Reanimação cardiopulmonar em posição prona: uma revisão sistemática de séries/relatos de casos

Resumo

Introdução

A posição prona é um procedimento frequente de cuidados intensivos para pacientes cirúrgicos ou doentes graves. A ocorrência de parada cardiorrespiratória nestes pacientes pode representar um desafio operacional, no qual atrasos relacionados à mobilização para decúbito dorsal implicam em piores desfechos.

Objetivo

Oferecer um insight clínico a partir da síntese das evidências oriundas de relatos ou séries de casos sobre a utilização de reanimação cardiopulmonar reversa em pacientes cirúrgicos ou em suporte ventilatório invasivo na síndrome do desconforto respiratório agudo grave.

Métodos

Trata-se de uma revisão sistemática de relatos ou séries de casos condu-zida nas bases de dados PubMed, Scopus, Embase e Google Scholar, além de busca na literatura cinzenta. Foram considerados elegíveis relatos de caso publicados em qualquer idioma, que reportaram pelo menos um caso de reanimação cardiopulmonar em posição prona em pacientes de qualquer idade e em qualquer contexto de atendimento.

Resultados

Foram recuperados treze estudos que relataram quatorze casos de reanimação reversa bem-sucedidos. Três pacientes faleceram em um intervalo de 30 dias, enquanto os demais sobreviveram sem complicações ou sequelas neurológicas.

Conclusão

Apesar de evidências limitadas para suportar a tomada de decisão clínica, a reanimação em posição prona parece ser uma alternativa factível em circunstâncias excepcionais, nas quais a mobilização do paciente pode resultar em dano adicional, atrasar ou interromper o suporte avançado de vida (compressões torácicas precoces de alta qualidade e a desfibrilação) ou, ainda, incorrer em riscos ocupacionais à equipe de saúde.

Parada cardiorrespiratória; Reanimação cardiopulmonar; Relatos de casos; Prática clínica baseada em evidências; Decúbito ventral

Abstract

Introduction

The prone position is frequently adopted for surgical or critically ill patients in intensive care. Cardiorespiratory arrest in these patients may pose an operational challenge, in which delays resulting from mobilization to the supine position culminate in worse outcomes.

Objective

To provide clinical insight based on the synthesis of evidence from reports or case series on reverse cardiopulmonary resuscitation (reverse CPR) in surgical patients or invasive ventilatory support in severe acute respiratory distress syndrome.

Methods

This is a systematic review of reports or case series in PubMed, Scopus, Embase, and Google Scholar databases, in addition to a search of the gray literature. Case reports published in any language, reporting at least one case of prone cardiopulmonary resuscitation in patients of any age and in any care context, were considered eligible.

Results

Thirteen studies of fourteen cases of successful reverse resuscitation were retrieved. Three patients died within 30 days, while the others survived without complications or neurological sequelae.

Conclusion

Despite limited evidence to support clinical decision-making, prone resuscitation appears to be a feasible alternative in exceptional circumstances, where patient mobilization may result in additional harm, delay or interrupt advanced life support (compressions, high-quality early chest surgery, and defibrillation) or incur occupational risks to the health team.

Cardiopulmonary arrest; Cardiopulmonary resuscitation; Case reports; Evidence-based clinical practice; Prone position

Introdução

A posição prona é comumente utilizada para pro-cedimentos cirúrgicos que exigem o acesso a estruturas anatômicas posteriores do cérebro, pescoço e coluna vertebral, além do retroperitônio e trato urinário superior ou outras estruturas posteriores quando necessário.¹,² Também é empregada em pacientes de cuidados intensivos que apresentam síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) grave e encontram-se em suporte ventilatório invasivo, sendo considerada uma prática estabelecida e baseada em evidência nestes casos.³,⁴

Pacientes manejados em decúbito ventral, seja por insuficiência respiratória aguda ou durante procedimentos cirúrgicos, podem sofrer parada cardíaca. Os pacientes podem apresentar instabilidade hemo-dinâmica, como consequência da gravidade da doença de base e falência múltipla orgânica ou deterioração clínica aguda induzida por medicamentos ou estimulação vaso-vagal, com subsequente ocorrência de parada cardiorrespiratória.⁵-⁷

Quando um paciente sofre uma parada cardior-respiratória em decúbito ventral, as opções incluem girar o paciente em decúbito dorsal antes de iniciar a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) ou iniciar a RCP em decúbito ventral.⁸ Na vigência de parada cardiorrespiratória em posição prona, a mudança de decúbito para posição dorsal pode não ser viável ou executável em tempo hábil, ou seja, não é possível virar o paciente com segurança e rapidez.⁹ A mudança para decúbito dorsal pode exigir a atuação de cinco a seis profissionais experientes na realização do procedimento e demandar até cinco minutos para ser concluída.¹⁰ Essa demora no início da RCP pode ser extremamente prejudicial para o paciente, aumentando o tempo sem fluxo para o cérebro e artérias coronárias,¹¹ impactando negativamente os prognósticos de sobre-vida e funcionalidade.

