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O livro como forma de arte: a contribuição de Julio Plaza na produção e teorização do livro de artista no Brasil

The book as an Art Form: Julio Plaza's Contribution to the Production and Theorization of the Artist's Book in Brazil

El libro como forma de arte: la contribución de Julio Plaza a la producción y teorización del libro de artista en Brasil

Resumo

Este artigo busca reunir e analisar a contribuição de Julio Plaza na construção de duas importantes questões para o entendimento da produção editorial: a noção de “independente” voltada à produção e circulação de livros e o campo teórico e conceitual do livro de artista, visto como produto de certa prática independente de criação. Para tanto, investigamos a produção teórica de Plaza voltada a essa temática, veiculada em revistas e jornais nos anos 1980, assim como a literatura crítica que investiga o campo editorial brasileiro nos dias atuais. Fez-se relevante também abordar os conceitos do livro de artista na tentativa de compreender como o termo vem sendo desenhado em suas linhas teóricas. Notou-se que os livros de artista se mostraram como produtos vinculados a modos independentes de produção, sendo, geralmente, frutos da arte e poesia de vanguarda, onde estava inserido Plaza. Desta forma, compreendeu-se, neste resgate histórico da atuação do artista e teórico no campo editorial brasileiro, que a autopublicação e autoedição foi - e continua sendo - uma maneira de “furar” a bolha da dita “edição sistema”.

Palavras-chave:
autopublicação; Julio Plaza; livro de artista; edição independente

Abstract

This article seeks to gather and analyze the contribution of Julio Plaza in the construction of two important questions for the understanding of editorial production: the notion of “independent” focused on the production and circulation of books and the theoretical and conceptual field of the artist's book, seen as product of a certain independent creation practice. Therefore, we investigated Plaza’s theoretical production focused on this theme, published in magazines and newspapers in the 1980s, as well as the critical literature that investigates the Brazilian publishing field today. It was also relevant to approach the concepts of the artist's book in an attempt to understand how the term has been drawn in its theoretical lines. It was noted that the artist's books proved to be products linked to independent modes of production, being, generally, fruits of avant-garde art and poetry, where Plaza was inserted. In this way, it was understood, in this historical rescue of the artist and theorist's performance in the Brazilian publishing field, that self-publishing and self-editing was - and continues to be - a way to “pierce” the bubble of so-called “system editing”.

Keywords:
self-publishing; Julio Plaza; artist's book; independent edition

Resumen

Este artículo busca reunir y analizar la contribución de Julio Plaza en la construcción de dos preguntas importantes para la comprensión de la producción editorial: la noción de "independiente" centrada en la producción y circulación de libros, y el campo teórico y conceptual del libro del artista, visto como producto de una determinada práctica de creación independiente. Por lo tanto, investigamos la producción teórica de Plaza centrada en este tema, publicada en revistas y periódicos en la década de 1980, así como la literatura crítica que investiga el campo editorial brasileño en la actualidad. También fue relevante abordar los conceptos del libro del artista en un intento por comprender cómo se ha dibujado el término en sus líneas teóricas. Se observó que los libros del artista demostraron ser productos vinculados a modos de producción independientes, siendo, en general, fruto del arte y la poesía de vanguardia, donde se insertó Plaza. De esta manera, se entendió, en este rescate histórico de la actuación del artista y del teórico en el campo editorial brasileño, que la autopublicación y la autoedición eran, y siguen siendo, una forma de “perforar” la burbuja de la llamada “edición sistema”.

Palabras-clave:
autoedición; Julio Plaza; libro de artista; edición independiente

Mundos editoriais, estratégias culturais

Ao discorrer sobre as diferenças entre os movimentos artísticos à luz da teoria da relatividade de Einstein, Liaño (2013LIAÑO, Ignácio Gómez de (2013). In: BRASIL. Ministério da Cultura. Julio Plaza: poética-política. Porto Alegre: Fundação Vera Chave Barcellos. p. 16-19.), demonstra o quanto as artes funcionam como um jogo de relações. O poeta e filósofo não distingue Julio Plaza e a arte construtiva dos grandes mestres Rafaello, Leonardo e Velázquez, mas os une em torno de uma arte “do pensamento racional”. Para ele, “entre os antigos, a qualidade da obra se deduzia do cânone; na arte construtiva atual, na operação da coisa se cria o cânone” (Liaño, 2013LIAÑO, Ignácio Gómez de (2013). In: BRASIL. Ministério da Cultura. Julio Plaza: poética-política. Porto Alegre: Fundação Vera Chave Barcellos. p. 16-19., p. 16).

O fator “operação da coisa” era uma questão muito importante a Plaza, poeta e teórico espanhol. É possível supor isso em razão de diversos escritos teóricos em que descreve operações. No livro Tradução intersemiótica, de 1987, fruto de sua tese de doutorado, Plaza escreve sobre a ideia de transposição entre sistemas para tradução de obras nas variadas linguagens. Já no livro Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais, de 1998, escrito com Mônica Tavares, os autores dedicam-se a apresentar, entre outros procedimentos, como funcionava o hardware para a conexão com a internet, elucidando sobre novas mídias e novas maneiras de utilizá-las. Além disso, Plaza deu muitas contribuições para o campo do design e das artes visuais, e foi também produtor de livros e um dos primeiros teóricos do livro de artista no Brasil.

Em seu artigo “Livro como forma de arte”, escrito para a revista Arte em São Paulo, Plaza (1982aPLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., 1982bPLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte II. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 7, p. 4-13, maio.) descreve e analisa as “formas” do livro, mostrando as “operações” de livros em tabelas e esquemas para conceituar o objeto livro dentro de uma perspectiva de vanguarda. Inspirado por Carrión, poeta e teórico mexicano a frente da editora e livraria Other Books and so, Plaza usa exemplos de livros brasileiros, como Organismo, de Décio Pignatari e Poemóbiles, que ele assina junto com Augusto de Campos.

