Acessibilidade / Reportar erro

Fundamentos epistemo-metodológicos da educação ambiental

Environmental education epistemic-methodological fundaments

Resumos

As relações sociedade-natureza são contextualizadas a partir das analogias orgânica e mecânica ao foco de uma epistemologia ambiental, frente à crise civilizatória no mundo ocidental; nessa linha, o paradigma da complexidade fundamenta a superação das ambigüidades do desenvolvimento sustentável em prol de uma apropriada sustentabilidade socioambiental e, pois, possibilitando práticas de Educação Ambiental criticamente orientadas por uma nova pedagogia do conhecimento, com implicação de novos saberes e construção de novas relações entre pessoas, sociedade e o meio natural, sob uma Ética da Responsabilidade.

relações sociedade-natureza; epistemologia ambiental; educação ambiental


Society-nature relations are contextualized from the organismic and mechanical analogies to the focus of an environmental epistemology, on the face of the current western civilization crisis; in that respect, the complexity paradigm ensures overcoming the sustainable development ambiguities in view of a proper socioenvironmental sustainability - thus ensuing Environmental Education practices critically orientated under a new pedagogy of knowledge, which demands both new learnings and new relations among individuals, so as between society and nature, in compliance with a Responsibility Ethics.

society-nature relations; environmental epistemology; environmental education


DOSSIÊ: EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Fundamentos epistemo-metodológicos da educação ambiental

Environmental education epistemic-methodological fundaments

Sônia Maria Marchiorato Carneiro

Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR). Professora do Departamento de Teoria e Prática de Ensino, Setor de Educação/UFPR; Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação do Setor de Educação/UFPR. E-mail: sonmarc@brturbo.com

RESUMO

As relações sociedade-natureza são contextualizadas a partir das analogias orgânica e mecânica ao foco de uma epistemologia ambiental, frente à crise civilizatória no mundo ocidental; nessa linha, o paradigma da complexidade fundamenta a superação das ambigüidades do desenvolvimento sustentável em prol de uma apropriada sustentabilidade socioambiental e, pois, possibilitando práticas de Educação Ambiental criticamente orientadas por uma nova pedagogia do conhecimento, com implicação de novos saberes e construção de novas relações entre pessoas, sociedade e o meio natural, sob uma Ética da Responsabilidade.

Palavras-chave: relações sociedade-natureza; epistemologia ambiental; educação ambiental.

ABSTRACT

Society-nature relations are contextualized from the organismic and mechanical analogies to the focus of an environmental epistemology, on the face of the current western civilization crisis; in that respect, the complexity paradigm ensures overcoming the sustainable development ambiguities in view of a proper socioenvironmental sustainability – thus ensuing Environmental Education practices critically orientated under a new pedagogy of knowledge, which demands both new learnings and new relations among individuals, so as between society and nature, in compliance with a Responsibility Ethics.

Key-words: society-nature relations; environmental epistemology; environmental education.

Alertas ambientais das últimas quatro décadas – depleção de recursos, degradação, poluição e precárias condições de vida da maioria da população mundial – tiveram enfática convergência da Rio-92 à Rio+10 (Johannesburgo). Pouco antes deste último evento, notava Vieira (2001, p. 9) que as ações empreendidas para a gestão ambiental e o desenvolvimento sustentável têm-se mostrado "ambíguas, fragmentadas e pouco capazes de fazer justiça à complexidade dos desafios" para reduzir desigualdades intra e entre países, buscando novas gestões institucionais de controle aos riscos da evolução técnica e uma relação simbiótica dos humanos com o meio. Deficientes, pois, também têm sido os critérios referenciais nos processos decisórios, frente à tendência – há muito estabelecida – de exploração dos recursos naturais "a fim de obter ganhos monetários a curto prazo, maximizando uma atividade produtiva" (LAYRARGUES, 2000, p. 92). Daí a urgência de um gerenciamento dos recursos naturais a partir de princípios que fundamentem "a construção de uma racionalidade produtiva sobre bases de sustentabilidade ecológica e de eqüidade social" (LEFF, 2001a, p. 60); para tanto, a educação é condição-chave, cabendo aos educadores de todos os níveis escolares e programas, desenvolver e exercer uma liderança qualificada na construção de novas relações de reapropriação do mundo, em vista da formação de mentalidades compreensivas ante as complexas inter-relações do meio para ações socioambientais efetivas em contextos histórico-culturais de configuração local e regional, mas sempre de alcance planetário. Nessa linha, o presente texto vem proposto como subsídio de fundamentação às práticas educativas, escolares ou não, no desenvolvimento da Educação Ambiental.

As analogias orgânica e mecânica de natureza

A produção do conhecimento sobre o mundo vincula-se a processos histórico-culturais da formação das sociedades humanas, gerando valores, conceitos, crenças, padrões de conduta – modos de vida. Nos primórdios da Civilização Ocidental, entre os Gregos, delineia-se uma concepção do mundo natural: o cosmos harmônico e unitário, vivo e inteligente, como um todo ordenado, orgânico e vital, incluindo seres humanos e não-humanos, dotado de movimento perpétuo e regular, numa dinâmica cíclica, mediante interdependências biológicas, anímicas e materiais – uma analogia com um organismo vivo, um imenso animal (COLLINGWOOD, s. d., p. 10-11, 162-163).1 1 Pelo componente anímico (hilezoísmo), dissolve-se na época helênica, ao avanço das ciências particulares e retomada do empirismo pré-socrático por céticos, epicuristas-atomistas e estóicos (HONDERICH, 1995, p. 349-350); por convenção, o Helenismo vai da morte de Alexandre Magno (323 a.C.) ao fim da República Romana (31 a.C.). A visão orgânica em parte foi reafirmada por J. Hutton, geólogo escocês, ao negar a separação dos mundo orgânico e mineral (1785) e, ao final do séc. XX, a Hipótese Gaia representa um retorno a essa concepção clássica, sobretudo em seu sentido não-evolucionista, ou seja, finalista (DELÉAGE, 1993, p. 90; RHODE, 1996, p. 103-104; SIMMONS, 2001, p. 229-232). A partir do séc. VII a.C., a inquirição sobre o ser e a origem das coisas e do universo supera as visões cosmogônicas mítico-antropomórficas, mas culturalmente essa herança continua (COLLINGWOOD, s. d, p. 49; BRUGGER, 1962, p. 573). Até o séc. IV a.C., o pensamento grego elaborara cosmologias racionais que permitem duas generalizações epistêmicas: a construção de significados para além da linguagem cotidiana, "mais semelhantes a termos técnicos"; e uma primeira produção de pensamentos significativos sobre a "relação do homem e da natureza" (SIMMONS, 2001, p. 260). Na investigação da unidade-multiplicidade das coisas, de transformações-permanências, de relações-dependências, foi fundamental o termo natureza (physis), como princípio (arqué) diferenciador e causativo, inerente a cada coisa ou ser e, ainda, significando o agregado das coisas naturais, o mundo da natureza ou o cosmos (COLLINGWOOD, s. d., p. 47-73). A inquirição nuclear do pensamento grego clássico,2 2 De Sócrates (469-399 a.C.) e Platão (427-347 a.C.) a Aristóteles (384-322 a.C.): envolvendo o quê, como e, ainda por quê, a mente humana conhece; no séc. VI a.C., a questão de conteúdo era expressa por máthesis e, sob os pitagóricos, passou a indicar desde então conteúdos da Matemática (BOWEN; HOBSON, 1974, p. 4, 23-26, 85-86). O termo filosofia, pitagórico, focava a excelência dos conhecimentos matemáticos, até num plano místico-metafísico (Bowen; Hobson, 1974, p. 24; HONDERICH, 1995, p. 734-735). incluindo os fins dos próprios conhecimentos para o homem – este, em sua natureza distinta de único ser racional, ético e político – divergia em concepções de método e sistematização, mas confluía sobre o sentido e a finalidade e daí a necessidade, da organização sociopolítica e das questões de justiça e direito, sempre em vista da formação do cidadão (BOWEN; HOBSON, 1974, p. 21-118; COLLINGWOOD, s. d., p. 82-94, 102-133). Na especulação em si cosmológica, destacaram-se as teorias do movimento na natureza (BRUGGER, 1962, p. 574-575), em especial o Atomismo,3 3 De Leucipo de Melito (séc. V) e seu discípulo Demócrito de Abdera (460-370 a.C.). A teoria intuiu a estrutura minimal do mundo físico e, na questão perceptiva, tocou o problema das qualidades secundárias; filosoficamente foi uma concepção materialista radical (HONDERICH, 1995, p. 64, 185, 240). que concebia infinitas partículas mínimas e indivisíveis, sem princípio de atividade além do peso, em movimento eterno no vácuo, combinadas ou ordenadas, mas separadas, possibilitando explicações quantitativo-matematizadas de variabilidade no mundo natural, com modificações de partes sem alteração de outras ou do todo (SIMMONS, 2001, p. 261). A episteme grega, enfim, foi o momento fundante da racionalidade naturalista ocidental, legando um antropocentrismo conseqüente em seus desdobramentos.

