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Eliane Potiguara e Daniel Munduruku: por uma cosmovisão ameríndia

Eliane Potiguara and Daniel Munduruku: for an Amerindian worldview

Eliane Potiguara y Daniel Munduruku: por una cosmovisión amerindia

resumo

O objetivo deste artigo é analisar como a questão identitária se exprime na literatura indígena contemporânea, em especial em Metade cara metade máscara, de Eliane Potiguara, e Todas as coisas são pequenas, de Daniel Munduruku. Se o livro de Potiguara é um híbrido que mistura discurso mítico, poesia e testemunho pessoal, o de Munduruku se aproxima do modelo do romance barroco tal como analisado por Bakhtin. Através da abordagem desses dois livros, o artigo pretende demonstrar que os autores indígenas estão começando uma nova tradição literária no Brasil.

Palavras-chave:
literatura ameríndia brasileira; Daniel Munduruku; Eliane Potiguara

abstract

The aim of this article is to analyze how contemporary Amerindian literature broaches issues of identity. The essay will focus on two texts: Metade cara metade máscara by Eliane Potiguara and Todas as coisas são pequenas by Daniel Munduruku. Whereas Potiguara’s book is a hybrid composition that mixes mythical discourse, poetry and personal testimony, Munduruku’s text is closer to the model of the baroque novel as described by Bakhtin. Through the analysis of these two books, the article demonstrates that Amerindian authors are initiating a new literary tradition in Brazil.

Keywords:
Brazilian-Amerindian literature; Daniel Munduruku; Eliane Potiguara

resumen

El objetivo de este artículo es analizar cómo la cuestión identitaria se expresa en la literatura indígena contemporánea, en especial en Metade cara metade máscara, de Eliane Potiguara, y Todas as coisas são pequenas, de Daniel Munduruku. Si el libro de Potiguara es un híbrido que mezcla discurso mítico, poesía y testimonio personal, el de Munduruku se acerca al modelo de la novela barroca tal como es analizado por Bakhtin. A través del abordaje de estos dos libros, el artículo pretende demostrar que los autores indígenas están comenzando una nueva tradición literaria en Brasil.

Palabras clave:
literatura amerindia brasileña; Daniel Munduruku; Eliane Potiguara

Não adianta pensar diferente se você não vive diferente. Daniel Munduruku

Contexto de produção

O ensaísta peruano José Carlos Mariátegui, criador da revista Amauta, um dos mentores da literatura indigenista andina dos anos 1930, escrita por mestiços, prenunciava que, um dia, os indígenas escreveriam sua própria “literatura”, entre aspas para apontar para o fato que só se chama de “literatura” aquela escrita segundo os modelos ocidentais. Todavia, as primeiras nações da América - como, aliás, todos os povos - tinham uma literatura oral (mitos, contos e lendas). Desde a conquista, parte dessa “oralitura”2 2 Termo criado por Paul Zumthor para designar a produção oral tradicional e amplamente usado pela crítica em língua francesa para tratar dos contos africanos e antilhanos. foi escrita e reunida por missionários, etnólogos e outro tipos de mediadores. Um país como o Peru teve, desde o século XVI, autores mestiços como Inca Garcilaso de la Vega e Guaman Poma de Ayala, que legaram às gerações seguintes narrativas fundamentais nas quais se delineia a cosmovisão de seus povos. No Brasil, entretanto, não só não houve a mesma produção como só se começou a estudar o mundo dos ameríndios no século XIX.3 3 Vou usar indiferentemente primeiras nações, ameríndios, índios e indígenas para designar os povos autóctones das Américas: os dois primeiros termos são mais comuns na América do Norte (em francês e em inglês) e os dois últimos são mais comuns no Brasil. Enquanto os próprios líderes indígenas usam com naturalidade as palavras “índios” e “indígenas”, os cientistas sociais preferem o uso, considerado mais correto, de “ameríndios” e “primeiras nações”.

