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Biorremediação de solos contaminados com arsênio por meio de lavagem de solo usando biossurfactantes

Bioremediation of arsenic-contaminated soil through soil washing using biosurfactants

RESUMO

A mineração de ouro é uma das principais fontes de contaminação de arsênio (As) no Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais. O As é um elemento tóxico capaz de causar sérios danos à saúde humana. Com o objetivo de investigar formas mais ecológicas e igualmente eficientes para a remoção de As em solos, empregou-se a técnica de lavagem de solos (soil washing) com uso de extratos com biossurfactantes (BS) visando promover a mobilização do As contido em solo de mina de ouro abandonada. Para a produção dos extratos, foram selecionadas duas culturas mistas de bactérias produtoras de BS (MPCB e MPBR) tolerantes a alta concentração de arsênio (8 mg.L-1). Os tensoativos produzidos foram estáveis em ampla faixa de pH, 3-11; temperatura, 28-50ºC e salinidade, 1-5% NaCl (p.v-1). Nos testes de lavagem de solo, em pH 11, as remoções de As obtidas com os extratos MPCB (14,01 e 13,72%) e MPBR (12,04 e 12,31%) foram superiores àquelas obtidas com soluções a 1% (p.v-1) dos surfactantes comerciais SDS (0,87 e 0,71%); saponina (0,57 e 0,55%) e lecitina de soja (2,05 e 2,63%). Os resultados dos testes em coluna foram igualmente influenciados pelo pH e pela proporção sólido:líquido. As maiores remoções de As: 25,43% (MPCB) 22,43% (MPBR) foram obtidas em pH 11, na proporção 1:40 (g.mL-1), após 10 ciclos de extração. Os extratos MPCB e MPBR removeram o As solúvel em água, os íons ligados ao carbonato e aqueles adsorvidos. Ambos os extratos tiveram comportamento semelhante ao ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) e ao extrato de cultura microbiana comercial (GorduraKlin®).

Palavras-chave:
arsênio; biorremediação; biossurfactante; solo

ABSTRACT

Gold mining is one of the main sources of Arsenic (As) contamination in Minas Gerais, particularly at the Iron quadrangle. Arsenic is a toxic element that causes damage to human health. The soil washing technique using biosurfactants (BS) containing extracts was tested to promote the mobilization of the As contained in some soil samples collected in an abandoned gold mine, to investigate an environmentally friendly but equally efficient alternative to remove As from soils. Two mixed cultures of biosurfactant-producing bacteria (MPCB and MPBR), both adapted to the cultivation at high As concentrations (8 mg.L-1), were selected for extracts production. Surfactants were stable over a wide pH range, 3-11; temperature, 28-50ºC and salinity, 1-5% NaCl (p.v-1), and promoted the mobilization of As. The pH and solid:liquid ratio influenced the removal efficiency of the tested extracts. The highest removals were obtained at pH 11.0 and a solid:liquid ratio of 1:40 (g.mL-1). Under pH 11.0, the arsenic removal results obtained with MPCB (14.01 and 13.72%) and MPBR extracts (12.04 and 12.31%) were superior to those obtained by using 1% (w/v) solutions of the commercial surfactants SDS (0.87 and 0.71%), saponin (0.57 and 0.55%) and, soy lecithin (2.05 and 2.63%). The pH and the solid: liquid ratio influenced the results of the column tests. The highest As removals: 25.43% (MPCB) and 22.43% (MPBR) were obtained after 10 extraction cycles, at pH 11 and 1:40 ratio (g.mL-1).

The extracts MPCB and MPBR removed the water-soluble arsenic as well as the carbonate associated As and the adsorbed ions. Both extracts behaved similarly to EDTA and the commercial microbial extract (GorduraKlin®).

Keywords:
arsenic; bioremediation; biosurfactant; soil

INTRODUÇÃO

O arsênio (As) é um elemento tóxico bioacumulativo considerado um agente cancerígeno e perturbador endócrino (O’DAY, 2006O’DAY, P.A. (2006) Chemistry and mineralogy of arsenic. Elements, v. 2, n. 2, p. 77-83. https://doi.org/10.2113/gselements.2.2.77
https://doi.org/https://doi.org/10.2113/...
). O As existe essencialmente no meio ambiente em quatro estados de oxidação (-3, 0, +3 e +5), e sua toxicidade depende principalmente da sua estrutura química e do seu estado de oxidação (O’DAY, 2006O’DAY, P.A. (2006) Chemistry and mineralogy of arsenic. Elements, v. 2, n. 2, p. 77-83. https://doi.org/10.2113/gselements.2.2.77
https://doi.org/https://doi.org/10.2113/...
). Desde 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). (2011) Arsenic in Drinking-water. OMS. 24 p. Disponível em: <Disponível em: http://www.who.int/water_sanitation_health/dwq/chemicals/arsenic.pdf >. Acesso em: 20 abr. 2018.
http://www.who.int/water_sanitation_heal...
) recomenda um limite máximo de concentração de As de 10 µg.L-1 para água de consumo humano (SMEDLEY; KINNIBURGH, 2002SMEDLEY, P.L.; KINNIBURGH, D.G. (2002) A review of the source, behaviour and distribution of arsenic in natural waters. Applied Geochemistry, v. 17, n. 5, p. 517-568. https://doi.org/10.1016/S0883-2927(02)00018-5
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
).

As principais fontes antropogênicas de As são a contaminação dos solos por agrotóxicos arsenicais, a fundição de metais, a queima de combustíveis fósseis e a má disposição de resíduos industriais nas atividades de mineração de metais não ferrosos (SMEDLEY; KINNIBURGH, 2002SMEDLEY, P.L.; KINNIBURGH, D.G. (2002) A review of the source, behaviour and distribution of arsenic in natural waters. Applied Geochemistry, v. 17, n. 5, p. 517-568. https://doi.org/10.1016/S0883-2927(02)00018-5
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). A região do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais é citada como uma das localidades no mundo com ocorrência de contaminação por As pelos longos anos de exploração mineral, com destaque principal para a mineração de ouro (FIGUEIREDO; BORBA; ANGÉLICA, 2007FIGUEIREDO, B.R.; BORBA, R.P.; ANGÉLICA, R.S. (2007) Arsenic occurrence in Brazil and human exposure. Environmental and Geochemical Health, v. 29, n. 2, p. 109-118. https://doi.org/10.1007/s10653-006-9074-9
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; BORBA; FIGUEIREDO; MATSCHULLAT, 2003BORBA, R.P.; FIGUEIREDO, B.R.; MATSCHULLAT, J. (2003) Geochemical distribution of arsenic in waters, sediments and weathered gold mineralized rocks from Iron Quadrangle, Brazil. Environmental Geology, v. 44, p. 39-52. https://doi.org/10.1007/s00254-003-0766-5
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).