A passagem da analogia orgânica à mecanicista teve longa gestação na sociedade ocidental,4 4 Por dois milênios (do Helenismo ao séc. XVII) segue na Europa uma certa visão organicista e religiosa da natureza, sobretudo quanto à produtividade da terra: seu cultivo envolvia uma liturgia dos ritmos sazonais (ZARRILLI, 1998); nas crenças anímicas populares, a relação com as forças naturais incluía práticas de magia, astrologia e feitiçaria (COLLINGWOOD, s. d., p. 141). mediante a instrumentação de trabalho e avanços nas várias ciências em construção. Já no séc. IX circulam traduções árabes e latinas de autores gregos desde a Península Ibérica e, nos séc. XIII a XV, intensifica-se a apropriação do legado cultural da Grécia clássica e de sua continuação no Helenismo, esta prolongando-se até o séc. VI.5 5 O Platonismo adentrara o pensamento medieval com Agostinho de Hipona, 354-430 (HONDERICH, 1995, p. 64-66); o aristotelismo, via comentadores árabes (em especial os médicos-filósofos Avicena, 980-1037, iraniano; e Averróis, 1126-1198, hispânico - HONDERICH, 1995, p. 70-71), incorporando-se à Escolástica, sobremodo com Tomás de Aquino, 1225-1274 (HONDERICH, 1995, p. 4-7). A ciência renascentista teve seus fundamentos básicos no Helenismo: Matemática (Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Hiparco de Nicéia), Astronomia e Geografia (Erastótenes de Cirene, com a 1a. sugestão da hipótese heliocêntrica; e Crates de Malos, que fez um globo do mundo) e no campo da Medicina: Diocles de Caristos, Asclepíades (GRUN, 1991, p. 17, 19, 21, 23); e nos continuadores do Helenismo: Ptolomeu (astrônomo e geógrafo), Diofanto e Papos de Alexandria (matemáticos), Galeno e Alexandre de Trales (Medicina) e Cosmas Indicopleustes, geógrafo (GRUN, 1991, p. 27, 29, 47). Mil anos após, sobre o substrato sociopolítico medieval, em conexão ao Mercantilismo e à expansão marítima européia e, sobretudo, sob forte revivescência do classicismo greco-romano, a partir da Itália eclode o Renascimento – como portal à Idade Moderna, em sua primeira fase, até o final do séc. XVI. A ciência renascentista elaborou-se na perspectiva da epistemologia grega clássica pela temática cosmológica, numa concepção matemático-mecanicista, negando diferenças naturais de qualidade em favor de estruturas geométricas quantitativas e, inclusive, alinhando-se ao atomismo grego.6 6 Os renascentistas-modernistas focavam as causas eficientes imanentes na natureza ( natura naturans), repudiando a teleologia aristotélica em favor do platonismo, pelo pressuposto das estruturas matemáticas; Galileu (1564-1642) via a natureza como um livro em linguagem matemática (COLLINGWOOD, s. d., 137-139). A teoria atomista ressurgiu mais na filosofia corpuscular, sobressaindo-se R. Boyle (1627-1691), cientista-filósofo inglês, iniciador da Química; aparece também na cosmologia newtoniana, sob influência neo-epicurista (BRUGGER, 1962, p. 608-609, 615; HONDERICH, 1995, p. 100; COLLINGWOOD, op. cit., p. 157). Revolucionária nesta nova ciência foi a teoria heliocêntrica,7 7 Afirmada em 1512 por Copérnico (1473-1543), no Commentariolus (breve comentário) sobre o sistema solar; ainda em 1543, teve edição póstuma De revolutioninus orbium coelestium - Sobre as circunvoluções dos mundos celestes (GRUN, 1991, p. 229; COLLINGWOOD, s. d., p. 142). pelas conseqüências cosmológicas: "(...) destruía toda a teoria do mundo natural como sendo um organismo" ao pressupor a unidade da matéria do universo e a lei da gravitação e, assim, abrindo caminho a uma visão mecânica da natureza, por analogia com a máquina (COLLINGWOOD, s. d., p. 140-143). O contexto cultural de época favoreceu tal concepção, na seqüência de sucessos técnicos desde a primeira metade do séc. XV – em mineração, metalurgia, manufaturas, imprensa, energia motriz pelo vento e quedas-d'água, bem como na navegação, impulsionando o homem europeu ao máximo domínio sobre o entorno próximo e remoto (MCEVEDY, 1979, p. 94; BRAILOVSKY, 1992, p. 72).

Na segunda fase moderna (séculos XVII e XVIII), emerge uma reflexão epistemológica em torno da natureza, na oposição racionalismo-empirismo. Sobressai o racionalismo de Descartes (1596-1650),8 8 O Discours de la Méthode (1637): a dúvida metódica (sob evidência ôntica do Ego: "penso, logo existo") como critério fundante da certeza do conhecimento. Concordes na negação científica das qualidades sensoriais, destacaram-se ainda: Newton (1642-1727), com a evidência físico-matemática das leis da natureza; Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776), opostos em graus de ceticismo, trataram a formação de conhecimentos sob foco empírico-sensorial; e Kant (1724-1804), idealista transcendental, sistematizou as ciências como formais (dedução lógico-matemática) e empíricas (indução de princípios e relações pela observação), numa síntese epistêmica desde Descartes (HOUAISS, 1980, p. 1128; 1400; HONDERICH, 1995, p. 188-91, 244, 436, 493-496, 618; PRIGOGINE, 1996, p. 195). fundado na dualidade razão-espírito e mundo-matéria, a partir de Galileu9 9 A concepção de espírito num âmbito de qualidades, distinto e fora da natureza; e esta, como o âmbito das quantidades espaciais e temporais e, pois, mensuráveis: em Descartes, as duas substâncias de espírito e corpo (COLLINGWOOD, s. d., p. 151-152). e pondo o marco extremo da distinção entre homem-sujeito cognoscente e natureza-objeto conhecido, com redução dos processos vitais a mecanismos, ainda que orgânicos; e os animais, privados de racionalidade, sendo entendidos como simples máquinas semoventes. Tal epistemologia dicotômica acarretou uma visão mecanicista ampla dos fenômenos naturais, com enfoque fragmentado de mundo e uma relação de oposição dominadora do homem frente à natureza (PONTING, 1995, p. 245-246; COLLINGWOOD, s. d., p. 15-18).10 10 Tal reducionismo contextualiza-se no Iluminismo: da Inglaterra (com Locke) à França (com os enciclopedistas) e daí, a toda a Europa; movimento acadêmico profícuo, porém, menos uma filosofia que uma radical racionalidade antropo-intelectualista, tendo a razão como único critério de si mesma, relativizando valores e gerando o liberalismo, individual como de classe social (HONDERICH, 1995, p. 236-237). A Revolução Industrial e o Mercantilismo Fisiocrata11 11 Sob influxo iluminista, os fisiocratas - como F. Quesnay (1694-1774) e o Marquês de Mirabeau (1715-1789) - concebiam a terra como fonte básica de riqueza, mediante o trabalho e a ajuda da ciência (ZARRILLI, 1998). intensificam o consumo de recursos, frente ao crescimento europeu – a tal ponto que efetua "o domínio do mundo pelo Ocidente" como "acontecimento de magnitude biosférica" (TOYNBEE, apud RHODE, 1996, p. 57).

