clínica. 7a ed. Porto Alegre: McGraw Hill; 2015.) Além disso, o uso de medicamentos potencialmente inapropriados (MPI) para idosos, conforme os critérios de Beers, pode levar a confusão, prejuízo cognitivo, piora do estado clínico e aumento da mortalidade.(1414. By the American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria Update Expert Panel. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11): 2227-46.)

A atuação multiprofissional promove relações que podem facilitar a troca de conhecimentos e habilidades, que contribuem para maior e melhor atenção voltada ao paciente, resultando em benefícios, sobretudo quando direcionados a idosos.(1313. Pinto IV, Castro MS, Reis AM. [Description of the role of the pharmacist in a multiprofessional team focused on the care of hospitalized elderly]. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(4):747-58. Portuguese.) Evidências comprovam que o trabalho de colaboração entre o farmacêutico e o médico melhora o cuidado direcionado ao paciente, e que o trabalho em equipe é fundamental para a segurança e a eficácia do cuidado prestado.(1010. Jamal I, Amin F, Jamal A, Saeed A. Pharmacist’s interventions in reducing the incidences of drug related problems in any practice settings. Int Curr Pharma J. 2015;4(2):347-52.)

OBJETIVO

Discutir o papel do farmacêutico clínico no cuidado hospitalar de pacientes críticos, idosos.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo e descritivo, com período de coleta de dados de outubro de 2015 a janeiro de 2016, realizado na Unidade de Cuidados Intermediários do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética da instituição, sob o parecer 1.266.550 e CAAE: 49225015.5.0000.0068, sendo autorizado pela chefia da unidade. O Termo de Consentimento Esclarecido foi isento pelo comitê.

A Unidade de Cuidados Intermediários, também chamada de Unidade Crítica de Emergência, possui como critérios de admissão pacientes provenientes do pronto-socorro em condições clínicas agudas ou crônicas descompensadas que ameacem a vida, com necessidade de intervenções de suporte artificial, como ventilação mecânica e uso de drogas vasoativas; e que necessitem de monitorização intensiva para eventual intervenção. A unidade possui 17 leitos, sendo 12 destinados aos pacientes acompanhados pela equipe de Clínica Médica e 5 pela equipe de Clínica Cirúrgica, utilizados para monitorização de pacientes críticos em situação de emergência, diante da superlotação do departamento e da falta de leitos em UTI convencionais.(1515. Ribeiro S, Petrini C, Marino L, Brandão Neto R. Implementation of a horizontal intensive care team can impact efficiency in an emergency observation unit in Brazil. Critical Care. 2015;19 (Suppl 1):P520.)

As atividades desenvolvidas neste estudo consistem na continuidade do cuidado prestado semanalmente pelo farmacêutico em visitas multiprofissionais direcionadas a pacientes idosos.

Foram incluídos pacientes com 60 anos ou mais e que permaneceram por, no mínimo, 24 horas nesta unidade hospitalar, aos cuidados da equipe de Clínica Médica. Foram excluídos aqueles com período de internação inferior a 24 horas; que foram admitidos ao longo de finais de semana e feriados; e que receberam alta neste mesmo período.

Para identificação das admissões no período, e acessar os dados do paciente e da clínica à qual os cuidados estavam direcionados, foi utilizado o sistema informatizado do hospital. Este sistema dispunha as evoluções e as prescrições médicas, possibilitando o acompanhamento diário do paciente, com o intuito de otimizar a farmacoterapia prescrita. Estas informações foram complementadas pela análise dos controles de enfermagem (pressóricos, glicêmicos, presença de evacuações e controle de temperatura) e da prescrição impressa na unidade (devido às alterações manuais). A adequação dos medicamentos prescritos foi avaliada diante de necessidades comuns a estes pacientes, como analgesia, profilaxia para tromboembolismo venoso (TEV), profilaxia para úlcera de estresse, uso de laxantes, antimicrobianos e exames laboratoriais. As interações medicamentosas foram avaliadas via Micromedex® e UptoDate®. Para identificação e avaliação dos riscos associados ao uso de MPI, foi consultada a segunda tabela da lista de critérios de Beers, que trata dos medicamentos que devem ser evitados para muitos ou a maioria dos idosos, com exceção dos que estiverem sob cuidados paliativos ou em hospices.(1414. By the American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria Update Expert Panel. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11): 2227-46.)