O ouro é encontrado frequentemente na natureza associado a minerais sulfetados contendo As, como é o caso da arsenopirita (FeAsS), mineral arsenical mais abundante na natureza (O’DAY, 2006O’DAY, P.A. (2006) Chemistry and mineralogy of arsenic. Elements, v. 2, n. 2, p. 77-83. https://doi.org/10.2113/gselements.2.2.77
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) e no Quadrilátero Ferrífero (FIGUEIREDO; BORBA; ANGÉLICA, 2007FIGUEIREDO, B.R.; BORBA, R.P.; ANGÉLICA, R.S. (2007) Arsenic occurrence in Brazil and human exposure. Environmental and Geochemical Health, v. 29, n. 2, p. 109-118. https://doi.org/10.1007/s10653-006-9074-9
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). Na mineração de ouro, é formada uma grande quantidade de rejeito contendo arsenopirita que poderá ser oxidada via O2 (Equação 1) ou via Fe+3 (Equação 2) por meio de processos inorgânicos ou biológicos, como na presença da bactéria ferro oxidante Acidithiobacillus ferrooxidans que acelera a taxa de oxidação da arsenopirita, liberando as espécies de As (ALTUN et al., 2014ALTUN, M.; SAHINKAYA, E.; DURUKAN, I.; BEKTAS, I.; KOMNITSAS, K. (2014) Arsenic removal in a sulfidogenic fixed-bed column bioreactor. Journal of Hazardous Materials, v. 269, p. 31-37. https://doi.org/10.1016/j.jhazmat.2013.11.047
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).

F e A s S + 2 H 2 O + 3.5 O 2 F e A s O 4 . 2 H 2 O + S O 4 - 2 + 2 H + (1)

F e A s S + 13 F e + 3 + 8 H 2 O 14 F e + 2 + H 3 A s O 4 + S O 4 - 2 + 13 H + (2)

Um método alternativo utilizado para recuperação de solos e rejeitos contaminados com As que vem sendo estudado é a lavagem de solo (soil washing) (USEPA, 2002UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY (USEPA). (2002) Arsenic treatment Technologies for soil, waste and water. Cincinnati: U.S. Environment Protection Agency-National Service Center for Environmental Publications. Disponível em: <Disponível em: https://clu-in.org/download/remed/542r02004/arsenic_report.pdf >. Acesso em: 1º dez. 2016.
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) utilizando biossurfactantes (BS) (GUSIATIN, 2014GUSIATIN, Z.M. (2014) Tannic ancid and saponin for removing arsenic from brownfiled soils: Mobilization, distribution and speciation. Journal of Environmental Sciences, v. 26, n. 4, p. 855-864. https://doi.org/10.1016/S1001-0742(13)60534-3
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; WANG; MULLIGAN, 2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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; MULLIGAN, 2005MULLIGAN, C.N. (2005) Environmental applications for biosurfactants. Environmental Pollution,v. 133 n. 2, p. 183-198. https://doi.org/10.1016/j.envpol.2004.06.009
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). Os BS são capazes de remover o As contido no solo por meio da sua mobilização para fase líquida, que é tratada posteriormente. Os BS são moléculas sintetizadas por organismos vivos como bactérias, fungos e plantas e são empregados em diversos setores industriais (BANAT; MAKKAR; CAMEOTRA, 2000BANAT, I.M.; MAKKAR, R.S.; CAMEOTRA, S.S. (2000) Potential commercial applications of microbial surfactants. Applied Microbiology and Biotechnology, v. 53, p. 495-508. https://doi.org/10.1007/s002530051648
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). Uma das potenciais aplicações ambientais dos BS é o seu uso na biorremediação de solos contaminados por compostos orgânicos, metais e metaloides tóxicos. As principais vantagens do uso dos BS comparado ao dos surfactantes sintéticos são sua baixa toxicidade, biodegradabilidade e alta tolerância a amplas faixas de temperatura, pH e salinidade (SANTOS et al., 2016SANTOS, D.K.; RUFINO, R.D.; LUNA, J.M.; SANTOS, V.A.; SARUBBO, L.A. (2016) Biosurfactants: Multifunctional Biomolecules of the 21st Century. International Journal of Molecular Sciences, v. 17, n. 3, p. 401. https://dx.doi.org/10.3390%2Fijms17030401
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).

A proposta desta pesquisa é avaliar o desempenho de BS produzidos por culturas microbianas mistas para remoção de As em solo contaminado coletado em uma mina de ouro abandonada e compará-los com diferentes agentes extratores.

METODOLOGIA

Amostras de solo

Realizou-se a amostragem na mina de ouro desativada Chico Rei, em Ouro Preto (MG), Brasil. As amostras de solo foram coletadas a 20 cm de profundidade, utilizando pás, e acondicionadas em sacos plásticos. As amostras foram secas à temperatura ambiente e homogeneizadas por quarteamento e peneiramento mecânico. Escolheu-se a fração do solo com granulometria inferior a 0,25 mm para os testes subsequentes. O pH e o potencial de oxirredução (Eh) de suspensões de solo (razão solo:água = 1:2,5, p.v-1) foram determinados utilizando-se medidor digital de pH/mV (DIGIMED, DM-20) com eletrodo combinado de platina-Ag/AgCl (DMR-CP1). Após digestão com água-régia (LOPES, 2014LOPES, L.R. (2014) Influência de Fatores Biológicos na Mobilidade de Arsênio Presente em Solos da Cidade de Ouro Preto - Estudos “in vitro”. 104f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2014.), determinou-se a composição química do solo, por espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES) (Spectro, modelo Ciros CCD). A análise mineralógica por difração de raio X (XRD) e as análises microscópicas do material foram previamente realizadas e descritas por Lopes (2014LOPES, L.R. (2014) Influência de Fatores Biológicos na Mobilidade de Arsênio Presente em Solos da Cidade de Ouro Preto - Estudos “in vitro”. 104f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2014.).

Culturas microbianas

Empregaram-se culturas mistas de bactérias redutoras de sulfato (BRS) com tolerância à presença de íons arsenicais obtidas e mantidas no Laboratório de Biotecnologia da Universidade Federal de Ouro Preto (MATOS et al., 2017MATOS, L.P.; COSTA, P.F.; MOREIRA, M.; GOMES, P.C.S.; SILVA, S.Q.; GURGEL, L.V.A.; TEIXEIRA, M.C. (2017) Simultaneous removal of sulfate and arsenic using immobilized non-traditional SRB mixed culture and alternative low-cost carbon sources. Chemical Engineering Journal, v. 334, p.1630-1641. https://doi.org/10.1016/j.cej.2017.11.035
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). Dez consórcios microbianos foram testados quanto à sua capacidade de produção de BS por meio dos testes de emulsificação e tensão superficial. Selecionaram-se duas culturas, denominadas MPBR e MPCB - de acordo com códigos aleatórios internos criados no laboratório que se referem às culturas mistas de microrganismos obtidas utilizando-se os meios de cultura Postgate B e C e ainda em processo de identificação (ARAÚJO, 2019ARAÚJO, L. dos S.S. (2019) Produção de biossurfactante por consórcio microbiano e aplicação na remediação de solo contaminado com arsênio. 126 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Núcleo de Pesquisas e Pós-Graduação em Recursos Hídricos, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto. Disponível em: <Disponível em: https://www.repositorio.ufop.br/handle/123456789/11824 >. Acesso em: 17 jun. 2020.
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) -, por apresentarem as maiores reduções nas tensões superficiais. Além das culturas MPBR e MPCB, empregou-se uma cultura comercial (GK) obtida com base no enriquecimento do material biológico presente no produto comercial GorduraKlin® (Bio-System Internacional/Bio-Brasil Limpeza Biológica Ltda). Esse produto é um bioaditivo recomendado para limpeza de caixas de gorduras e, segundo dados do fabricante, “é composto pelos micro-organismos Bacillus subtilis e Pseudomonas stutzeri”, capazes de sintetizar os BS surfactina e ramnolipídeo, respectivamente, e ainda por “Escherichia hernanii e Bacillus sp”. Os extratos produzidos pela cultura GK foram usados para comparação com as culturas MPBR e MPCB.