Fatores como instabilidade da coluna vertebral, feridas operatórias abertas, presença de instrumental cirúrgico, risco de eventos adversos como a perda de prótese ventilatória ou linhas vasculares, necessidade de paramentação da equipe e limitação do contingente de profissionais inviabilizam a execução da mudança de decúbito e podem resultar em atraso no início dos esforços de reanimação. Nestas circunstâncias, a ressuscitação cardiopulmonar, incluindo a terapia elétrica (desfibrilação), pode ser realizada com o paciente em decúbito ventral.¹⁰,¹²,¹³

Os principais objetivos de iniciar a RCP em decúbito ventral, também conhecida como RCP reversa, são a redução do tempo de ausência de fluxo sanguíneo cerebral e coronariano e aplicação precoce de desfibrilação (quando indicada), fatores que contribuem para a redução da mortalidade e de piores desfechos neurológicos nos sobreviventes.¹⁴

Cabe ressaltar que existe um número limitado de estudos observacionais e relatos de casos comparando RCP em decúbito ventral versus supino e/ou desfi-brilação.¹⁵ Atualmente, há uma escassez de dados que apoiem a adoção de RCP em posição prona como prática protocolar. Este fato deve-se à falta de detalhes fornecidos sobre as implicações clínicas da interven-ção, como sobrevivência com resultado neurológico favorável, ritmo da parada cardíaca, tempo de reanimação, utilização de desfibrilação, características do paciente e ocorrência de efeitos adversos.

Mediante o exposto, o objetivo do presente estudo é oferecer um insight clínico a partir da síntese das evidências oriundas de relatos ou séries de casos sobre a utilização de reanimação cardiopulmonar reversa em pacientes cirúrgicos ou em suporte ventilatório invasivo na SDRA grave.

Métodos

Trata-se de uma revisão sistemática de relatos de caso orientada pelas diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyse (PRISMA).¹⁶ Revisões sistemáticas são rotineiramente usadas para sintetizar a ciência atual e avaliar a força de evidência e a qualidade das recomendações resultantes. Séries de casos podem ser consideradas para a inclusão em revisões sistemáticas de eficácia, particularmente na ausência de projetos experimentais como ensaios controlados randomizados e estudos analíticos obser-vacionais. Este delineamento metodológico contribui para a melhor compreensão da temática e identificação de lacunas de conhecimento de um evento clínico raro ou de uma nova intervenção.¹⁷

O presente estudo foi orientado pela seguinte questão: quais são as evidências científicas disponíveis em relatos e séries de casos sobre a reanimação em posição prona para os desfechos recuperação da circulação espontânea, sobrevivência, desfecho neuro-lógico favorável e ocorrência de eventos adversos?

A busca foi realizada nas bases de dados PubMed/MEDLINE, SCOPUS e EMBASE. Realizou-se, também, busca manual por literatura cinzenta no Google Scholar, OpenGrey e Grey Literature Report, além de consulta complementar nas listas de referências dos estudos incluídos.

A construção do referencial teórico baseou-se na integração dos seguintes descritores e respectivos sinônimos, combinados por meio dos operadores booleanos AND e OR: (Cardiac Arrest) OR (Heart Arrest) OR (Cardiopulmonary Arrest) OR (CPR) AND (Cardio Pulmonary Resuscitation) AND (Prone Position) OR (Reverse CPR) OR (Prone CPR).

Foram considerados como critérios de elegibilidade: relatos ou séries de casos; pacientes de qualquer idade; pacientes que se encontravam previamente em posição prona (procedimentos operatórios ou suporte ventilatório); ressuscitados em posição prona; dados disponíveis sobre sobrevivência e prognóstico neurológico. Não houveram restrições quanto ao idioma ou ano de publicação. Foram considerados como subgrupo os pacientes que sofrerem parada cardíaca intraoperatória ou aqueles que se encontravam sob cuidados intensivos.

