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Eficácia e toxicidade da mitoxantrona e etoposídeo oral no tratamento de câncer de próstata hormônio-refratário: estudo piloto

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a eficácia e toxicidade da associação mitoxantrona e etoposídeo oral.

Métodos:

Doze pacientes consecutivos com câncer de próstata metastático e refratário a tratamento hormonal foram tratados com mitoxantrona e etoposídeo oral. Avaliaram-se toxicidade, taxa de resposta e duração de resposta.

Resultados:

resposta parcial foi observada em dois pacientes (com duração de sete e quatro meses) e um paciente teve estabilização da doença (por quatro meses). Mitoxantrona e etoposídeo oral foram bem tolerados e não afetaram tolerabilidade à quimioterapia subsequente.

Conclusão:

A associação mitoxantrona e etoposídeo oral é um tratamento ativo e bem tolerado por pacientes com câncer de próstata metastático refratário à hormonioterapia.

Descritores:
Neoplasias da próstata/quimioterapia; Metástase neoplásica; Eficácia; Quimioterapia combinada; Mitoxantrona/uso terapêutico; Mitoxantrona/toxicidade; Etoposídeo/uso terapêutico; Etoposídeo/toxicidade

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the efficacy and toxicity of the association of mitoxantrone and oral etoposide.

Methods:

Twelve consecutive patients with metastatic hormone-refractory prostate cancer were treated with mitoxantrone and oral etoposide. Toxicity, response rate and response duration were assessed.

Results:

Partial response was observed in two patients (response duration of seven and four months) and one patient had stable disease (during four months). Mitoxantrone and oral Etoposide were well tolerated and did not affect tolerability to subsequent chemotherapy.

Conclusion:

Mitoxantrone and oral etoposide association is an active and well-tolerated regimen in hormone-refractory prostate cancer.

Keywords:
Prostatic neoplasms/drug therapy; Neoplasm metastasis; Efficacy; Drug therapy, combination; Mitoxantrone/therapeutic use; Mitoxantrone/toxicity; Etoposide/therapeutic use; Etoposide/toxicidade

INTRODUÇÃO

O câncer de próstata metastático com bloqueio androgênico é tratado por meio de castração cirúrgica ou química com análogos de hormônio liberador de hormônio luteinizante LHRH (aLHRH). Apesar de haver um controle inicial quase completo da doença, eventualmente a castração não previne a progressão da enfermidade. Nesse estágio, refere-se à doença como câncer de próstata refratário à castração. O tratamento padrão do câncer de próstata refratário à castração consiste na manipulação hormonal de segunda opção e, algumas vezes, de terceira escolha(11. Miyake H, Hara I, Eto H. Clinical outcome of maximum androgen blockade using flutamide as second-line hormonal therapy for hormone-refractory prostate cancer. BJU Int. 2005;96(6):791-5.), com a adição de um bloqueador de receptor de androgênio e alta dose de cetoconazol, respectivamente. Entretanto, eventualmente a doença se torna refratária a hormônios e, nesta etapa, o tratamento é quimioterapia e bifosfonatos. Desde 2004, o tratamento padrão para a doença hormônio-refratária é a quimioterapia com docetaxel, de acordo com dois estudos que mostraram, pela primeira vez, um ganho na sobrevida geral(22. Petrylak DP, Tangen CM, Hussain MH, Lara PN Jr, Jones JA, Taplin ME, et al. Docetaxel and estramustine compared with mitoxantrone and prednisone for advanced refractory prostate cancer. N Engl J Med. 2004;351(15):1513-20.,33. Tannock IF, de Wit R, Berry WR, Horti J, Pluzanska A, Chi KN, et al. Docetaxel plus prednisone or mitoxantrone plus prednisone for advanced prostate cancer. N Engl J Med. 2004;351(15):1502-12.). Nem todos pacientes apresentam a mesma tolerabilidade ao docetaxel. Quando há falha no tratamento com o docetaxel, não há, em ensaios randomizados, evidência de outro esquema que aumente a sobrevida. Tanto a mitoxantrona como o etoposídeo já são utilizados separadamente e produzem alguma atividade contra o câncer de próstata. Se considerarmos o perfil de toxicidade bem leve, a possibilidade de usar o etoposídeo oral e o baixo custo desta associação, podemos sugerir tal combinação para conseguir um efeito aditivo contra o câncer de próstata. Não há estudos publicados com esta associação.