Ocorrem irreparáveis depredações naturais: extinção de espécies vegetais e animais, em ilhas e continentes; poluição ambiental e prejuízos irreversíveis de inteiros ecossistemas (introdução de espécies exóticas e manipulação de ambientes em terras colonizadas); domina a agricultura extensiva, em regiões propícias da Europa e áreas além-mar e, nestas, via mão-de-obra escrava (FONTES, 2005; BRAILOVSKY, 1992, p. 74-79, 88-95; THOMAS, 1988, p. 291-298). A mais, na última trintena do séc. XVIII, surge o conceito moderno de sociedade, no debate Absolutismo-Republicanismo,12 12 Em especial no quadro da Revolução Francesa, em torno dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, de inspiração iluminista e proclamados na Declaração dos Direitos Humanos, no mesmo ano da eclosão revolucionária (1789). indicando uma área autônoma entre as esferas pessoal e política (HONDERICH, 1995, p. 835-836). Ao final do século, as conseqüências da industrialização pesavam no dia a dia, sobretudo urbano, pela deterioração ambiental e das condições de vida; e no início do séc. XIX, esses problemas atingiam níveis alarmantes (em áreas urbanas, rios e suas bacias e lagos; esgotamento de recursos extrativos locais e dos próprios solos), com problemas graves no âmbito da produção industrial, como trabalho semi-escravo ou escravo e a exploração de mão-de-obra feminina e infantil (CARVALHO, 2004a, p. 98-99). E uma nova ciência, a Economia, passa a reger a racionalização dos mecanismos de produção-consumo pela teoria do mercado livre, com a geração de capital na relação custos-lucro.13 13 Desde Turgot (1727-1781), mas sobretudo com A. Smith (1723-1790): An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (1776) e D. Ricardo (1772-1823): Principles of Political Economy and Taxation (1817).

Na passagem à Idade Contemporânea, surge o Romantismo,14 14 Teve por iniciador J. G. von Herder, 1744-1803 (nexo pensamento-lingua-cultura de um povo) e mentor, Schelling, 1775-1854 (filosofia natural idealista); desenvolveu-se em continuidade temática com a literatura medieval dos séc. XII-XV, subsumindo princípios renascentistas (liberdade, originalidade, auto-expressão) e o teor da Declaração dos Direitos Humanos de 1789 (GRUN, 1991, p. 366; CANTOR, 1993, p. 236-237, 529-566; HONDERICH, 1995, p. 352, 778, 800-801). movimento que se expande a todas as artes em oposição ao objetivismo dos padrões econômicos, em favor de uma visão orgânico-unitária da natureza, associada a uma vida saudável, verdadeira e íntegra (THOMAS, 1988, p. 309-318; HONDERICH, 1995, p. 778; CARVALHO, 2000, p. 97-98). Ademais, então haviam-se já firmado os estudos históricos modernos,15 15 Iniciados no meio do séc. XVIII: Discours sur l'histoire universelle (1750) e Le siècle de Louis XIV (1751), de Turgot e Voltaire; foi ainda fundamental a Encyclopédie, entre 1751-1765; a publicação completa aparece em 1772 (COLLINGWOOD, s. d., p. 19-20, 229-230). incorporando concepções de mudança, progresso e evolução, que repercutiram também nos estudos naturalistas.16 16 A contribuição de C. Darwin (1809-1882) é referencial, sobre mutações de espécies em entornos diversos - On the Origin of Species by Natural Selection, 1859 (HONDERICH, 1995, p. 255); vale lembrar o termo ecologia, usado em 1869 por E. Haeckel (1834-1919) para indicar relações entre espécies e seus ambientes (DIAS, 1993, p. 31). No plano filosófico, a dialética hegeliana via a História como o próprio devir do progresso da consciência de liberdade, por estágios contínuos de superação evolutiva, rumo a uma harmonia de interesses individuais e coletivos; já o materialismo histórico, partindo das estruturas materiais de produção, assumiu um pressuposto real para construir relações sociais de produção eqüitativas e humanamente desejáveis, tanto nas situações de trabalho assim como na partilha de seus benefícios (HONDERICH, 1995, p. 339-343, 356-357, 523-526). E a progressiva especialização de conhecimentos, em curso (GRUN, 1991, p. 374-453), gera a Sociologia, focando a sociedade – e pois, suas estruturas, as dinâmicas e também problemas. Essas novas perspectivas de leitura de homem e mundo demandavam outro paradigma de apreensão da natureza que o matemático-mecanicista e, a mais, economicista,17 17 Desde finais do séc. XIX, a teoria econômica avança como Economia Neoclássica, ainda hoje influente (de Jevons, Menger e Walras a Keynes, Hayek, Friedman etc. Disponível em: < http://www.bized.ac.uk/virtual/economy/library/theory/classical.htm> Acesso em: 30 ago 2005. frente aos problemas sociais e ambientais.

