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Redes da cena hip-hop de maceió: juventude, cidade e afetos em movimento

Maceió hip-hop scene networks: youth, city and affections on the move

Resumo

O artigo busca apresentar uma reflexão socioantropológica sobre o surgimento do hip-hop na capital alagoana, percebendo este fenômeno como uma das primeiras manifestações artísticas encabeçadas por jovens negros, moradores de periferia da cidade de Maceió. Mais do que uma produção artística, o hip-hop foi se consolidando como um canal de comunicação privilegiado dos jovens para dar visibilidade às suas pautas e reivindicações, especialmente aquelas ligadas à discriminação racial e às diversas carências a que os(as) moradores(as) das periferias estão submetidos(as). Partimos da hipótese de que o surgimento dessa cultura juvenil está ligado a um conjunto de transformações econômicas, políticas, tecnológicas e urbanas que se processou nas diversas capitais do país, impactando significativamente a maneira como esses indivíduos se relacionavam com os seus pares. Pensamos os grupos engajados na cena hip-hop de Maceió pela perspectiva das redes , no sentido de compreender como mobilizam seus contatos, parcerias e recursos para dar continuidade às atividades propostas. Para isso, buscamos os rastros e pistas dos esforços empreendidos pelos(as) participantes para manterem suas conexões com pessoas e objetos, bem como nas observações in loco das atividades desenvolvidas pelos agentes. Em complemento, buscamos compreender as disposições que engajam esses jovens na cena pela perspectiva dos afetos.

Palavras-chave:
Juventude; Hip-Hop ; Cidade; Redes

Abstract

The article seeks to present a socio-anthropological reflection on the emergence of hip-hop in the capital of Alagoas, perceiving this phenomenon as one of the first artistic manifestations led by young black people, residents of the outskirts in the city of Maceió. More than an artistic production, hip-hop has been consolidating itself as a privileged communication channel for young people to give visibility to their agendas and demands, especially those linked to racial discrimination and the various needs that residents from the outskirts are subject. We start from the hypothesis that the emergence of this youth culture is linked to a set of economic, political, technological and urban transformations that took place in the country’s various capitals, significantly impacting the way these individuals related to their peers. We think about the groups involved in the Maceió hip-hop scene from the perspective of networks, in order to understand how they mobilize their contacts, partnerships and resources to continue the proposed activities. To do this, we look for traces and clues of the efforts made by participants to maintain their connections with people and objects, as well as in on-site observations of the activities carried out by the agents. In addition, we seek to understand the dispositions that engage these young people in the scene from the perspective of affections.

Keywords:
Youth ; Hip-Hop ; City ; Networks

Apresentação

Este artigo resulta de uma pesquisa realizada entre os anos de 2017 e 2019 na cidade de Maceió/AL, que consistiu em um estudo socioantropológico da atuação dos jovens engajados com o hip-hop . Buscamos compreender como se constituíram as redes e circuitos desses atores sociais e como agenciam suas conexões, agendas, recursos, sentidos e afetos no exercício de ocupar espaços na capital alagoana. A fase exploratória consistiu no levantamento de bibliografias, vídeos e blogs relacionados à cena alagoana de hip-hop , referenciados ao longo do desenvolvimento. Analisamos, então, nas redes sociais, as páginas e divulgações de eventos realizados por organizações de hip-hop em Maceió, a fim de encontrar rastros de seus feitos, trajetos e propostas, o que também norteou as visitas presenciais para observações, entrevistas e rodas de conversas, viabilizando o contato prévio com os agentes. Por fim, mapeamos as posses, coletivos e produtores culturais que emergiram entre os anos 1980 e 2019, totalizando 18 entrevistados e a identificação de 12 organizações em Maceió, por amostragem em bola de neve (Vinuto, ( 2014VINUTO, Juliana. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Tematicas, Campinas, v. 22, n. 44, p. 203-220, 2014. )).

Debruçamo-nos sobre esse tema a partir de uma reflexão sobre as práticas juvenis nos contextos urbanos, atentos à importância atribuída pelos jovens à dimensão do lazer como um elemento fundamental na constituição de suas experiências. Concordamos com Dayrell (( 2002DAYRELL, Juarez. “O rap e o funk na socialização da juventude”. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 117-136, jun. 2002. )) que o estilo de vida ocupa uma centralidade na vida desses agentes, seja através dos vínculos de sociabilidade, da música que criam ou dos eventos culturais que promovem. Não podemos perder de vista que o fenômeno das culturas jovens está intimamente ligado a um conjunto de transformações sociais mais amplas, como a globalização, que permitiu uma maior circulação de bens materiais e simbólicos, e as transformações nas subjetividades juvenis, que fez emergir identidades cada vez mais estilizadas e estetizadas.

Para José Machado Pais (( 2006PAIS, José Machado. “Buscas de si: expressividades e identidades juvenis”. In: ALMEIDA, Maria Isabem Mendes de; EUGENIO, Ferrnanda (org.). Culturas jovens: novos mapas do afeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 7-21. )), existem duas maneiras de se analisar as culturas jovens: através das socializações ou por intermédio das expressividades e performatividades cotidianas. Apesar do sociólogo português não diminuir a importância das agências socializadoras na constituição das identidades juvenis no mundo contemporâneo, ele enfatiza que os tradicionais estatutos de passagem para a vida adulta têm sido tensionados por transições que enfatizam uma maior autonomia dos indivíduos frente “às regras das culturas prescritivas que a sociedade lhes impõe” (p. 7). Ao analisar as culturas juvenis em uma perspectiva mais antropológica, Carles Feixa (( 1998FEIXA, Carles. De jóvenes, bandas y tribus: antropologia da la juventud. Barcelona: Ariel, 1998. )) define o fenômeno como estilos de vida produzidos nas brechas da vida institucional a partir da experiência do tempo livre. Historicamente, ele situa o aparecimento do fenômeno no ocidente, especificamente no pós-guerra, em um contexto marcado por mudanças sociais no plano econômico, educacional e ideológico. O antropólogo volta seu olhar de maneira mais incisiva para as diferentes subculturas surgidas na Europa na segunda metade do século XX, especialmente na Inglaterra, como mods, rockers, teddy boys, punks e skinheads . Grupos que também estiveram na mira dos pesquisadores ligados ao Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS) da Universidade de Birmingham 2 2- O CCCS foi fundado em 1964 na Universidade de Birmingham e por muito tempo foi considerado a principal referência dos estudos culturais na Europa agregando nomes como Stuart Hall, Tony Jefferson, Jenny Garber, Angela McRobbie, Dick Hebdige, Paul Willis, dentre outros(as). . Os pesquisadores ligados a essa escola eram fortemente influenciados pelo marxismo e o estruturalismo, o que acabou, sob alguns aspectos, produzindo análises engessadas sobre os estilos de vida jovem. Dentre as principais críticas direcionadas aos pioneiros dos estudos subculturais figuram uma teorização precária em relação às práticas culturais femininas e às questões raciais, como também uma supervalorização da condição de classe como aspecto central para a leitura das subculturas juvenis. Parte dessas críticas estão no centro das preocupações dos chamados estudos pós-subculturais, vertente anglo-americana que começou a ganhar força no início dos anos 2000 3 3- Os estudos pós-subculturais podem ser definidos como um conjunto de reflexões do contexto anglo-americano dos estudos subculturais, com o propósito de superar algumas lacunas temáticas e a supervalorização das determinações estruturais, inspirados em Pierre Bourdieu, Judith Butler, Max Weber e Jean Baudrillard. .