Produção dos biossurfactantes

Utilizou-se o meio de cultura líquido para produção de BS, meio S, cuja composição é: MgSO4.7H2O (0,5 g.L-1); KCl (0,1 g.L-1); K2HPO4 (0,1g.L-1); FeSO4.7H2O (0,01 g.L-1); CaCl2.2H2O (0,01 g.L-1); NaNO3 (7,0 g.L-1); extrato de levedura (0,1 g.L-1); glicose (10,0 g.L-1) e glicerol (0,5 g.L-1). Após o preparo, o pH do meio era neutralizado (se necessário) com adição de soluções de HCl ou NaOH (1 M) e esterilizado (120ºC, 1,5 atm, 20 min). Os cultivos foram feitos em condições aeróbias usando frascos de vidro de 500 mL com 15 cm de diâmetro contendo 100 mL de meio de cultivo esterilizado e concentração inicial de inóculo de aproximadamente 10 g.L-1 de massa celular úmida das culturas selecionadas (MPBR, MPCB e GK). Os frascos foram incubados em agitador orbital (150 rpm, 30ºC, 5 dias). Findo o tempo de cultivo, o meio de cultura foi centrifugado (10.000 rpm, 20 min) e filtrado em papel filtro (3 micras). Os sobrenadantes de cultura, livres de células, assim obtidos (extratos de BS) foram utilizados nas demais etapas experimentais.

Atividade e estabilidade dos biossurfactantes

Para determinação da atividade dos BS, realizaram-se os testes de índice de emulsificação (IE24) e de determinação de tensão superficial pelo método Du Nouy. A estabilidade dos extratos de BS avaliou-se em diferentes temperaturas (25 e 50ºC), valores de pH (2, 4, 7, 9 e 11) e concentrações salinas (1 e 5% de NaCl, p.v-1). O pH das soluções foi ajustado pela adição de soluções de HCl ou NaOH, (2 mol.L-1). As amostras foram agitadas (150 rpm, 25 ou 50ºC, 24 h) antes de serem submetidas aos testes de determinação de atividades surfactante.

A capacidade de emulsificação (IE24) foi avaliada adicionando-se 2 mL de parafina líquida padrão analítico e 2 mL de extrato de BS em tubos de ensaio de vidros. As misturas foram agitadas por 5 min (vortex, Mixar, série 7787) e deixadas em repouso por 24 h. O IE24 é dado pela proporção relativa percentual da altura de fase emulsionada em função da altura total da coluna de líquido na mistura (TECHAOEI et al., 2007TECHAOEI, S.; LEELAPORNPISID, P.; SANTIARWARN, D.; LUMYONG, S. (2007) Preliminary screening of biosurfactantproducing microorganisms isolated from hot. KMITL Science and Technology Journal, v. 7, n. S1, p. 38-43.), conforme Equação 3.

I E 24 = A l t u r a d a e m u l s i f i c a ç ã o f o r m a d a A l t u r a t o t a l d a c o l u n a d e l í q u i d o x 100 % (3)

Realizou-se a determinação da tensão superficial pelo método de deslocamento do anel de platina em um tensiômetro (método Du Nouy). A tensão superficial foi obtida por meio do valor da tensão dada por mN.m-1 no tensiômetro após o anel se desprender da interface do extrato de BS com o ar.

Lavagem de solo: soil washing

Foram feitos testes de lavagem de solo utilizando-se frascos de vidro (50 mL), mantidos sob agitação (agitador orbital Quimis, Modelo 0816M20), visando analisar a remoção de As na amostra de solo. Para avaliar os efeitos do pH, da temperatura e da salinidade nos extratos, empregaram-se as seguintes condições: razão sólido:líquido 1:10 (p.v-1); pH 3,0, 4,5, 7,0, 8,5 e 11,0; temperatura 28 e 50ºC; salinidade 1 e 5% (p.v-1); agitação 150 rpm; 48 h. Avaliou-se o efeito do tempo sobre a atividade dos extratos com a mesma proporção sólido:líquido e mesmas salinidades e agitação. Empregaram-se os valores de pH 4,5, 8,5 e 11,0; temperatura de 28ºC; nos tempos de 0, 1, 2, 4, 8, 12, 16, 20, 24 e 48 h. Para análise do efeito da proporção sólido:líquido, utilizaram-se as proporções 1:40, 1:20,1:15, 1:10, 1:5, 1:4 e 1:2,5 (p.v-1). Fixaram-se as seguintes condições: pH 11,0; 28°C; NaCl 1% (p.v-1); 150 rpm; 48 h. Para comparar a remoção de As com extratores comerciais, foram realizados testes com os BS comerciais lecitina de soja e saponina, com surfactante dodecil sulfato de sódio (SDS), com o agente quelante ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) e com o extrato de BS GK na concentração de 1% (p.v-1), exceto para o extrato GK. As condições experimentais empregadas foram: proporção (1:10 p.v-1); pH 4,5, 8,5 e 11,0; 28°C; 1 e 5% de NaCl (p.v-1); 150 rpm; 48 h. Por fim, houve testes utilizando diferentes agentes extratores para determinação da solubilidade do As com base nas diferentes fases minerais do material coletado na mina de Chico Rei. Tais testes de solubilidade seguiram os procedimentos propostos para extração sequencial de frações de As em sedimentos (JAVED; KACHANOSKI; SIDDIQUE, 2013JAVED, M.B.; KACHANOSKI, G.; SIDDIQUE, T. (2013) A modified sequential extraction method for arsenic fractionation in sediments. Analytica Chimica Acta, v. 787, p. 102-110. https://doi.org/10.1016/j.aca.2013.05.050
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) e para solubilização de metais pesados (PIRES; MATTIAZZO, 2007PIRES, A.M.M.; MATTIAZZO, M.E. (2007) Cinética de solubilização de metais pesados por ácidos orgânicos em solos tratados com lodo de esgoto. Revista Brasileira de Ciências do Solo, Viçosa, v. 31, n. 1, p. 143-151. https://doi.org/10.1590/S0100-06832007000100015
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). A Tabela 1 apresenta os extratores empregados e suas concentrações e pH, as frações de As removidas e os possíveis mecanismos envolvidos em sua solubilização.

Tabela 1 -
Agentes extratores utilizados para remoção de arsênio (As). Possíveis mecanismos envolvidos.

