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EDITORIAL

É com prazer que apresentamos o conjunto de textos selecionados para compor o número 2 do ano de 2014 de Educação e Pesquisa. Abre este número um pequeno dossiê com textos sobre temática atual, o qual esperamos que ganhe espaço nas reflexões da comunidade cientifica latino-americana. Há tempos acalentávamos, no âmbito da comissão editorial de nossa revista, a ideia de promover um debate qualificado que auxiliasse editores de periódicos brasileiros e pesquisadores a enfrentarem coletivamente questões relativas não apenas à profissionalização e internacionalização dos periódicos, mas também às práticas de avaliação acadêmica genericamente denominadas produtivismo científico. A oportunidade foi se delineando em outubro do ano passado, durante o evento em comemoração aos 15 anos da rede SciELO, ocorrido em São Paulo.

O encontro reuniu número expressivo de especialistas de diferentes partes do mundo em três dias de intensa e variada programação, que abrangeu temas de grande interesse para aqueles envolvidos no campo da produção e editoria científica. Com o intuito de documentar parte das importantes reflexões realizadas naquela oportunidade, convidamos alguns dos palestrantes a publicar seus textos em Educação e Pesquisa, permitindo, assim, que um número mais amplo de pesquisadores tivesse acesso a algumas das instigantes e provocativas análises que foram suscitadas por suas apresentações. A escolha não foi aleatória, portanto. Seria fundamental a presença de: um texto que apresentasse questões abrangentes sobre o cenário mais amplo do conjunto de periódicos que compõem a rede SciELO; um segundo texto que levasse em conta as especificidades da área de ciências humanas e de seu modo de produzir conhecimento; e, finalmente, um texto que apresentasse reflexões a partir da perspectiva de um periódico de referência em sua área de conhecimento, suas experiências, estratégias e desafios atualmente partilhados pelos periódicos brasileiros. É importante esclarecer que, embora convidados, os três textos submetidos foram avaliados por pares, de acordo com o procedimento que adotamos para a publicação em nosso periódico.

Abre o dossiê o artigo "A eclosão dos periódicos do Brasil e cenários para o seu porvir", de Abel Laerte Packer, Coordenador do Programa SciELO/FAPESP. A larga experiência do autor junto ao SciELO do Brasil lhe confere perspectiva privilegiada, que transparece na riqueza e sofisticação do material compilado, bem como nas análises relativas às politicas de gestão editorial. O autor apresenta um amplo estudo bibliométrico, tomando como base o conjunto dos 400 periódicos do Brasil indexados nas bases SciELO, Scopus e WoS. O texto tem grande potencial de servir não apenas como ponto de partida para o debate sobre questões candentes que editores e pesquisadores enfrentam no campo acadêmico e editorial, relativas aos processos de profissionalização e internacionalização dos periódicos, mas também como fonte de dados já compilados na forma de gráficos e tabelas, que podem subsidiar novos estudos, inclusive comparativos e interdisciplinares.

Na sequência, Teresa Cristina Rego, no texto "Produtivismo, pesquisa e comunicação científica: entre o veneno e o remédio", apresenta reflexões extremamente instigantes, desenvolvidas a partir de seu duplo pertencimento no campo acadêmico: como editora-chefe de Educação e Pesquisa e como representante da área de ciências humanas junto ao SciELO. A escolha do título de seu artigo já revela o espírito crítico e a coragem que animam as reflexões que Teresa nos apresenta sobre questões atualíssimas relacionadas à produção e à divulgação da pesquisa científica na contemporaneidade. Parte de uma ideia que se prova fértil no desenvolvimento da argumentação construída ao longo do texto: a impossibilidade de se tratar o tema da comunicação científica separadamente da estrutura e contexto de sua produção. Estrutura essa da qual as revistas indexadas são parte constitutiva. Apresenta, então, análises sobre os reflexos, na produção científica, decorrentes de processos restritos de avaliação aos quais pesquisadores, programas de pós-graduação e periódicos científicos vêm sendo submetidos. Ao final, oferece sugestões que envolvem a participação do SciELO na articulação de ações coletivas de editores "visando ao desenvolvimento de uma atuação política capaz de combater as mazelas do sistema de produção, avaliação e comunicação da ciência hoje vigente".