No Brasil, o fenômeno das culturas juvenis só despertou a atenção dos meios de comunicação de massa e dos estudiosos no início dos anos 1980 — apesar desses grupos já estarem presentes na sociedade brasileira desde os anos 1960, através de expressões musicais como a jovem guarda, a tropicália e a Black Music . Certamente, o regime de exceção instalado no Brasil a partir de 1964 teve um impacto significativo sobre a disseminação dos estilos de vida jovem, o que, por sua vez, impactou a produção sociológica e antropológica sobre o tema. Foi apenas em um cenário marcado pelo enfraquecimento da ditadura militar e a esperança de abertura política que os estilos de vida jovem passaram a ganhar a atenção dos meios de comunicação e dos estudiosos. No início dos anos 80, o punk se alastra pelas periferias e subúrbios das diferentes capitais do país, provocando ruídos na paisagem urbana com sua estética transgressora (cabelos espetados, roupas rasgadas, maquiagem pesada, etc.). Rapidamente, os jovens adeptos do estilo de vida tornaram-se parte dos noticiários da TV e da mídia impressa, que recorrentemente produziam matérias classificando-os como violentos e baderneiros (Bivar, ( 1982BIVAR, Antônio. O que é punk. São Paulo: Brasiliense, 1982. ); Caiafa, ( 1985CAIAFA, Janice. O movimento punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ); Abramo, ( 1994ABRAMO, Helena Wendel. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994. )). Posteriormente, o funk e o hip-hop também entraram na mira dos meios de comunicação de massa, que, por intermédio de matérias sensacionalistas, criminalizavam ambos os estilos de vida através de discursos que enfatizavam suas relações com o crime, com o abuso de drogas e com a promiscuidade sexual. Por outro lado, pesquisadores(as) passaram a investigar mais a fundo essas expressões da juventude, buscando compreender seus comportamentos, visões de mundo e posicionamentos ideológicos. São dessa época os trabalhos pioneiros de Janice Caiafa (( 1985CAIAFA, Janice. O movimento punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. )), Movimento Punk na Cidade: invasão dos bandos sub e de Hermano Vianna (( 1987VIANNA, Hermano. O baile funk carioca: festas e estilos de vida metropolitanos. 1987. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1987. )), O Baile Funk carioca: festas e estilos de vida metropolitanos , dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O repertório das culturas jovens no Brasil foi crescendo ao longo das décadas, apresentando uma grande diversidade de estilos aos jovens brasileiros e marcando de forma profunda as subjetividades desses agentes. Mais do que um simples modismo ou tendência de consumo, as culturas jovens têm se colocado como instâncias socializadoras para muitos desses agentes, que extraem desses grupos referências e valores para se posicionarem no mundo. O hip-hop , através de seus diferentes elementos ( rap , break , grafitte , DJ e conhecimento), tem se destacado como uma das mais importantes expressões da juventude negra, seja como arte e entretenimento, seja como instrumento político de denúncia contra o racismo. Em um contexto marcado pela precariedade e ausência de direitos, a arte e a cultura tornam-se fundamentais para a existência desses indivíduos, pois é através delas que constroem suas identidades e reivindicam o seu lugar na cena pública (Dayrell, ( 2002DAYRELL, Juarez. “O rap e o funk na socialização da juventude”. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 117-136, jun. 2002. )).

Nossa pesquisa se volta justamente para a compreensão da atuação de jovens pobres e periféricos no espaço público de Maceió, buscando entender como foi possível a construção de uma cena musical e de uma cultura jovem em um contexto marcado por carências das mais diversas ordens. Escolhemos a rede como foco de análise por entendermos que o desenvolvimento do hip-hop em Maceió só foi possível em virtude de parcerias entre diferentes atores das diferentes quebradas . A rede se torna um paradigma fundante das relações entre os jovens, pois ela produz, dentre outras coisas, solidariedade, a matéria-prima dos vínculos sociais (Diógenes, ( 2008DIÓGENES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento hip-hop. São Paulo: Annablume, 2008. ); Tavares, ( 2012TAVARES, Breitner. Na quebrada a parceria é mais forte: jovens, vínculos afetivos e reconhecimento na periferia. São Paulo: Annablume; Brasília, DF: Fundo de Apoio a Cultura do Distrito Federal, 2012. )).

Algumas palavras sobre redes e afetos

Pensamos os grupos engajados na cena hip-hop local pela perspectiva das redes e dos afetos , no sentido de compreender como mobilizam seus contatos, parcerias e recursos para dar continuidade às atividades propostas, além de apresentar os agenciamentos responsáveis por esse envolvimento dos jovens com o hip-hop. A escolha desses conceitos possui relação com nossa orientação metodológica, que foi sendo construída a partir de nossas incursões em campo. Inspirados nos trabalhos de Michel Agier (( 2011AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. Trad. Graça Índias Cordeiro. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. )), Bruno Latour (( 1994LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. ), ( 2012LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. Salvador: UFBA; Bauru: USC, 2012. )), Deleuze & Guattari (( 1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 5. Coordenação da tradução Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo: Ed. 34, 1997. )) e Frédéric Lordon (( 2015LORDON, Frédéric. A sociedade dos afetos: por um estruturalismo das paixões. Campinas: Papirus, 2015. )), buscamos compreender a produção das disposições dos agentes por intermédio das associações (humanas e não-humanas) e dos afetos que mobilizaram esses corpos a produzirem certas conexões. Agier (( 2011AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. Trad. Graça Índias Cordeiro. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. )) ao discorrer sobre o conceito de rede e seu uso na pesquisa etnográfica com populações urbanas, fala da importância do pesquisador se “libertar das referências ‘espacial’ e ‘institucional’, a fim de poder construir quadros de pesquisa interacionais e intersubjetivos apreendidos em situação” (p. 77). A ideia é seguir os indivíduos através das diferentes redes que se espalham por um bairro ou, numa perspectiva mais ampla, pela cidade, atentando-se ao princípio de articulação das situações vivenciadas pelos citadinos. Essa perspectiva fez com que desenvolvêssemos a hipótese de que o hip-hop em Maceió não surgiu como um fenômeno institucionalizado, uma cena ou um movimento consolidado. Inicialmente, tratava-se apenas de uma rede formada por alguns poucos indivíduos que consumiam a black music produzida nos Estados Unidos e no Brasil.

Para abordagem das redes, Agier destaca três aspectos imprescindíveis: a ancoragem, o desenvolvimento das redes e a qualidade. O primeiro aspecto compreende o ponto de origem da rede, que é o indivíduo (ou um casal) cujo comportamento se quer estudar, que em nosso caso é representado por Ari Consciência. Na sequência, buscamos analisar o desenvolvimento das redes, partindo inicialmente das relações construídas por Ari (relações de primeira ordem), para depois refletirmos sobre as relações construídas por outros grupos como posses e coletivos (relações de segunda ordem). Por último, debruçamo-nos sobre a qualidade das redes, que diz respeito à natureza da relação social que está na base de sua existência, ou seja, a natureza dos vínculos: presença ou ausência de laços de parentesco, aproximação por sexo e classe de idade, corresidência (redes de vizinhos, de rua) etc. Nossa rede foi se constituindo ao longo do tempo, iniciando na década de 1980 e indo até os dias atuais. Logo, quando analisada no presente, conseguimos visualizar diferentes grupos de idade. Porém, é possível indicar que se trata de uma aproximação por classe de idade, mesmo considerando que se trata de distintas gerações de jovens. Do ponto de vista de gênero, apesar de, atualmente, termos uma participação mais significativa de mulheres jovens, ainda há uma predominância de homens cis heterossexuais.

Agier também destaca a importância de nos atentarmos aos valores, ideias e normas que fazem a rede funcionar, que seriam os posicionamentos político-ideológicos e as visões de mundo compartilhadas pela coletividade. Destacamos a luta antirracista, a valorização da cultura periférica e a defesa da justiça social como algumas das ideias centrais do movimento hip-hop de Maceió.

Partindo de uma abordagem distinta do seu conterrâneo Michel Agier, Bruno Latour é crítico de um programa sociológico que pensa a dimensão social restrita exclusivamente aos seres humanos em contexto de modernidade: o social como um domínio especial e um objeto particular, como postula, por exemplo, Emile Durkheim. O sociólogo e historiador da ciência propõe pensar o social como um agregado de conexões diversas e ilimitadas. Logo, a Sociologia não seria uma ciência do social, mas um estudo direcionado para um traçado de associações ou tipos de conexões que não são em si mesmas sociais.