A epistemologia ambiental

De fins do séc. XIX ao XX, como em seu decorrer – no dinamismo da apropriação técnico-produtiva de recursos materiais, com as urgências e conseqüências de conflitos bélicos graves e constantes e, a mais, com o alarmante curso da crise ambiental – rupturas e articulações científico-conceituais, simbólico-ideológicas e político-econômicas, fazem emergir o objeto próprio de uma epistemologia ambiental: a relação sociedade-natureza. Sua apreensão reflexivo-construtiva dá-se sob focos múltiplos do real, na convergência de diferentes ciências específicas e, portando, pressupondo não só outros paradigmas cognoscitivos, bem como uma nova racionalidade para a apreensão compreensiva do mundo-hoje, justificadamente, a racionalidade socioambiental – incorporando condições eco-espaciais e socioculturais aos processos político-econômicos, como em curso na produção recente de especialistas (VIOLA; LEIS, 1992, p. 92-95; SACHS, 1994, p. 52-53; LEFF, 2001a, p. 109-190). A urgência extrema desta reconcepção de homem e sociedade, não mais situando-se em enfrentamento cognitivo-tecnológico ante a natureza, mas nela inserindo-se em diálogo diagnóstico-interpretativo criterioso, teve como momento incisivo a falência da racionalidade economicista neoclássica, tornada evidente sob o impacto do relatório Limites do Crescimento (1972)18 18 Estudo encomendado pelo Clube de Roma (1968) ao MIT-Massachussets Institute of Technology; coordenado por Dennis Meadows, é conhecido ainda por Relatório Meadows e contribuiu para a inserção da temática ambiental na agenda política internacional e nos meios científicos, ao denunciar o vigente modelo de desenvolvimento econômico como inviável, dados os limites físico-ecológicos que a finitude da biosfera impõe ao crescimento bioeconômico da humanidade (TREVISOL, 2003, p. 96). e, no mesmo ano, com a urgente convocação a uma política ambiental global pela ONU-Conferência de Estocolmo, quando também a Educação Ambiental é firmada como estratégia básica no âmbito das questões ambientais (Princípio 19 da Declaração sobre o Meio Humano). Ações e diretivas da UNESCO,19 19 O Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente-PNUMA, 1973, focando a relação meio ambiente-desenvolvimento; e, pouco depois, o Programa Internacional de Educação Ambiental-PIEA, 1975 (NOVO VILLAVERDE, 1988, p. 49-55). Este último encerrou-se em 1995 e, na linha do cap. 36 da Agenda 21 da Rio-92, passou a Programa de Educação para um Futuro Viável (UNESCO, 1997), voltado ao desenvolvimento sustentável mediante a conservação dos recursos naturais e a (hipotética) partilha eqüitativa dos mesmos, sem uma integração explícita das problemáticas socioeconômicas (GONZÁLEZ GAUDIANO, 2005, p. 20; SAUVÉ, 2005, p. 37). visando à cooperação política, técnica e pedagógica no enfrentamento dessas questões, fazem circular em 1973, na implementação inicial do PNUMA, o termo ecodesenvolvimento, reelaborado em 1974 como estilo de desenvolvimento.20 20 O primeiro, cunhado por M. Strong (secretário-geral da Conferência de Estocolmo e da Rio-92), visando a um desenvolvimento de referência ecológica; e reelaboração por I. Sachs, em vista da aplicação a projetos localizados, orientados a soluções para satisfação de necessidades básicas e promoção de autonomia das populações, na perspectiva de recuperação de uma simbiose duradoura entre homem e terra (VIEIRA, 1995, p. 54; MAIMON, 1993, p. 56-57; SACHS, 1986, p. 15-18; 1994, p. 47). Nessa conexão, Nosso Futuro Comum, também Relatório Brundtland (ONU, 1987) propõe desenvolvimento sustentável como crescimento econômico para a eqüidade social e o equilíbrio ecológico (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988, p. 9-10, 46-71).21 21 A expressão sustainable development corria no mundo anglo-saxônico desde o início da década de 1980, lançado por Lester Brown (fundador do Worldwatch Institute), na acepção do Relatório Brundtland (CAPRA, 2003, p. 19). Implicações socioeconômicas e políticas, como ecológicas e técnicas da questão ambiental, tornam o desenvolvimento sustentável ambíguo, no contexto amplo da conjuntura tecno-científica hodierna.22 22 A racionalidade subjacente a essa conjuntura é a do Iluminismo do séc. XVIII, tendo-se tornado mito o esclarecimento científico, ainda hoje, como poder manipulador da natureza (ADORNO; HORCKHEIMER, 1985, p. 24, apud TREVISOL, op. cit., p. 72); haja vista uma certa inibição neo-liberal nas formulações político-econômicas e socioambientais da Rio-92, bem como sua pouca efetividade subseqüente (CARIDE; MEIRA, 2004, p. 189-192). Pressupostos do paradigma da complexidade (em conexão a uma racionalidade socioambiental e uma epistemologia ambiental) constituem a base de superação aos impasses epistêmicos na relação de desenvolvimento e sustentabilidade, inscrevendo-se o primeiro termo no âmbito das efetuações humanas e, o segundo, no das efetuações naturais; e ambas, numa dinâmica interativa (RHODE, 1996, p. 38-40):

  • a

    inter-retroatividade organizacional das efetuações naturais: a dinâmica autopoiética dos fluxos de energia, da circulação de matéria e informação genética, por encadeamentos termodinâmicos e físico-químico-biológicos, configurando processos, funções, estruturas, teias ou redes e sistemas, bem como gerando tensões energéticas autógenas, probabilístico-transformativas – desde partículas a seres vivos, ao mundo e ao universo (MORIN, s. d., p. 53; BRANCO, 1989, p. 48-68, 122-124; CAPRA, 2003, 2003, p. 22-23);

  • a

    inter-retroatividade das efetuações humanas: a dinâmica alopoiética estruturante e condutora de realizações técnico-criativas como derivações científicas, hoje, em múltiplos âmbitos e níveis, em redes e sistemas de articulação e comunicação – desde as engenharias básicas até a biotecnologia, área que inclui a autopoiese complexificadora da dinâmica não-linear das redes epigenéticas (CAPRA, 2002, p. 104, 183-185);

  • o princípio da

    incerteza: o

    risco e a

    precaução intrínsecos à inter-retroação de fins e meios nos contextos de ação, constituindo o critério diferencial de superação da ciência clássica, que se constituiu precisamente pela busca da certeza (MORIN, 2003, p. 79-92; PRIGOGINE, 1996, p. 114-134);

  • a

    pertinência dos conhecimentos: a apreensão de informações e dados, dos níveis

    contextual,

    global e

    multidimensional ao nível

    complexo, configurando realizações cognitivas pessoais/grupais/coletivo-sociais sem fechamentos disciplinarista e de hiper-especialização, na perspectiva da dimensão histórico-cultural da condição humana e na sua identidade terreno-planetária, mediante sistemas integrados de valores, crenças e regras de conduta (MORIN, 2003, p. 36-45, 63-78; CAPRA, 2002, p. 97-99);

  • por fim, uma orientação

    antropoética: fundada na consciência da

    Terra-Pátria e na relação triádica

    indivíduo/sociedade/espécie, para a construção de um humanismo político-civilizatório, em perspectiva também de uma

    cidadania planetária (MORIN, 2003, p. 105-115; TREVISOL, 2003, p. 132-135).

As implicações éticas da relação desenvolvimento-sustentabilidade emergem nas injunções técnico-operacionais e científico-cosmológicas desses pressupostos, pela conexão entre o conhecimento das dinâmicas naturais e a consciência das possíveis e, de fato, reais interferências antropogênicas sobre as mesmas, de alcance químico-orgânico e com efeitos na biosfera (RHODE, 1996, p. 40-55; CÂMARA, 2003, p. 163-165); daí que a interface ética das decisões tecnológicas, portanto do desenvolvimento, deva ser critério limítrofe nas efetuações sobre a natureza, máxime em situações de pôr em risco condições básicas de sanidade ambiental e da própria vida, negando-lhe sustentabilidade. Prioridade imediata, pois, é a desconstrução epistêmico-cultural do desenvolvimento como progresso hegemônico e globalizante de produção e consumo, que se vem adequando a critérios legais de cuidado ambiental,23 23 Claude Martin (secretário-geral da WWF-Internacional): "... a maioria das empresas está focada em questões ligadas à eficácia, a padrões sociais e ambientais. Mas poucas aceitam o fato que há limites biofísicos no planeta..." (CLUBE WWF-BRASIL, Pôster n. 4, jul. 2005). pragmaticamente, porém, formalizados como simples cálculo de conseqüências e vazios de con-teúdo ético (SOSA, 1989, p. 158-160). A efetividade desse enfrentamento está na atuação cooperativa da sociedade organizada, integrando saberes culturais e conhecimentos científico-técnicos e político-econômicos, em vista de decisões-ação criteriosamente escaladas e coordenadas, com referenciação ética e a mediação estratégica da Educação Ambiental.