As prescrições foram avaliadas com relação a: necessidade do uso do medicamento prescrito; apresentação e adequação à condição clínica; dose considerando função renal, idade, nível sérico de medicamentos e função hepática; aprazamento realizado pela equipe de enfermagem; necessidade de inclusão de novos itens à farmacoterapia diante do estado clínico.

As intervenções foram realizadas presencialmente junto à equipe médica e de enfermagem, a fim de definir a melhor conduta a ser seguida. Também foram realizadas avaliações com relação ao uso de dispositivos inalatórios junto aos pacientes e fornecidas orientações.

Estas informações foram registradas em formulário padronizado e em planilha do Microsoft Excel®, e os desfechos foram acompanhados nos dias subsequentes.

A aceitação das intervenções foi dividida em aceitas com alteração na prescrição; aceitas verbalmente, porém, sem alteração na prescrição, e não aceitas.

RESULTADOS

Conforme critérios de inclusão, 81,6% do total de idosos admitidos pela equipe de Clínica Médica foram acompanhados ao longo do período de estudo. Na ocasião, 51% dos pacientes assistidos por esta equipe na unidade possuíam 60 anos ou mais (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de inclusão dos pacientes no estudo

A amostra foi composta em 53,7% por mulheres (Tabela 1), com média de idade 72,5 anos, sendo 94 anos a maior idade registrada.

Tabela 1
Caracterização dos pacientes idosos acompanhados pelo farmacêutico ao longo do período de estudo

Além da principal causa de internação, foram identificadas outras comorbidades, destacando-se a hipertensão arterial sistêmica (72,5%), o diabetes mellitus tipo 2 (43%), doença hepática (8,8%) e renal (6,2%), por exemplo, elevando a complexidade do cuidado e dos regimes terapêuticos.(88. Medeiros EF, Moraes CF, Karnikowski M, Nóbrega OT, Karnikowski MG. [An interdisciplinary intervention as a strategy for Rational Use of Drugs by the elderly]. Cien Saude Colet. 2011;16(7):3139-49. Portuguese.)

O tempo médio de permanência dos pacientes na Unidade de Cuidados Intermediários foi de 10 dias, com 46,3% de altas para residência, 46,2% de óbitos e 7,5% de transferências para outros institutos do complexo.

Com relação à farmacoterapia, identificou-se uso de, em média, 12 medicamentos ao dia (mínimo de 5 e máximo de 24 itens por prescrição), em 386 prescrições avaliadas. Foram realizadas 212 intervenções farmacêuticas diante da farmacoterapia de 62 dos indivíduos acompanhados (77,5%), ocorrendo, em média, 3 intervenções por paciente, classificadas em indicações farmacoterapêuticas e intervenções para uso racional de medicamentos.

As indicações farmacoterapêuticas corresponderam a 38,7% das intervenções, ou seja, o paciente necessitava de determinado medicamento que não foi prescrito (Tabela 2).

Tabela 2
Indicações farmacoterapêuticas realizadas junto à equipe médica

Em 48,8% destas intervenções, o objetivo era a adoção de medidas laxativas para o paciente diante da ausência de evacuações por pelo menos 3 dias, conforme controles de enfermagem. A indicação de medidas para correção de distúrbios hidroeletrolíticos e outros medicamentos necessários diante da condição clínica do paciente, como dispositivos inalatórios e medidas para controle de sialorreia, por exemplo, ocorreu em 25,6%.

A prescrição de profilaxias para úlcera de estresse e TEV esteve ausente em 9,8% e 6,1% das prescrições, respectivamente, em que estavam indicadas, resultando em novas intervenções. A indicação de analgésicos ocorreu em 6,1% dos casos, com o objetivo de reduzir o desconforto provocado por dores e piora da qualidade de vida ao longo da internação.