Sob a perspectiva latouriana, a cena hip-hop pode ser lida como um conjunto de relações que agregam a busca por lazer e diversão entre jovens pobres e periféricos; o desenvolvimento de um mercado de bens simbólicos conectado a um processo de urbanização acentuada; a aquisição de artefatos tecnológicos para a realização dos bailes e batalhas de rima; bem como o desenvolvimento de uma expertise que permitiu uma operacionalização destes; dentre outros elementos. Ao buscar pistas nos nós dessa extensa rede, argumentamos que uma cultura jovem urbana não é simplesmente resultado de interações humanas, mas sim uma produção decorrente de associações entre pessoas (atores) e coisas (actantes).

O conceito de afeto, por sua vez, permite que estejamos atentos à matéria intensiva responsável pela mobilização dos corpos. Ao fazer a pergunta O que pode um corpo? , o filósofo Baruch de Espinosa em meados do século XVII não poderia imaginar que quatro séculos mais tarde sua teoria dos afetos estaria em evidência, inspirando diversos pensadores nas Ciências Sociais e humanas como os filósofos Gilles Deleuze e Felix Guattari e o economista Frédéric Lordon. Os idealizadores de O Anti-Édipo e dos cinco volumes de Mil Platôs , levaram às últimas consequências o projeto espinosista, desenvolvendo uma espécie de etologia social , onde ações, sentimentos e pensamentos passam a ser lidos como resultado de corpos agenciados por uma heterogeneidade de afetos. Ao defender um estruturalismo das paixões , Lordon (2015) busca trazer para as Ciências Sociais a discussão em torno dos afetos, construindo pontes entre a filosofia espinosista e as teorias de Bourdieu, Mauss, Durkheim e Marx, pensamentos que, de acordo com o autor, são “resistentes à celebração do sujeito e atentos a tudo o que lhe ultrapassa” (p. 10). Diferente de Deleuze e Guattari, o economista francês pensa os afetos como resultando das estruturas nas quais os indivíduos estão mergulhados.

Colocamo-nos numa zona intermediária entre a etologia social de Deleuze e Guattari e o estruturalismo das paixões de Frederic Lordon, uma vez que nos propomos a pensar o surgimento e desenvolvimento dessa cultura juvenil urbana a partir de associações que os jovens vão construindo entre os pares e com artefatos tecnológicos, sem os quais não conseguiriam produzir e difundir o hip-hop enquanto estilo de vida.

As primeiras redes de hip-hop em Maceió — anos 1980 a 2000

Com base no que está registrado nos principais canais sobre o hip-hop alagoano 4 4- Blog Hip-Hop Alagoano [on-line]. Disponível em: < https://hiphop-al.blogspot.com/\ >; Blog do Sávio de Almeida [on-line]. Entrevista com Ari Consciência (2016). Disponível em: https://luizsaviodealmeida.blogspot.com/2016/06/historia-do-hip-hop-em-alagoas.html\ > Zazo MCZ [on-line]. Cultura Hip-Hop Vive em Alagoas (2014). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-j4Q3Sr59F8 ; Carlota [on-line]. A Cultura hip-hop em Maceió (2018). Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=282225665960765 . Acesso entre março e outubro de 2017. , as primeiras manifestações dessa vertente cultural no estado emergiram por volta dos anos 1980. A partir desse levantamento, tomamos conhecimento de Ari Consciência, personalidade que contribuiu com o fomento da cena na época. Em nossa entrevista 5 5- Entrevista realizada com AriConsciência Oliveira, produtor cultural, ativista negro e educador social. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Estúdio Vinil, Salvador Lyra - Maceió/AL. Data: 22 de março de 2019. Arquivo: ari.wav (55m). , narra como se deu o trânsito e encontros pela cidade, na construção da cena hip-hop local. Homem negro, 50 anos, nascido e criado na Zona Sul de Maceió, região periférica da cidade, relata sobre as influências da cultura negra desde o ambiente familiar, em que sua mãe frequentava uma escola de samba local Unidos do Poço . Por outro lado, também traz à tona a memória dos estigmas enfrentados pela juventude negra na época, em que se deparou com a realidade de extermínio de seus colegas da escola e do bairro: “[...] não era briga de gangue com gangue, mas dava a entender que era a polícia mesmo que saía exterminando”, situação que o fez decidir entre “[...] continuar fumando maconha e querendo ser um ‘louco’ da época ou ter que sair mesmo, talvez, colocar algo na cabeça” (informação verbal). De acordo com a CPI do Extermínio no Nordeste (2005), tais práticas partem de uma ideia de higienização social que há muito tempo faz parte da realidade brasileira e que se intensificou durante o regime militar. São associações paramilitares que perseguem determinados grupos considerados indesejáveis ou perigosos , geralmente pobres e pretos. Percebemos, no decorrer de nossa conversa, que esses contrastes entre afetos alegres e tristes de suas vivências na juventude contribuíram para sua politização e consciência social. Seu contato com a cultura black ocorre através de artistas como Tony Tornado, Tim Maia, Jorge Ben Jor, James Brown, Michael Jackson e Prince nas rádios e TVs, referenciais que o fizeram decidir “ser dançarino de soul ” (informação verbal). Então, descreve seu trânsito nas festas de assalto 6 6- Festas improvisadas em que os convidados contribuem com os petiscos e bebidas. , matinês de música black na Discol 7 7- Discoteca do bairro da Ponta Grossa, Zona Sul de Maceió, que funcionou entre 1982 e 1996. , performances de danças de rua apresentadas na frente das lojas de vinil e de cinema no Centro de Maceió, escola e Centros Sociais Urbanos como parte de seus trajetos.

Dentro desses refúgios culturais nos contextos urbanos, os interesses individuais convergem para resoluções coletivas de desafios objetivos comuns. Dessa forma, os diferentes espaços ocupados pelos jovens na cidade se tornam palco de construção de estilos de vida e subjetividades. Foram nesses momentos de encontros que Ari conheceu artistas consagrados do hip-hop que “[...] nem passavam nas rádios” (informação verbal), como Afrika Bambaataa, Grandmaster Flash, Public Enemy e Run-DMC, circulados pelos DJs locais e nas trocas de referências musicais entre os jovens desses meios. Assim, o hip-hop em Maceió se propaga na partilha de discos e fitas cassetes, reproduzidos nas boates e nos toca-fitas portáteis nas reuniões de amigos (informação verbal), conexões e encontros que ampliaram o repertório artístico desses agentes, desde artistas do movimento Black Rio até nomes de clássicos e da Golden Age do hip-hop estadunidense (Paiva, 2015; Duinker; Martin, ( 2017DUINKER, Ben.; MARTIN, Denis. In search of the Golden Age Hip-Hop sound (1986-1996). Empirical Music Review, Montreal, v. 12. n. 1-2, 2017. ); Fialho, ( 2008FIALHO, Vânia Malagutti; SOUZA, Jusamara Vieira; ARALDI, Juciane. Hip-hop da rua para escola. Porto Alegre: Sulina, 2008. )).

Com a mudança de Ari aos 13 anos para o conjunto Santo Eduardo, situado nas proximidades das consideradas áreas nobres da cidade, ele se depara com uma realidade social diferente. Na ocasião, conheceu jovens de camadas socioeconômica mais altas e que se interessavam por atividades distintas das que estava habituado na Zona Sul, que descreve como um “choque térmico” em que Ari “[...] falava do povo negro e eles queriam surfar” (informação verbal). Contudo, apesar da percepção das fronteiras simbólicas que distinguem os habitus (Bourdieu, ( 1994BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1994. )) de pessoas de diferentes classes sociais, esses encontros viabilizaram um intercâmbio cultural entre os jovens de camadas sociais mais altas com as festas black que ocorriam na Zona Sul. Disso, surgem os grupos de b-boys e b-girls no Santo Eduardo, que se reuniam na praça Jornalista Dênis Agra para treinarem seus movimentos de break . Dessa forma, o deslocamento de pedaço se incorpora ao circuito cultural de Ari, visto que ele permaneceu frequentando as festas na Zona Sul 8 8- Circuito, conforme Magnani (( 2005 )), abrange um conjunto de categorias relacionadas ao trânsito dos jovens pela cidade: o pedaço, como espaços consagrados para encontro nas proximidades de onde moram, a mancha, que são pontos de referências para um público mais diversificado, e os pórticos, que são os caminhos utilizados. .