Após os testes de lavagem de solo, as amostras foram centrifugadas (10.000 rpm/20 min) e filtradas em papel de filtro qualitativo (3 micras) e membrana microporosa de acetato de celulose de 0,45 µm. Os filtrados foram preservados com a adição de 100 µL de HNO3 e enviados para análise por ICP-OES. Os resultados são as médias aritméticas das replicatas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização do solo da mina de Chico Rei

De acordo com a classificação granulométrica (NBR 6502; ABNT, 1995ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. (1995) NBR 6502: Rochas e Solos. Rio de Janeiro: ABNT.), mais de 50% do solo foi classificado como arenoso fino. O solo tem pH ácido, 3,48, e Eh positivo, Eh +479,9 mV. A análise por XRD indicou um solo altamente intemperizado com a presença das fases cristalinas de quartzo, caulinita e muscovita (LOPES, 2014LOPES, L.R. (2014) Influência de Fatores Biológicos na Mobilidade de Arsênio Presente em Solos da Cidade de Ouro Preto - Estudos “in vitro”. 104f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2014.). A muscovita é um mineral micáceo, ou seja, pertence ao grupo mineral com boas propriedades adsorventes de metais e espécies arsenicais, que podem precipitar na presença de Fe+2 (LOPES, 2014LOPES, L.R. (2014) Influência de Fatores Biológicos na Mobilidade de Arsênio Presente em Solos da Cidade de Ouro Preto - Estudos “in vitro”. 104f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2014.). A análise da composição química do material apontou altas concentrações de As (4598,541), Al (3683,127), Mn (5766,289) e Fe (87779,136), em mg.kg-1 de solo. Os principais resultados obtidos estão na Tabela 2. A composição desse material é semelhante aos resultados de análises de outros solos de minas de ouro (WANG; MULLIGAN, 2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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). Os resultados mostram que o solo é contaminado por As, e assim, caso esse resíduo venha a sofrer um processo de lixiviação, deve-se considerar o risco potencial de contaminação de corpos d’águas.

Tabela 2 -
Propriedades físico-químicas do solo da mina de Chico Rei.

Efeito do pH, temperatura e salinidade sobre as atividades dos biossurfactantes

Os testes de tensão superficial e emulsificação foram realizados com os extratos de BS visando avaliar sua estabilidade e seus potenciais usos em processos de biorremediação de solo. Os valores da tensão superficial e do índice de emulsificação obtidos estão na Figura 1. Os resultados mostraram que os consórcios microbianos MPBR e MPCB são capazes de produzir BS com estabilidade em uma faixa ampla de temperatura (28-50ºC), pH (4-11) e salinidade (1-5% NaCl). As tensões superficiais ficaram na faixa de 28 a 33 mN.m-1, indicando que ambos os extratos MPBR e MPCB apresentam boas atividades superficiais. Os índices de emulsificação foram testados apenas na temperatura de 28ºC, e os resultados mostraram que não houve mudanças significativas na capacidade emulsificante dos extratos com BS MPCB e MPBR variando as condições de pH e salinidade. Os índices de emulsificação detectados para os extratos MPCB e MPBR permaneceram entre 8,3-8,5 e 11,8-12,5%, respectivamente.

Figura 1 -
Valores da tensão superficial e índice de emulsificação após 24 h (IE24) dos extratos de biossurfactantes (BS) das culturas MPBR e MPCB em pH 4, 7, 9 e 11, temperatura de 28 e 50ºC e salinidade de 1 e 5% NaCl (p.v-1).

Os BS são capazes de reduzir a tensão superficial da água por sua propriedade anfifílica de poder atuar na superfície do líquido, diminuindo as forças de coesão entre as moléculas de água e, consequentemente, ocasionando a diminuição desse fenômeno físico. Um bom tensoativo pode reduzir a tensão superficial da água de 72 para 35 mN.m-1 (SANTOS et al., 2016SANTOS, D.K.; RUFINO, R.D.; LUNA, J.M.; SANTOS, V.A.; SARUBBO, L.A. (2016) Biosurfactants: Multifunctional Biomolecules of the 21st Century. International Journal of Molecular Sciences, v. 17, n. 3, p. 401. https://dx.doi.org/10.3390%2Fijms17030401
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.33...
). Dessa forma, as reduções das tensões superficiais do meio de cultura atingidos após os cultivos microbianos dos consórcios MPCB e MPBR, de 68 para 28 mN.m-1, indicam indiretamente as sínteses de compostos tensoativos. As reduções das tensões superficiais encontradas para os extratos MPCB e MPBR também foram compatíveis com aquelas descritas na literatura como características dos BS ramnolipídeos (29 mN.m-1), surfactinas (27 mN.m-1) e sorolipídeos (29 mN.m-1) (SANTOS et al., 2016SANTOS, D.K.; RUFINO, R.D.; LUNA, J.M.; SANTOS, V.A.; SARUBBO, L.A. (2016) Biosurfactants: Multifunctional Biomolecules of the 21st Century. International Journal of Molecular Sciences, v. 17, n. 3, p. 401. https://dx.doi.org/10.3390%2Fijms17030401
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.33...
). A medida da tensão superficial, entretanto, não nos permite quantificar a produção de BS na solução. Isso ocorre porque há um limite do número de moléculas dos BS que podem permanecer na superfície do líquido que é atingido na concentração micelar crítica (CMC). Após esse valor, a adição de novas moléculas não mais interfere sobre o valor da tensão superficial.

Os BS também podem atuar como agentes emulsificantes na formação de emulsões que são sistemas heterogêneos constituídos de, pelo menos, dois líquidos imiscíveis, os quais estão, um, em uma fase dispersa e, o outro, em uma fase contínua (SANTOS et al., 2016SANTOS, D.K.; RUFINO, R.D.; LUNA, J.M.; SANTOS, V.A.; SARUBBO, L.A. (2016) Biosurfactants: Multifunctional Biomolecules of the 21st Century. International Journal of Molecular Sciences, v. 17, n. 3, p. 401. https://dx.doi.org/10.3390%2Fijms17030401
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.33...
). Um emulsificante bom e estável precisa atingir um índice de emulsão de 24 h igual ou maior que 50% (WILLUMSEN; KARLSON, 1996WILLUMSEN, P.A.; KARLSON, U. (1996) Screening of bacteria, isolated from PAH-contaminated soil, for production of biosurfactants and bioemulsifiers. Biodegradation, v. 7, p. 415-423. https://doi.org/10.1007/BF00056425
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). Seguindo esse critério, os extratos de BS MPCB e MPBR não apresentaram emulsões estáveis e, portanto, não são bons agentes emulsificantes. A baixa capacidade de emulsificação pode fazer com que os extratos obtidos não sejam ideais para biorremediação de solos impactados com contaminação de petróleo (BANAT; MAKKAR; CAMEOTRA, 2000BANAT, I.M.; MAKKAR, R.S.; CAMEOTRA, S.S. (2000) Potential commercial applications of microbial surfactants. Applied Microbiology and Biotechnology, v. 53, p. 495-508. https://doi.org/10.1007/s002530051648
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). Apesar de os extratos de BS não formarem emulsões estáveis, tal fato não interferiu em suas boas atividades superficiais (diminuição da tensão superficial) porque, embora ambas as propriedades sejam básicas para os BS, elas raramente estão associadas entre si (BALAN; KUMAR; JAYALAKSHMI, 2017BALAN, S.S.; KUMAR, C.G.; JAYALAKSHMI, S. (2017) Aneurinifactin, a new lipopeptide biosurfactant produced by a marine Aneurinibacillus aneurinilyticus SBP-11 isolated from Gulf of Mannar: Purification, characterization and its biological evaluation. Microbiological Research, v. 194, p. 1-9. https://doi.org/10.1016/j.micres.2016.10.005
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).