Enquanto critérios de exclusão, estabeleceu-se: estudos que adotaram outros delineamentos meto-dológicos; relatos em que o paciente foi reposicionado para decúbito dorsal durante a reanimação cardiopul-monar; estudos com dados incompletos.

Todas as citações recuperadas foram triadas e avaliadas quanto à sua elegibilidade por dois revisores independentes. O processo de triagem foi composto por duas fases: (i) avaliação dos títulos e dos resumos de todos os estudos identificados; (ii) leitura na íntegra e avaliação do texto completo. Os dados dos artigos que preencheram os critérios de inclusão na segunda etapa foram coletados e organizados em uma tabela padronizada para apre-sentação em uma síntese narrativa contemplando autoria e ano de publicação; indicação de prona; idade; sexo; ritmo de parada cardíaca; tempo de reanimação até a recuperação da circulação espontânea; utilização de desfibrilação (se ritmos chocáveis); sobrevivência; desfecho neurológico; repercussões clínicas; ocorrência de eventos adversos.

O risco de viés dos relatos de caso foi avaliado mediante aplicação do Critical Appraisal Checklist for Case Reports do Joanna Briggs Institute Reviewer.¹⁸ A ferramenta de avaliação crítica contempla: caracte-rísticas demográficas; história do paciente; caso clínico claramente descrito; descrição da intervenção; desfecho; eventos adversos; e implicações para a prática.

Resultados

A estratégia de busca resultou na recuperação de 29 estudos elegíveis. Após avaliação conduzida por dois revisores,¹⁴ estudos foram considerados para a inclusão na presente revisão (Figura 1). O índice Kappa para análise de concordância entre os revisores foi de 1,0 (IC 95%; 0,60-1,00; p ≤ 0,001).

Figura 1
- Fluxograma de identificação, avaliação, exclusão e inclusão dos estudos.

As informações pertinentes dos estudos obtidos encontram-se sintetizadas nas Tabelas 1-3 . A Tabela 1 apresenta os estudos selecionados com suas respectivas referências e sintetiza as informações relacionadas aos relatos de casos de reanimação reversa, enquanto a Tabela 3 apresenta a avaliação crítica dos relatos de casos.

Tabela 1
Síntese narrativa: dados gerais dos estudos

Autores/Ano	País	Título	Periódico
Al. Harbi et al. (2020)26	Arábia Saudita	Prone cardiopulmonary resuscitation in elderly undergoing posterior spinal fusion with laminectomy	Saudi J Anaesth
Burki et al. (2017)31	Paquistão	CPR in prone position during neurosurgery	Anaesth Pain & Intensive Care
Kaur et al. (2016)21	Índia	Cardiac arrest in prone position: When da I make my patient supine?	Anesth Analg
Chauhan et al. (2016)22	Índia	Asystole during lumbar discectomy: a case report	J Clin Anesth
Gomes et al. (2012)27	Brasil	Cardiopulmonary resuscitation in the prone position	Open J Anesthesiol
Dooney (2010)23	Austrália	Prone CPR for transient asystole during lumbosacral spinal surgery	Anaesth Intensive Care
Haffner et al. (2010)19	Alemanha	Successful cardiopulmonary resuscitation in prone position	Anaesthesist
Brown et al. (2001)12	Reino Unido	Cardiac arrest during surgery and ventilation in the prone position: a case report and systematic review	Resuscitation
Miranda et al. (2001)30	Reino Unido	Successful defibrillation in the prone position	Br J Anaesth.
Dequin et al. (1996)20	França	Cardiopulmonary resuscitation in the prone position: Kouwenhoven revisited	Intensive Care Med
Kelleher et al. (1995)24	Reino Unido	Cardiac arrest and resuscitation of a 6-month-old achondroplastic baby undergoing neurosurgery in the prone position	Anaesthesia
Tobias et al. (1994)25	Estados Unidos	Cardiopulmonary resuscitation in the prone position	J Pediatr Surg
Loewenthal et al. 1993)28	França	Efficacy of external cardiac massage in a patient in the prone position	Ann Fr Anesth Reanim
Sun et al. (1992)29	Taiwan	Successful cardiopulmonary resuscitation of two patients in the prone position using reversed precordial compression	Anesthesiology