Posteriormente, por influência do rapper Thaíde e DJ HUM fazendo uma mixagem ao vivo com uma pick-up no palco de um programa de televisão, Ari começou a mobilizar, junto com o DJ Fernando Bispo, atividades com esse recurso em vários espaços públicos da cidade. Depois, outros DJs passaram a contribuir com os eventos de hip-hop nos espaços públicos de diversos bairros de Maceió, como Fernando Agra, Carlota, Valfredo e Alexandre Araújo. A circulação dos equipamentos nas redes desses jovens da época deu uma dimensão mais profissional às mobilizações de ruas. O advento das pick-ups nas ruas de Maceió deu maior visibilidade para as intervenções culturais, interagindo com outros frequentadores e estilos de vida, sejam crianças com seus pais e avós ou jovens de culturas de ruas como skate e reggae , até chamar atenção dos noticiários locais, que reportavam as atividades na imprensa (informação verbal). Observa-se que as ruas da cidade são espaços propícios para a invenção e a ressignificação dos usos e apropriações dos jovens, possibilitando um maior tensionamento das convenções tradicionais e mecanismos de controle social da vida urbana esquadrinhada pela métrica das instituições. Por isso, a ambientação urbana se faz propícia para desenvolvimento de práticas que fogem dos padrões socialmente mais aceitos e estimulados.

Nosso interlocutor descreve que grupos da velha escola do rap nacional — tais quais Código 13, Credo, MC Jack, Racionais MC’s e Facção Central — influenciaram a formação de grupos locais como Power MC’s, Sindicato do Rap e o Rap Boys entre 1980 e 1990 (informação verbal). O circuito consolidado na época percorria os bairros da Jatiúca, Vale do Reginaldo, Poço, Prado e Cruz das Almas, na parte baixa, e Jacintinho, Eustáquio Gomes e Benedito Bentes na parte alta da cidade, frequentados por intermédio dos ônibus pelos jovens. Outros espaços conquistados por esses agentes foram as rádios locais, através dos programas alternativos transmitidos em horários alugados pelos próprios DJs da cena, dentre esses, os programas Clube Mix , Zero DB , Free Dance e Over Dance (informação verbal).

Ari conta que foi perdendo a intensidade com as atividades de hip-hop no começo dos anos 2000, por discordar que as práticas tomassem dimensões competitivas, deixando em segundo plano a construção da consciência crítica . Também relata suas tentativas frustradas de incluir elementos regionais nas mobilizações como a embolada, o coco de roda e o baião, proposta que não encontrou aderência de seus colegas na época. Desde então, embarcou em projetos com o grupo de afoxé Afro Mandela e se envolveu com a produção da banda de reggae Nação Palmares , além do trabalho com jovens em regime socioeducativo, atividades comunitárias nas grotas da cidade e pesquisas com movimentos culturais no Estado (informação verbal). É salutar como a paixão comum dos jovens por um ou mais elementos artísticos do hip-hop desencadeou ações pela cidade e contribuiu para a estruturação de uma rede entre pessoas, equipamentos, meios e espaços nos anos 1980 e 1990. Especialmente no caso de Ari, seu compromisso nuclear com a cultura e o ativismo político negro, para além do hip-hop, o reterritorializa nos segmentos da cultura negra. Com essas considerações, seguimos aos próximos desdobramentos dos grupos.

As posses de hip-hop maceioenses — PAP, PGQ e CH2P

As posses são organizações de hip-hop que dispõem de espaços de discussão e planejamento para intervenções político-culturais. Surgem com o objetivo de atingir as comunidades, participar de oportunidades políticas, disputar capitais simbólicos e meios de financiamento para fomentar os artistas locais e alcançar maior autonomia para as mobilizações periféricas. Porém, diferente das posses estadunidenses, que tinham como foco o acesso à indústria cultural, as posses brasileiras, que surgem nas grandes cidades no final dos anos 1980, assumem um caráter mais político, com ênfase em ações sociais, em parceria com ONGs, rádios, TVs e centros comunitários (Moassab, ( 2008MOASSAB, Andreia. Brasil Periferia(s): a comunicação insurgente Hip-Hop. São Paulo: EdUSP, 2008. )).

A primeira posse em Maceió surgiu em 1994, com o nome Posse Atitude Periférica , fundada pelo DJ Paulo, DJP, por inspiração de seus contatos com o hip-hop em São Paulo. A organização tinha como proposta promover projetos socioculturais e educativos através de oficinas, debates, eventos e jogos envolvendo os cinco elementos do hip-hop , no intuito de resgatar jovens do vício e da violência. No primeiro momento, as atividades se concentravam na parte alta da cidade, mas a proposta se expandiu através das panfletagens e divulgações nas rádios comunitárias. Com o retorno de DJ Paulo a São Paulo e a paralisação das atividades da PAP em 2011, outros agentes do hip-hop local assumiram a frente da posse. No blog Hip-Hop Alagoano consta o Manifesto pela Reativação da Posse Atitude Periférica , publicado por Zazo — militante, MC e produtor audiovisual — e assinado por dezenas de artistas e produtores da cena em 2013. Com isso, o foco de atuação da posse migra para a Zona Sul de Maceió, encabeçada por Zazo, o b-boy Nego Love e a b-girl Maria. Nessa transição, a posse se associou ao Quintal Cultural 9 9- O Quintal Cultural, fundado pelo educador e produtor cultural Rogério Dias em 2007, é um espaço voltado às atividades culturais na Zona Sul, como coco de roda, capoeira, teatro, dança e música, além de vertentes underground como punk-rock e hip-hop. , espaço dedicado ao fomento da cultura regional e a trabalhos com a comunidade pobre na região, ampliando suas conexões e influências. Em 2004, com o aumento do número de participantes vindos de outras regiões da cidade e as crescentes divergências internas que surgiram na PAP, emergiu a Posse Guerreiros Quilombolas , no bairro do Benedito Bentes, com a participação de Sulista, Mano Van e Kaká, cujas atividades presenciais perderam a intensidade a partir de 2012. Nesse período ativo, a PGQ realizou oficinas de grafitte , eventos com apresentações de rap e break , bem como intervenções culturais nas grotas e comunidades na parte alta de Maceió. Na sequência, em 2007, Arnaldo, Rafael e Geysson, que frequentavam a PAP e PGQ, constroem a posse Cia Hip-Hop de Alagoas , abreviada como CH2P, também atuante na parte alta da cidade (Santos, ( 2014SANTOS, Sérgio da Silva. O cotidiano das posses de hip-hop em Maceió: territorialidade, visibilidade e poder. 2014. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão, 2014. )).

Em entrevista, Geysson 10 10- Entrevista realizada com Geysson Santos, ativista político, produtor cultural e integrante da Posse Cia Hip-Hop. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Praça Padre Cícero, Benedito Bentes - Maceió/AL. Data: 24/02/2018. Arquivo: geysson.wav (13m32s). , jovem negro de 25 anos que atua na CH2P desde 2010, afirma que, inicialmente, para terem acesso a equipamentos de som e iluminação, precisavam pegar emprestado com parentes, amigos e colegas. Apesar de já disporem de equipamentos próprios na altura em que conversamos, relata que ainda não possuíam sede fixa. No início, as reuniões aconteciam “num quartinho na casa do brother ” (informação verbal) no Cambuci, parte periférica do bairro da Serraria. Depois chegaram a alugar um local “do próprio bolso” (informação verbal) no Village Campestre, bairro da Cidade Universitária, mas por conta do custo e falta de verba, abriram mão do espaço locado. Conta que entrou na universidade em Ciências Sociais por influência do hip-hop , para aquisição de maior consciência crítica. Percebe tal vínculo com o mundo acadêmico como uma forma de potencializar suas ações nas comunidades locais, para compreender melhor a realidade ao seu redor e intervir de maneira mais assertiva na transformação dessa realidade.