OBJETIVO

Avaliar a combinação de mitoxantrona (MX) e etoposídeo oral (E) como tratamento de câncer de próstata hormônio-refratário em termos de eficácia e toxicidade.

MÉTODOS

O protocolo foi aprovado pelo Comitê Institucional de Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP), Brasil, e os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e informado. No período entre 2005 e 2006, 12 pacientes consecutivos com câncer de próstata metastático hormônio-refratário foram tratados com MX+E em um hospital público de cuidados terciários, em Santo André. Os requisitos para inclusão dos pacientes foram: metástases documentadas, funções hepática, renal e cardíaca adequadas, performance status ≤ 2 e expectativa de vida de pelo menos três meses. Era necessária a interrupção do tratamento por pelo menos um mês antes de iniciar MX+E, para eliminar a resposta de confusão que pode ocorrer imediatamente após esta interrupção. Os indivíduos em uso de a-LHRH continuaram com a medicação durante todo o período da pesquisa. Todos os pacientes apresentavam níveis de testosterona de castração abaixo de 30 ng/ml.

Como durante o estudo clínico a produção de etoposídeo oral foi descontinuada, a inclusão de novos pacientes precisou ser interrompida. O quadro 1 mostra as características dos pacientes.

Quadro 1
Características dos pacientes

O MX foi administrado na dose de 5 mg/m2 nos dias 1 e 8, a cada 21 dias (dose cumulativa máxima de 140 mg/m2), e etoposídeo oral em 50 mg/dia, dos dias 1 ao 14, a cada 21 dias. Apenas um paciente tinha recebido quimioterapia prévia (docetaxel) e apresentava doença progressiva. Além do esquema quimioterápico, todos os pacientes receberam ácido zoledrônico todos os meses devido à existência de metástases ósseas existentes.

A resposta foi avaliada em cada ciclo, com níveis de PSA, fosfatase alcalina e exame clínico. Exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética foram realizados a cada três meses, e de cintilografia óssea a cada seis meses, exceto quando houve alguma suspeita bioquímica ou clínica de progressão da doença. A resposta foi classificada de acordo com os critérios do PCWG1 (Prostate-Specific Antigen Working Group) (44. Bubley GJ, Carducci M, Dahut W, Dawson N, Daliani D, Eisenberger M, et al. Eligibility and response guidelines for phase II clinical trials in androgen-independent prostate cancer: recommendations from the Prostate-Specific Antigen Working Group. J Clin Oncol. 1999;17(11):3461-7. Erratum in: J Clin Oncol. 2007;25(9):1154.), ou seja, doença progressiva mensurável; metástase óssea progressiva; PSA elevado e metástases estáveis e PSA elevado sem outra evidência de doença metastática. A toxicidade foi classificada conforme os Critérios Comuns para Toxicidade (v3.1) do National Institute of Cancer (NCI) (classificação da toxicidade por sistemas de órgãos e escores de intensidade de 1 a 5)(55. National Cancer Institute. Cancer Therapy Evaluation Program – CTEP. Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) v3.0. [cited 2010 Apr 20]. Available from: http://ctep.cancer.gov/reporting/ctc.html
http://ctep.cancer.gov/reporting/ctc.htm...
).

RESULTADOS

A tabela 1 apresenta a resposta e a toxicidade. O seguimento mediano foi de 11 meses (4 a 31) e o número mediano de ciclos recebidos foi 4 (2-8). Dois pacientes alcançaram resposta parcial associada a controle significativo da dor por sete e quatro meses, respectivamente, e um paciente apresentou doença estável por quatro meses. A sobrevida mediana para os pacientes foi 17 meses. Sete pacientes receberam quimioterapia subsequente (cinco em esquemas com docetaxel) e três pacientes alcançaram respostas parciais. Cinco pacientes não apresentaram toxicidade.

Tabela 1
Resposta e toxicidade

A associação MX+E foi bem tolerada. Quatro pacientes desenvolveram toxicidade hematológica graus 3 ou 4 e necessitaram de redução de dose. Um paciente apresentou toxicidade cardíaca grau 2, e dois pacientes toxicidade renal grau 3, sendo que todos melhoraram e voltaram aos níveis iniciais. Nenhum paciente faleceu como consequência de toxicidade.