A partir dos anos 1970/80, como parte integrante dos movimentos em defesa das minorias, começaram a aparecer produções escritas, assim como filmes, documentários, gravações em áudio e vídeo, feitos pelos ameríndios de Norte a Sul das Américas. Como lembra o escritor martinicano Édouard Glissant, a tecnologia permite hoje uma convergência entre o mundo letrado, que se volta para a oralidade das novas mídias e as comunidades tradicionais que “despontam ‘na grande cena do mundo’” (1996, p. 48) por terem encontrado na tecnologia digital maneiras especiais de se exprimir. Essas novas textualidades - que vão da transcrição de tradições orais até livros “literários” no sentido ocidental - situam-se numa política de afirmação das culturas locais. Elas servem para transmitir uma herança, registrando em arquivo a memória de suas tradições para que elas não se percam de todo. Em todas as partes da América, gravações de cantos e filmes documentários têm crescido de forma significativa; as publicações de livros também aumentaram apesar de a visibilidade e a repercussão desta produção ainda serem muito limitadas. Além das antologias de textos orais, em geral organizadas por mediadores, apareceram autores que, tendo feito estudos formais, publicaram livros que se encontram na confluência da tradição ocidental e da tradição ameríndia, ensejando, assim, o surgimento de uma nova tradição literária.

O ensaísta uruguaio Hugo Achugar assinala que “a emergência de novos atores sociais permite supor a necessidade [...] de reconstruir uma história própria esquecida pelo discurso da comunidade hegemônica” (Achugar, 2006ACHUGAR, Hugo (2006). Planetas sem boca. Escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Tradução de Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Editora da UFMG., p. 162). Dessa maneira, o princípio diretor da memória coletiva já não estaria, segundo ele, sintetizado na imagem da raiz, mas do rizoma; não mais um mito fundador, antes uma proliferação de raízes em forma de contramemórias (Achugar, 2006ACHUGAR, Hugo (2006). Planetas sem boca. Escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Tradução de Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Editora da UFMG., p. 175). Silviano Santiago (2011SANTIAGO, Silviano (2011). Destino: globalização. Atalho: nacionalismo. Recurso: cordialidade. In: REIS, Lívia, FIGUEIREDO, Eurídice. América Latina: integração e interlocução. Rio de Janeiro: 7Letras; Santiago (Chile): USACH.) também aponta para a nova reconfiguração das etnicidades no Brasil.

Segundo Jérôme Baschet, especialista do caso Chiapas (México), atualmente os discursos ameríndios reivindicam diferentes temporalidades: de um lado, o passado mítico, de outro, o tempo frágil e incerto da modernidade, o tempo pós-moderno da dominação globalizante (que rejeitam) e, finalmente, o tempo da esperança de uma nova sociedade que atravessa os três primeiros. “Utilizar para fins de luta as temporalidades discordantes da história, reunir esses tempos dessemelhantes sem tentar novas sínteses, pensar a articulação do todo sem totalização, este seria o improvável encontro, uma ilustração em ato da não-contemporaneidade” (apud Robin, 2003ROBIN, Régine (2003). La mémoire saturée. Paris: Stock., p. 50-51).

Essa ideia de não contemporaneidade me parece fundamental, pois, sem perder o contato com a tradição, eles se inserem na modernidade, reivindicando sua participação em todos os aspectos da vida social, inclusive na vida literária. No Brasil, a recente eclosão da produção ameríndia foi favorecida por duas ações: a criação das Escolas da Floresta, nos anos 1980; e a aprovação da Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, que estabeleceu o ensino obrigatório das culturas ameríndias. Os professores das Escolas da Floresta funcionaram frequentemente como mediadores na transcrição e tradução de poemas e/ou cantos. A partir dessa atividade, surgiu uma geração de professores ameríndios bilíngues que, ao passarem a se encarregar da educação de crianças e jovens, começaram a criar livros especialmente para desenvolver seu trabalho. Alguns desses livros foram adotados pelo Ministério da Educação e distribuídos nas escolas após a promulgação da Lei nº 11.645/2008, o que provocou uma grande demanda de livros. É nesse contexto, aqui brevemente apresentado, que se deve pensar a produção literária inaugural de autores como Eliane Potiguara e Daniel Munduruku.