Na temperatura de 50ºC, as tensões superficiais exibiram valores um pouco menores que os observados a 28ºC, o que era esperado, uma vez que a temperatura é diretamente proporcional à agitação média de átomos e moléculas. Logo, o aumento da temperatura causa aumento médio da agitação térmica das moléculas, o que amplia a distância média entre elas, diminuindo as forças coesivas intermoleculares, que são responsáveis pelo fenômeno da tensão superficial (CARDOSO; TOLENTINO, 2005CARDOSO, A.V.; TOLENTINO, E. (2005) Ciência dos materiais multimídia. Disponível em: <Disponível em: http://www.cienciadosmateriais.org/index.php?acao=exibir∩=17⊤=165#_ftn(3) >. Acesso em: 2 abr. 2018.
http://www.cienciadosmateriais.org/index...
). Dessa forma, espera-se diminuição da tensão superficial dos líquidos quando há aumento de temperatura.

Avaliaram-se os extratos em diferentes pH, e os resultados mostraram que houve discreto aumento da tensão superficial com o aumento do pH nos extratos de BS MPBR e MPCB. Os BS são moléculas orgânicas complexas que contêm grupos hidrofílicos, como aminoácidos, fosfato e ácido carboxílico, que podem sofrer alteração dependendo do pH do meio. Um exemplo é o BS ramnolipídeo, que tem sua tensão superficial aumentada com o aumento do pH pela desprotonação do seu grupo carboxílico provocando aumento das forças repulsivas entre as moléculas do BS (WANG; MULLIGAN, 2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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). Alguns BS, como surfactina e ramnolipídeo, também podem sofrer precipitação em pH ácidos e perder sua atividade tensoativa.

Analisaram-se as tensões superficiais dos extratos com BS nas concentrações salinas de 1 e 5% NaCl, e os resultados mostraram que não houve influência significativa na medida da tensão superficial dos extratos nas concentrações salinas estudadas. O fato desses BS serem tolerantes a concentrações salinas elevadas é uma vantagem para justificar seu uso, uma vez que os surfactantes convencionais perdem suas funções tensoativas em ambientes com concentrações salinas maiores que 3%. Testes realizados por Helvaci, Peker e Ozdemir (2004HELVACI, S.S.; PEKER, S.; OZDEMIR, G. (2004) Effect of electrolytes on the surface behavior of rhamnolipids R1 and R2. Colloids and Surfaces B: Biointerfaces, v. 35, n. 3-4, p. 225-233. https://doi.org/10.1016/j.colsurfb.2004.01.001
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) mostraram que a adição de NaCl fazia com que os grupos carboxilas dissociados de ramnolipídeos sofressem neutralização pela blindagem eletrostática dos íons Na+, ocasionando redução da tensão superficial.

Testaram-se os efeitos sobre a mobilização do As com os extratos de BS MPCB e MPBR variando temperatura, pH e salinidade. Foram usados o meio de cultivo microbiano e a água destilada como amostras de controle. Não foram encontradas presenças significativas de As nos extratos de BS e nem nas amostras de controle nos testes de caracterização das amostras por ICP-OES, capaz de detectar concentrações de até 0,01µg.L-1 de As. Os resultados obtidos por meio dos testes de remoção de As pelos extratos de BS, variando as condições de temperatura, pH e salinidade, são apresentados na Figura 2.

Figura 2 -
Testes de lavagem de solo para remoção de arsênio (As) a 28 e 50ºC, em pH 3,0, 4,5, 7,0, 8,5 e 11,0 e salinidade 1 e 5% NaCl (p.v-1).

Os extratos de BS foram mais eficientes na mobilização de As que as amostras de controle, em todas as condições testadas. Além disso, os extratos não tiveram suas capacidades de mobilizar o As alteradas com as temperaturas e salinidades testadas, indicando que são tolerantes às condições mais drásticas, podendo assim serem empregados em processos em que temperatura e salinidade sejam variáveis. Tanto a água destilada quanto o meio de cultura microbiano tiveram comportamentos parecidos, o que indica que nenhum componente do cultivo teve influência significativa no comportamento de mobilização do As pelos extratos de BS.

Somente o pH apresentou influência significativa na remoção do As para os dois extratos de BS. Houve uma maior extração de As com o aumento do pH para 11. Os valores encontrados para extração de As com os extratos MPCB e MPBR em pH 11 foram na faixa de 50.000-65.000 µg.L-1. Diferentemente da maioria dos cátions de metais pesados (Pb+2, Cu+2, Cd+2, Co+2, Ni+2, Zn+2), a maioria dos oxiânions tende a se tornar mais fracamente adsorvida à medida que o pH se eleva (SMEDLEY; KINNIBURGH, 2002SMEDLEY, P.L.; KINNIBURGH, D.G. (2002) A review of the source, behaviour and distribution of arsenic in natural waters. Applied Geochemistry, v. 17, n. 5, p. 517-568. https://doi.org/10.1016/S0883-2927(02)00018-5
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). Dessa forma, é possível que o As na forma de oxiânions tenha aumentado sua solubilização pelo aumento do pH. Contudo somente o aumento do pH não é capaz de explicar a diferença de remoção entre as amostras de controle e os extratos de BS.

A pesquisa realizada por Wang e Mulligan (2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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) testou a eficiência de remoção de As em rejeito de minas utilizando uma mistura de BS ramnolipídeos JBR425, assim como os resultados desta pesquisa, a maior remoção foi em pH 11. Segundo os autores, há vários motivos para o aumento da mobilização do As pelo aumento do pH:

  • o meio fortemente alcalino ioniza os grupos carboxílicos encontrados nesse BS, aumentando, assim, a quantidade de sítios de ligações para interagir com metais catiônicos, os quais podem se ligar com o As por meio de ligações metálicas, aumentando sua solubilização;

  • meios alcalinos aumentam a dissolução de material orgânico que pode liberar o As para o meio;

  • a adição do BS ao meio faz com ele seja adsorvido na superfície do solo de mineração, aumentando sua densidade de grupos funcionais com cargas negativas. Quanto maior o pH, mais negativo o potencial, o que leva a um aumento das interações eletrostáticas repulsivas que favorecem a mobilização dos ânions arsenicais;

  • é comprovado que em pH alcalinos há uma redução da tensão interfacial entre o BS e o solo, permitindo a ampliação da mobilização de As adsorvido no solo.

Influência do tempo de contato na mobilização do As

Realizaram-se testes de lavagem de solo usando 3 g de solo para 15 mL (1:3, p.v-1) do extrato de BS MPBR e MPCB variando o tempo de contato de 0 a 48 h para identificar a influência do tempo na mobilização do As. Como o pH foi a única variável testada que influenciou consideravelmente na remoção de As, esses testes foram feitos fixando a temperatura em 28ºC e a concentração salina em 1% e variando o pH em 4,5, 8,5 e 11. A Figura 3 apresenta as concentrações de As removidas em função do tempo para os extratos MPBR e MPCB. Os resultados apontam para uma relação direta: quanto maior o tempo de contato, maior solubilização de As pelo extrato MPBR e MPCB, sobretudo em valores de pH mais elevados. A remoção de As em função do tempo teve comportamento linear para o MPBR e logarítmica para o MPCB. Na Tabela 3, encontram-se os dados relativos à análise do comportamento dos extratos para cada condição.