DISCUSSÃO

Apesar do pequeno número de pacientes neste estudo piloto, 3 em 12 indivíduos claramente apresentaram benefícios significativos com MX+E. Não há nenhum estudo publicado com essa combinação até o momento e, portanto, não é possível fazer comparações. Considerando-se o perfil de toxicidade aceitável, essa combinação é uma alternativa válida a ser acrescentada à gama de esquemas terapêuticos que têm efeito moderado na doença hormônio-refratária. Um paciente que apresentou doença progressiva em uso de docetaxel recebeu MX+E, atingindo uma resposta parcial por quatro meses. Por outro lado, dos sete pacientes que logo depois receberam quimioterapia com docetaxel, três apresentaram resposta parcial, o que sugere que não existe tolerabilidade prejudicial no tratamento considerado padrão. A sobrevida geral mediana foi de 17 meses e está de acordo com a esperada para essa população de pacientes. Embora a quimioterapia com docetaxel seja o padrão, sua tolerabilidade não é universal e, frequentemente, são necessários esquemas alternativos menos tóxicos. Destaca-se o baixo custo do esquema MX+E, cerca de um sexto do tratamento com docetaxel. O achado recente de atividade significativa de abiraterona, um inibidor de CYP17 (importante enzima na síntese de androgênios), em pacientes que falharam na castração(66. Attard G, Reid AH, Yap TA, Raynaud F, Dowsett M, Settatree S, et al. Phase I clinical trial of a selective inhibitor of CYP17, abiraterone acetate, confirms that castration-resistant prostate cancer commonly remains hormone driven. J Clin Oncol. 2008;26(28):4563-71. Epub 2008 Jul 21.) e até naqueles em que o tratamento com docetaxel não foi efetivo, levanta novamente a questão do papel persistente do receptor androgênico em sinalizar vias que levam à progressão da doença, mesmo no estágio chamado de hormônio-refratário. Desafia outra vez a nomenclatura de doença hormônio-refratária e levanta a possibilidade de a manipulação hormonal ser intercalada entre os tratamentos quimioterápicos tanto devido à eficácia como ao fato de poder garantir períodos de tratamento ativo, sem quimioterapia.

CONCLUSÕES

A associação MX+E foi tolerada e levou à resposta parcial na doença hormônio-refratária. Não pareceu interferir na tolerabilidade ao tratamento subsequente com taxana. Pode-se considerar MX+E como uma opção de tratamento para pacientes com câncer de próstata hormônio-refratário.

  • Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do ABC – FMABC, Santo André (SP), Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Miyake H, Hara I, Eto H. Clinical outcome of maximum androgen blockade using flutamide as second-line hormonal therapy for hormone-refractory prostate cancer. BJU Int. 2005;96(6):791-5.
  • 2
    Petrylak DP, Tangen CM, Hussain MH, Lara PN Jr, Jones JA, Taplin ME, et al. Docetaxel and estramustine compared with mitoxantrone and prednisone for advanced refractory prostate cancer. N Engl J Med. 2004;351(15):1513-20.
  • 3
    Tannock IF, de Wit R, Berry WR, Horti J, Pluzanska A, Chi KN, et al. Docetaxel plus prednisone or mitoxantrone plus prednisone for advanced prostate cancer. N Engl J Med. 2004;351(15):1502-12.
  • 4
    Bubley GJ, Carducci M, Dahut W, Dawson N, Daliani D, Eisenberger M, et al. Eligibility and response guidelines for phase II clinical trials in androgen-independent prostate cancer: recommendations from the Prostate-Specific Antigen Working Group. J Clin Oncol. 1999;17(11):3461-7. Erratum in: J Clin Oncol. 2007;25(9):1154.
  • 5
    National Cancer Institute. Cancer Therapy Evaluation Program – CTEP. Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) v3.0. [cited 2010 Apr 20]. Available from: http://ctep.cancer.gov/reporting/ctc.html
    » http://ctep.cancer.gov/reporting/ctc.html
  • 6
    Attard G, Reid AH, Yap TA, Raynaud F, Dowsett M, Settatree S, et al. Phase I clinical trial of a selective inhibitor of CYP17, abiraterone acetate, confirms that castration-resistant prostate cancer commonly remains hormone driven. J Clin Oncol. 2008;26(28):4563-71. Epub 2008 Jul 21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2010

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2010
  • Aceito
    09 Jun 2010
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