Tabela 2
Síntese narrativa: dados clínicos dos estudos

Referência	Gênero	Idade	Indicação para posição prona	Desfibrilação	Recuperação da circulação espontânea	Ritmo	Duração (min)
Al. Harbi et al.26	Masculino	80 anos	Fusão espinhal posterior com laminectomia	Não	Sim	Atividade elétrica sem pulso	Não especificado
Burki et al.31	Feminino	6 anos	Excisão de tumor	Não	Sim	Não especificado	20 minutos
Kaur et al.21	Feminino	14 anos	Correção de deformidade de coluna	Não	Sim	Assistolia	4 minutos
Chauhan et al.22	Masculino	49 anos	Discectomia lombar	Não	Sim	Assistolia	Entre 15 e 20 segundos
Gomes et al.27	Feminino	77 anos	Excisão de tumor	Não	Sim	Atividade elétrica sem pulso	2 minutos
Dooney23	Masculino	43 anos	Discectomia lombar	Não	Sim	Assistolia	Não especificado
Haffner et al.19	Masculino	81 anos	Craniotomia de emergência pós hemorragia cerebelar	Não	Sim	Não especificado	5 minutos
Brown et al.12	Feminino	60 anos	Descompressão da coluna torácica	1 choque (200 Joules)	Sim	Taquicardia ventricular sem pulso	Não especificado
Miranda et al.30	Feminino	39 anos	Ressecção de tumor em vertebra torácica	1 choque (200 Joules)	Sim	Fibrilação ventricular	Não especificado
Dequin et al.20	Masculino	48 anos	Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo	Não	Sim	Assistolia	5 minutos
Kelleher et al.24	Feminino	6 meses	Craniectomia	Não	Sim	Assistolia	2 episódios: 7 e 4 minutos
Tobias et al.25	Masculino	12 anos	Artrodese de coluna	Não	Sim	Assistolia	7 minutos
Loewenthal et al.28	Feminino	53 anos	Excisão de tumor	Não	Sim	Atividade elétrica sem pulso	3 minutos
Sun et al.29 (Caso 1)	Feminino	14 anos	Craniectomia	Não	Sim	Atividade elétrica sem pulso	5 minutos
Sun et al.29 (Caso 2)	Masculino	34 anos	Laminectomia descompressiva de coluna cervical	Não	Sim	Fibrilação ventricular	6 minutos

Tabela 3
Avaliação dos artigos pela JBI Critical Appraisal Tools

Referência	Características demográficas	História clínica	Condição clínica	Testes diagnósticos	Intervenção/tratamento	Condições pós-intervenção	Eventos adversos	Lições retiradas
Al. Harbi et al.26	Sim	Sim	Sim	Sim	Incerto	Sim	Não	Sim
Burki et al.31	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim
Kaur et al.21	Sim	Incerto	Incerto	Não	Incerto	Incerto	Incerto	Não
Chauhan et al.22	Sim	Sim	Sim	Sim	Incerto	Sim	Sim	Sim
Gomes et al.27	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim
Dooney23	Sim	Sim	Sim	Sim	Incerto	Sim	Sim	Sim
Haffner et al.19	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim
Brown et al.12	Sim	Não	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Não
Miranda et al.30	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim
Dequin et al.20	Sim	Não	Sim	Sim	Incerto	Sim	Sim	Sim
Kelleher et al.24	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim
Tobias et al.25	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim
Loewenthal et al.28	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim	Sim
Sun et al.29	Sim	Sim	Sim	Sim	Incerto	Sim	Sim	Sim

• Nota: JBI = Joanna Briggs Institute Reviewer; Critical Appraisal Checklist for Case Reports (em tradução literal: Lista de verificação de avaliação crítica para relatórios de casos).

Foram incluídos 14 estudos que relataram um total de 15 casos de reanimação reversa com recuperação da circulação espontânea mediante compressões cardíacas manuais em região posterior ou mediante desfibrilação. Um estudo não relatou a realização de compressões cardíacas em posição prona, no entanto, o mesmo cita a aplicação de desfibrilação precoce após parada cardí-aca em taquicardia ventricular monomórfica, resultando em imediato retorno da circulação espontânea.¹⁹ Os relatos incluíram desde crianças com menos de um ano até idosos com idade superior a 80 anos.