Figura 3 -
Concentração de arsênio (As) removida em função do tempo para extrato MPBR e MPCB a 28ºC, em pH 3,0, 4,5, 7,0, 8,5 e 11,0, temperatura de 28ºC e salinidade 1% NaCl (p.v-1).

Tabela 3 -
Análise da linearidade das variáveis remoção de arsênio (As) versus tempo sob diferentes condições experimentais: extrator MPBR e MPCB, temperatura 28ºC, pH 4,5, 8,5 e 11,0 e proporções sólido:líquido de 1:10 p.v-1.

Assumiu-se que o estado de equilíbrio foi atingido quando não houve mais efeito considerável do tempo com a concentração de As dessorvido. Para os pH 4,5 e 8,5, o estado de equilíbrio foi atingido no intervalo entre 4-8 h tanto para o extrato MPBR quanto para o MPCB. Contudo não se atingiu o estado de equilíbrio para o pH 11,0 em nenhum dos dois extratos de BS. É provável que o equilíbrio possa ser atingido em um tempo maior que o tempo de 48 h. Wang e Mulligan (2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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) atingiram o estado de equilíbrio no intervalo entre 12-24 h usando soluções de ramnolipídeos para remover As em rejeitos de minas. Já Mukhopadhyay et al. (2015MUKHOPADHYAY, S.; HASHIM, M.A.; ALLEN, M.; SEN GUPTA, B. (2015) Arsenic removal from soil with high iron content using a natural surfactant and phosphate. International Journal of Environmental Science Technology, v. 12, p. 617-632. https://dx.doi.org/10.1007/s13762-013-0441-7
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) realizaram testes de remoção de As em solo usando o BS saponina e encontraram o estado de equilíbrio no tempo de 4 h, e a cinética de dessorção do As foi melhor descrita pelo modelo logarítmico de Elovich.

Efeito da mobilização do As variando a proporção de solo

Realizaram-se testes de lavagem de solo variando as proporções de solo:extrato na condição de 28ºC, 1% NaCl e pH 11 por 48 h. Os resultados encontrados estão na Figura 4. Observou-se que houve aumento da remoção de As com o aumento da quantidade de BS presente nos extratos, indicando que essas biomoléculas tiveram papel importante na mobilização do As. Enquanto a água destilada foi capaz de solubilizar apenas 0,12% de As na proporção de 1:40, os extratos de BS MPCB e MPBR foram capazes de remover 25,43 e 22,43% de As, respectivamente.

Figura 4 -
Porcentagem total de remoção de arsênio (As) em função da proporção sólido:líquido (p.v-1).

A dessorção de As pela presença de BS nos extratos pode ocorrer por diferentes mecanismos. O BS pode promover a dessorção do As do solo por meio do seu acúmulo na interface líquido:sólido, reduzindo a tensão superficial e permitindo o contato direto entre BS e As para a formação de complexos que são liberados do solo para a solução (WANG; MULLIGAN, 2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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; MILLER, 1995MILLER, R.M. (1995) Biosurfactant-facilitated remediation of metal-contaminated soils. Environmental Health Perspective, v. 103, supl. 1, p. 59-62. https://dx.doi.org/10.1289%2Fehp.95103s159
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). Outro possível mecanismo é a complexação das formas de As livres na solução de modo que ocorra a dessorção de As pelo deslocamento de equilíbrio conforme os princípios de Le Chatelier (MILLER, 1995MILLER, R.M. (1995) Biosurfactant-facilitated remediation of metal-contaminated soils. Environmental Health Perspective, v. 103, supl. 1, p. 59-62. https://dx.doi.org/10.1289%2Fehp.95103s159
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.12...
). Um terceiro mecanismo descrito é a dessorção por troca iônica caso o BS seja aniônico, o que poderia permitir que os oxiânions arsenicais fossem liberados (SANTOS et al., 2016SANTOS, D.K.; RUFINO, R.D.; LUNA, J.M.; SANTOS, V.A.; SARUBBO, L.A. (2016) Biosurfactants: Multifunctional Biomolecules of the 21st Century. International Journal of Molecular Sciences, v. 17, n. 3, p. 401. https://dx.doi.org/10.3390%2Fijms17030401
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).

Agentes extratores químicos versus extratos de biossurfactantes MPCB e MPBR

Os experimentos de extração foram realizados com diferentes agentes extratores químicos com a finalidade de comparar a eficiência dos BS comerciais e dos extratos de BS MPCB e MPBR. Em todos os testes foram usados 20 mL de agente extrator para 2 g de solo (1:10 p.v-1) sob agitação a uma temperatura de 28ºC e150 rpm por 48 h. Os testes baseiam-se em duas metodologias: uma para extração sequencial para frações de As em sedimentos (JAVED; KACHANOSKI; SIDDIQUE, 2013JAVED, M.B.; KACHANOSKI, G.; SIDDIQUE, T. (2013) A modified sequential extraction method for arsenic fractionation in sediments. Analytica Chimica Acta, v. 787, p. 102-110. https://doi.org/10.1016/j.aca.2013.05.050
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) e outra para solubilização de metais pesados (PIRES; MATTIAZZO, 2007PIRES, A.M.M.; MATTIAZZO, M.E. (2007) Cinética de solubilização de metais pesados por ácidos orgânicos em solos tratados com lodo de esgoto. Revista Brasileira de Ciências do Solo, Viçosa, v. 31, n. 1, p. 143-151. https://doi.org/10.1590/S0100-06832007000100015
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). A porcentagem de remoção de As foi dada em relação à quantidade de As total encontrada na digestão da amostra de solo por água-régia. Os resultados da remoção de As para cada agente extrator são apresentados na Figura 5.

Figura 5 -
Remoção de arsênio (As) utilizando diferentes agentes extratores em diferentes valores de pH.