Atuando como articulador dessa nova forma de fazer livros - que ele chamará de “não sistema” -, Plaza tornou-se uma importante figura para compreender tanto como os poetas ligados à poesia concreta e visual faziam e distribuíam seus livros quanto por que era necessária uma nova forma de produzir e pensar livro e mercado editorial no Brasil.

A poesia e arte concreta foram as correntes que mais atraíram Plaza e sobre elas sua obra está mais bem amparada. Há também reconhecimento da atuação do artista no movimento construtivo, como demonstra Liaño, mas, no Brasil, será com Augusto de Campos que produzirá seus principais livros de artista, esculturas e luminosos.

Será também com poetas visuais que assumirá o papel de editor de livros e revistas, como ao editar livros de Villari Herrmann na fictícia Edições S.T.R.I.P.; livro de Ronaldo Azeredo pela também fictícia Edições Invenção; ao colaborar em vários números da revista Código, da revista Artéria, de um número da revista Viva há poesia, dos três números da revista On-off e ao editar os três números da revista Qorpo Estranho, inclusive o terceiro, em 1982 (Corpo Extranho), que saiu em formato livro pela Editora Alternativa - só para citar algumas de suas produções (Freire, 2014FREIRE, Cristina (2014). Julio Plaza: indústria poética. São Paulo: MAC. (Catálogo de exposição).).

A maioria das revistas citadas acima são produções que “nunca tiveram propriamente uma estrutura empresarial, não apenas no que diz respeito à questão financeira, mas à própria organização, editoração e divisão do trabalho”. A escolha por esse formato editorial não foi obra do acaso. A poesia de vanguarda viu nas revistas uma maneira de reunir pessoas e grupos em torno de uma arte e poética novas, usando um suporte que pudesse ser mais facilmente reproduzido e distribuído e que, ainda, pudesse estar relacionado àquele tempo específico, diferente do caráter “eterno” que o livro carrega (Khouri, 2004KHOURI, Omar (2004). Revistas na era pós-verso. Cotia-SP: Atêlie., p. 13).

Outro ponto de interesse no uso da revista é que, sendo autogerida ou autoeditada, havia maior liberdade para fazer a curadoria daquilo que seria veiculado nela. No caso da poesia visual e arte de vanguarda, em que Plaza estava incluído, havia também o interesse de criar “espaços” de divulgação das obras, como algumas editoras e editores independentes já estavam fazendo nos Estados Unidos e na Europa, à frente de livrarias e editoras específicas de livros de artista. Segundo Freire (1999FREIRE, Cristina (1999). Poéticas do processo: arte conceitual no museu. São Paulo: MAC; Iluminuras., p. 31) “a circulação da informação artística representava, então, confiar na força subversiva da arte e, ao mesmo tempo, romper com o mercantilismo ao tentar compartilhar criações com o maior número possível de pessoas”.

Um exemplo de que essa ideia havia se disseminado também na América Latina está no relato de Omar Khouri, teórico e artista, que esteve à frente da revista Artéria:

Artéria 2 foi lançada no início de 1977, embora conste a data de 1976, quando estava praticamente pronta. Os poemas foram impressos em cartões soltos e num caderno, reunidos dentro de um envelope e protegidos por uma sacola plástica. Na sacola há um poema-etiqueta, arte conceitual de autoria de Julio Plaza, que transformou a costumeira etiqueta de preços numa crítica ao dilema entre o “verbo e a verba”. Segundo Khouri (2001, p. 229), Julio Plaza estabeleceu um jogo de semelhanças e significados entre verba e verbo: ou se faz o verbo, ou se obtém a verba: É uma etiqueta que é um trabalho do Julio Plaza. [...] o aspecto conceitual, na arte dele, foi ganhando cada vez mais relevo. [...] a arte que fazia concessões ao dinheiro, essa, ele não suportava. [...] Então ele coloca: arte = verba, ou seja, ou você tem a verba ou você não faz a arte (Freitas, 2003FREITAS, Eloah Franco de (2003). A revista Artéria: uma amostragem das poéticas intersemióticas dos anos ‘70 aos ’90. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) - Universidade Estadual Paulista, São Paulo., p. 75).

A publicação dita “antissistema” ou “independente” colocava o verbo à frente da verba por princípio e, às vezes, por conveniência. Explica Plaza (1980PLAZA, Julio (1980). Samizdat como comunicação alternativa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, ano 60, n. 72.66, p. 50, 30 mar. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qtNtG9 . Acesso em: 12 abr. 2020.
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, s.p.) que a estratégia “samizdat” (palavra russa para designar as publicações precárias e contra o governo soviético) envolveu o surto de edições “não sistema” que ocorreram após a Segunda Guerra Mundial. Tais produtos editorais seriam “impublicáveis em termos de “sistema”, seja pela alta taxa de invenção, seja pela falta de mercado ou pela falta de fantasia e “tutu” dos seus editores”.

A abordagem da “operação da coisa” voltada ao mercado editorial, que Plaza elabora em alguns de seus artigos e escritos, mas principalmente no artigo “Samizdat como comunicação alternativa” é muito valiosa para tentar compreender a ideia de edição independente nos anos 1960 e 1970. Plaza usa os termos “alternativo” e “não sistema” para marcar certa posição marginalizada à produção editorial da época, trazendo uma análise sobre o que seria também a “edição sistema”.

No Brasil de 1980, essa “produção sistema” seria tão marginal ao mercado quanto a dita independente, afirma Plaza (1980PLAZA, Julio (1980). Samizdat como comunicação alternativa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, ano 60, n. 72.66, p. 50, 30 mar. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qtNtG9 . Acesso em: 12 abr. 2020.
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, s.p.). Ainda segundo o autor, com a exceção de Jorge Amado, uma “edição normal sobre qualquer assunto” não ultrapassaria a marca de 3.000 exemplares, “dos quais mil saem no primeiro ano, quinhentos no segundo e o resto é vendido como ‘apara’ ou fica encalhado”. Assim, vê-se como a autopublicação e as publicações “independentes” têm em seu processo histórico características e contextos que passam não só por questões financeiras, mas também conceituais, ideológicas, sociais e estéticas.