Em "Desafios aos editores da área de humanidades no periodismo científico e nas redes sociais: reflexões e experiências", Jaime Benchimol, Roberta C. Cerqueira e Camilo Papi partilham a história, experiência e estratégias de um periódico específico, HC - Revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos, editado desde 1994 pela Casa de Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz, em seu percurso desde o ingresso na base SciELO até os dias atuais. Analisam os ganhos em termos de visibilidade, prestígio e projeção na área, assim como seus desafios, desde então. A larga experiência junto à editoria dessa revista possibilita aos autores oferecerem subsídios não só aos editores de periódicos científicos, mas também aos pesquisadores, sobre as diferentes correntes e posições relativas às questões enfrentadas na última década, pelo menos, pela comunidade acadêmica: hierarquização e internacionalização de periódicos e de programas de pós-graduação; processos de avaliação que privilegiam critérios quantitativos sobre os qualitativos. Apresentam, ainda, resultados muito interessantes sobre a experiência recentíssima de ingresso da revista de Manguinhos nas redes sociais (Facebook e blog), que inova ao utilizar ferramenta do Google Analytics e as métricas do Facebook e do SciELO, diferentes das métricas tradicionalmente tomadas para avaliar o impacto de publicações científicas.

Em seguida, um segundo grupo formado por cinco artigos aborda aspectos relativos à carreira e profissão docente, um dos eixos temáticos com presença marcante em Educação e Pesquisa. Em "Satisfação e situação profissional: um estudo com professores nos primeiros anos de carreira", Mariana Gaio Alves, Nair Rios Azevedo e Teresa N. R. Gonçalves, pesquisadoras vinculadas à Universidade de Nova Lisboa, apresentam resultados de pesquisa com uma parcela do corpo docente que tem sido objeto de atenção reduzida no campo da formação docente: os licenciados no início da vida profissional. O objetivo é apreender o nível de satisfação com a profissão, os aspectos mais e menos valorizados no trabalho, bem como a situação profissional de egressos de licenciatura, com um intervalo de um a cinco anos após a conclusão do curso. Para tanto, a pesquisa tomou os licenciados em educação e os comparou com os demais licenciados das Universidades de Lisboa e Nova de Lisboa quanto a esses aspectos. Uma das considerações apontadas pelas autoras sinaliza para a adoção de estratégia que tem sido utilizada noutros países europeus, mas que ainda inexiste no cenário português: a implantação de um período de indução para os professores recém-formados.

Abordando também o início na profissão no contexto português, o artigo "Os licenciados em Portugal: uma tipificação de perfis de inserção profissional", de Madalena Ramos, Cristina Parente e Mónica Santos, apresenta resultado de ampla pesquisa empírica baseada em informação coletada junto a 1.004 licenciados egressos de duas grandes universidades portuguesas. Tal estudo visa a discutir a adequação entre formação e inserção profissionais de licenciados com cinco anos de conclusão de seus cursos, de várias áreas do conhecimento. Incorpora referencial teórico da sociologia das profissões, aliado às analises multivariadas de indicadores, inclusive internacionais, para contextualizar o caso português. São apresentadas cinco tipologias sobre as inserções profissionais dos licenciados. E as conclusões tanto confirmam estudos anteriores, no que diz respeito à "manutenção de indicadores favoráveis na inserção profissional de jovens licenciados, num contexto de desvalorização real e simbólica dos diplomas", quanto trazem evidências de especificidades e tendências dignas de nota: "Por um lado, os dados sobre a diferenciação das situações profissionais, por via das áreas de formação, podem sugerir que as desigualdades no acesso ao ensino superior foram transferidas para o acesso a determinados cursos e instituições".

Tomando como foco o próprio processo de formação docente, o artigo "Construção de instrumentos teórico-metodológicos para captar a formação de professores como objeto de pesquisa", de autoria de Daniela de Abreu e Manoel Oriosvaldo de Moura, apresenta resultados de uma investigação realizada junto a professores do ensino médio de uma escola pública em Ribeirão Preto, durante os horários de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), com o propósito de formar o educador ambiental. Os aportes teóricos centrais são obtidos da perspectiva histórico-cultural, notadamente da teoria da atividade de Leontiev, em seu conceito de atividade. A originalidade da proposta repousa na construção de instrumentos teórico-metodológicos profícuos não só para a promoção de pesquisas no campo, mas também para a realização de propostas de desenvolvimento profissional de professores.