As demais indicações farmacêuticas foram sugestões de alternativas farmacoterapêuticas mais adequadas, favorecendo a efetividade do uso do medicamento.

Aproximadamente 14% das intervenções, foram realizadas com referência ao uso de medicamentos sem indicação diante da condição clínica do paciente, e outras 14,1% relacionavam-se à necessidade de adequação das prescrições devido a divergências entre informações descritas em prontuário e a prescrição, e até mesmo a falta de elementos essenciais à prescrição, como a posologia dos medicamentos. A necessidade de ajustes de dose, conforme a função renal, correspondeu a 11,3%.

Os MPI foram identificados 196 vezes nas prescrições avaliadas, sendo registrados somente quando da primeira aparição, com destaque para metoclopramida, haloperidol, amiodarona e quetiapina, resultando em 7,5% das intervenções realizadas.

Foram sugeridos ajustes de dose dos medicamentos em 3,8% das intervenções, com o intuito de garantir a efetividade do medicamento e a adequação de antimicrobianos, conforme antibiograma e tempo adequado de tratamento em 1,9% (Tabela 3).

Tabela 3
Intervenções farmacêuticas realizadas junto a equipe médica

Para garantir o maior aproveitamento e a eficácia dos dispositivos inalatórios utilizados por portadores de doenças do trato respiratório, foram fornecidas orientações para o uso correto a cinco pacientes, diante da técnica de uso inadequada. Nestes casos, as intervenções não foram classificadas com relação à aceitação.

As modificações de prescrição ou solicitação de exames laboratoriais em decorrência de interações medicamentosas corresponderam a 2,4% e, na maioria das vezes, optou-se por monitorar o uso. Estes casos não foram registrados.

Com o intuito de evitar intoxicações e a falta de efetividade do fármaco, a solicitação de exames para avaliação de níveis séricos de drogas (como fenitoína e vancomicina) e eletrólitos, por exemplo, correspondeu a 3,8% do total das intervenções, permitindo realizar ajustes conforme necessário.

Foram aceitas com alteração na prescrição 64,3% das intervenções, 28,5% não foram aceitas e 7,2% foram aceitas verbalmente, porém sem alteração na prescrição (Figura 2).

Figura 2
Aceitação das intervenções

As intervenções realizadas junto à equipe médica representaram 97,6% do total e as realizadas junto dos pacientes e da equipe de enfermagem, 2,4%, sendo 46% com o intuito de garantir a segurança do paciente por meio da prevenção de riscos associados à prescrição; 24% visando ao conforto pela redução de sintomas evitáveis; 12,7% à economia diante da promoção do uso racional de medicamentos; 11,7% à efetividade do uso dos medicamentos; e 5,6% à prevenção de erros associados a prescrição.

DISCUSSÃO

As principais causas de internação identificadas neste estudo são reflexo das DCNT que acompanham grande parte dos idosos. De acordo com estudos, a hipertensão arterial sistêmica é responsável pelos altos índices de morbimortalidade desta faixa etária(11. de Lyra Júnior DP, do Amaral RT, Veiga EV, Cárnio EC, Nogueira MS, Pelá IR. [Pharmacotherapy in the elderly: a review about the multidisciplinary team approach in systemic arterial hypertension control]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(3):435-41. Review. Portuguese.) e o diabetes mellitus constitui a sexta maior causa de internações hospitalares no Brasil, contribuindo significativamente para outras causas, como o acidente vascular encefálico, por exemplo.(1717. da Silva LM, Palha PF, Barbosa GR, Protti ST, Ramos Ada S. [Pensioners with type 2 diabetes in the family health program in Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil]. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):462-8. Portuguese.) A presença concomitante destas doenças eleva a taxa de mortalidade e de incapacidades por conta dos prejuízos por elas causados.(1313. Pinto IV, Castro MS, Reis AM. [Description of the role of the pharmacist in a multiprofessional team focused on the care of hospitalized elderly]. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(4):747-58. Portuguese.)