A maioria dos estudos incluídos identificaram casos de parada cardiorrespiratória em pacientes hemodina-micamente estáveis (cirúrgicos) e não como resultado da degeneração clínica e falência múltipla orgânica, observada em quadros graves de pacientes críticos. Somente um estudo relatou o caso de um paciente em cuidados intensivos.²⁰

O ritmo prevalente de parada cardíaca evidenciado nos estudos foi assistolia,²⁰-²⁵ seguido de atividade elétrica sem pulso (AESP),²⁶-²⁹ fibrilação ventricular (FV),²⁹,³⁰ e taquicardia ventricular sem pulso (TVSP).¹² Dois casos não especificaram o mecanismo de parada cardiorrespiratória.¹⁹,³¹ Entre os estudos que relataram a ocorrência de ritmos chocáveis (FV/TVSP), um relatou a não utilização de desfibrilação.²⁹

A recuperação da circulação espontânea foi alcan-çada em todos os pacientes. Entre os quinze casos relatados, três pacientes evoluíram para óbito em um intervalo inferior a 30 dias.²¹,³⁰,³¹ Os demais estudos descrevem a evolução clínica dos pacientes sem complicações neurológicas secundárias à parada cardiorrespiratória. Não foram relatados eventos adversos como consequência da reanimação em posição prona. A avaliação crítica dos relatos de casos evidencia que a maioria dos estudos apresentou as informações de forma detalhada.

Discussão

Compressões cardíacas externas efetivas e desfibrilação precoce são o padrão-ouro do atendimento de uma parada cardiorrespiratória.³² Em caso de parada cardíaca em decúbito ventral, a conduta usual é a de retornar o paciente para posição supina o mais rápido possível e seguir medidas de ressuscitação padrão. Embora seja mais fácil ressuscitar pacientes em decúbito dorsal, perde-se um tempo precioso para a execução da mudança postural. Além disso, mudar um paciente criticamente enfermo de decúbito ventral para supina durante uma situação de emergência pode resultar em situações adversas que contribuirão para um pior prognóstico.⁷,³³

A eficácia da reanimação cardiopulmonar reversa está relacionada com a força gerada pela compressão cardíaca externa em posição prona, que é maior à medida que as articulações costovertebrais são mais rígidas e podem favorecer a transferência da força de compressão. Este fato resulta em compressão cardíaca direta mais efetiva, o que proporciona melhores efeitos hemodinâmicos. Além disso, a posição prona proporciona maior permeabilidade das vias aéreas, potencializando a perfusão e a oxigenação.⁶,¹¹ A reani-mação cardiopulmonar reversa gera maior retorno venoso e maior pressão de perfusão coronariana quando comparada à posição supina.³⁴,³⁵

Quanto à região apropriada para a aplicação de compressões na reanimação em posição prona, um estudo evidenciou que a área da seção transversal do ventrículo esquerdo localiza-se no máximo de 0 a 2 segmentos vertebrais abaixo do ângulo inferior da escápula, logo, a compressão neste local pode apresentar melhores resultados.¹³ As compressões do tórax na posição prona podem ser realizadas por vários métodos, incluindo a colocação das mãos sobre as escápulas e sobre a coluna torácica, com ou sem contrapressão no esterno.¹² A realização de contrapressão, em que o punho fechado é posicionado entre o esterno e o leito da cama, pode otimizar as manobras de reanimação.²³ A contrapressão esternal pode aumentar a eficácia das compressões torácicas. Deve-se usar a mesma taxa de compressão (100-120/min) e profundidade de compressão (5-6 cm) que a compressão torácica convencional.³⁶ Em crianças pequenas, as compressões são realizadas usando os dedos de uma mão sobre a coluna vertebral torácica.²⁴ Em casos de abordagem neurocirúrgica em que a ferida operatória e/ou o instrumental inviabilizam o acesso ao paciente para a aplicação das compressões, o cirurgião pode realizar uma toracotomia posterior esquerda e instituir compressão cardíaca direta.³⁷

Outro aspecto central na condução de uma RCP consiste na aplicação de desfibrilação em situações em que o ritmo detectado for FV ou TVSP. Para o paciente em posição prona que se encontra em parada cardiorrespiratória por FV/TVSP, a desfibrilação deve ser realizada nesta posição, pois a mudança de decúbito implica em perda de tempo e redução das chances de desfibrilação bem-sucedida.⁹,³⁰,³⁸ Para a aplicação de terapia elétrica em posição prona, uma das pás do aparelho é colocada no 5º espaço intercostal esquerdo na linha axilar média, enquanto a outra é posicionada entre a ponta da escápula direita e a coluna vertebral.³⁹ Outra técnica consiste em posicionar um eletrodo na borda esternal inferior esquerda e o outro posteriormente abaixo da escápula.⁴⁰,⁴¹