Eliane Potiguara

A questão identitária que se exprime por uma busca de afirmação da indianidade está no centro da literatura indígena contemporânea. O livro Metade cara metade máscara (2004), de Eliane Potiguara, faz parte da série Visões indígenas, dirigida por Daniel Munduruku, um dos escritores indígenas mais talentosos, prolíficos e conhecidos. Ele afirma no prefácio que a série foi criada para “dar possibilidade de externalizar o olhar indígena sobre si mesmo, sobre os ‘outros’ das ciências e sobre a sociedade brasileira”; ao fazer isso, ele acredita que estará “deixando que o outro seja” (Munduruku, 2004MUNDURUKU, Daniel (2004). Visões de ontem, hoje e amanhã: é hora de ler as palavras. Prefácio. In: POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global ., p. 16).

Trata-se de uma narrativa de cunho autobiográfico, híbrida, como o próprio título indica - metade cara, metade máscara - que tematiza a problemática das primeiras nações através da história atemporal do casal Jurupiraca e Cunhataí, emblema da família indígena. Ao longo do livro, o caráter dos fragmentos varia, indo de uma narrativa mítica desses dois personagens, passando por poemas e relatos pessoais da autora. A partir deles o leitor tem algumas informações sobre a genealogia da autora, que pertence a uma família de índios desaldeados da Paraíba. A situação precária de seus ancestrais tem origem em um crime, a morte de seu bisavô, perpetrada por agentes de uma empresa inglesa que queria expulsá-lo da terra em que vivia; a viúva e suas quatro filhas foram obrigadas a deixar a aldeia e migrar para o Pernambuco.

A avó, Maria de Lourdes, estuprada aos 12 anos, dá à luz Elza, a mãe de Eliane, e vem morar no Rio de Janeiro, na zona do Mangue, conhecida zona de prostituição. Mulheres subalternas, discriminadas em razão da etnia, da classe social, de gênero, elas sofrem todo tipo de desprezo da sociedade, mas resistem, cuidando sozinhas de sua prole, porque seus homens morrem ou desaparecem. Forçadas a viver numa sociedade que as descrimina, sem conseguir se inserir de maneira adequada, elas se tornam migrantes, tentando sobreviver, em condições miseráveis, nos guetos urbanos.

O livro é dedicado à avó, símbolo da resistência e da luta dos povos indígenas, mulher que conseguiu preservar parcialmente o saber ancestral mesmo vivendo fora de sua aldeia e de suas ramificações familiares. Curandeira, conhecedora das plantas, contadora de histórias, é ela quem vai transmitir à neta “os laços com os ancestrais, a cosmologia e a herança espiritual” (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global., p. 26).

Assim, Eliane Potiguara, nascida em 1950, protegida obsessivamente pela avó, que temia que ela sofresse abuso sexual, estudou, tendo-se formado professora primária. Em 1978, casou-se com o cantor e compositor Taiguara (1945-1996), um militante comunista, uruguaio de origem Charrua, que teve uma bem-sucedida carreira na música popular brasileira, sobretudo nos anos 1960/70. Foi nessa época que ela se engajou na defesa da causa indígena, indo ao Nordeste pesquisar suas origens. Em 1978, fundou o Grupo Mulher-Educação Indígena (Grumin), cuja criação oficial data de 1987 (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global., p. 54). Como outros escritores e líderes indígenas, ela adotou, como sobrenome, o nome da etnia à qual pertence.

Eliane Potiguara viajou pelo mundo inteiro para participar de fóruns internacionais, em defesa dos direitos dos indígenas e das mulheres, lutando pela aprovação da “Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas” e em prol da paz. Começou a escrever poesia ainda jovem. É de 1975 o poema “Identidade indígena”, primeiro poema escrito por uma mulher indígena em língua portuguesa (Graúna, 2004GRAÚNA, Graça (2004). Identidade indígena: uma leitura das diferenças. In: POTIGUARA, Eliane. Metade cara metade máscara. São Paulo: Global. (Série Visões Indígenas)., p. 18). Esse canto de luta internacionalista evoca todos os povos indígenas, e a palavra “desplazados”, em espanhol, aponta para a sua consciência latino-americana.