Desde os primeiros anos de sua criação, a CH2P realiza o Abril Pro Hip-Hop , evento dedicado aos cinco elementos do hip-hop , ou seja, as quatro modalidades artísticas intercaladas com discussões sobre pautas sociais e o papel do movimento 11 11- Segundo relatou Geysson Santos, havia um consenso no CH2P que reivindicava o hip-hop como um movimento social, político e cultural (informação verbal), no sentido de possuir organicidade, coesão e alinhamento internos bem definidos (GOHN, ( 2017 )), associados às pautas do movimento negro e periférico. nas lutas contra as opressões. A maioria das edições ocorreu na Associação de Moradores do conjunto Graciliano Ramos e na Vila Olímpica do conjunto Village Campestre, ambos na Cidade Universitária. Todas as edições do evento contaram com parcerias de outros coletivos e produtores culturais e dos movimentos sociais do campo, de moradia e negro. Presenciamos o debate Fazer hip-hop é um ato polític o, realizado na 11ª edição do Abril Pro Hip-Hop , em 29 de abril de 2018. Na ocasião, discutiu-se em que medida os quatro elementos artísticos isolados, que podem servir como meios de expressar diferentes interesses e visões de mundo, estão alinhados ao hip-hop como movimento político, com raizes profundas nas lutas pelos direitos civis dos negros e periféricos. Em 17 de março de 2018, na praça Padre Cícero, em Benedito Bentes, acompanhamos presencialmente a primeira edição do Festival da Juventude Negra , organizado pela posse, em parceria com vários produtores culturais, empreendedores, associação de moradores e do movimento negro. O evento contou com a apresentação de diferentes gêneros musicais como afoxé, MPB, reggae e rap , intercalados por falas sobre vivências da população oprimida. No mesmo local, em 19 de outubro de 2018, a posse contribuiu para a realização do Festival Periferia Contra o Fascismo , junto ao coletivo de hip-hop Nois Q Faiz , o coletivo de juventude política Levante Popular e a Batalha do Formigueiro , grupo que organiza batalhas de freestyle desde 2017 no Benedito Bentes. Observamos in loco que o evento consistiu em uma batalha do conhecimento , duelo de freestyle em que as rimas seguem pautas temáticas sobre opressões como racismo, machismo, homofobia, povos indígenas e quilombolas, sorteadas em cada rodada. O contexto coincide com o período das eleições presidenciais de 2018 e foi realizado como forma de protesto contra Jair Bolsonaro, político conhecido por falas preconceituosas contra minorias sociais, ser entusiasta da ditadura militar e ter inclinações ultra-conservadoras. Evidencia-se o forte engajamento político presente nas práticas de alguns dos integrantes do CH2P e suas redes, que remete ao histórico do hip-hop com as pautas sociais nos vários contextos espaciais e temporais em que o movimento emergiu. Não raro, isso é reforçado na conexão do hip-hop com ONGs, movimentos sociais, movimentos comunitários e de educação popular, mas também com partidos de esquerda (Moreno; Almeida, ( 2017MORENO, Rosangela Carrilo; ALMEIDA, Ana Maria Fonseca de. “Quando jovens ativistas do hip hop encontram a política partidária”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 25, n. 61. mar. 2017. )). Na cena local, observamos que estas disposições no hip-hop que se associam à política partidária se apresentam desde o envolvimento de Zazo com movimentos sindicais (Santos, ( 2014SANTOS, Sérgio da Silva. O cotidiano das posses de hip-hop em Maceió: territorialidade, visibilidade e poder. 2014. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão, 2014. )), até a candidatura de Geysson como Deputado Estadual pelo Partido Socialismo e Liberdade em 2018.

Observa-se que a estruturação das redes de conexões e afecções das posses geralmente têm como ponto de partida os pedaços dos integrantes e, conforme se expandem, cindem ou mudam de mãos, passam a ocupar outros espaços e traçar um circuito pela cidade. Seguimos para a explanação sobre o surgimento das novas formas de organização.

Novas emergências na cena hip-hop maceioense — coletivos e produtoras independentes

Ao longo da pesquisa, identificamos uma rede constituída entre coletivos 12 12- Como coletivo, segundo Maria Gohn (( 2017 )), compreende-se uma forma de organização derivada dos movimentos sociais, porém marcada pela horizontalidade, sem hierarquias definidas ou lideranças claras, heterogeneidade e auto-organização, inspirada nas práticas libertárias. , produtoras independentes e estúdios dedicados ao fomento desse segmento cultural em diferentes regiões da capital. Verificamos que houve uma movimentação significativa na Zona Oeste de Maceió, no bairro do Clima Bom, principalmente entre os anos 2008 e 2014. Dentre estas, identificamos o coletivo Família Todos Um 13 13- Família Todos Um [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/profile.php?id=100066809096713 . Acesso em: dez. 2018. , formado em 2009, que, a partir de 2014, se tornaria o coletivo Nois Q Faiz 14 14- Nois Q Faiz [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/noisqfaiz . Acesso em: dez. 2018. . Na mesma região também surgiu o coletivo Nova Tropa de Zumbi 15 15- Nova Tropa de Zumbi [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/domingoderap . Acesso em: dez. 2018. , atuante entre os anos de 2012 e 2014.

A FTU foi protagonizada por Verdino, MC Tribo, DJ Bactéria e seu primo MC Tito Remy. Realizamos a entrevista com Diego Verdino 16 16- Entrevista realizada com Diego Verdino, produtor cultural e co-fundador dos coletivos Família Todos Um e Nois Q Faiz. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Mirante do Jacintinho, Jacintinho - Maceió/AL. Data: 25 de janeiro de 2019. Arquivo: verdino.wav (24m). , que afirma que começou a se envolver com o hip-hop a partir dos rolês pela cidade, transitando entre culturas de rua , como os movimentos punk e skate , estilos de vida que o inspiraram a agir no modo faça você mesmo 17 17- De inspiração anarquista, com base no princípio da ação direta, a cultura do faça você mesmo (do it yourself) emerge do movimento punk e se populariza entre as práticas juvenis underground, com a proposta de intervenções com poucos recursos e conhecimentos técnicos, contraponto ao mainstream (Bittencourt, ( 2018 )). . Verdino explica que muitos skatistas do seu grupo de afinidade escutavam rap , o que o influenciou a embarcar nessa vertente cultural. Em 2009, junto com o MC Tito Remy e o DJ Bactéria formaram o grupo de rap A Queda e logo passaram a realizar eventos como A Casa Caiu , na praça do Osman Loureiro, com campeonatos de break e rap freestyle . Até então, os eventos dependiam de contribuições dos participantes para alugar os equipamentos de som e iluminação, com cobranças de quantias módicas nas inscrições dos b-boys e b-girls (2 reais por competidor), valendo prêmios e bolões para os vencedores. Outra forma de arrecadação consistia na circulação de bens culturais, como camisetas e CDs das coletâneas do rap local. Também realizaram intervenções em escolas, com as propostas de combate ao uso de crack e de apresentar a cultura hip-hop para crianças e jovens periféricos. Entre 2013 e 2014, com a desmobilização de parte dos integrantes e após adquirirem equipamentos próprios, Verdino e MC Tribo formam o coletivo Nois Q Faiz. Desde então, fizeram eventos como o N’Agulha , no Quintal Cultural, a Mostra Alagoana de Hip-Hop e Sururu Crespo com apoio de editais públicos e produtoras independentes. Outros feitos foram a abertura do show do Emicida em Maceió e a realização da primeira seletiva alagoana de rap freestyle , a Liga Marginal , para enviar um representante local para o Duelo Nacional de MC’s 18 18- Batalha de rima de nível nacional que ocorre desde 2012 em Belo Horizonte/MG, organizado pelo grupo Família de Rua. , oportunidade que surgiu dos vínculos construídos com a Batalha da Escadaria, de Pernambuco, e Família de Rua, de Minas Gerais (informação verbal).