Em "Sentidos de prática pedagógica na produção brasileira sobre formação inicial de professores de ciências (2000-2010)", Priscila Correia Fernandes, Danusa Munford e Marcia Serra Ferreira, apresentam estudo com características de estado da arte na área da formação de professores de ciências, a partir da discussão sobre como noções de "prática pedagógica" são construídas nesse campo. Tomam como corpus 29 artigos cuidadosamente selecionados em quatro periódicos nacionais da área de educação em ciências avaliados pela Qualis-CAPES com conceito máximo, no período de 2000 a 2010. Vale destacar o rigor das autoras na explicitação do processo de seleção dos artigos a serem incluídos, na construção de categorias analíticas, rigor esse que acrescenta uma dimensão pedagógica bastante importante para o público leitor. Para a proposição das categorias, utilizam os modelos de ação de Jürgen Habermas. A ancoragem teórica a partir da qual se discute o tema da formação docente é fornecida por um autor que tem comparecido com frequência ao campo educacional, Thomas Popkewitz, além de estudiosos brasileiros e estrangeiros também reconhecidos por suas contribuições para a área de formação de professores.

Fechando esse bloco de artigos, a publicação do texto "10 anos da lei federal no 10.639/2003 e a formação de professores: uma leitura de pesquisas científicas", de autoria de Benjamin Xavier de Paula e Selva Guimarães, é bastante oportuna, pois oferece um balanço das pesquisas sobre a implementação da lei que criou a obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Africana e Afro-brasileira nos sistemas de ensino da educação no país. Os autores apresentam rica síntese dos trabalhos científicos publicados no âmbito dos programas de pós-graduação (dissertações e teses) e em periódicos científicos. A produção é classificada por modalidade de ação formativa: formação inicial, continuada e temas afins. Trata-se de um trabalho que certamente contribuirá como fonte de novos estudos e pesquisas sobre o tema.

Na sequência, três artigos abordam práticas de leitura e escrita em ambientes presencial e virtual.Inicia o bloco o artigo de Sara Mourão Monteiro e Magda Soares sobre tema sempre atual e de grande relevância para a pesquisa educacional brasileira e para a prática escolar: o ensino da leitura. Nele, autoras de grande expressão nos estudos sobre letramento valem-se de contribuições da linguística e da psicologia, construindo uma discussão conceitual sofisticada e articulada à pesquisa atual sobre o ensino da leitura e da escrita, em suas frequentes contendas. As considerações finais são assim diretamente anunciadas: "Os dados analisados permitem concluir que as dificuldades dos alunos estão relacionadas a estratégias de leitura de palavras que evidenciam, de um lado, uma dissociação entre conhecimento das letras e desenvolvimento da consciência fonológica e, de outro lado, uma dificuldade de decodificação de estruturas silábicas não canônicas. Em decorrência disso, a pesquisa sugere a conclusão de que, no processo de aprendizagem da leitura, esses dois eixos precisam ser tratados simultaneamente no ensino, integrando os procedimentos de distinção, segmentação e manipulação de unidades sonoras à análise de seus correspondentes na escrita".

Em "Atividade de escrita colaborativa: percepção de alunos, princípio cooperativo de Grice e social loafing", Patricia Zeni Marchiori e Ana Carolina Greef apresentam resultado de pesquisa sobre a utilização de práticas de escrita colaborativa on-line por meio de editor wiki, em ambiente virtual de aprendizagem no ensino superior. Focalizam um dos efeitos de perda de processo observados na utilização de ferramentas para a escrita e trabalho colaborativo, o que tem sido denominado social loafing. Esse fenômeno refere-se "à redução do esforço exercido quando se trabalha em grupo em relação ao que realizaria de forma individual". As autoras afirmam que "os resultados da investigação demonstraram indícios de social loafing e de outras perdas de processo e, quanto à efetividade da aplicação dos critérios agregados às categorias do princípio de Grice, verificou-se que esses são efetivos para as contribuições individuais, mas não contemplam sutilezas e dimensões relativas às atividades em colaboração. Conclui-se que a proposta de colaboração não é uma barreira per se, ainda que dificuldades técnicas desestimulem os participantes".

Tomando a escrita no âmbito da produção acadêmica, Ana Luísa Fernandes Paz e Tomás de Azevedo Vallera, doutorandos junto à Universidade de Lisboa, abordam a escrita e o pensamento, de modo fértil e original, no texto "O sábio-aprendiz e o efêmero lugar da escrita: para uma ética da inventividade acadêmica". Orientados por uma perspectiva pós-estruturalista, os autores desse ensaio se valem de um recurso metodológico interessante. Tomam situações de produção da escrita de suas teses de doutoramento, na área de história da educação, e vão tecendo seus argumentos a partir da identificação, em cada uma delas, "de instrumentos singulares que realizam essa ligação entre o passado e o presente da ontologia da aprendizagem, a saber, os conceitos de polícia e de gênio". Trata-se de um convite à discussão sobre as relações entre escrita, pensamento, ética e inventividade na produção de conhecimento.