Com relação aos desfechos da internação, 46,2% dos pacientes evoluíram para óbito. Esta taxa de mortalidade foi inferior à esperada de 56,8%, estimada a partir do Simplified Acute Physiology Score (SAPS) III, ajustado para a América Latina.

Durante o acompanhamento farmacêutico, a indicação de medidas laxativas ocorreu em 48,8% das indicações farmacoterapêuticas realizadas. A constipação intestinal em pacientes críticos está relacionada, muitas vezes, a fatores como alimentação, uso de medicamentos, desidratação, limitação no leito, entre outros, podendo relacionar-se a piores desfechos clínicos. Portanto, deve ser ativamente manejada, influenciando no tempo de internação hospitalar, na redução de quadros de delirium, no tempo de ventilação mecânica, no tempo de permanência em UTI e no aumento da qualidade de vida.(1818. Azevedo RP, Freitas FG, Ferreira EM, Machado FR. [Intestinal constipation in intensive care units]. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(3):324-31. Portuguese.,1919. Cardin F, Minicuci N, Droghi AT, Inelmen EM, Sergi G, Terranova O. Constipation in the acutely hospitalized older patients. Arch Gerontol Geriatr. 2010;50(3):277-81.)

O sangramento gástrico desencadeado por úlceras de estresse é uma das complicações comuns a pacientes internados em UTI, devido ao estresse fisiológico, inflamatório e hemodinâmico a que são submetidos.(2020. Marquito AB, Noblat L. [Stress ulcers prophylaxis in an intensive care unit]. Arq Med. 2011;25(3):95-9. Portuguese.)

Fatores como restrição de mobilidade, comorbidades prévias, idade avançada, entre outros, relacionam-se a maiores riscos de desenvolvimento de TEV em idosos, sendo o tipo e a duração desta imobilização fatores a serem levados em conta.(2121. Nacif SA, Gazoni FM, Lopes RD. [Venous thromboembolism prophylaxis in clinical patients: how and when?]. Rev Bras Clin Med. 2009;7:331-8. Portuguese.)

As intervenções relacionadas à inclusão de profilaxias para estas complicações (9,8 e 6,1%) têm por objetivo contribuir para a redução dos riscos de morbimortalidade e de aumento do tempo de permanência na unidade associados.

O uso de medicamentos sem indicação favorece o aumento do risco de interações medicamentosas, reações adversas ao medicamento e do custo evitável, além de influenciar no estado de saúde do paciente. Em nosso estudo, 66,7% destas intervenções foram classificadas como aceitas e 10% como aceitas verbalmente, porém, não alteradas − de um total de 30 intervenções realizadas.

Devido às alterações da função renal associadas ao envelhecimento, o uso de ferramentas para a estimativa da taxa de filtração glomerular para possibilitar o ajuste de dose de medicamentos é fundamental. Em nosso estudo (11,3%), foram utilizadas as equações de Cockroft- Gault e Modification of Diet in Renal Disease (MDRD), de acordo com as preferências da equipe médica, a despeito das diferenças entre os métodos demonstradas em estudos anteriores,(2222. Golik MV, Lawrence KR. Comparison of dosing recommendations for antimicrobial drugs based on two methods for assessing kidney function: cockroft- gault and modification of diet in renal disease. Pharmacotherapy. 2008;28(9):1125-32.) reforçando a importância da padronização.

As intervenções visando discutir o uso de MPI totalizaram 7,5% do total de sugestões realizadas. Com exceção da amiodarona, os demais medicamentos (haloperidol, quetiapina e metoclopramida) foram prescritos principalmente para uso somente ‘se necessário’, tendo sido realizadas intervenções farmacêuticas quando verificado o uso regular, com sugestão de modificação para outra alternativa terapêutica mais segura, quando possível. Medicamentos antipsicóticos estão associados ao aumento do risco de acidente vascular encefálico, declínio cognitivo e mortalidade em pacientes com demência; a metoclopramida esteve associada ao aumento do risco de sintomas extrapiramidais e discinesia tardia, sobretudo em idosos frágeis,(1414. By the American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria Update Expert Panel. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11): 2227-46.) devendo, portanto, ser evitada. Outros medicamentos, como amitriptilina, carisoprodol, ciclobenzaprina, foram mantidos pela relação risco versus benefício, avaliada pela equipe médica, a despeito da possibilidade de efeitos anticolinérgicos, por exemplo.(1414. By the American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria Update Expert Panel. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11): 2227-46.) O uso destes medicamentos foi acompanhado nos dias posteriores, e seu número variou entre um e cinco nas prescrições em que foram identificados.