Nós, povos indígenas, Queremos brilhar no cenário de História Resgatar nossa memória E ver os frutos de nosso país, sendo divididos Radicalmente Entre milhares de aldeados e “desplazados” Como nós (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global., p. 104).

Também o poema “Ato de amor entre povos”, texto de 1982, demonstra essa visão latino-americana, ao se referir ao “Império Inca”, às “cordilheiras”, a Potosi, a “Zamacueca dos Andes”, à “lhama andina”, ao “charango latino”. Por outro lado, ela evoca especificamente sua etnia, os Potiguaras, e seus vizinhos, os Tabajaras, que no romance Iracema, de José de Alencar, são inimigos, mas aqui são irmãos. No poema é Cunhataí quem fala a seu amante Jurupiranga:

Vem, que te sonhei a noite toda: Puro, te revelando nas águas do Orinoco, Sorrateiro, espreitando o massacre de Potosi Vem, que te sonhei na noite pela PAZ E teus dedos velozes, a guarânia, tocavam As vitórias felizes do Império Inca. ...................................................... E os POTIGUARAS, comedores de camarão Que HOJE - carentes - Nos recomendarão a Tupã. E te darão o anel do guerreiro - parceiro E a mim? Me darão a honra do Nome A ESPERANÇA - meu homem! De uma pátria sem fim (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global., p. 31-34).

Essa perspectiva latino-americanista não exclui sua adesão à pátria chamada Brasil. As memórias rizomáticas que surgem no cenário brasileiro, evocando outros mitos fundadores, outros discursos nacionais, traçam uma visão de nação já pluralizada e não una, como se fez no século XIX e que o século XX reforçou. Em vez de uma nação mestiça, criada pelos grandes intérpretes do Brasil, que excluía negros e indígenas ao diluí-los no amálgama chamado “Brasil mestiço”, o que vemos agora, sobretudo desde os anos 1980, é a eclosão de vozes que narrativizam outras histórias, outras versões sobre a nação. O poema “Brasil” é ritmado pelo refrão “O que faço com a minha cara de índia?”, o que assinala a sobrevivência dos indígenas no presente, contrapondo-se àquela visão mitificada do índio do passado, como fez o romantismo, e que continua em novas formas que teimam em declinar a vida indígena no passado. Já no poema “Invasão”, ela questiona os efeitos perversos da colonização, que violentou os autóctones, metáfora da própria Terra-Mãe: “Quem são vocês que podem violentar/A filha da terra/E retalhar suas entranhas?” (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global., p. 35).

Ao visitar lugares como as ruínas das missões, em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, ou ainda, o cemitério indígena em terras potiguaras, na Paraíba, a narradora tem a impressão de que “se ouviam os gritos de dor ecoando pelos ares e que as paredes estavam impregnadas do suor da escravidão e racismo”. Ela evoca a voz dos oprimidos que “ecoam igualmente, em qualquer parte do mundo” (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global., p. 47), pensando nos milhões de indígenas que morreram ao longo de séculos da colonização que os expulsou de suas terras. Essa construção da memória vai de encontro ao esquecimento promovido pelo discurso nacional dominante. Assim, como aponta A. Singh, “esse processo tem por resultado uma memória coletiva sempre em fluxo: não uma memória, mas múltiplas memórias lutando constantemente para ocupar e atrair a atenção no espaço cultural” (apud Achugar, 2006ACHUGAR, Hugo (2006). Planetas sem boca. Escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Tradução de Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Editora da UFMG., p. 172). No Brasil do século XXI, essas memórias rizomáticas compõem um novo discurso sobre a nação, criando um panorama mais complexo e multifacetado da história do país.