O outro grupo atuante na Zona Oeste, entre 2012 e 2014, foi o coletivo Nova Tropa de Zumbi , com a proposta de intensificar o debate político sobre as pautas de opressões com os jovens periféricos locais. Conversamos com o MC Jammal, Wilson e Geysson 19 19- Roda de conversa realizada com MC Jammal, Wilson e Geysson Santos, ex-integrantes e parceiros do coletivo NTZ. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: ICHCA-UFAL, Cidade Universitária - Maceió/AL. Data: 15 de fevereiro de 2019. Arquivo: jammal,wilson,geysson.wav (45m19s). , jovens negros entre os 20 e 30 anos. Mencionam a influência do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados no alinhamento interno do NTZ, mas enfatizam que nem todos os integrantes do grupo eram filiados ao partido. Narram que na região emergiram vários rappers no período de 2010, fomentados pelo PH e o Bang Crazy 20 20- O primeiro situado no Vergel, Zona Sul, e o outro localizado no Tabuleiro dos Martins, parte alta de Maceió (informação verbal). , estúdios com enfoque na produção de rap . Foi no engate dessas movimentações que surgiu a ideia de incluir a consciência crítica através do coletivo. A partir de reuniões iniciadas na casa da muzenza e nas casas de amigos, passaram a realizar o evento Domingo é dia de hip-hop no coreto da praça principal do Osman Loureiro, com a proposta do freestyle consciente: batalhas de rap focadas em temáticas sociais. Como parte da agenda e dos meios de arrecadação, buscavam equipamentos de som emprestados com conhecidos, vendiam o jornal Voz da Resistência , de autoria do grupo, CDs e DVDs piratas sobre hip-hop e o movimento negro, além de lanches e bebidas. Mencionam que as discussões viabilizaram a formação do grupo feminino Biografia Rap , que era composto pelas MCs Arielly, Tatá, Niny e Karen, dedicado a abordagens feministas. No histórico de publicações do coletivo, conseguimos pistas das associações do grupo com movimentos sociais, sindicais e estudantis. Contudo, o coletivo se extingue por conta dos crescentes conflitos com rappers locais que não aceitavam a presença de integrantes de partidos políticos nas mobilizações, que eram vistos com desconfiança pelos jovens locais. Bem como não concordavam que suas rimas fossem podadas , visto que o coletivo buscava conscientizar sobre eventuais conteúdos machistas e homofóbicos expressos nas letras de raps locais 21 21- Moassab (( 2008 )) observa que o rap nacional gangsta, principal influência dos rappers locais da Zona Oeste de Maceió (informação verbal), eventualmente apresenta em suas letras conteúdos preconceituosos, o que e reforça o apontamento de Rodrigues (( 2017 )) sobre as “variâncias interpessoais” no ideário de “periferias”. (informação verbal).

Outro grupo atuante nos eventos de hip-hop é o coletivo Febre do Rato Produções 22 22- Febre do Rato Produções [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/febredoratoprodu . Acesso em: dez. 2018. , que surgiu em 2014, composto pelo MC e produtor cultural Mordaz Emissário; pelo Eliseu (LZU), que atua como b-boy , beatmaker e artista visual; e Santiago (Saci), MC , artista visual e produtor cultural. Entrevistamos o rapper e produtor cultural Mordaz Emissário 23 23- Entrevista realizada com o MC Mordaz Emissário, integrante do Febre do Rato Produções. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: ICHCA/UFAL, Cidade Universitária, Maceió/AL. Data: 01 de abril de 2019. Arquivo: emissario.wav (25m). , pardo, 32 anos, aluno do curso de Filosofia da UFAL, que nos relatou suas influências para engajamento com a cena local. Apesar de já ter contato com o rap desde os 11 anos, quando ainda morava no Tocantins, passou a se engajar com maior intensidade na cena hip-hop quando chegou em Alagoas. Foi quando conheceu as atividades promovidas pelas posses como PAP e CH2P através de seus rolês de skate na parte alta da cidade, nos bairros do Graciliano Ramos e Dubeaux Leão, por volta de 2011. Porém, com a articulação do FDR, passa a se dedicar às atividades do coletivo junto a seus colegas (informação verbal). Relata que não fazem corres grandes (informação verbal), mas se dedicam à produção de bens culturais como arte-colagem, camisetas, beats experimentais, letras de rap , fanzines , bem como contribuem para realizações de eventos como o Sábado Lo-Fi , que reunia diferentes estilos musicais undergrounds como rap , punk-ro ck e raggamuffin’ . Verificamos que suas conexões também abrangem os coletivos FTU, NQF e o Blog da Sakura , com atuações conjuntas na parte alta e Zona Sul (informação verbal).

Já o Blog da Sakura tem sua atuação concentrada na Zona Sul de Maceió, voltada à produção de eventos de hip-hop , realizados principalmente no Quintal Cultural e comunidades nas intermediações da Lagoa Mundaú. Os vínculos e afinidades de Alyne Sakura 24 24- Entrevista realizada com Alyne Sakura, fundadora do Blog da Sakura. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Quintal Cultural, Bom Parto - Maceió/AL. Data: 09 de março de 2019. Arquivo: alynesakura.wav (14m24s). — mulher parda, 30 anos, MC , comunicadora, produtora cultural e audiovisual — com o hip-hop se iniciam por seus trabalhos na região como educadora social pelo Instituto Paulo Freire e pelas performances de teatro e cultura regional pelo grupo Sol Nascente. Afirma que conheceu o hip-hop através das atividades realizadas pela PAP no Quintal Cultural e enxergou um grande potencial de mobilização e transformação social ao notar o envolvimento da juventude com as atividades. No trajeto, foi MC integrante do grupo de rap Império Feminino junto com Negra Pyll e Arielly Oliveira. Porém, conforme reduzia sua participação nas organizações anteriores para se dedicar aos seus projetos, fundou o Blog da Sakura 25 25- Blog da Sakura [on-line]. Disponível em: https://alynesakura.blogspot.com/ . Acesso em: ago. 2018. , com a proposta de atuar com o quinto elemento do hip-hop . Desde então, passou a ingressar no ramo da comunicação, em que foi comentarista na Rádio Comunitária Eleitoral FM e dirigiu o programa Conexão Periferia na TVCOM, dedicado ao fomento da cultura e empreendimentos locais. Em certo momento da conversa, nossa interlocutora comenta que teve que abandonar os estudos por causa de uma gravidez na adolescência, aos 15 anos (informação verbal). Isso nos remete à pesquisa de Weller (( 2005WELLER, Vivian. A presença feminina nas (sub)culturas juvenis: a arte de se tornar visível. Estudos Feministas. Florianópolis. 13(1). 216. jan./abr. 2005. )) sobre a presença feminina nas culturas juvenis, que problematiza as questões que envolvem os papéis e identidade de gênero nessas mobilizações. Alega que, nas cenas culturais e estilos de vidas jovens, a participação feminina é invisibilizada, tanto nos estudos sobre o assunto, quanto na presença efetiva dentro dessas atividades. A gravidez na adolescência é apontada como um dos fatores que pode dificultar a participação de mulheres nas culturas juvenis, uma vez que as expectativas sociais recaem de maneira mais contundente sobre o sexo feminino, especialmente no papel de cuidados. A transição entre as atribuições socialmente dirigidas à juventude — estudo, curtição, ócio e lazer — e à fase adulta — trabalho e obrigações familiares — pesam mais sobre as mulheres do que sobre os homens. Essa condição social impõe uma dupla ou tripla jornada de trabalho para as mulheres, que muitas vezes precisam conciliar as obrigações sociais da maternidade, trabalho doméstico, estudo e meios de renda. Porém, mesmo diante dessas adversidades que afetam principalmente as mulheres jovens, Alyne destaca que continuou se dedicando ao fomento de atividades culturais e socioeducativas nas periferias, no intuito de contribuir e trazer representatividade à atuação de mulheres na cena local.