Para Muniz Jr. (2016MUNIZ JUNIOR, José de Souza (2016). Girafas e bonsais: editores “independentes” na Argentina e no Brasil (1991-2015). 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo., p. 51), as ideias por trás do termo “independente” mostram “sentidos de contraposição a modelos consagrados, dominantes ou hegemônicos, ou a formas de controle e enquadramento institucional da produção de arte e da cultura”. O autor aprofunda, do ponto de vista sociológico, os valores de uso do termo e seu aspecto polissêmico, levando em consideração os efeitos de teoria e de prática em seus contextos, empregos e produtos. Muniz Jr. discorre sobre a dificuldade de dar contorno a esse termo que, quanto mais se tenta capturar, mais ele foge:

Por fim, é possível dizer que os posicionamentos dos “independentes” dizem respeito, sobretudo, à distância ou proximidade, à afinidade ou oposição, estabelecida com relação a três instâncias de poder: as convenções estéticas ou morais vigentes (que podem ou não estar encarnadas em instituições como a Igreja, museus, premiações, festivais); o mercado (tomado ora como lugar excludente que os rechaça e que se deve rechaçar, ora como arena onde se pode e se deseja granjear espaços); e o Estado (tomado ora como fonte de heteronomia, ora como apoiador estatutário da causa). Novamente, essas tomadas de posição só são compreendidas quando se leva em conta o estado das relações de força no espaço da produção simbólica e o modo como cada agente, ocupando um lugar específico nesse espaço, interpreta essas relações e busca transformá-las ou conservá-las (Muniz Jr., 2016MUNIZ JUNIOR, José de Souza (2016). Girafas e bonsais: editores “independentes” na Argentina e no Brasil (1991-2015). 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo., p. 73).

Magalhães (2018MAGALHÃES, Flávia Denise Pires de (2018). Feira de publicações independentes: uma análise da emergência desses encontros em Belo Horizonte (2010-2017) e dos eventos Faísca - Mercado Gráfico e Textura (2017-2018). 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagens) - Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte., p. 27) também investiga o uso do termo, propondo uma reflexão sobre os modos de ser “independente”, uma vez que podem ser categorizados assim um autor que se autoedita e uma pequena casa editorial com dezenas de livros publicados. A autora reúne comentários de críticos e teóricos que discutem a edição na América Latina e demonstra o quanto há de desconforto para definir um conceito que ainda está sendo construído na prática. Embora haja algum consenso de que o conceito de independência pressupõe certa autonomia e certa marginalização no campo editorial, será também pela autodeclaração do autor/autora, editor/editora que esse critério pode ser levado em consideração.

Caso semelhante é o do campo crítico e teórico do livro de artista, que será explorado a seguir. Este campo do saber, estando dentro da discussão do campo editorial e do campo da arte/literatura, propriamente dito, trabalha tanto com objetos produzidos anteriormente às definições conceituais quanto com as infinitas possiblidades de produção e criação do livro posteriores a qualquer tentativa de contorno com efeito de conclusão. Entre as muitas discussões sobre o que é ou não um livro de artista, a autodenominação também será uma questão importante para efeitos de categorização.

Outro ponto relevante é da autonomia. Carrión (2011CARRIÓN, Ulises (2011). A nova arte de fazer livros. Tradução de Amir Brito Cadôr. Belo Horizonte: C/ Arte., p. 14) faz menção direta a esse papel de feitor de livros como algo a se considerar no estudo e categorização do livro de artista, já que, para ele, “na nova arte o escritor faz livros” e assume “a responsabilidade pelo processo inteiro” de produção.

Carrión escreve sobre “a nova arte de fazer livros” em 1973. Em 1980, Plaza escreve sobre Samizdat. Em 1982, escreverá especificamente sobre o livro de artista, usando termos muito similares aos de Carrión - supondo que por insuspeita influência dele. O que instiga é que Plaza pode ter se interessado pelo assunto e por teorizar sobre ele porque esta “nova arte de fazer livros” já era uma prática do círculo de que ele participava: o de artistas e poetas em torno da poesia concreta, visual e de vanguarda. Uma amostra disso está neste relato de Augusto de Campos:

Do intenso convívio com os pintores concretos de São Paulo, especialmente com Fiaminghi, surgiram os poemas-cartazes de 56 e as edições de Noigandres, Invenção e outros livros e poema-livros em novos moldes gráfico-visuais. A interação poeta/artista plástico se tornava cada vez mais urgente para nós, embora trabalhássemos cada vez mais sozinhos, orientando e diagramando, nós próprios, poemas e livros (Santaella, 1986SANTAELLA, Lúcia (1986). Convergências: poesia concreta e tropicalismo. São Paulo: Nobel., p. 69, grifo nosso).

Segundo Plaza (1980PLAZA, Julio (1980). Samizdat como comunicação alternativa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, ano 60, n. 72.66, p. 50, 30 mar. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qtNtG9 . Acesso em: 12 abr. 2020.
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, s.p.) essas publicações que surgiram em meados dos anos 1950 e que ganharam espaço nos anos de 1960 e 1970 eram frutos de uma “prática poética e artística independente”, produtos de um boom cultural nos grupos de vanguarda, em que estavam poetas, músicos e artistas, ligados “ideologicamente a programas e ideais estéticos, como o grupo Fluxus e o grupo brasileiro Noigandres”.

Do grupo Noigandres, Plaza ficará muito próximo, e sobre o Fluxus, fará referências não só às iniciativas em torno das editoras (Other Books and So e Something Else Press) mas também à teoria “Intermedia”, de Dick Higgins, um dos fundadores do grupo. Para o autor, as publicações desses coletivos surgem pela democratização dos meios e da “socialização das formas de repro e produção gráfica e dos meios de comunicação como S-8, VT, TV e cassetes”. Elas aparecem “internacionalmente gerando a “Intermedia” e “Multimedia” e criando múltiplas editoras (de artistas)” (Plaza, 1980PLAZA, Julio (1980). Samizdat como comunicação alternativa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, ano 60, n. 72.66, p. 50, 30 mar. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qtNtG9 . Acesso em: 12 abr. 2020.
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, s.p.).