Assim, o farmacêutico clínico é muito importante no cuidado ao paciente, pois garante o uso seguro e racional de medicamentos. O seguimento farmacoterapêutico reduz a incidência de erros de medicação em 78%(2323. Kucukarslan SN, Peters M, Mlynarek M, Nafziger DA. Pharmacists on rounding teams reduce preventable adverse drug events in hospital general medicine units. Arch Intern Med. 2003;163(17):2014-8.) e melhora a qualidade das prescrições, reduzindo a incidência de eventos adversos.(1313. Pinto IV, Castro MS, Reis AM. [Description of the role of the pharmacist in a multiprofessional team focused on the care of hospitalized elderly]. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(4):747-58. Portuguese.)

A aceitabilidade das intervenções de nosso estudo (de 71,5%, sendo 64,3% com alterações na prescrição) aproximou-se das taxas observadas em outro estudo com metodologia semelhante em um hospital universitário do Estado do Paraná (76,3%).(1111. Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Analysis of clinical pharmacist interventions in a tertiary teaching hospital in Brazil. einstein (São Paulo). 2013;11(2):190-6.)

A taxa de intervenções não aceitas reflete a necessidade aprimoramento, maior aproximação da vivência clínica, bem como da adequação do tempo para aprofundamento e realização de intervenções concisas, contribuindo de maneira mais significativa para os resultados encontrados. A instabilidade do paciente crítico resultou, em parte, das intervenções aceitas verbalmente, porém sem alteração na prescrição, devido à rápida evolução para óbito em alguns casos. As demais frações corresponderam a transferências para outras clínicas e a outros fatores que não foram possíveis de identificar no estudo.

CONCLUSÃO

A inclusão do farmacêutico clínico na equipe da saúde proporciona o melhor acompanhamento das condições clínicas dos pacientes, por meio de prescrições racionais e mais seguras, além de contribuir para o atendimento prestado pela equipe médica. A importância deste profissional, sobretudo no cuidado ao idoso crítico, é fundamentada no monitoramento e controle do uso de medicamentos de baixo índice terapêutico e de medicamentos potencialmente inapropriados; no acompanhamento e em recomendações de ajustes de dose considerando a função renal; e no uso de medicamentos, contribuindo para a redução de desconfortos e para recuperação total do paciente. O significativo número de intervenções aceitas pela equipe da saúde reforça o papel que o farmacêutico clínico tem a desempenhar na equipe multiprofissional, principalmente no cuidado de idosos.