Na ocasião da entrevista, dia 09 de março de 2019, Alyne estava apoiando a inauguração do Coletivo Covil 26 26- Coletivo Covil [on-line]. Disponível em: https://www.instagram.com/coletivocovil . Acesso em: fev. 2019. , evento onde fizemos observação participante. O coletivo era composto exclusivamente por mulheres, com o intuito de proporcionar uma rede de apoio para a inserção feminina nas atividades, além de promover trabalhos sociais e educacionais com mulheres e outras minorias sociais na capital e interior de Alagoas. Participavam as MCs Janny Li, Mamiwatta, Nick Ellen, Arielly Oliveira e as produtoras Polly Lins e Emilly, mulheres pretas, pardas e brancas na faixa dos 20 anos. O evento contou com apresentações de rappers , slam poético e rodas de conversas com ativistas mulheres dos movimentos negro e feminista, além de venda de livros, artes e lanches. Entre as apresentações, as jovens puxavam o coro De um a mil, somos Covil! , chamada que remete à ideia de coletividade, e, no final, exibiram o videoclipe DissParadas , de produção das MCs e o QG dus Manos . Na roda de conversa 27 27- Roda de conversa realizada com Emilly, MC Janny Li, MC Mamiwatta, MC Nick Ellen e Polly Lins, integrantes do Coletivo Covil. Concedida à: Ibrahim Serra Barroso. Local: Quintal Cultural, Bom Parto - Maceió/AL. Data: 09 de outubro de 2018. Arquivo: covil.wav (8m). , relataram sobre as dificuldades de inserção das mulheres no hip-hop , por ser um espaço muitas vezes machista, em que predominam os homens. Isso ocorre porque o corpo e o discurso são veículos de expressão da dominação masculina, exercida através do poder simbólico e físico. É dentro dessa estruturação patriarcal que se concebe a ideia de masculinidade como superior e a feminilidade como inferior, frágil e subserviente, que depende da proteção do macho . O trabalho de Rebeca Sobral Freire (( 2018FREIRE, Rebeca Sobral. Hip-hop feminista?: Convenções de gênero e feminismos no movimento hip-hop soteropolitano. Salvador: UFBA/NEIM, 2018. )) sobre a participação de mulheres jovens na cena hip-hop de Salvador/BA apresenta argumentos que se coadunam com as falas das artistas, especialmente acerca dos espaços em que o público feminino precisa conquistar a permanência cotidianamente. O fato de uma das integrantes precisar se ausentar para cuidar de seu filho de colo no final do evento dialoga com as questões trazidas por Alyne Sakura sobre a maternidade. No mesmo ano, o coletivo realizou outras atividades, apresentando-se na 12ª edição do Abril Pro Hip-Hop , no Village, e no Aldeia Palco Giratório, no Sesc Centro. Porém, o grupo encerrou as atividades no mesmo ano por divergências internas e dificuldade de alinhamento das agendas entre as integrantes.

Por fim, descobrimos o coletivo Rap em Movimento (RAPEM), que, desde 2018, atua com rap improvisado nos transportes coletivos de Maceió, além de realizar eventos e intervenções culturais de maneira itinerante em espaços como universidades, escolas, teatros e centros culturais. Realizamos a roda de conversa com os integrantes ativos do coletivo 28 28- Roda de conversa com os MCs Duende Verde, Rato, Felipe, Tripa, MCs/b-boys Skinny e Vita e DJ Obama, membros ativos do Coletivo RAPEM. Concedida à: Ibrahim Serra Barroso. Local: Praça do Centenário, Farol - Maceió/AL. Data: 15 de março de 2019. Arquivo: rapem.mov (17m13s). , composto pelos MCs Duende Verde, Tripa, Felipe, Rato, Vita, Skinny e o DJ e designer Obama — jovens pretos e pardos na faixa de 20 anos, de diferentes bairros da cidade. Foram unânimes em mencionar como principal referência para o rap nos ônibus o Jorge Baiano , que não participava mais do grupo por motivos pessoais e envolvimento com outros projetos. Explicam que Jorge começou a rimar enquanto vendia salgados e doces nos coletivos, depois passando a chamar seus amigos e conhecidos do rap para fazerem duplas de improvisos nesses espaços e a ideia se expandiu. Relataram envolvimento com outros elementos do hip-hop e das culturas de rua. Skinny e Vita, por exemplo, são b-boys por influência da PAP e das crews de break no Vergel. Já Felipe é envolvido com o pixo , enquanto Tripa é engajado com o skate. Além disso, todos os integrantes participaram de batalhas de freestyle. Contam que a interação dentro dos ônibus, em que dialogam diretamente com elementos presentes no ambiente e passageiros, são propícios para que os artistas arrecadem dinheiro e conquistem maior visibilidade. Também são momentos tidos como formas de aprimorarem seus talentos, construírem reconhecimento perante o público e como uma oportunidade de carreira artística. Com a proposta de rap no busão , em que ressignificam as práticas dos repentistas nordestinos para o estilo do rap , mencionam o objetivo de animar a viagem e ao mesmo tempo passar uma mensagem crítica para o público refletir. Oportunamente, contam que os próprios passageiros, impressionados com as performances, filmam suas atuações nos ônibus e divulgam em suas redes sociais, marcando a página @coletivorapem 29 29- Coletivo RAPEM [on-line]. Disponível em: https://www.instagram.com/coletivorapem/ . Acesso em: jan. 2019. , o que tem contribuído na expansão da proposta (informação verbal). Dessa forma, esses jovens conciliam suas paixões pela cultura hip-hop com um meio de gerar renda, expressar seus talentos e alcançar outros públicos. Com isso, entramos nas considerações finais.

Considerações finais

Vimos que os diferentes elementos artísticos do hip-hop — popularizados nas casas de shows, festas e encontros em diversos espaços da cidade desde 1980 — conquistam jovens e mobilizam os circuitos culturais na cena maceioense. O contágio pelas batidas, os passos, letras e traços do universo hip-hop têm catalisado encontros, paixões e ações dos envolvidos, que despendem esforços para manter os elementos e ideias do segmento político-cultural vivos na cidade. Nota-se que as conexões entre pessoas e equipamentos, espaços e recursos para produção dos eventos são viabilizadas pela transação de bens culturais, como discos, fitas, CDs e DVDs, jornais, fanzines, livros, inscrições, ingressos, roupas e lanches. Logo, as organizações locais de hip-hop constituem uma complexa rede com diferentes setores sociais — como movimentos sociais, ONGs, associações de moradores, partidos políticos, pequenos empreendedores e o poder público — para conquistar mais espaços e potencializar suas ações. Contudo, as mulheres lutam por maior visibilidade, reconhecimento e protagonismo em uma cena dominada pelos homens, visto que obrigações sociais relacionadas à maternidade, trabalho doméstico, inferiorização e subserviência limitam suas oportunidades de participação social e impõem uma dupla ou tripla jornada ao público feminino. Logo, os esforços despendidos pelas jovens engajadas com o hip-hop local para se manterem ativas na cena são muito maiores em relação aos homens, que dispõem de oportunidades privilegiadas para permanência nas atividades. Por outro lado, observamos que muitas das organizações analisadas seguem repertórios político-identitários voltados à população negra e periférica e ao combate às opressões. Assim, a maioria dos envolvidos que consultamos busca promover o debate e consciência crítica na juventude periférica sobre a realidade ao seu redor, promover ações socioeducativas e combater as drogas e a violência nas comunidades, apesar das diferentes motivações e visões de mundo entre os organizadores.