Daniel Munduruku

Escritor prolífico, Daniel Munduruku, nascido em 1964, em Belém do Pará, publicou cerca de 43 livros. Sua obra começa a ser traduzida, sinal de legitimação e reconhecimento de sua qualidade e de sua importância. Publicou em 2001 um relato autobiográfico intitulado Meu vô Apolinário: um mergulho no rio da (minha) memória, em homenagem ao avô Apolinário, que lhe ensinou a sabedoria e o respeito da natureza e da herança familiar. O primeiro capítulo dessa curta narrativa de formação chama-se “A raiva de ser índio”. Nele, o narrador, identificado com o autor, confessa que detestava ser chamado de índio, que era uma marca de desprezo, pois a palavra era sinônimo de selvagem. Sofrendo bullying das outras crianças e sem saber como se opor a elas, ele era infeliz. Quando foi passar férias na tribo, o avô, curandeiro e sábio, percebeu que o neto necessitava de sua ajuda. Esta é, em resumo, a relação de amizade e cumplicidade estabelecida entre o velho e a criança. Como a avó de Eliane Potiguara, o avô de Munduruku ajuda-o a compreender e a aceitar o legado de sua etnia, o que marca a importância das relações de filiação. Pela simplicidade da narrativa e pelo tom pedagógico, o livro foi publicado numa coleção voltada aos jovens.

Em Todas as coisas são pequenas (2008), Munduruku adentra o terreno da literatura para adultos, criando uma obra que se aproxima do modelo do romance barroco. Trata-se da história de Carlos, um bem-sucedido empresário, que sofre um acidente de avião na floresta amazônica e é socorrido por um índio. O personagem descobre uma outra cultura e, no final, volta ao mundo dos brancos transformado pelo saber ancestral dos índios. O livro transmite uma visão polarizada, em que as pessoas do mundo civilizado têm objetivos excessivamente materialistas, enquanto o mundo indígena está integrado com as forças da natureza.

O romance se filia à longa tradição do romance de provação, pois o protagonista deve passar por uma série de provas; só depois de cumprir as tarefas que lhe são propostas é que ele sai vencedor. Como mostra Bakhtin, o romance de provação mais antigo tinha um herói “acabado e inalterável” (Bakhtin, 2003BAKHTIN, Mikhaïl (2003). Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes., p. 207), mas, em seu processo de transformação, ele desemboca no romance barroco, em que se associa uma ideia de formação. O romance barroco tem algumas características que podem ser assim resumidas: i) o enredo se constitui de “desvios em face do fluxo normal da vida das personagens, em acontecimentos excepcionais e situações que não existem na biografia típica, normal, comum do homem” (Bakhtin, 2003BAKHTIN, Mikhaïl (2003). Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes., p. 210); ii) o tempo da aventura não corresponde ao tempo cronológico, pois o que parece durar dias ou meses pode corresponder a horas no tempo real; iii) a representação do mundo se concentra no personagem central; iv) predomina certo exotismo geográfico; e v) no fim do romance, o personagem pode mudar, porém o mundo em que vive não se modifica.

Seguindo essas características apontadas por Bakhtin, pode-se perceber que o personagem Carlos passa por acontecimentos extraordinários: primeiro, seu avião cai em plena floresta amazônica; em seguida, é socorrido por um índio, que tem um comportamento muito distante do padrão ao qual ele está acostumado. O tempo da aventura, que dura quase o livro inteiro e que parece corresponder a meses, no tempo real corresponde a sete dias. Há, portanto, dois níveis de narrativa: o do sonho (ou de outra realidade), passado entre os índios, e a do tempo real, sete dias, passado no avião. O livro todo gira em torno do único personagem, que, após sua aventura junto aos índios, se transforma; contudo, o mundo à sua volta continua o mesmo. O exotismo geográfico fica por conta da vida na floresta amazônica, numa tribo indígena.

O livro é escrito em primeira pessoa, portanto narrador e personagem são um só. Como ele narra os acontecimentos do livro após sua transformação, ele fala de si mesmo já com algum senso crítico, embora tente não adiantar o conhecimento que vai adquirir ao longo da história do livro. De família humilde do interior, Carlos foi enviado - contra sua vontade - para o seminário, aos 10 anos, lá permanecendo até os 18 anos. A pressão e a presença dos religiosos na formação das crianças indígenas no continente constituem um dado de realidade que se tornou um verdadeiro topos tanto da literatura dos indígenas quanto na literatura sobre os indígenas, como, por exemplo, em Maíra, romance de Darcy RibeiroRIBEIRO, Darcy (2003). Maíra. Rio de Janeiro: Record, 2003..