A mudança do parque gráfico-industrial é também algo que alterou o modo de produção de livros. Com o aumento quantitativo e qualitativo de formas de impressão, como as grandes impressoras offset e o maquinário da reprografia, as tipografias migraram dos centros urbanos para o interior. As copiadoras, fac-similadoras e o xerox também “democratizaram a produção gráfica e criaram condições instrumentais para a descentralização cultural do poder” (Plaza, 1980PLAZA, Julio (1980). Samizdat como comunicação alternativa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, ano 60, n. 72.66, p. 50, 30 mar. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qtNtG9 . Acesso em: 12 abr. 2020.
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, s.p.).

O deslocamento da atividade do editor para o autor, fruto da ampliação do acesso à impressão, proporcionará uma maior liberdade de forma e conteúdo do livro. Segundo Schapochnik (2004SCHAPOCHNIK, Nelson (2004). Malditos tipógrafos. In: SEMINÁRIO BRASILEIRO SOBRE LIVRO E HISTÓRIA EDITORIAL, 1., 8 a 11 nov. 2004, Rio de Janeiro. Anais [...] Niterói: PPGCOM/UFF. Disponível em: Disponível em: https://goo.gl/Z2LLwm . Acesso em: 21 mar. 2020.
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, p. 2), “artífices e tecnologias são mediadores que possibilitam a passagem da realidade conceituável do discurso para a materialidade” e isso se refletirá no “papel das formas materiais na construção do sentido na operação da leitura”.

Isso é relevante, uma vez que a poesia visual, representada pelo grupo da poesia concreta e outros movimentos de vanguarda a ela ligados, passou por percalços em seus processos políticos de edição (Mattar e Silva, 2018MATTAR, Marina Ribeiro; SILVA, Rogério Barbosa da (2018) O autor-editor: o caminho paralelo da poesia concreta. Terceira Margem, Rio de Janeiro, v. 22, n. 38, p. 117-136. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/23698 . Acesso em: 10 abr. 2020.
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). Em geral, os livros eram autofinanciados e distribuídos somente a seus pares e/ou a um círculo restrito. Problemática essa abordada por Plaza:

Esta prática editorial independente, de um modo geral, fez mais investimentos em termos de processos de criação e produção do que no processo de distribuição e comercialização, estrangulado pela falta de sincronia do sistema, inaugurando, porém, formas múltiplas de circulação, ao privilegiar troca de comunicação estéticoinformacional entre autores e também por formar um público nitidamente universitário ou anônimo através das publicações (em consignação) nas livrarias (Plaza, 1980PLAZA, Julio (1980). Samizdat como comunicação alternativa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, ano 60, n. 72.66, p. 50, 30 mar. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qtNtG9 . Acesso em: 12 abr. 2020.
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, s.p.).

Aqui o autor refere-se a “independente” os grupos específicos que ele cita (Noigandres e Fluxus), mas também poetas e artistas com posicionamento de vanguarda, tanto no sentido político quanto estético. No entanto, é interessante notar nos dias atuais que tanto essas quanto outras produções que se valerão do termo “independente”, seja por vias da autonomia, da autoedição ou do baixo capital financeiro, encontrarão nas feiras de publicações um espaço de distribuição e comercialização de seus produtos, assim como um espaço de “troca estéticoinformacional”.

Aparentemente, há uma constante na formação de produtores e produtos, assim como do público que consome e se interessa pela edição “independente”. Ao analisar sobre as principais feiras de publicações de São Paulo, Muniz Jr. (2017MUNIZ JUNIOR, José de Souza (2017). ‘É dia de feira’: a cena dos microeditores na cidade de São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - INTERCOM, 40., 4 a 9 set. 2017, Curitiba. Anais [...]. Pinheiros: Intercom. Diponível em Diponível em http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-2659-1.pdf Acesso em: 10 abr. 2020.
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) aponta para a relação de algumas feiras com o comércio do livro de artista, como a Feira Tijuana e a Feira Plana, dando visibilidade a esse tipo de produção que ocupa certo lugar marginal nos espaços tradicionais da arte:

A esse respeito, vale lembrar que o livro de artista e o livro-objeto formam uma espécie de gênero dominado da arte contemporânea. Gênero jovem se comparado à pintura, à escultura e mesmo à fotografia, o livro de artista ainda não completou seu percurso de canonização e legitimação no âmbito das belas-artes. De certo modo, essas feiras dos “independentes” funcionam como espaço alternativo com os quais os jovens artistas dedicados a essa atividade buscam projetar-se na cena pública - antes, talvez, de lançar-se aos gêneros artísticos mais prestigiosos, que são, também, os que requerem maior acúmulo de capitais (Muniz Jr., 2017MUNIZ JUNIOR, José de Souza (2017). ‘É dia de feira’: a cena dos microeditores na cidade de São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - INTERCOM, 40., 4 a 9 set. 2017, Curitiba. Anais [...]. Pinheiros: Intercom. Diponível em Diponível em http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-2659-1.pdf Acesso em: 10 abr. 2020.
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, p. 6).

O campo do livro de artista nasce de um desejo de contraposição ao estabelecido nas práticas artísticas e nas práticas da edição, não sendo apenas um veículo de divulgação de uma obra. Sabe-se que artistas do livro ganharão reconhecimento por seus trabalhos exatamente nesse suporte, como Ed Ruscha, Sol LeWitt, Emmett Williams e Hansjörg Mayer. No Brasil, serão os poetas, especialmente os concretos e os de vanguarda (o poema-processo, por exemplo), assim como artistas ligados ao movimento neoconcreto, que se interessarão pelo formato e deixarão o legado da poesia visual e da arte em livro.