Abordando, sob diferentes ângulos, a vida da população mais jovem, três textos foram escolhidos para fecharem este número. Em "Antecedentes do baixo nível de escolarização alcançado por uma coorte de jovens mães brasileiras", Humberto Corrêa apresenta resultados de sua pesquisa de doutoramento, que aborda problemática de grande interesse social e educacional: os níveis de escolarização de mulheres jovens com filhos. No país, são escassos os estudos que cruzam informações sobre distorções série-idade e fecundidade. Por essa razão, torna-se difícil avaliar o impacto do nascimento dos filhos sobre a escolarização das adolescentes e jovens. Nesse sentido, o estudo com tratamento matemático estatístico, realizado pelo autor com população jovem feminina, residente em município de grande porte (Campinas), oferece novas possibilidades de interpretação de possíveis fatores envolvidos na produção de índices de distorção série-idade entre alunas, para além do já discutido fenômeno da gravidez na adolescência. O estudo demonstra que esta não pode ser tomada como causa da defasagem série-idade observada, uma vez que a defasagem escolar é anterior à gravidez.

Em "Apropriação de práticas de numeramento na EJA: valores e discursos em disputa", Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca e Fernanda Maurício Simões apresentam resultados de pesquisa de grande relevância para os estudos sobre a construção do letramento matemático na Educação de Jovens e Adultos. Trata-se de recorte de pesquisa mais ampla sobre a apropriação de práticas escolares de letramento por alunas e alunos jovens e adultos da Educação Básica. Por meio de cuidadoso trabalho empírico, as pesquisadoras acompanharam diariamente as aulas, com registros em áudio e notas de observação das atividades, incluindo diálogos em que participaram diretamente. Destacam que, "por meio da mediação decisiva da instituição escolar, alunos e alunas da EJA alternam pragmaticamente os argumentos que mobilizam e as posições que assumem: ora se solidarizam com o modo de conhecer proposto pela escola - colocando-se como sujeitos que desejam dominar esse modo de usar a matemática escolar e os valores a ele associados-, ora questionam a abordagem escolar - e se posicionam como sujeitos que construíram outro modo de usar matemática, composto por outros valores, outras concepções e outra relação com o mundo."

"Tubarões e peixinhos: histórias de jovens protagonistas" intitula o artigo de Livia De Tommasi, em que são analisadas questões relativas ao papel de ONGs e fundações mediadoras de projetos educacionais endereçados à população jovem, no desenvolvimento do assim chamado protagonismo juvenil. Por meio de entrevistas em profundidade, realizadas com jovens que participaram - como membros, educadores ou articuladores - de projetos sociais beneficiários de recursos de uma fundação empresarial entre 2002 e 2005, aliadas à análise documental, a autora desenvolve reflexões importantes para se pensar a construção das subjetividades desses jovens participantes, bem como o seu agenciamento e a apropriação de seus talentos por parte das agências a que se vinculam: "Suas histórias são paradigmáticas de como, no âmbito da racionalidade neoliberal, a subjetividade se torna objeto, alvo e recurso de estratégias de regulação e de como as condutas são geridas não contra, mas sim através da liberdade individual."

Fecha este número a entrevista proposta por Maria Angela Borges Salvadori e Maurilane Souza Biccas, realizada na Faculdade de Educação em outubro de 2013, com Jürgen Schriewer, pesquisador internacionalmente conhecido e membro do conselho editorial de Educação e Pesquisa, por ocasião de sua visita a esta casa. Dentre outras posições, foi professor e diretor do Centro de Educação Comparada da Universidade de Humboldt, em Berlim, onde se aposentou recentemente. Ocupou também o cargo de presidente da Sociedade de Educação Comparada da Europa. Sua contribuição para o campo da História da Educação Comparada é um dos pontos abordados nessa entrevista. Nela, o leitor terá a oportunidade de conhecer um pouco das trajetórias de formação e profissional desse pesquisador que, de modo instigante e singular, reflete sobre os espaços pelos quais passou ao longo de sua vida e sobre como foi sendo transformado pela experiência da diversidade.

Como temos feito, oferecemos a versão para o inglês de parte dos artigos com o objetivo de ampliar o acesso ao público estrangeiro. Neste número, são sete os artigos disponíveis on-line na página de Educação e Pesquisa no sítio da SciELO.

Denise Trento R. Souza

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014
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