Durante os oito anos de estudos no seminário, descobriu e ficou fascinado pelos filósofos gregos. Trabalhou duro, estudou, ficou rico, tornou-se egoísta e ganancioso. Às vésperas de partir para a Grécia para realizar o sonho de conhecer a terra dos grandes filósofos, ele é chamado ao leito de morte de sua mãe. Depois de algumas desavenças com os irmãos, ele parte e sofre o acidente de avião.

No primeiro nível da narrativa, ele é socorrido por um índio “todo pintado de vermelho e preto” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 45), e o primeiro clichê que lhe vem à mente é se ele é canibal. A expressão do medo diante do índio confirma a resistência dos mitos preconceituosos sobre os “selvagens”. O índio, chamado de pajé pelo personagem e cujo nome - Aximã - só é revelado no fim do livro, lhe serve de guia e de mentor. Há um paralelismo entre as peripécias dos dois: Aximã tem a missão de transformar Carlos para que ele próprio se transforme, porque, ao querer conhecer a civilização branca e ir para a cidade, Aximã se decepciona e volta para a tribo triste. Desse modo, ele deve se curar para poder se reintegrar à vida da comunidade. No final também o destino dos dois está ligado: na prova final, se Carlos não conseguir sair da gruta - o ventre da Mãe-Terra -, Aximã também ficará preso lá dentro e ambos morrerão juntos.

Carlos vai descobrindo aos poucos a sabedoria dos índios: como eles detêm a linguagem dos sonhos e podem entrar na mente dos outros; como eles conhecem a linguagem da floresta e distinguem quais animais sacrificar, quais plantas colher, em que rios se banhar. Aximã deve providenciar alimentação para Carlos, fazer barraca, guiá-lo na floresta - o branco é como uma criança, não sabe fazer nada. O pajé lhe diz: “Tudo o que a gente precisa está presente na floresta. Homens brancos esqueceram isso porque todas as coisas lhes são dadas nas mãos ou são compradas pelo papel pesado que chamam dinheiro” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 52).

No início, Carlos tem muita dificuldade de seguir o raciocínio do pajé, por isto recebe o nome de Irihi, que significa teimoso. No fim do livro, depois de ter passado por processos de aprendizagem e ter conseguido superar a provação mais importante, que era sair do ventre da Mãe-Terra, ele recebe o nome de Idibi, “água, rio que corre em direção ao mar e que não teme obstáculos ou barreiras” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 153). Essa cena da saída da gruta simboliza um novo nascimento: “Você está nascendo de novo sem precisar entrar na barriga de sua mãe biológica. Você sairá do útero da Mãe Vermelha como um homem novo, mas com a consciência do presente. Caberá a você ser criativo e encontrar um caminho para responder a suas perguntas” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 140).

A partir daí começa sua conversão aos valores mais puros, graças ao aprendizado adquirido junto aos povos da floresta. Uma das coisas que aprende é que, para eles, não há separação radical entre vivos e mortos, homens e animais, as fronteiras são porosas, tudo se comunica numa visão cósmica. Aos poucos ele vai aceitando mudar de ideia: “Estava apenas sendo conduzido a uma viagem ao meu interior, sem que isso gerasse em mim nenhuma reação violenta. Era como se eu renascesse e quebrasse ideias que sempre alimentei” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 74).

O romance funciona como uma contranarrativa que afirma ser possível viver segundo uma outra lógica ou, como diria Walter Mignolo (2008MIGNOLO, Walter D. (2008) Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Tradução de Ângela Lopes Norte. Caderno de Letras, Niterói, n. 34, p. 287-324, 1º sem.), praticando uma descolonização epistêmica. Nessa visão contra-hegemônica, o personagem Carlos descobre que os índios “não dissociavam o viver e o pensar; o aprender e o brincar; o viver e o acreditar. Era tudo uma coisa única, muito bem articulada no cotidiano, que os impedia de filosofar” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 78). Ao refletir sobre os barulhos da cidade, sobre a falta de comunicação entre os homens, Carlos se dá conta de que os civilizados vivem de maneira mais selvagem que os índios. Estes, por seu lado, acreditam que, vivendo longe da civilização ocidental, podem preservar as tradições transmitidas por seus ancestrais e, numa união cósmica, ser mais felizes.