REFERENCES

  • 1
    de Lyra Júnior DP, do Amaral RT, Veiga EV, Cárnio EC, Nogueira MS, Pelá IR. [Pharmacotherapy in the elderly: a review about the multidisciplinary team approach in systemic arterial hypertension control]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(3):435-41. Review. Portuguese.
  • 2
    Locatelli J. [Drug interactions in hospitalized elderly patients]. einstein (São Paulo). 2007;5(4):343-46.
  • 3
    Sitta MC, Jacob Filho W, Farfel JF. O idoso no centro de terapia intensiva. In: Freitas EV, Py L, editoras. Tratado de geriatria e gerontologia. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p.1242-6.
  • 4
    Mourandi A, Vasilevskis E, Pandharipandle PP, Girard TD, Solberg LM, Neal EB, et al. Inappropriate medication prescriptions in elderly adults surviving an intensive care unit hospitalization. J Am Geriatr Soc. 2013;61(7):1128-34.
  • 5
    Kane RL, Ouslander JG, Abrass IB, Resnick B. Fundamentos de geriatria clínica. 7a ed. Porto Alegre: McGraw Hill; 2015.
  • 6
    Chronopoulos A, Rosner MH, Cruz DN, Ronco C. Acute kidney injury in elderly intensive care patients: a review. Intensive Care Med. 2010;36(9):1454-64. Review.
  • 7
    Kane SL, Weber RJ, Dasta JF. The impact of critical care pharmacists on enhancing patient outcomes. Intensive Care Med. 2003;29(5):691-8. Review.
  • 8
    Medeiros EF, Moraes CF, Karnikowski M, Nóbrega OT, Karnikowski MG. [An interdisciplinary intervention as a strategy for Rational Use of Drugs by the elderly]. Cien Saude Colet. 2011;16(7):3139-49. Portuguese.
  • 9
    Leape LL, Cullen DJ, Clapp MD, Burdick E, Demonaco HJ, Erickson JI, et al. Pharmacist participation on physician rounds and adverse drug events in the intensive care unit. JAMA. 1999;282(3):267-70. Erratum in: JAMA. 2000; 283(10):1293.
  • 10
    Jamal I, Amin F, Jamal A, Saeed A. Pharmacist’s interventions in reducing the incidences of drug related problems in any practice settings. Int Curr Pharma J. 2015;4(2):347-52.
  • 11
    Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Analysis of clinical pharmacist interventions in a tertiary teaching hospital in Brazil. einstein (São Paulo). 2013;11(2):190-6.
  • 12
    Horn E, Jacobi J. The critical care clinical pharmacist: evolution of an essential team member. Critic Care Med. 2006;34(3 Suppl):S46-51. Review.
  • 13
    Pinto IV, Castro MS, Reis AM. [Description of the role of the pharmacist in a multiprofessional team focused on the care of hospitalized elderly]. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(4):747-58. Portuguese.
  • 14
    By the American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria Update Expert Panel. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11): 2227-46.
  • 15
    Ribeiro S, Petrini C, Marino L, Brandão Neto R. Implementation of a horizontal intensive care team can impact efficiency in an emergency observation unit in Brazil. Critical Care. 2015;19 (Suppl 1):P520.
  • 16
    World Health Organization (WHO). International statistical classification of diseases and related health problems (ICD-10) [Internet]. 2nd ed. 10th rev. Genova: WHO; 2016 [cited 2017 July 7]. Available from: http://apps.who.int/classifications/icd10/browse/2016/en
    » http://apps.who.int/classifications/icd10/browse/2016/en
  • 17
    da Silva LM, Palha PF, Barbosa GR, Protti ST, Ramos Ada S. [Pensioners with type 2 diabetes in the family health program in Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil]. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):462-8. Portuguese.
  • 18
    Azevedo RP, Freitas FG, Ferreira EM, Machado FR. [Intestinal constipation in intensive care units]. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(3):324-31. Portuguese.
  • 19
    Cardin F, Minicuci N, Droghi AT, Inelmen EM, Sergi G, Terranova O. Constipation in the acutely hospitalized older patients. Arch Gerontol Geriatr. 2010;50(3):277-81.
  • 20
    Marquito AB, Noblat L. [Stress ulcers prophylaxis in an intensive care unit]. Arq Med. 2011;25(3):95-9. Portuguese.
  • 21
    Nacif SA, Gazoni FM, Lopes RD. [Venous thromboembolism prophylaxis in clinical patients: how and when?]. Rev Bras Clin Med. 2009;7:331-8. Portuguese.
  • 22
    Golik MV, Lawrence KR. Comparison of dosing recommendations for antimicrobial drugs based on two methods for assessing kidney function: cockroft- gault and modification of diet in renal disease. Pharmacotherapy. 2008;28(9):1125-32.
  • 23
    Kucukarslan SN, Peters M, Mlynarek M, Nafziger DA. Pharmacists on rounding teams reduce preventable adverse drug events in hospital general medicine units. Arch Intern Med. 2003;163(17):2014-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2016
  • Aceito
    12 Jul 2017
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br