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  • MAGNANI, José Guilherme Cantor. Os circuitos dos jovens urbanos. São Paulo: Tempo Social, 2005.
  • MOASSAB, Andreia. Brasil Periferia(s): a comunicação insurgente Hip-Hop. São Paulo: EdUSP, 2008.
  • MORENO, Rosangela Carrilo; ALMEIDA, Ana Maria Fonseca de. “Quando jovens ativistas do hip hop encontram a política partidária”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 25, n. 61. mar. 2017.
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  • WELLER, Vivian. A presença feminina nas (sub)culturas juvenis: a arte de se tornar visível. Estudos Feministas. Florianópolis. 13(1). 216. jan./abr. 2005.
  • 2-
    O CCCS foi fundado em 1964 na Universidade de Birmingham e por muito tempo foi considerado a principal referência dos estudos culturais na Europa agregando nomes como Stuart Hall, Tony Jefferson, Jenny Garber, Angela McRobbie, Dick Hebdige, Paul Willis, dentre outros(as).
  • 3-
    Os estudos pós-subculturais podem ser definidos como um conjunto de reflexões do contexto anglo-americano dos estudos subculturais, com o propósito de superar algumas lacunas temáticas e a supervalorização das determinações estruturais, inspirados em Pierre Bourdieu, Judith Butler, Max Weber e Jean Baudrillard.
  • 4-
    Blog Hip-Hop Alagoano [on-line]. Disponível em: < https://hiphop-al.blogspot.com/\ >; Blog do Sávio de Almeida [on-line]. Entrevista com Ari Consciência (2016). Disponível em: https://luizsaviodealmeida.blogspot.com/2016/06/historia-do-hip-hop-em-alagoas.html\ > Zazo MCZ [on-line]. Cultura Hip-Hop Vive em Alagoas (2014). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-j4Q3Sr59F8 ; Carlota [on-line]. A Cultura hip-hop em Maceió (2018). Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=282225665960765 . Acesso entre março e outubro de 2017.
  • 5-
    Entrevista realizada com AriConsciência Oliveira, produtor cultural, ativista negro e educador social. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Estúdio Vinil, Salvador Lyra - Maceió/AL. Data: 22 de março de 2019. Arquivo: ari.wav (55m).
  • 6-
    Festas improvisadas em que os convidados contribuem com os petiscos e bebidas.
  • 7-
    Discoteca do bairro da Ponta Grossa, Zona Sul de Maceió, que funcionou entre 1982 e 1996.
  • 8-
    Circuito, conforme Magnani (( 2005MAGNANI, José Guilherme Cantor. Os circuitos dos jovens urbanos. São Paulo: Tempo Social, 2005. )), abrange um conjunto de categorias relacionadas ao trânsito dos jovens pela cidade: o pedaço, como espaços consagrados para encontro nas proximidades de onde moram, a mancha, que são pontos de referências para um público mais diversificado, e os pórticos, que são os caminhos utilizados.
  • 9-
    O Quintal Cultural, fundado pelo educador e produtor cultural Rogério Dias em 2007, é um espaço voltado às atividades culturais na Zona Sul, como coco de roda, capoeira, teatro, dança e música, além de vertentes underground como punk-rock e hip-hop.
  • 10-
    Entrevista realizada com Geysson Santos, ativista político, produtor cultural e integrante da Posse Cia Hip-Hop. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Praça Padre Cícero, Benedito Bentes - Maceió/AL. Data: 24/02/2018. Arquivo: geysson.wav (13m32s).
  • 11-
    Segundo relatou Geysson Santos, havia um consenso no CH2P que reivindicava o hip-hop como um movimento social, político e cultural (informação verbal), no sentido de possuir organicidade, coesão e alinhamento internos bem definidos (GOHN, ( 2017GOHN, Maria da Glória. Manifestações e protestos no Brasil: correntes e contracorrentes na atualidade. São Paulo: Cortez, 2017. )), associados às pautas do movimento negro e periférico.
  • 12-
    Como coletivo, segundo Maria Gohn (( 2017GOHN, Maria da Glória. Manifestações e protestos no Brasil: correntes e contracorrentes na atualidade. São Paulo: Cortez, 2017. )), compreende-se uma forma de organização derivada dos movimentos sociais, porém marcada pela horizontalidade, sem hierarquias definidas ou lideranças claras, heterogeneidade e auto-organização, inspirada nas práticas libertárias.
  • 13-
    Família Todos Um [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/profile.php?id=100066809096713 . Acesso em: dez. 2018.
  • 14-
    Nois Q Faiz [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/noisqfaiz . Acesso em: dez. 2018.
  • 15-
    Nova Tropa de Zumbi [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/domingoderap . Acesso em: dez. 2018.
  • 16-
    Entrevista realizada com Diego Verdino, produtor cultural e co-fundador dos coletivos Família Todos Um e Nois Q Faiz. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Mirante do Jacintinho, Jacintinho - Maceió/AL. Data: 25 de janeiro de 2019. Arquivo: verdino.wav (24m).
  • 17-
    De inspiração anarquista, com base no princípio da ação direta, a cultura do faça você mesmo (do it yourself) emerge do movimento punk e se populariza entre as práticas juvenis underground, com a proposta de intervenções com poucos recursos e conhecimentos técnicos, contraponto ao mainstream (Bittencourt, ( 2018 BITTENCOURT, João Batista de Menezes; ROCHA JÚNIOR, Epaminondas Pascássio. “Música, ativismo e estilos de vida jovem nas tramas do punk em Maceió/AL”. Revista Teoria e Cultura. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Juiz de Fora, v. 13 n. 2, dez. 2018. DOI: https://doi.org/10.34019/2318-101X.2018.v13.13918 . Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/13918 . Acesso em: 29 nov. 2023.
    https://doi.org/10.34019/2318-101X.2018....
    )).
  • 18-
    Batalha de rima de nível nacional que ocorre desde 2012 em Belo Horizonte/MG, organizado pelo grupo Família de Rua.
  • 19-
    Roda de conversa realizada com MC Jammal, Wilson e Geysson Santos, ex-integrantes e parceiros do coletivo NTZ. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: ICHCA-UFAL, Cidade Universitária - Maceió/AL. Data: 15 de fevereiro de 2019. Arquivo: jammal,wilson,geysson.wav (45m19s).
  • 20-
    O primeiro situado no Vergel, Zona Sul, e o outro localizado no Tabuleiro dos Martins, parte alta de Maceió (informação verbal).
  • 21-
    Moassab (( 2008MOASSAB, Andreia. Brasil Periferia(s): a comunicação insurgente Hip-Hop. São Paulo: EdUSP, 2008. )) observa que o rap nacional gangsta, principal influência dos rappers locais da Zona Oeste de Maceió (informação verbal), eventualmente apresenta em suas letras conteúdos preconceituosos, o que e reforça o apontamento de Rodrigues (( 2017RODRIGUES, Fernando de Jesus. “Periferias” e economias das simbolizações: lutas por valor humano e mercados culturais. Maceió: UFAL, 2017. )) sobre as “variâncias interpessoais” no ideário de “periferias”.
  • 22-
    Febre do Rato Produções [on-line]. Disponível em: https://www.facebook.com/febredoratoprodu . Acesso em: dez. 2018.
  • 23-
    Entrevista realizada com o MC Mordaz Emissário, integrante do Febre do Rato Produções. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: ICHCA/UFAL, Cidade Universitária, Maceió/AL. Data: 01 de abril de 2019. Arquivo: emissario.wav (25m).
  • 24-
    Entrevista realizada com Alyne Sakura, fundadora do Blog da Sakura. Concedida a: Ibrahim Serra Barroso. Local: Quintal Cultural, Bom Parto - Maceió/AL. Data: 09 de março de 2019. Arquivo: alynesakura.wav (14m24s).
  • 25-
    Blog da Sakura [on-line]. Disponível em: https://alynesakura.blogspot.com/ . Acesso em: ago. 2018.
  • 26-
    Coletivo Covil [on-line]. Disponível em: https://www.instagram.com/coletivocovil . Acesso em: fev. 2019.
  • 27-
    Roda de conversa realizada com Emilly, MC Janny Li, MC Mamiwatta, MC Nick Ellen e Polly Lins, integrantes do Coletivo Covil. Concedida à: Ibrahim Serra Barroso. Local: Quintal Cultural, Bom Parto - Maceió/AL. Data: 09 de outubro de 2018. Arquivo: covil.wav (8m).
  • 28-
    Roda de conversa com os MCs Duende Verde, Rato, Felipe, Tripa, MCs/b-boys Skinny e Vita e DJ Obama, membros ativos do Coletivo RAPEM. Concedida à: Ibrahim Serra Barroso. Local: Praça do Centenário, Farol - Maceió/AL. Data: 15 de março de 2019. Arquivo: rapem.mov (17m13s).
  • 29-
    Coletivo RAPEM [on-line]. Disponível em: https://www.instagram.com/coletivorapem/ . Acesso em: jan. 2019.

Editado por

Editor responsável:
Prof. Dr. Leandro R. Pinheiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2023
  • Aceito
    16 Out 2023
  • Revisado
    27 Nov 2023
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