A trajetória artística e teórica de Plaza passa pelo livro e pelos produtos das artes gráficas, especialmente os livros de artistas e as edições “independentes”. Como agente cultural, também organizou exposições voltadas à arte-postal. Em 1972, em Porto Rico, organizou a Creation/Creación, “uma das primeiras exposições de arte postal que se tem notícia”, e, em 1981, em colaboração com Walter Zanini, produzem o Núcleo de Arte Postal da 16ª Bienal de São Paulo (Freire, 2014FREIRE, Cristina (2014). Julio Plaza: indústria poética. São Paulo: MAC. (Catálogo de exposição)., p. 32).

A arte-postal ou arte-correio foi uma prática artística que transitou entre gênero, suporte e critério de coleção ou, segundo Carrión (2013CARRIÓN, Ulises (2013). ¿Mundos peronales o estrategias culturales? In: CARRIÓN, Ulises. Ulises Carrión: el arte correo y el gran monstruo. Archivo Carrión. Mexico, D. F.: Tumbona; Gualadajara: Diéresis., s.p., tradução nossa), é uma forma de “uso puramente artístico dos ‘monomeios’, como os livros, os postais e as cartas”.

A arte correio muda o foco daquilo que será tradicionalmente chamado de “arte” para um conceito mais largo de “cultura”. Essa virada é o que faz a arte correio verdadeiramente contemporânea. Em oposição a “mundos pessoais” a arte correio enfatiza estratégias culturais (Carrión, 2013CARRIÓN, Ulises (2013). ¿Mundos peronales o estrategias culturales? In: CARRIÓN, Ulises. Ulises Carrión: el arte correo y el gran monstruo. Archivo Carrión. Mexico, D. F.: Tumbona; Gualadajara: Diéresis., s.p., tradução nossa).

Assim, entre mundos pessoais - com a autopublicação e a expressão poética em torno das práticas de vanguarda - e estratégias culturais - na divulgação de crítica, teoria, da própria literatura e artes visuais e na organização de exposições, publicações e acervos - é que a atuação de Plaza está calcada. Seus diagnósticos sobre o estado do mercado editorial e da forma das publicações são muito relevantes para entender o fator “independente” daquele período.

O fato é que, ao escrever sobre o tema da arte em livro, Plaza acaba por englobar boa parte das obras dos poetas concretos brasileiros, sendo ele mesmo um colaborador e editor de livros de poetas ligados ao movimento, o que acaba por convergir teoria e prática em volta da ideia da poesia concreta e visual e do livro de artista. Assim, parte da crítica nacional sobre o assunto já começa com essa ligação entre as áreas. E, mesmo que outros artistas tenham feitos livros, como é o caso de Lygia Clark, com Livro-obra, e Lygia Pape, com o Livro da criação e outros, a produção de livros, mesmo que esculturais, estava mais voltada à produção poética, da poesia concreta, neoconcreta e do movimento do poema-processo, tendo essa realidade se alterado, no Brasil, a partir dos anos 1970, com a solidificação de alguns conceitos dentro da área do livro de artista também.

Afinal, o que é um livro de artista?

Há um consenso de que o livro de artista torna-se uma área de estudo a partir da segunda metade do século XX, mas, na prática, existem muitas obras que assim podem ser consideradas, caso se resolva aplicar os conceitos de forma retrógrada.

Ao ser cooptado pelo sistema da arte, o livro de artista precisa, mais ou menos, definir-se também como produto. Há uma maior divulgação das ideias em torno do livro de artista durante os anos 1970, sendo os anos 1990 a fase mais profícua da crítica e da tentativa de desenho de linhas teóricas para analisar tanto as obras, quanto formular conceitos a respeito delas.

Para Silveira (2008SILVEIRA, Paulo (2008). A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Fumproarte/SMC., p. 30), é “no final do século 20 que o entendimento da autonomia desse tipo de obra de arte é legitimado, principalmente a partir dos anos 60”. Questões de materialidade, tiragem e relação entre artista e obra são pontos de desacordo entre os críticos. Ainda segundo o autor, “ficou estabelecido uma marcante divisão da produção de obras que se comportam como suporte e obras que se comportam como matéria plasmável”, sendo obras que usam o livro, mas que podem ser reproduzidas em outros meios, sem perda de significado formal.

Para Büchler (1988BÜCHLER, Pavel (1988). Books as books. In: ROLO, Jane; HUNT, Ian (Ed.). Book work: a partial history and sourcebook. Londres: Book Works. p. 13-22., p. 14, tradução nossa), a pré-condição necessária para o surgimento do livro de artista era o conceito de desmaterialização do objeto de arte e não seria antes dos anos 1960 que a “grande ideia do livro como arte emergiu”. Com o declínio das posições vanguardistas, que se valiam de revistas, pôsteres e panfletos para comunicar suas ideias e obras, o livro volta a ser o suporte que representa a permanência. Os artistas das gerações seguintes veem no livro uma maneira de rejeitar o revolucionarismo ortodoxo das vanguardas e reclamar “territórios perdidos”, com um olhar renovado sobre o objeto.

Para o autor, o livro pertencia ao “mundo das mercadorias colecionáveis, por um lado, e ao reino da literatura, por outro - vinculado estreitamente àquela condição da cultura moderna que a vanguarda histórica procurou contestar”. Com isso, os movimentos de vanguarda do começo do século XX concebiam o livro como já embutido na tradição de permanência, sendo o veículo adequado para realizar as intenções e ideais vanguardistas (Büchler, 1988BÜCHLER, Pavel (1988). Books as books. In: ROLO, Jane; HUNT, Ian (Ed.). Book work: a partial history and sourcebook. Londres: Book Works. p. 13-22., p. 13, tradução nossa).