Num revisionismo da história, o livro evoca, sem mencionar diretamente, José de Alencar, cuja pretensão, ao escrever Iracema, era de narrar a formação do Brasil. A ideia fundacional de Alencar concebia os brasileiros como mestiços, filhos da índia com o branco. Todavia, nessa narrativa, Iracema trai os seus e morre, abandonada e infeliz; os índios aliados ao branco colonizador renegam suas crenças para abraçar o cristianismo, ou seja, a visão hegemônica da formação do país implica na morte e no desaparecimento dos índios. Assim, o pajé fala a Carlos do início da colonização europeia, quando os brancos aqui chegaram, “transaram com as índias tupinambá e geraram os primeiros filhos ‘legítimos’ do país” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 108). Os mestiços passaram a ser os donos da terra, enquanto os índios foram sendo empurrados cada vez mais longe, no interior das terras.

A parte que descreve o mundo indígena - sua filosofia de vida, perfeitamente imbricada com seus mitos cosmogônicos e sua medicina - é muito convincente e poética. O título do romance encontra seu significado na explicação dada pelo pajé que “só duas coisas a gente precisa entender para ser feliz: a gente nunca tem que se preocupar com coisas pequenas; e não esquecer que todas as coisas são pequenas” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 129). Se todas as coisas são pequenas, a vida adquire uma outra dimensão, eis a descoberta que o leitor faz junto com o personagem Carlos. Esta foi também a mensagem do avô Apolinário ao autor-menino no livro mencionado anteriormente.

Daniel Munduruku faz uma revisão da história e da filosofia ocidental para apontar que os índios não são nem selvagens nem primitivos, que as verdades são muitas. Ao relativizar a cultura, criticando o universalismo da chamada “civilização” ocidental, o autor aproxima-se de Montaigne que dizia que “cada um chama barbárie o que não é de seu uso” (Montaigne, 2000MONTAIGNE, Michel de (2000). Des cannibales. Paris: Fayard/Mille-et-une-Nuits., p. 20).

Ao conhecer de perto os costumes dos índios, o personagem se pergunta se seu pai não tinha ascendência indígena, pois as “coisas que ele sabia eram muito parecidas com essas que eu estava aprendendo agora” (Munduruku, 2008MUNDURUKU, Daniel (2008). Todas as coisas são pequenas. São Paulo: Arx., p. 107). Percebe-se, portanto, o desconhecimento ou quiçá a denegação da ascendência indígena na genealogia das famílias brasileiras e, ao mesmo tempo, de que forma os vestígios das culturas indígenas estão arraigados no modo de vida das populações bastante miscigenadas do interior do país. Através de seu personagem Carlos, Munduruku indica que muitas vezes esquecemos nossa ancestralidade, esquecemos alguns ensinamentos de nossos pais e avós que estavam mais próximos do mundo rural, no interior do país, e que viviam mais de acordo com a natureza. Com todos os problemas climáticos denunciados nos últimos anos, percebemos, irônica e tragicamente, que o que os indígenas do mundo todo dizem e praticam há séculos entrou na agenda política de nosso mundo globalizado.

A relevância das novas vozes

Mônica Velloso mostra que a República no Brasil e, em particular, no Rio de Janeiro, não conseguiu oferecer as bases integrativas capazes de unificar a sociedade. “Imigrantes nordestinos, índios, ciganos e negros são vistos como elementos indesejáveis, incapazes de serem absorvidos pela ‘cidade moderna’” (Velloso, 2003VELLOSO, Mônica. As tias baianas tomam conta do pedaço: espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro. In: SÜSSEKIND, Flora; DIAS, Tânia; AZEVEDO, Carlito (Org.). Vozes femininas: gêneros, mediações e práticas de escrita. Rio de Janeiro: 7Letras; Casa Rui Barbosa. p. 92-117., p. 94). Desse modo, percebe-se a relevância da questão do deslocamento: em nome do progresso e da modernização, famílias indígenas foram desaldeadas assim como moradores de favelas foram removidos. A migrância provocada por essas remoções violentas levou as pessoas para as grandes cidades, em geral para espaços periféricos e precários, onde elas tiveram de refazer suas vidas, criando novas territorialidades.