Apenas 0,04% do As total presente na amostra foi dissolvido em água destilada, pH 7, comprovando a existência de uma pequena fração de As facilmente solúvel em água (JAVED; KACHANOSKI; SIDDIQUE, 2013JAVED, M.B.; KACHANOSKI, G.; SIDDIQUE, T. (2013) A modified sequential extraction method for arsenic fractionation in sediments. Analytica Chimica Acta, v. 787, p. 102-110. https://doi.org/10.1016/j.aca.2013.05.050
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). Apesar de se tratar de um percentual pequeno, pelo elevado conteúdo de As na amostra, a concentração de As dissolvido em água destilada atingiu valores médios de 110 µg.L-1. Tais valores são mais de 10 vezes superiores ao valor máximo de As permitido em água para consumo humano, que é de 10 µg.L-1 (OMS, 2011ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). (2011) Arsenic in Drinking-water. OMS. 24 p. Disponível em: <Disponível em: http://www.who.int/water_sanitation_health/dwq/chemicals/arsenic.pdf >. Acesso em: 20 abr. 2018.
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). Isso indica que o solo da mina de Chico Rei é uma potencial fonte de liberação de As para meios hídricos por meio de lixiviação provocada por águas que possam entrar em contato com o solo mesmo que em pH neutro, por exemplo, a percolação das águas de chuvas. O cloreto de cálcio, por sua vez, solubilizou 0,16% (675,74 µg.L-1) do As presente na amostra. Trata-se de um agente extrator que promove a solubilização do As por meio da troca iônica dos íons cloro (Cl-) com íons arsenicais facilmente trocáveis (JAVED; KACHANOSKI; SIDDIQUE, 2013JAVED, M.B.; KACHANOSKI, G.; SIDDIQUE, T. (2013) A modified sequential extraction method for arsenic fractionation in sediments. Analytica Chimica Acta, v. 787, p. 102-110. https://doi.org/10.1016/j.aca.2013.05.050
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). O acetato de sódio em pH 8,2 e pH 5,0 removeu, respectivamente, 0,46 e 0,64% do As do material. Em pH 8,2, o acetato de sódio remove o As facilmente adsorvido, enquanto, em pH 5,0, esse extrator é capaz de remover também os átomos de As associados a carbonatos por meio da dissolução desses minerais.

As soluções extratoras de fosfato monosódico (NaH2PO4) e de ácidos orgânicos apresentaram resultados mais relevantes, com remoção de 17,24 e 9,40% de As, respectivamente. Os íons fosfato (PO4 -3) podem realizar troca iônica dada a semelhança com os íons arsenicais AsO4 -3 e AsO3 -3 que estão fortemente adsorvidos no solo. No caso da solução de ácidos orgânicos, a atividade extratora é fundamentada no mecanismo de troca iônica com os íons acetato (presente no ácido acético) e por dissolução ácida de minerais contendo As confirmada pela solubilização concomitante de outros elementos contaminantes (PIRES; MATTIAZZO, 2007PIRES, A.M.M.; MATTIAZZO, M.E. (2007) Cinética de solubilização de metais pesados por ácidos orgânicos em solos tratados com lodo de esgoto. Revista Brasileira de Ciências do Solo, Viçosa, v. 31, n. 1, p. 143-151. https://doi.org/10.1590/S0100-06832007000100015
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). Além do As, a solução fosfato monossódico (NaH2PO4) removeu 10,61% de Al, 7,62% de Fe e 1,60% de Mn, já os ácidos orgânicos removeram 18,87% de Al, 38,59% de Fe e mais de 42% de Mn. Apesar da lixiviação ácida ser eficiente para extração de metais, ela apresenta significativas desvantagens ambientais e econômicas porque afeta fortemente a estrutura mineral e biológica do solo e gera águas residuárias que demandam altos custos em tratamento (DERMONT et al., 2008DERMONT, G.; BERGERON, M.; MERCIER, G.; RICHER-LAFLECHE, M. (2008) Soil washing for metal removal: A review of physical/chemical technologies and field applications. Journal of Hazardous Materials, v. 152, n. 1, p. 1-31. https://doi.org/10.1016/j.jhazmat.2007.10.043
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).

Do ponto de vista dos extratos biológicos, objeto central desta pesquisa, os extratos MPCB e MPBR solubilizaram, respectivamente, 11,84 e 9,03% do As total das amostras de solo. As concentrações de As nos extratos MPCB e MPBR foram de 24.933,9 e 32.690,3 µg.L-1 respectivamente. Esses valores estão próximos das remoções encontradas para os ácidos orgânicos e o monofosfato de sódio (NaH2PO4), porém não é possível comparar a eficiência dos BS com os outros extratores porque estes ainda não foram quantificados. De modo diverso desses agentes extratores, os extratos de BS MPCB e MPBR removeram especificamente o As da amostra, não apresentando remoções significativas de outros elementos, como Al, Fe e Mn, que exigem mais esforços para o pós-tratamento. Esses resultados indicam que o As mobilizado pelos extratos não dependeu expressivamente de uma possível presença de ácidos orgânicos ou de íons fosfatos.

Os extratos MPCB e MPBR tiveram remoções próximas às encontradas por Wang e Mulligan (2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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), que obtiveram remoção de 6,32% de As para rejeitos de solo mineração. Pelo patamar de remoção de As (Figura 5), pode-se inferir que os extratos de biossurfactantes removeram tanto as frações de As solúvel em água quanto aquelas facilmente trocáveis, fracamente adsorvidas ou fortemente adsorvidas a carbonatos, visto apresentarem resultados superiores quando comparados aos extratores água destilada, cloreto de cálcio, acetato de sódio (solução alcalina) e acetato de sódio (solução ácida), respectivamente. A fração residual representa o maior percentual de As em solos naturais (maiores que 50%). Por se tratar de uma fração muito estável cuja solubilização se obtém, geralmente, com emprego de agentes extratores fortemente ácidos, essa fração representa baixo risco, pois dificilmente o As nela contido sofrerá mobilização por agentes naturais (WANG; MULLIGAN, 2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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).

Agentes extratores comerciais versus extratos de biossurfactantes MPCB e MPBR

Foram feitos testes de lavagem de solo utilizando saponina, lecitina de soja, SDS, EDTA e extrato GK para comparar com suas remoções com os extratos de BS. Os resultados das remoções encontram-se na Figura 6.

Figura 6 -
Remoção de arsênio (As) utilizando diferentes extratores: saponina, lecitina de soja, SDS, EDTA e extratos de biossurfactantes (GK, MPBR e MPCB) que se referem às culturas mistas de microrganismos obtidas utilizando-se o produto comercial GorduraKlin® e os meios de cultura Postgate B e C sob diferentes condições experimentais (28ºC).

O SDS e a saponina resultaram na menor remoção de As, os valores obtidos foram inferiores a 1%. Comparando-se esses resultados aos da extração com CaCl2, pode-se pressupor que ambos extratores removeram apenas o As presente nas fases facilmente solúveis e trocáveis. O SDS é um surfactante químico sintético, enquanto a saponina é um surfactante de origem natural. Ambos apresentam bons desempenhos comprovados na remoção de metais tóxicos catiônicos em solos contaminados, sendo a saponina mais eficiente que o SDS para a remoção de cátions Cu+2, Pb+2 e Zn+2 (CHEN; HSIAO; CHEN, 2008CHEN, W.J.; HSIAO, L.C.; CHEN, K.K.Y. (2008) Metal desorption from copper(II)/nickel(II)-spiked kaolin as a soil component using plant-derived saponin biosurfactant. Process Biochemistry, v. 43, n. 5, p. 488-498. https://doi.org/10.1016/j.procbio.2007.11.017
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). O SDS é um surfactante aniônico que pode, por ação de seus grupos funcionais de natureza hidrofílica, interagir com cátions metálicos promovendo sua remoção do solo. A saponina, em contrapartida, é um surfactante não iônico e remove os cátions metálicos por meio da formação de complexos entre seus grupamentos carboxílicos e os metais. Contudo ambos extratores não apresentam grupamentos ativos com afinidade por íons de natureza aniônica, formas sob as quais o As é encontrado na natureza.