Castleman (1994CASTLEMAN, Riva (1994). A century of artists’ books. New York: The Museum of Modern Art., p. 12, tradução nossa), autora de A century of artists’ books, fruto da exposição de mesmo nome realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa) entre 23 de outubro de 1994 e 24 de janeiro de 1995, reúne “modernos livros de artista feitos na Europa e nos Estados Unidos, através de um período de cem anos”. Para a autora, o livro de artista surgira já na última década do século XIX, antes mesmo da explosão das vanguardas, e estaria fortemente relacionado com a produção entre artistas e autores, aproximando livros e obras divididos a partir da organização de “artistas com autores”, “artistas como autores”, “artistas para autores” e “artistas sem autores”.

A relação de artistas e autores em torno do livro de artista também aponta para outro problema conceitual: as noções de artist book e bookwork, ou, em português, livro de artista e livro-obra. Artist book, em inglês, deriva de livre d’artiste, que, para Drucker (1995DRUCKER, Johanna (1995). The century of artist’s books. New York: Granary Books., p. 3), é o termo francês relacionado a livros ilustrados ou feitos por pintores e artesãos, que costumavam ter edições limitadas. Segundo Büchler (1988BÜCHLER, Pavel (1988). Books as books. In: ROLO, Jane; HUNT, Ian (Ed.). Book work: a partial history and sourcebook. Londres: Book Works. p. 13-22., p. 15), nos anos 1960, o termo artists’ books volta-se à produção massificada de livros feitos por artistas, geralmente com cunho mais conceitual do que com caráter de “livro raro”.

Clive Phillpot desenvolveu estudos esquemáticos envolvendo as expressões do universo do livro. Em 1975, procurava distingui-los em “artists’ books” e “book art”; em 1982, subdividiu book art em bookworks e book objects (Büchler, 1988BÜCHLER, Pavel (1988). Books as books. In: ROLO, Jane; HUNT, Ian (Ed.). Book work: a partial history and sourcebook. Londres: Book Works. p. 13-22., p. 15).

Outros autores também se digladiaram em torno das questões conceituais do livro de artista, como foi o caso do lançamento de The century of artists’ books, de Johanna Drucker, em 1995, um ano após A century of artists’ books, de Riva Castleman.

A referência ao livro de Castleman dá-se em razão de a autora ter atribuído o título de livros de artista a obras feitas antes da conceituação e uso do termo. Para Drucker (1995DRUCKER, Johanna (1995). The century of artist’s books. New York: Granary Books.), o livro de artista nasce no século XX e é uma “empresa exclusiva” daquele século, mesmo que siga uma linha referencial que começa antes dele.

Segundo Drucker (1995DRUCKER, Johanna (1995). The century of artist’s books. New York: Granary Books., p. 1, tradução nossa), o campo do livro de artista é uma área separada das grandes correntes da arte, o que estaria marcado temporalmente após o ano de 1945, em que “os livros de artista ganham seus praticantes, teóricos, críticos, inovadores e visionários”. No entanto, para ela, há uma grande dificuldade em definir qual seria sua forma atual e as razões de sua difusão, por estar o livro de artista em uma área de intersecção entre os campos, que envolvem uma série de disciplinas, ideias e áreas.

Para a autora, uma das possibilidades da difusão do uso do livro de artista como suporte da arte é sua capacidade de variação da “forma livro, mais que outro fator estético e material”, sendo importante diferenciar as atividades e elementos que contribuem para o “livro de artista como um campo”, como as edições independentes, a “atividade politicamente motivada e produção ativista”, arte conceitual, a pintura e, principalmente, a “tradição do livro ilustrado ou livre d’artisteDrucker (1995DRUCKER, Johanna (1995). The century of artist’s books. New York: Granary Books., p. 1, tradução nossa).

Assim, para Drucker, o livre d’artiste se mostra como obra bem acabada, mas ainda não é livro de artista, já que não interroga a “forma material ou conceitual do livro como parte de sua intenção, interesse temático ou forma de produção”. Por seu caráter altamente mutável, o livro de artista não deve ser julgado “a partir de critérios formais simples ou reducionistas”, estando ligado, para a autora, a pontos “espontâneos de origem e originalidade” (Drucker, 1995DRUCKER, Johanna (1995). The century of artist’s books. New York: Granary Books., p. 3, tradução nossa).

Segundo Silveira (2008SILVEIRA, Paulo (2008). A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Fumproarte/SMC., p. 38), tanto para Castleman quanto para Drucker, a “autoconsciência sobre a forma do livro” seria o ponto de partida para analisar a precedência para o surgimento do livro de artista, sendo Mallarmé um dos pioneiros no que se refere aos termos críticos e filosóficos de produção de livros, assim como as vanguardas do século XX, incluindo os livros dos poetas concretos paulistas e de Dieter Rot e Edward Ruscha.

No Brasil, a maior contribuição teórica até os anos 1980 será de Plaza, em seu “O livro como forma arte”. O texto que saiu pela revista Arte em São Paulo procurava analisar livros, agrupando-os por processos de montagem (ou operações). Para ele, há a montagem sintática, em que está inserido o livro-objeto, materialização da “interpenetração entre a informação e o suporte”; a montagem semântica, em que estariam categorizados os livros ilustrados; e a montagem pragmática, que constitui uma “bricolagem de elementos de outras estruturas estéticas, como nos livros formados por documentos, nas publicações coletivas e nos museus pessoais” (Silveira, 2008SILVEIRA, Paulo (2008). A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Fumproarte/SMC., p. 58).

Na tentativa de conceituação do livro de artista, o teórico separa os termos relacionados ao livro em: livro ilustrado / poema-livro / livro-poema; livro-objeto / livro conceitual / livro-documento / livro intermedia / antilivro (Plaza, 1982PLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., s.p.).