Implicações metodológicas para a educação ambiental

O paradigma da complexidade, norteador de uma epistemologia ambiental, implica uma revolução do pensamento hodierno, como mudança de mentalidade na transformação do conhecimento e das práticas educativas, em vista de um mundo socioambientalmente sustentável. Sob foco educacional, o paradigma da complexidade não se relaciona apenas ao aprendizado de fatos novos, mas com a desconstrução dos princípios epistemológicos da ciência moderna e a fundação de uma nova pedagogia apropriadora do conhecimento "(...) a partir do ser do mundo e do ser no mundo", envolvendo a construção de novos saberes e de uma nova racionalidade, que permitam às atuais e futuras gerações novas maneiras de se relacionar com o mundo (LEFF, 2001a, p. 219); porquanto, envolvendo uma educação que reconstrua relações entre pessoas, sociedade e meio natural, sob uma ética de responsabilidade voltada à sustentabilidade socioambiental. A EA, enquanto dimensão fundamental da educação contemporânea, contribui para a construção crítica do conhecimento transformador da realidade socioambiental. A reflexão sobre os fundamentos epistemológicos de uma EA crítica pode ser apoiada por algumas orientações teórico-metodológico (integradas, complementares e adaptativas a níveis e tipos de ensino, sem ordem hierárquico-seqüencial entre si), para o desenvolvimento do processo educativo. Nesta linha, quanto ao conhecimento teórico-conceitual:

  • a compreensão de

    ambiente como conjunto de inter-relações (interações, interdependências, inter-retroações) dos seres humanos entre si (meio social) e destes com a natureza não-humana (meio natural), num contexto espácio-temporal mediado por saberes locais, tradicionais e científicos (CARNEIRO, 1999, p. 62; MORIN, 2003, p. 36-39; CARVALHO, 2004b, p. 21);

  • um

    reconhecimento do mundo a partir dos princípios fundamentais da vida (princípios ecológicos),

    24 24 Relacionados à teoria dos sistemas vivos, em que todos os seres (bióticos e abióticos) estão interligados numa rede de relações de troca de matéria e energia, em dinâmicas autógenas (CAPRA, 2003, p. 22-23). das leis-limite da natureza (processos entrópicos, morte)

    25 25 Processos irreversíveis de dissipação e perda de energia, gerando colapso de um sistema (PRIGOGINE, 1996, p. 25). e da cultura (finitude de padrões epocais) e, nessa perspectiva, apreender o

    ambiente como potencial ecológico da natureza em simbiose com as dinâmicas culturais que mobilizam a construção social da história (LEFF, 2001a, p. 220; CAPRA, 2003, p. 20-33).

  • a apreensão unitária da

    vida na terra, interligada por

    redes biológicas (de redes metabólicas intra-celulares a teias alimentares de ecossistemas) e

    redes sociais (comunicação, simbólico-culturais e de funções diversas, inclusive de poder), as quais, se receberem perturbações significativas, podem desencadear múltiplos processos de realimentação, produzindo surgimento de uma nova ordem (mudanças inovadoras) ou um colapso de estruturas existentes (CAPRA, 2002, p. 267-268, 272-273);

  • a

    problemática socioambiental em suas

    multi-dimensões (geográficas, históricas, sociais, ecológicas, econômicas, tecnológicas, políticas etc.) e

    complexidade (inter-relações de componentes/elementos do meio), pois é sob tal foco que os problemas socioambientais tornam-se mais inteligíveis: a visão fracionada dos problemas dificulta e impossibilita a compreensão reflexiva dos mesmos (MORIN, 2003, p. 38-39, 43; CARVALHO, 2004b, p. 21);

  • o fato de que a

    realidade socioambiental não é facilmente legível, incluindo a incerteza do real; conforme Morin, "saber que há algo possível ainda invisível no real"– o

    princípio da incerteza remete aos princípios do

    risco e da

    precaução (LEFF, 2001a, p. 196, 221; MORIN, 2003, p. 84-92).

  • o entendimento de

    sustentabilidade socioambiental como racionalidade orientada por novos valores e saberes, em vista de uma gestão político-econômica criteriosa das potencialidades e limites dos recursos naturais, desde âmbitos comunitários à globalidade do Planeta, sob aspectos ecológicos, sociais, culturais e tecnológicos, em vista do bem-estar e qualidade de vida das pessoas, sem comprometer as gerações futuras; sob tal

    ótica de sustentabilidade importam, basicamente, os processos coletivos na construção de um outro mundo, socialmente justo, democrático e ambientalmente mais seguro (LEFF, 2001b, p. 122-124; CAPRA, 2003, p. 19-20; QUINTAS, 2004, p. 125-126, 130);

  • a

    interdisciplinaridade, como articulação integradora de diferentes disciplinas e saberes sociais (locais, tradicionais e populares) na construção partilhada do conhecimento frente a problemas socioambientais, comportando a desconstrução do pensamento disciplinar (unitarista-simplificante) e, daí, também de certezas não-sustentáveis e a construção de novos sentidos

    do ser e

    de ser no mundo (LEFF, 2001a, p. 219-221; FLORIANI; KNECHTEL, 2003, p. 96-100; CARVALHO, 2004a, p. 130).

No âmbito dos fundamentos metodológicos da EA crítica, podem-se, igualmente, apontar algumas orientações ao processo educativo (também adaptativas a níveis e tipos de ensinos, sem hierarquia de precedência ou ordem). Antes de tudo, urge a construção de uma nova linguagem pedagógica de educação do pensamento para a capacidade de raciocinar a complexidade ambiental:

  • em perspectiva

    sistêmico-relacional, nos âmbitos contextual, global e multidimensional das questões socioambientais, para além da simples identificação e descrição de problemas;

  • sob enfoque

    crítico-social, desvelando as perspectivas diacrônica (dinâmica da História) e sincrônica (inter-relações presentes) de problemas reais e potenciais, na concretude dos espaços de vida, em sua relevância para a sustentabilidade socioambiental (ORDOÑEZ, 1992, p. 51-53; CARVALHO, 2004a, p. 130.);

  • com abertura frente às

    incertezas do real, do conhecimento e da ação, ante o imprevisto e inesperado, com revisão de teorias e idéias para escolhas reflexivas e, ainda, com recusa do conhecimento seguro que encubra dificuldades e dúvidas no processo de compreensão do mundo;

  • incorporando

    simultânea reflexão sobre a unidade e a diversidade do processo planetário, suas complementaridades e antagonismos (como a mundialização, ao mesmo tempo unificadora e conflituosa);

  • e gerando, a partir da

    complexidade do mundo, novas capacidades cognitivas críticas e criativas, habilidades inovadoras de reapropriação da natureza e redefinição de estilos de vida (quanto ao consumo, desperdício, produção), em prol da sustentabilidade socioambiental (LEFF, 2001a, p. 219; 2001b, p. 111-129; MORIN, 2003, p. 30-39, 64-70, 83-90; CAPRA, 2003, p. 21; AVANZI, 2004, p. 43).

Por conseqüência, a abordagem de conteúdos deverá voltar-se mais a um foco multicausal dos problemas socioambientais e à busca de soluções alternativas do que a diagnósticos e análise de efeitos presentes; para tanto, impõe-se partir de situações locais e regionais para as questões globais, tanto em nível nacional quanto internacional (GONZÁLEZ GAUDIANO, 1997, p. 78; LAYRARGUES, 2000, p. 90-92; GADOTTI, 2000, p. 80-84). E as reflexões socioambientais serão articuladas pelas práticas educativas, mediante as dinâmicas da multidisciplinaridade (nas escolas, tratamento de conteúdos ambientais segundo peculiaridades das disciplinas) e, sobretudo, de interdisciplinaridade – i. é, numa convergência dialógica entre educadores de diferentes áreas (incluindo alunos) no intercâmbio de conhecimentos científicos e saberes sociais (tradicionais, populares), via projetos integradores relacionados a problemas socioambientais do entorno escolar e da realidade de vida dos educandos, em vista da prevenção e solução de problemas; tal processo orienta-se de uma dinâmica interdisciplinar para a transdisciplinaridade, na medida em que se construa uma unidade teórico-prática da dimensão ambiental nas práticas educativas. Esse encaminhamento metodológico nas escolas (e outras instituições) tem efeitos positivos, pois favorece:

  • o trabalho em equipe, envolvendo cooperação, tolerância e respeito mútuo entre educadores e alunos, no esforço partilhado de apreenderem a complexidade das questões socioambientais (múltiplas inter-relações e dimensões da realidade), por meio dos processos diagnósticos e analítico-avaliativos;

  • a aplicação, pelos educandos, de conhecimentos e habilidades aos seus contextos vivenciais, desenvolvendo aprendizagens significativas ante o desafio de pensarem questões reais e, pois, complexas (LEFF, 2001a, p. 220-221; 2001b, p. 116, 121-122; CAPRA, 2003, p. 29-32; AVANZI, 2004, 45-47; CARVALHO, 2004a, p. 120-122, 129-130);

  • e a formação de condutas positivas (referenciadas aos valores de respeito, solidariedade, cidadania, justiça, prudência, honestidade etc.) em termos de práticas

    propositivas (resolver/prever problemas),

    reativas (vencer acomodação/indiferença) e

    pertinentes ao quotidiano escolar e comunitário, em vista da sustentabilidade socioambiental.

Por fim, numa convergência de síntese, a orientação de uma prática avaliativa processual e contínua, quanto à formação e conscientização ambiental, sob três aspectos:

  • centrando-se nas mudanças de atitudes e ações pelos alunos, com base em valores e compreensão crítica das questões socioambientais, evidenciando capacidade de análise e tomadas de decisões quanto ao meio, especialmente o entorno imediato;

  • adotando enfoques multi e interdisciplinares nas práticas educativas, com avaliação das atividades e projetos de EA, relativamente aos seus objetivos, marcos conceituais e conexões com as necessidades das comunidades locais;

  • e focando interações educadores-alunos, entre os alunos e, destes, com suas famílias e comunidades do entorno escolar (CARNEIRO, 1999, p. 91-2; TOMAZELLO; FERREIRA, 2001, p. 203-206).

O desenvolvimento de uma EA crítica demanda, fundamentalmente, a formação inicial e continuada de educadores, sob perspectiva interdisciplinar. No entanto, conforme Leff (2001b, p. 115), as experiências dos últimos vinte anos apontam obstáculos institucionais que dificultam a formação de educadores críticos para a condução de programas e projetos curriculares de EA. Por vezes institucionalizados, os programas de formação são disciplinaristas e fragmentadores do conhecimento – contrapondo-se ao campo ambiental, que exige leituras global-relacionais do mundo para uma apreensão conjuntiva da realidade, enquanto social e ambiental. Um saber ambiental, superador dos obstáculos referidos, envolve repensar e avaliar os objetivos dos programas curriculares dos educadores de hoje-para-amanhã, nos diversos âmbitos e níveis do conhecimento e, pois, do ensino; há que se ter em vista a responsabilidade pública, política, de fazer Educação Ambiental – para a formação da cidadania ambiental, pessoal e coletiva, no processo de construção da sustentabilidade socioambiental, em toda sua urgência no mundo de hoje.

