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Aprender na vida e aprender na escola

RESENHAS

Aprender na vida e aprender na escola

Elvenice Tatiana Zoia

Mestranda da linha de pesquisa Cognição e Aprendizagem Escolar, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Paraná. E-mail: tatianazoia@bol.com.br

DELVAL, J. Aprender na vida e aprender na escola. Tradução de: Jussara Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 2001. 118 p.

Em função da imaturidade que caracteriza o homem desde o seu nascimento, a aprendizagem torna-se extremamente fundamental para a sua sobrevivência, acompanhando-o durante toda a sua vida.

A aprendizagem corresponde desde situações simples como, por exemplo, pedir ajuda, atravessar a rua, esquentar o leite, até situações mais complexas como o conhecimento da leitura, da escrita, da aritmética, em síntese, o conhecimento científico trabalhado pela escola.

Aparentemente, a aprendizagem da vida cotidiana parece ocorrer sem muito esforço, diferentemente da aprendizagem que envolve os conteúdos escolares, a qual, apesar dos sujeitos passarem muitos anos envolvidos num processo sistematizado, têm aprendido muito pouco ou quase nada.

Esta dicotomia entre a aprendizagem cotidiana e a aprendizagem escolar é o tema central do livro Aprender na vida e aprender na escola, que aborda a permanente fragilidade do sistema educacional em relação à apropriação do conhecimento pelos sujeitos envolvidos nesse contexto.

Juan Delval, professor titular de psicologia evolutiva e da educação, na Universidade Autônoma de Madrid, faz profundos questionamentos e reflexões em relação à existência de uma oposição entre o conhecimento escolar e o conhecimento do cotidiano, buscando apontamentos que possam tornar a aprendizagem escolar tão significativa quanto a aprendizagem envolvendo situações da vida prática. Uma das grandes questões que permeiam suas reflexões refere-se ao ensino de uma grande quantidade de conteúdos que os alunos não entendem, decoram para as provas e depois esquecem.

A aprendizagem é uma necessidade do ser humano, a qual ocorre independente da escola. Se é uma necessidade, por que é tão difícil aprender na escola? O que se pretende ensinar é significativo para quem busca aprender?

Além das questões envolvendo as diferenças entre a aprendizagem escolar e a aprendizagem do cotidiano e até para que se possa entender essas diferenças, o autor apresenta, no decorrer dos capítulos do livro, concepções sobre o processo de desenvolvimento e da aprendizagem, questões referentes à capacidade do ser humano para ensinar, sobre a história da educação nas sociedades sem instituições escolares e sobre as representações que os sujeitos constróem da realidade.

São extremamente valiosos os apontamentos feitos no terceiro capítulo, em relação às explicações que as crianças elaboram sobre o mundo. Estas elaboram-se a partir dos elementos intelectuais que o sujeito dispõe, que por sua vez modificam-se devido à experiência do sujeito que se amplia gradativamente.

As representações que as pessoas constróem sobre a realidade não estão organizadas sistematicamente como as da ciência, porém não são facilmente substituídas por outras representações. Geralmente, as teorias e explicações que os alunos possuem sobre várias dimensões da realidade acabam por competir com as teorias enfocadas pela escola. O autor salienta que é perceptível, inclusive, que os estudantes não compreendendo as explicações científicas abordadas nas escolas, não as incorporam ao seu saber, apresentando resistências quanto à substituição de seu saber fragmentado, de senso comum, pelo saber científico e sistematizado.

Enfatizando a importância de se compreender a formação das representações que os sujeitos constróem para compreender o mundo e mais especificamente a realidade em que vivem, o autor destaca o quanto esses dados podem ser úteis para os educadores compreenderem o que os sujeitos pensam, para utilizar como ponto de partida para a prática educacional. Uma ação educacional se realiza quando se parte do que os alunos sabem para ajudá-los a construir, a se apropriar significativamente dos conhecimentos científicos produzidos pela humanidade.

É clara, no decorrer do livro, a crítica em relação à introdução do conhecimento científico na escola sem a adequada preparação, ou seja, sem a sua contextualização, apresentando-se como um conhecimento distanciado da vida. Não há ênfase na construção de conceitos; espera-se que os alunos depositem em suas mentes conceitos abstratos, que são repetidos e decorados, como algo pronto e acabado sem o devido entendimento de que o conhecimento científico resulta de uma investigação, que busca a compreensão e a transformação da realidade. O conhecimento científico se tornará significativo a partir do momento em que os alunos perceberem sua utilidade para resolver seus problemas e responder os questionamentos que fazem parte de sua vida.

Isso significa que uma das explicações apontadas pelo autor sobre a incompreensão do conhecimento científico transmitido pela escola diz respeito à inadequação dos métodos escolares. A ciência aparece como uma verdade absoluta, apresentando-se apenas os resultados e não o seu processo.

Outro aspecto considerado centra-se no mecanismo contraditório da escola. Sendo uma instituição para trabalhar o conhecimento, prega a formação para a cidadania de forma autônoma e democrática e, no entanto, promove a submissão e a passividade. Isso se torna evidente nos trabalhos de repetição, "decoreba" e reprodução, não se permitindo um trabalho de descoberta, de investigação e de busca pelo conhecimento. A impressão que se tem é a de que existem forças sociais que não estão interessadas em possibilitar que os sujeitos sejam capazes de pensamento crítico e criativo, e, assim, muito menos que compreendam os conhecimentos científicos, reduzindo-se a sua mera reprodução.

Em suma, Aprender na vida e aprender na escola leva à visão de que realmente os problemas educacionais não são abordados em profundidade; constantemente se propõem reformas que não dão conta de resolver os problemas na sua essência, só se colocam remendos, sem uma verdadeira reflexão sobre o sentido da educação nas instituições escolares.

Para concluir, o autor propõe que para a busca de uma educação de qualidade, que não estabeleça uma ruptura entre o conhecimento científico e o conhecimento trazido pelos escolares, é preciso permitir a reflexão, o levantamento de hipóteses e suas verificações, contextualizar o conhecimento voltado para a resolução de problemas; em síntese, é preciso vincular a escola com a vida. É obra que com certeza traz valiosas contribuições tanto para pesquisadores quanto para profissionais, sobretudo das áreas da psicologia e da educação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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