Ainda no mesmo artigo, Plaza faz menção à questão dos livros ilustrados, ponto importante para o campo do livro de artista, que coloca em questão os livros do século XIX, como sugeria Castleman (1994CASTLEMAN, Riva (1994). A century of artists’ books. New York: The Museum of Modern Art.). Entretanto, a análise baseia-se mais nas questões semióticas do imbricamento dos sistemas de textos e dos sistemas de imagens. Para ele, em alguns livros ilustrados, “a imagem, amplia, traduz e organiza, literalmente, o significado do texto, criando, ao mesmo tempo, uma narrativa visual entrecortada, pois é evidente que nem todas as passagens estão ilustradas da mesma forma” (Plaza, 1982PLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., s.p.).

Outro conceito importante de Plaza é o de poema-livro, que é possível relacionar com a produção brasileira, em especial, da poesia concreta e o movimento do Poema Processo. Segundo Plaza (1982PLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., s.p.), o poema-livro independe do suporte, podendo ser transposto para outro tipo de mídia: cartaz, dispositivo ou vídeo. Isso o diferencia do livro-poema ou livro-objeto, em que o existe uma “interpenetração da informação estética e do veículo, não havendo uma separação possível sem prejuízo do conjunto”. Nesse caso, há uma dependência da forma e, em especial, da forma do livro.

O autor também separa o livro-poema em livro-objeto e livro-obra ou livro-trabalho - embora, ao longo do texto, não especifique de que se trata os dois últimos. Sobre os primeiros, o autor comenta:

A primeira distinção entre essas três classes seria a seguinte: no livro-poema há a intersecção de vários códigos e ou sistemas de signos: visuais, escritos, desenhos, fotografias, organizados isomorficamente no suporte. Já no livro-objeto, pode predominar o uso de materiais outros que não o papel, como o metal ou mesmo uma problemática espacial que faz com que o livro se sature na escultura. No livro-objeto com materiais recupera-se a tradição antiga (Plaza, 1982PLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., s.p.).

Ainda segundo ao autor (1982PLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., s.p.), é Wlademir Dias Pino quem produz o primeiro livro de artista do Brasil, A ave, em 1954. Para Dias-Pino, [A ave] pode ser considerado um livro “essencialmente artesanal”, tendo sido “construído” a mão pelo poeta, “impresso num prelinho também tocado à mão, que era o que tinha disponibilidade na época. Ele é todo montado e perfurado também manualmente” (Câmara e Martins, 2015CÂMARA, Rogério; MARTINS, Priscilla (Org.) (2015). “Conversas com Wlademir Dias-Pino”. In: CÂMARA, Rogério; MARTINS, Priscilla (Org.). Wlademir Dias-Pino: poesia/poema. Brasília: Estereográfica., p. 33).

Como depende de sua estrutura para criar sentido, assim como o manuseio e a mobilização não linear do olhar, não podendo ser separado continente-conteúdo, Plaza (1982PLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., s.p.) categoriza A ave como livro-poema ou livro-objeto, mesma categoria que coloca Poemóbiles, seu livro com Augusto de Campos.

A relação do livro de artista ultrapassa seu envolvimento com a literatura, sendo também alvo de estudo da bibliofilia e do comércio livreiro. O envolvimento de Moeglin-Delcroix no campo teórico parte de sua posição de curadora e colecionadora de livros de artista no Cabinet d’Estampes na Biblioteca Nacional de Paris. Posição semelhante de Clive Phillpot, também teórico da área, à frente da direção da biblioteca do Museu de Arte Moderna de Nova York e ligado à Printed Matter, agência cultural e revendedora de livros, fundada por Sol Lewitt e Lucy Lippard (Silveira, 2008SILVEIRA, Paulo (2008). A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Fumproarte/SMC., p. 45).

Com a proliferação de livros de artista e estudos sobre sua posição, tornou-se necessário desenvolver, ainda mais, categorias e critérios de coleção e organização desses livros. Em 1982, é lançada uma coleção de artigos “An ABC of artists’ books collections”, no boletim Art Documentation, da Sociedade das Bibliotecas de Arte da América do Norte. Organizado por Clive Phillpot, teve por objetivo esclarecer ao público bibliotecário os conceitos ligados ao livro de artista. No boletim, estão apresentados os conceitos de:

livro. Coleção de folhas em branco e/ou que portam imagens, usualmente fixadas juntas por uma das bordas e refiladas nas outras para formar uma única sucessão de folhas uniformes.

livro de arte. Livro em que a arte ou o artista é o assunto.

livro de artista. Livro em que o artista é o autor.

arte do livro. Arte que emprega a forma do livro.

livro-obra [bookwork]. Obra de arte dependente da estrutura de um livro.

livro-objeto. Objeto de arte que alude à forma de um livro (Silveira, 2008SILVEIRA, Paulo (2008). A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Fumproarte/SMC., p. 49).

Outro fator inserido nos escritos tanto de Moeglin-Delcroix quanto Phillpot é a “reprodução em série”. Para Moeglin-Delcroix (2011MOEGLIN-DELCROIX, Anne (2012). Esthétique du livre d’artiste 1960-1980: une introduction à l’art cotemporain. Marseille: Le Mot et le Reste; Bibliothèque Nationale de France., p. 27, tradução nossa) a produção de livros de artista, vista a partir do icônico livro de Edward Ruscha, Tweentysix gasoline stations (1962-1963), seria composta por “livros singelos, de edição ilimitada e baixo preço de venda, com reproduções fotográficas, frequentemente não estetizantes e impressão offset, propiciando ao artista pleno controle do trabalho”.

A quetão da “independência” do artista sobre o editor e o livreiro é uma questão importante para área, vinculada à autoprodução e à autodistribuição, o que também abre caminho para um novo mercado: o das galerias e das livrarias e feiras especializadas nesses livros.