Texto recebido em 23 set. 2005

Texto aprovado em 17 dez. 2005

  • AVANZI, M. R. Ecopedagogia. In: LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da educação ambiental brasileira Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. p. 35-49.
  • BOWEN, J.; HOBSON, P. R. Theories of Education Brisbane: John Wiley & Sons, 1974.
  • BRAILOVSKY, A. E. Esta nuestra única tierra: introducción a la ecología y medio ambiente. Buenos Aires: Larousse, 1992.
  • BRANCO, S. M. Ecosistêmica: uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente. São Paulo: Edgard Blücher, 1989.
  • BRUGGER, W. Dicionário de filosofia Tradução: A. P. de Carvalho. São Paulo: Herder, 1962.
  • CÂMARA, I. de G. Problema ou solução. In: TRIGUEIRO, A. (Coord.). Meio ambiente no século 21 Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 158-169.
  • CANTOR, N. F. The Civilization of the Middle Ages New York: Harper Collins, 1993.
  • CAPRA, F. As conexões ocultas Tradução: M. B. Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002.
  • _____. Alfabetização ecológica: o desafio para a educação do século 21. In: TRIGUEIRO, A. (Coord.). Meio ambiente no século 21 Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 18-33.
  • CARIDE, J. A.; MEIRA, P. A. Educação ambiental e desenvolvimento humano Tradução: D. Carvalho. Lisboa: Instituto Piaget, 2004.
  • CARNEIRO, S. M. M. A dimensão ambiental da educação escolar de 1Ş. a 4Ş. séries do ensino fundamental na rede escolar pública da cidade de Paranaguá Curitiba, 1999. 320 f. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) Curso de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Universidade Federal do Paraná.
  • CARVALHO, I. C. M. Los sentidos de lo "ambiental": la contribuición de la hermenéutica a la pedagogía de la complejidad. In: LEFF, E. (Coord.). La complejidad ambiental México, DF: Siglo Veintiuno, 2000. p. 85-105.
  • _____. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004a.
  • _____. Educação ambiental crítica: nomes e endereçamentos da educação. In: LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da educação ambiental brasileira Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004b. p. 13-24.
  • COLLINGWOOD, A. G. Ciência e filosofia Tradução: F. Montenegro. Lisboa: Presença, s.d.
  • COMISSÃO Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988.
  • DELÉAGE, J.-P. História da Ecologia: uma ciência do homem e da natureza. Tradução: A. M. Novais. Lisboa: Dom Quixote, 1993.
  • DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 1993.
  • DIEGUES, A. C. A. O mito moderno da natureza intocada 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1998.
  • FLORIANI, D.; KNECHTEL, M. do R. Educação ambiental: epistemologia e metodologias. Curitiba: Vicentina, 2003.
  • FONTES, C. Rotas européias de comércio de escravos Disponível em: <http://confrontos.no.sapo. pt/page7a.htm>. Acesso em: 11 ago. 2005.
  • GADOTTI, M. Pedagogia da terra 2. ed. São Paulo: Peirópolis, 2000.
  • GONZÁLEZ GAUDIANO, E. Educación ambiental: história y conceptos a veinte años de Tbilisi. México, DF: Sistemas Técnicos de Edición, 1997.
  • _____. Interdisciplinaridade e educação ambiental: explorando novos territórios epistêmicos. In: SATO, M.; CARVALHO, I. M. Educação ambiental: pesquisa e desafios. Porto Alegre: Artmed, 2005. p.119-133.
  • GRUN, B. The Timetables of History 3th. rev. ed. New York: Simon & Schuster; Touchstone, 1991.
  • HONDERICH, T. The Oxford Companion to Philosophy New York: Oxford University Press, 1995.
  • HOUAISS, A. (Dir.). Pequeno dicionário enciclopédico Koogan Larousse Rio de Janeiro: Koogan Larousse, 1980.
  • JODELET, D. Les représentations sociales Paris: Presses Universitaires de France, 1989.
  • LAYRARGUES, P. P. Educação para a gestão ambiental: a cidadania no enfrentamento político dos conflitos socioambientais. In: LOUREIRO, C. F. B. (Org.). Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2000. p. 87-155.
  • LEFF, E. Epistemologia ambiental. Tradução: S. Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2001a.
  • _____. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável. In: REIGOTA, M. (Org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001b. p. 111-129.
  • MAIMON, D. A economia e a problemática ambiental. In: VIEIRA, P. F.; MAIMON, D. (Orgs.). As ciências sociais e a questão ambiental: rumo à interdisciplinaridade. Rio de Janeiro: APED; Belém: NAEA, 1993. p. 45-77.
  • McEVEDY, C. Atlas da história medieval Tradução: A. G. Mattoso. São Paulo: Verbo; Edusp, 1979.
  • MORIN, E. O método: I. A natureza da natureza. Tradução: M. G. de Bragança. Mira-Sintra, Portugal: Europa-América, s.d.
  • _____. Os sete saberes necessários à educação do futuro 8. ed. Tradução: C. E. F. da Silva; J. Sawaya. São Paulo: Cortez, 2003.
  • NOVO VILLAVERDE, M. Educación ambiental Madrid: Anaya, 1988.
  • ORDÓÑEZ, J. El princípio de responsabilidad: ensayo de una ética para la civilización tecnológica. Práxis: Ética e Meio Ambiente. San José, Costa Rica: Universidade Nacional, Departamento de Filosofia, n. 43-44, p. 45-58, out. 1992.
  • PONTING, C. Uma história verde do mundo Tradução: A. Z. Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
  • PRIGOGINE, I. O fim das certezas Tradução: R. L. Ferreira. São Paulo: Unesp, 1996.
  • QUINTAS, J. S. Educação no processo de gestão ambiental: uma proposta de educação ambiental transformadora e emancipatória. In: LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da educação ambiental brasileira Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. p. 113-140.
  • RANGEL, M. A representação social como perspectiva de estudo da escola. Tecnologia educacional, Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, n. 112, p. 11-15, maio/jun. 1993.
  • RHODE, G. M. Epistemologia ambiental: uma abordagem filosófico-cientítica sobre a efetuação humana alopoiética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. (Coleção Filosofia, 37).
  • SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI. In: RAYNAUT, C.; ZANONI, M. (Eds.). Cadernos de Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba:UFPR, n. 1, p. 47-62, 1994.
  • _____. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.
  • SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. M. Educação ambiental: pesquisa e desafios. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 17-44.
  • SIMMONS, I. G. Humanidade e meio ambiente: uma ecologia cultural. Tradução: L. Teopisto. Lisboa: Instituto Piaget, 2001 (Coleção Perspectivas Ecológicas).
  • SOFFIATI, A. Fundamentos filosóficos e históricos para o exercício da ecocidadania e da ecoeducação. In: LOUREIRO, C. F. B. et al. (Orgs.). Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002. p. 23-67.
  • SOSA, N. M. La ética en la Educación Ambiental. In: _____. (Coord.). Educación ambiental: sujeto, entorno y sistema. Salamanca: Amarú, 1989. p. 140-163.
  • THOMAS, K. O homem e o mundo natural Tradução: J. R. Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
  • TOMAZELLO, M. G. C.; FERREIRA, T. R. das C. Educação ambiental: que critérios adotar para avaliar a adequação pedagógica de seus projetos? Ciência & Educação, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 199-207, 2001.
  • TREVISOL, J. V. A educação ambiental em uma sociedade de risco: tarefas e desafios na construção da sustentabilidade. Joaçaba: Unoesc, 2003.
  • VIEIRA, Paulo Freire. Meio ambiente, desenvolvimento e planejamento. In: VIOLA, Eduardo J. et al. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez; Florianópolis: UFSC, 1995.
  • VIEIRA, P. F. Apresentação. In: LEFF, E. Epistemologia ambiental. Tradução: S. Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2001. p. 9-15.
  • VIOLA, E. J.; LEIS, H. R. A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971-1991: do bissetorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o desenvolvimento sustentável. In: HOGAN, D. J.; VIEIRA, P. F. (Orgs.). Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável Campinas: Universidade de Campinas, 1992. p. 73-102. (Coleção Momento).
  • ZARRILLI, A. G. Un nuevo enfoque acerca de la cuestión rural Quilmes, Argentina: Universidad Nacional de Quilmes, 1998. Disponível em: <http://www.ufg.edu.sv/ufg/red/historiaeco.html>. Acesso em: 09 ago. 2005.
  • 1
    Pelo componente anímico (hilezoísmo), dissolve-se na época helênica, ao avanço das ciências particulares e retomada do empirismo pré-socrático por céticos, epicuristas-atomistas e estóicos (HONDERICH, 1995, p. 349-350); por convenção, o Helenismo vai da morte de Alexandre Magno (323 a.C.) ao fim da República Romana (31 a.C.). A visão orgânica em parte foi reafirmada por J. Hutton, geólogo escocês, ao negar a separação dos mundo orgânico e mineral (1785) e, ao final do séc. XX, a Hipótese Gaia representa um retorno a essa concepção clássica, sobretudo em seu sentido não-evolucionista, ou seja, finalista (DELÉAGE, 1993, p. 90; RHODE, 1996, p. 103-104; SIMMONS, 2001, p. 229-232).
  • 2
    De Sócrates (469-399 a.C.) e Platão (427-347 a.C.) a Aristóteles (384-322 a.C.): envolvendo o quê, como e, ainda por quê, a mente humana conhece; no séc. VI a.C., a questão de conteúdo era expressa por
    máthesis e, sob os pitagóricos, passou a indicar desde então conteúdos da Matemática (BOWEN; HOBSON, 1974, p. 4, 23-26, 85-86). O termo