No entanto, apesar dos obstáculos, migrantes pobres e subalternizados se unem em redes, constituindo o que Boaventura de Souza Santos chamou de “cosmopolitismo subalterno” e Silviano Santiago de “cosmopolitismo do pobre”. Creio poder associar a eclosão de vozes indígenas no Brasil, tanto no âmbito das pesquisas das ciências humanas quanto na produção literária, a esse movimento que “contém uma promessa real apesar de o seu caráter ser de momento claramente embrionário”. Para captá-lo é preciso realizar o que Boaventura chama de “sociologia das emergências”, que “consiste numa amplificação simbólica de sinais, pistas e tendências latentes que, embora dispersas, embrionárias e fragmentadas, apontam para novas constelações de sentido tanto no que respeita à compreensão como à transformação do mundo” (Santos, 2010SANTOS, Boaventura de Souza (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Souza, MENEZES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez. p. 31-83., p. 50). Organizar um número temático da revista de Literatura Brasileira Contemporânea sobre as textualidades ameríndias faz parte desse movimento que busca amplificar as vozes ainda incipientes e um pouco apagadas dos autores indígenas.

Numa atitude contra-hegemônica, os grupos que foram subalternizados ao longo da história se envolvem em redes transnacionais cuja luta primordial visa à inclusão e ao estabelecimento de novos vínculos institucionais dentro e fora do país. Contrapondo-se ao pensamento abissal do Ocidente, Boaventura de Souza Santos - assim como outros pensadores tais como Edouard Glissant, Aníbal Quijano, Enrique Dussel, Walter Mignolo - postula a crítica epistemológica a fim de realçar a pluralidade e a variedade de culturas, afirmando novas possibilidades de se conceber o mundo. “O pensamento pós-abissal parte da ideia de que a diversidade do mundo é inesgotável e que esta diversidade continua desprovida de uma epistemologia adequada. Por outras palavras, a diversidade epistemológica do mundo continua por construir” (Santos, 2010SANTOS, Boaventura de Souza (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Souza, MENEZES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez. p. 31-83., p. 51). A afirmação de outras epistemologias se insere no que Boaventura chama de “ecologia de saberes”, que supõe a copresença de culturas diferentes num mundo em que se privilegiam a multiplicidade e a diversidade. Assim, é urgente perceber a emergência dessas vozes que contam outras histórias, na contramão do pensamento único do Ocidente, imposto pelos colonizadores e absorvido pelos colonizados ao longo de séculos.

Referências

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  • VELLOSO, Mônica. As tias baianas tomam conta do pedaço: espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro. In: SÜSSEKIND, Flora; DIAS, Tânia; AZEVEDO, Carlito (Org.). Vozes femininas: gêneros, mediações e práticas de escrita. Rio de Janeiro: 7Letras; Casa Rui Barbosa. p. 92-117.
  • 2
    Termo criado por Paul Zumthor para designar a produção oral tradicional e amplamente usado pela crítica em língua francesa para tratar dos contos africanos e antilhanos.
  • 3
    Vou usar indiferentemente primeiras nações, ameríndios, índios e indígenas para designar os povos autóctones das Américas: os dois primeiros termos são mais comuns na América do Norte (em francês e em inglês) e os dois últimos são mais comuns no Brasil. Enquanto os próprios líderes indígenas usam com naturalidade as palavras “índios” e “indígenas”, os cientistas sociais preferem o uso, considerado mais correto, de “ameríndios” e “primeiras nações”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2017
  • Aceito
    12 Jul 2017
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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