Phillpot (1982PHILLPOT, Clive (1982). Books, book objects, bookworks, artist’s books. Artforum, New York, v. 20, n. 9, p. 77-79.) também escreve sobre o livro de Ruscha e problematiza sobre as questões do bookwork (livro-obra), categorizando-o como o livro-obra pioneiro. Para o autor, os livros-obras

floresceram nos anos 70 como meios de produzir verdadeiras obra de arte disponíveis para uma ampla audiência, mas que nos anos 80 esse ideal foi gradualmente ultrapassado por uma grande tendência no sentido de se fazer livros-obras como preciosos, custosos, colecionáveis, em edições limitadas, enquanto alguns dos anteriores, uma vez baratos livros-obras, passaram a ser vendidos por preços inflados no mercado de livros usados (Phillpot, 1982PHILLPOT, Clive (1982). Books, book objects, bookworks, artist’s books. Artforum, New York, v. 20, n. 9, p. 77-79., p. 4, tradução nossa).

Em seu artigo publicado na revista Artforum, Phillpot (1982PHILLPOT, Clive (1982). Books, book objects, bookworks, artist’s books. Artforum, New York, v. 20, n. 9, p. 77-79., p. 77) revê o termo artists’ books, oriundo de livre d’artistes, e passa a categorizar dentro do conceito de livro de artista livros que podem ser “literary books, bookworks ou book-objects, independentemente de serem únicos ou múltiplos”, estendendo a categoria livro de artista. E é a partir dessa noção ampliada de Phillpot que o termo parece ter se popularizado tanto entre os agentes culturais, quanto para o público consumidor.

Considerações finais

Os produtos editoriais não estão alheios às disputas de poder dentro de seus campos específicos. Pelo contrário, carregam essencialmente histórias de toda sua cadeia produtiva, passando por questões menos palpáveis, como aspectos ideológicos, políticos e sociais, e mais concretos, como estratégias de distribuição e comercialização.

Ao mesmo tempo que se discute as formas do livro, discute-se também suas maneiras de sua produção e recepção. Os livros, fugindo a uma primeira mirada, não são todos iguais. E, por isso, comunicam muito além do texto, que se imaginam diferentes de um livro para outro. Não à toa muitos teóricos se debruçaram sobre a história do livro, como suporte de textos e como objeto da arte e da literatura para investigar suas características materiais e suas possibilidades estéticas.

O que se tentou elucidar neste breve artigo é como o livro de artista não se apresenta só como um suporte para as artes, mas como um objeto da arte que funciona por e para uma cadeia de estratégias culturais, que, como demonstrou Julio Plaza, é anterior ao boom editorial recente, que trouxe consigo uma ampliação de espaços de troca, distribuição e circulação desses livros.

Como demonstra Magalhães (2018MAGALHÃES, Flávia Denise Pires de (2018). Feira de publicações independentes: uma análise da emergência desses encontros em Belo Horizonte (2010-2017) e dos eventos Faísca - Mercado Gráfico e Textura (2017-2018). 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagens) - Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte., p. 56), “autores autopublicados, que assumem para si o papel de editor, estiveram presentes em todas as épocas da cena de publicações brasileira, apesar da escassez de trabalhos de pesquisa sobre essa prática”. Assim, a autopublicação não se mostra como novidade na atividade editorial. As publicações coletivas, voltadas à produção de revistas, tampouco. O que dá certa autenticidade e teor de novidade para esses produtos oriundos de uma prática “independente” será também o discurso que os objetos veiculam, assim como suas interrogações sobre a forma desses objetos.

Em meios às condições adversas do mercado editorial brasileiro, em que, Segundo Plaza (1980PLAZA, Julio (1980). Samizdat como comunicação alternativa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, ano 60, n. 72.66, p. 50, 30 mar. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qtNtG9 . Acesso em: 12 abr. 2020.
https://bit.ly/3qtNtG9...
, s.p.), a “cultura do papel não existia” - explicando a concentração dos donos de celulose e a maior demanda que oferta de papel - e diante da “censura branca” e “patrulha” ideológica a “prática de arte-editor” só poderia ser salutar “para os artistas independentes”.

O campo do livro de artista fundado no Brasil a partir das interrogações de Plaza sobre as “operações de coisa” do livro reúne tais questionamentos: tanto sobre as maneiras de fazer livros e produtos editoriais quanto de dialogar com o público por meio desses produtos. O livro de artista se mostra como “salutar”, como define Plaza, um veículo para contestar a arte e seus meios de produção, distribuição e recepção.

Assim, a discussão do fazer editorial e seu assentamento no campo teórico caminham paralelamente pelos vários campos em que o livro é o objeto, como as artes, a bibliofilia e a literatura. Em cada área é possível ver contornos mais ou menos definidos, mas, para além do suporte, há uma linguagem e uma montagem que vão se relacionar mais intimamente com o livro de artista, como demonstrou Plaza (1982PLAZA, Julio (1982). O livro como forma de arte I. Arte em São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 19-34, abr., s.p.).

A contribuição do artista e teórico é muito significativa para a história do livro de artista brasileiro, em razão de sua análise da produção nacional, colocando em perspectiva a contribuição do Brasil para esse campo e, por questões de proximidade e interesse comum, acabando por englobar os livros de poetas e simpatizantes da poesia visual e de vanguarda sob a ótica do livro de artista. Para Paz (2012PAZ, Octavio (2012). O arco e a lira. São Paulo: Cosac Naify., p. 326), a poesia visual e as experimentações em tipografia, a partir de Mallarmé, resolvem-se em “um desprendimento: o poema abandona o livro”, mas aquele livro tradicional, que só carrega texto. Com os “novos meios” surgem novos livros, “a nova tipografia inaugurou outro tipo de livro”.

Considera-se, enfim, que o livro não perde seu interesse e continua sendo objeto de questionamento para artistas, teóricos e críticos. Em meio a uma teoria que se consolida, tanto nas pesquisas sobre o mercado e os produtos editoriais e os contornos conceituais do livro de artista, Plaza antecipou algumas ações pontuais no passado, que já se tornaram sistêmicas. A partir de suas reflexões e teorias, deixou algumas pistas para montar o quebra-cabeças que operamos agora.

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  • Organizadoras:

    Flávia Denise de Magalhães e Paula Renata Moreira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2020
  • Aceito
    18 Nov 2020
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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