    filosofia, pitagórico, focava a excelência dos conhecimentos matemáticos, até num plano místico-metafísico (Bowen; Hobson, 1974, p. 24; HONDERICH, 1995, p. 734-735).
  • 3
    De Leucipo de Melito (séc. V) e seu discípulo Demócrito de Abdera (460-370 a.C.). A teoria intuiu a estrutura minimal do mundo físico e, na questão perceptiva, tocou o problema das qualidades secundárias; filosoficamente foi uma concepção materialista radical (HONDERICH, 1995, p. 64, 185, 240).
  • 4
    Por dois milênios (do Helenismo ao séc. XVII) segue na Europa uma certa visão organicista e religiosa da natureza, sobretudo quanto à produtividade da terra: seu cultivo envolvia uma liturgia dos ritmos sazonais (ZARRILLI, 1998); nas crenças anímicas populares, a relação com as forças naturais incluía práticas de magia, astrologia e feitiçaria (COLLINGWOOD, s. d., p. 141).
  • 5
    O Platonismo adentrara o pensamento medieval com Agostinho de Hipona, 354-430 (HONDERICH, 1995, p. 64-66); o aristotelismo, via comentadores árabes (em especial os médicos-filósofos Avicena, 980-1037, iraniano; e Averróis, 1126-1198, hispânico - HONDERICH, 1995, p. 70-71), incorporando-se à Escolástica, sobremodo com Tomás de Aquino, 1225-1274 (HONDERICH, 1995, p. 4-7). A ciência renascentista teve seus fundamentos básicos no Helenismo: Matemática (Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Hiparco de Nicéia), Astronomia e Geografia (Erastótenes de Cirene, com a 1a. sugestão da hipótese heliocêntrica; e Crates de Malos, que fez um globo do mundo) e no campo da Medicina: Diocles de Caristos, Asclepíades (GRUN, 1991, p. 17, 19, 21, 23); e nos continuadores do Helenismo: Ptolomeu (astrônomo e geógrafo), Diofanto e Papos de Alexandria (matemáticos), Galeno e Alexandre de Trales (Medicina) e Cosmas Indicopleustes, geógrafo (GRUN, 1991, p. 27, 29, 47).
  • 6
    Os renascentistas-modernistas focavam as causas eficientes imanentes na natureza (
    natura naturans), repudiando a teleologia aristotélica em favor do platonismo, pelo pressuposto das estruturas matemáticas; Galileu (1564-1642) via a natureza como um livro em linguagem matemática (COLLINGWOOD, s. d., 137-139). A teoria atomista ressurgiu mais na filosofia corpuscular, sobressaindo-se R. Boyle (1627-1691), cientista-filósofo inglês, iniciador da Química; aparece também na cosmologia newtoniana, sob influência neo-epicurista (BRUGGER, 1962, p. 608-609, 615; HONDERICH, 1995, p. 100; COLLINGWOOD, op. cit., p. 157).
  • 7
    Afirmada em 1512 por Copérnico (1473-1543), no
    Commentariolus (breve comentário) sobre o sistema solar; ainda em 1543, teve edição póstuma
    De revolutioninus orbium coelestium - Sobre as circunvoluções dos mundos celestes (GRUN, 1991, p. 229; COLLINGWOOD, s. d., p. 142).
  • 8
    O
    Discours de la Méthode (1637): a dúvida metódica (sob evidência ôntica do Ego: "penso, logo existo") como critério fundante da certeza do conhecimento. Concordes na negação científica das qualidades sensoriais, destacaram-se ainda: Newton (1642-1727), com a evidência físico-matemática das leis da natureza; Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776), opostos em graus de ceticismo, trataram a formação de conhecimentos sob foco empírico-sensorial; e Kant (1724-1804), idealista transcendental, sistematizou as ciências como formais (dedução lógico-matemática) e empíricas (indução de princípios e relações pela observação), numa síntese epistêmica desde Descartes (HOUAISS, 1980, p. 1128; 1400; HONDERICH, 1995, p. 188-91, 244, 436, 493-496, 618; PRIGOGINE, 1996, p. 195).
  • 9
    A concepção de espírito num âmbito de qualidades, distinto e fora da natureza; e esta, como o âmbito das quantidades espaciais e temporais e, pois, mensuráveis: em Descartes, as duas substâncias de espírito e corpo (COLLINGWOOD, s. d., p. 151-152).
  • 10
    Tal reducionismo contextualiza-se no Iluminismo: da Inglaterra (com Locke) à França (com os enciclopedistas) e daí, a toda a Europa; movimento acadêmico profícuo, porém, menos uma filosofia que uma radical racionalidade antropo-intelectualista, tendo a razão como único critério de si mesma, relativizando valores e gerando o liberalismo, individual como de classe social (HONDERICH, 1995, p. 236-237).
  • 11
    Sob influxo iluminista, os fisiocratas - como F. Quesnay (1694-1774) e o Marquês de Mirabeau (1715-1789) - concebiam a terra como fonte básica de riqueza, mediante o trabalho e a ajuda da ciência (ZARRILLI, 1998).
  • 12
    Em especial no quadro da Revolução Francesa, em torno dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, de inspiração iluminista e proclamados na Declaração dos Direitos Humanos, no mesmo ano da eclosão revolucionária (1789).
  • 13
    Desde Turgot (1727-1781), mas sobretudo com A. Smith (1723-1790):
    An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (1776) e D. Ricardo (1772-1823):
    Principles of Political Economy and Taxation (1817).
  • 14
    Teve por iniciador J. G. von Herder, 1744-1803 (nexo pensamento-lingua-cultura de um povo) e mentor, Schelling, 1775-1854 (filosofia natural idealista); desenvolveu-se em continuidade temática com a literatura medieval dos séc. XII-XV, subsumindo princípios renascentistas (liberdade, originalidade, auto-expressão) e o teor da Declaração dos Direitos Humanos de 1789 (GRUN, 1991, p. 366; CANTOR, 1993, p. 236-237, 529-566; HONDERICH, 1995, p. 352, 778, 800-801).
  • 15
    Iniciados no meio do séc. XVIII:
    Discours sur l'histoire universelle (1750) e
    Le siècle de Louis XIV (1751), de Turgot e Voltaire; foi ainda fundamental a
    Encyclopédie, entre 1751-1765; a publicação completa aparece em 1772 (COLLINGWOOD, s. d., p. 19-20, 229-230).
  • 16
    A contribuição de C. Darwin (1809-1882) é referencial, sobre mutações de espécies em entornos diversos -
    On the Origin of Species by Natural Selection, 1859 (HONDERICH, 1995, p. 255); vale lembrar o termo ecologia, usado em 1869 por E. Haeckel (1834-1919) para indicar relações entre espécies e seus ambientes (DIAS, 1993, p. 31).
  • 17
    Desde finais do séc. XIX, a teoria econômica avança como Economia Neoclássica, ainda hoje influente (de Jevons, Menger e Walras a Keynes, Hayek, Friedman etc. Disponível em: <
  • 18
    Estudo encomendado pelo Clube de Roma (1968) ao MIT-Massachussets Institute of Technology; coordenado por Dennis Meadows, é conhecido ainda por Relatório Meadows e contribuiu para a inserção da temática ambiental na agenda política internacional e nos meios científicos, ao denunciar o vigente modelo de desenvolvimento econômico como inviável, dados os limites físico-ecológicos que a finitude da biosfera impõe ao crescimento bioeconômico da humanidade (TREVISOL, 2003, p. 96).
  • 19
    O Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente-PNUMA, 1973, focando a relação meio ambiente-desenvolvimento; e, pouco depois, o Programa Internacional de Educação Ambiental-PIEA, 1975 (NOVO VILLAVERDE, 1988, p. 49-55). Este último encerrou-se em 1995 e, na linha do cap. 36 da Agenda 21 da Rio-92, passou a Programa de Educação para um Futuro Viável (UNESCO, 1997), voltado ao
    desenvolvimento sustentável mediante a conservação dos recursos naturais e a (hipotética) partilha eqüitativa dos mesmos, sem uma integração explícita das problemáticas socioeconômicas (GONZÁLEZ GAUDIANO, 2005, p. 20; SAUVÉ, 2005, p. 37).
  • 20
    O primeiro, cunhado por M. Strong (secretário-geral da Conferência de Estocolmo e da Rio-92), visando a um desenvolvimento de referência ecológica; e reelaboração por I. Sachs, em vista da aplicação a projetos localizados, orientados a soluções para satisfação de necessidades básicas e promoção de autonomia das populações, na perspectiva de recuperação de uma simbiose duradoura entre homem e terra (VIEIRA, 1995, p. 54; MAIMON, 1993, p. 56-57; SACHS, 1986, p. 15-18; 1994, p. 47).
  • 21
    A expressão
    sustainable development corria no mundo anglo-saxônico desde o início da década de 1980, lançado por Lester Brown (fundador do Worldwatch Institute), na acepção do Relatório Brundtland (CAPRA, 2003, p. 19).
  • 22
    A racionalidade subjacente a essa conjuntura é a do Iluminismo do séc. XVIII, tendo-se tornado mito o
    esclarecimento científico, ainda hoje, como poder manipulador da natureza (ADORNO; HORCKHEIMER, 1985, p. 24, apud TREVISOL, op. cit., p. 72); haja vista uma certa inibição neo-liberal nas formulações político-econômicas e socioambientais da Rio-92, bem como sua pouca efetividade subseqüente (CARIDE; MEIRA, 2004, p. 189-192).
  • 23
    Claude Martin (secretário-geral da WWF-Internacional): "... a maioria das empresas está focada em questões ligadas à eficácia, a padrões sociais e ambientais. Mas poucas aceitam o fato que há limites biofísicos no planeta..." (CLUBE WWF-BRASIL, Pôster n. 4, jul. 2005).
  • 24
    Relacionados à teoria dos sistemas vivos, em que todos os seres (bióticos e abióticos) estão interligados numa rede de relações de troca de matéria e energia, em dinâmicas autógenas (CAPRA, 2003, p. 22-23).
  • 25
    Processos irreversíveis de dissipação e perda de energia, gerando colapso de um sistema (PRIGOGINE, 1996, p. 25).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      17 Dez 2005
    • Recebido
      23 Set 2005
    Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: educar@ufpr.br