Em testes de lavagem de solos feitos por Mukhopadhyay et al. (2013MUKHOPADHYAY, S.; HASHIM, M.A.; SAHU, J.N.; YUSOFF, I.; GUPTA, B.S. (2013) Comparison of a plant based natural surfactant with SDS for washing of As(V) from Fe rich soil. Journal of Environmental Sciences, v. 25, n. 11, p. 2247-2256. https://doi.org/10.1016/S1001-0742(12)60295-2
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), o SDS e a saponina (C52H84O21.2H2O) removeram 47,1 e 61,9% de As presente na amostra sólida. Todavia foram utilizadas amostras de solo artificialmente contaminadas por arseniato de sódio heptahidratado (Na2HAsO4.7H2O). Dessa maneira, o As pode ter sido mais facilmente removido quando comparado a um solo natural onde as interações entre o elemento e as fases minerais são naturalmente mais complexas e estáveis, tornando mais difícil a remoção do As contido no solo natural quando comparado às amostras artificialmente contaminadas. Em contrapartida, quando o SDS foi testado para lavagem de solos de rejeito de mineração de atividade industrial, foi considerado de pouca eficiência para remoção de As (CHOI et al., 2013CHOI, J.; PARK, K.; HONG, J.; PARK, J.; KIM, H. (2013) Arsenic Removal from Mine Tailings for Recycling via Flotation. Materials Transactions, v. 54, n. 12, p. 2291-2296. https://doi.org/10.2320/matertrans.M2013285
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). Testes de lavagem de solo realizados para remoção de As em rejeito de mineração usando saponina obtiveram remoções entre 15,9 e 24,8% de As, porém a capacidade de remoção do As foi diretamente vinculada com a capacidade do BS em se ligar com Fe+3 e liberar As para o meio (GUSIATIN, 2014GUSIATIN, Z.M. (2014) Tannic ancid and saponin for removing arsenic from brownfiled soils: Mobilization, distribution and speciation. Journal of Environmental Sciences, v. 26, n. 4, p. 855-864. https://doi.org/10.1016/S1001-0742(13)60534-3
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). Dessa forma, a eficiência do surfactante para remoção de As no solo dependerá muito das características do solo.

A lecitina de soja apresentou remoção de As entre 3 e 5%. A lecitina é um tensoativo natural muito utilizado na indústria alimentícia, porém não se encontra menção na literatura a respeito de sua utilização para biorremediação de solo contaminado por metais ou metaloides tóxicos. Nesse estudo experimental, contudo, sua eficiência de remoção foi superior à observada para os surfactantes SDS e saponina, independentemente das condições empregadas, sendo, portanto, considerada melhor opção de mobilização de As do que os surfactantes rotineiramente empregados e citados na literatura para remoção de contaminantes inorgânicos.

Entre os agentes extratores utilizados, o EDTA apresentou os melhores resultados: 24,77% de remoção de As. Sua capacidade de remoção, porém, dependeu do pH e da salinidade do meio. O EDTA não é um surfactante, trata-se de um agente quelante que é o principal agente utilizado na remoção de metais tóxicos de fases sólidas (DERMONT et al., 2008DERMONT, G.; BERGERON, M.; MERCIER, G.; RICHER-LAFLECHE, M. (2008) Soil washing for metal removal: A review of physical/chemical technologies and field applications. Journal of Hazardous Materials, v. 152, n. 1, p. 1-31. https://doi.org/10.1016/j.jhazmat.2007.10.043
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). O EDTA é aparentemente ineficiente para remoção de metais aniônicos como os oxiânions arsenicais. Mas o EDTA pode liberar As por meio da dissociação de óxidos e hidróxidos de ferro e manganês pela complexação dos seus cátions (DERMONT et al., 2008DERMONT, G.; BERGERON, M.; MERCIER, G.; RICHER-LAFLECHE, M. (2008) Soil washing for metal removal: A review of physical/chemical technologies and field applications. Journal of Hazardous Materials, v. 152, n. 1, p. 1-31. https://doi.org/10.1016/j.jhazmat.2007.10.043
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). A principal vantagem do uso do EDTA para lavagem de solo comparado com a extração com ácidos fortes é o menor comprometimento da estrutura do solo tratado. Em contrapartida, a principal desvantagem do seu uso é o alto custo associado e sua baixa biodegradabilidade, que faz o EDTA persistir por muitos anos no meio ambiente podendo provocar a remobilização de metais tóxicos (DERMONT et al., 2008DERMONT, G.; BERGERON, M.; MERCIER, G.; RICHER-LAFLECHE, M. (2008) Soil washing for metal removal: A review of physical/chemical technologies and field applications. Journal of Hazardous Materials, v. 152, n. 1, p. 1-31. https://doi.org/10.1016/j.jhazmat.2007.10.043
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).

O extrato de BS GK foi produzido para ser um padrão de comparação com os extratos MPBR e MPCB. Seus testes de tensão superficial apresentaram um valor de 28 mN.m-1 indicando que suas bactérias produziram BS, provavelmente, surfactina e ramnolipídeo. Assim como nos testes de Wang e Mulligan (2009WANG, S.; MULLIGAN, C.N. (2009) Arsenic mobilization from mine tailings in the presence of a biosurfactant. Applied Geochemistry, v. 24, n. 5, p. 928-935. https://doi.org/10.1016/j.apgeochem.2009.02.017
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), o extrato GK demonstrou maiores remoções no pH 11, removendo mais de 9% do As.

Os extratos de BS MPBR e MPCB promoveram maiores remoções de As no pH 11, removendo 12,04 e 14,10% respectivamente, e tiveram comportamento parecido com o EDTA e o extrato GK. Somente o EDTA apresentou maiores remoções de As que os extratos MPBR e MPCB. Ambos os extratos tiveram influência do pH nos seus comportamentos para remoção de As, porém essa influência só foi nítida no pH mais básico (pH 11). Nos pH 4,5 e 8,5, os extratos tiveram remoções próximas às da lecitina de soja e do extrato GK. É possível que os extratos tenham BS com grupos funcionais, como o grupo carboxílico presente no EDTA e nos ramnolipídeos, que possam formar complexos estáveis com íons metálicos e que se potencializam na remoção de As em meios alcalinos.

CONCLUSÃO

Nesta pesquisa, identificaram-se culturas mistas de bactérias, MPBR e MPCB, as quais são capazes de produzir extratos de BS com potencial uso para biorremediação de solos contaminados com As. Os extratos tiveram reduções das tensões superficiais satisfatórias e foram estáveis em ampla faixa de temperatura, pH e concentração salina. Os extratos de BS das culturas MPCB e MPBR tiveram sua capacidade de mobilização de As aumentada com o aumento do pH; as maiores remoções foram obtidas nos testes de lavagem de solo realizados em pH 11 e proporção 1:40 (sólido:extrato), em 48 h. Os extratos de BS removeram o As facilmente solúvel e trocável, ligado a carbonatos e fracamente e fortemente adsorvido. Além disso, as remoções de As obtidas com o uso dos extratos biológicos foram maiores que aquelas obtidas com uso dos surfactantes SDS, saponina e lecitina de soja (1% p.v-1).

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    Reg. ABES: 197400

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2018
  • Aceito
    15 Abr 2019
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