A probabilidade de desfibrilação bem-sucedida e de sobrevivência, subsequente à alta hospitalar, está diretamente relacionada ao intervalo de tempo entre o início da fibrilação ventricular e a administração do primeiro choque.⁴² Um estudo de simulação relatou um tempo de 22 segundos para a aplicação da primeira desfibrilação em pacientes em prona, em comparação com um tempo médio de 108 ± 61 segundos quando o paciente for mobilizado para decúbito dorsal antes da desfibrilação.⁴³

Wei et al.³⁵ compararam a efetividade das compres-sões cardíacas em decúbito dorsal e prona em onze pacientes que sofreram colapso cardiopulmonar. Os resultados evidenciaram que a pressão arterial sistólica média obtida foi de 79,4 (± 20,3) mm/Hg, enquanto a pressão diastólica foi de 16,7 (± 10,3) mm/Hg para a reanimação em decúbito ventral. Por sua vez, as com-pressões precordiais resultaram em pressão arterial sistólica média de 55,4 (± 20,3) mm/Hg e pressão diastólica de 13,0 (± 6,7) mm/Hg, demonstrando que a reanimação reversa possibilita suporte circulatório adequado.

Em outro estudo similar, pacientes que sofreram parada cardiorrespiratória sem reestabelecimento da circulação espontânea após 30 minutos de reanimação convencional receberam 15 minutos adicionais de reani-mação reversa.⁷ A pressão arterial sistólica aumentou significativamente de 48 mm/Hg durante a reanimação padrão para 72 mm/Hg durante a reanimação reversa (média 23 +/-14 mm/Hg). Os resultados também foram superiores para a pressão arterial média (média 14 +/-11 mm/Hg) e diastólica (média 10 +/-12 mm/Hg). No entanto, apesar do incremento dos valores pressóricos, nenhum paciente teve retorno da circulação espontânea.⁷

Em ambiente de simulação clínica com manequim Laerdal Resusci-Annie, um estudo realizado com 36 enfermeiros evidenciou que, mediante treinamento apropriado, a reanimação cardiopulmonar reversa, con- siderando a realização de compressões com profundi-dade adequada, demonstrou resultados favoráveis à execução da técnica, produzindo efeitos hemodinâmicos e ventilatórios adequados.⁴⁴

Adicionalmente, recomenda-se o uso da capnografia (ETCO₂) para determinar a eficácia das compressões torácicas e a duração da ressuscitação cardiopulmonar, bem como a confirmação da posição correta do tubo orotraqueal.⁴⁵ A monitorização invasiva da pressão arterial e a monitorização contínua da ETCO₂ podem ser úteis para verificar se as compressões em decúbito ventral estão gerando perfusão adequada e essas informações podem indicar o momento ideal para colocar o paciente em decúbito dorsal.³²

Outro aspecto relevante diz respeito à necessidade de capacitação dos profissionais para executar os algoritmos de reanimação cardiopulmonar reversa.⁴⁶,⁴⁷ Familiarizar as equipes com os aspectos técnicos da aplicação de compressões e desfibrilação no paciente em posição prona pode contribuir para melhores taxas de adesão ao procedimento.⁵,²²,⁴⁸

Conclusão

Apesar das evidências limitadas para sustentar a tomada de decisão clínica, a reanimação em posição prona pode ser uma alternativa factível em circunstâncias excepcionais, nas quais a mudança para supino é considerada um procedimento demorado e tecnicamente complexo, que pode resultar em atrasos ou interrupção do suporte avançado de vida ou, ainda, incorrer em riscos à equipe de saúde.

Cabe ressaltar que as compressões torácicas preco-ces de alta qualidade e a desfibrilação imediata são de importância crítica para a sobrevivência e desfechos neurológicos do paciente. Estas medidas podem ser prontamente implementadas com o paciente em decúbito ventral. Salienta-se a necessidade de capacitação das equipes envolvidas no atendimento de pacientes cirúrgicos ou de cuidados intensivos para o reconhe-cimento de parada cardíaca em posição prona e início precoce da reanimação reversa.

Frente à relevância da temática, faz-se necessário a condução de novas pesquisas com design apropriado e com maior rigor metodológico (poder e tamanho de amostra adequados) que forneçam evidências para a elaboração de protocolos clínicos a fim de guiar o atendimento em situações que exijam a RCP em posição prona. Recomenda-se a adoção do Critical Appraisal Checklist for Case Reports como recurso de padronização dos relatos de caso sobre reanimação cardiopulmonar em posição prona.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Jul 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  22 Mar 2022
• Revisado
  28 Mar 2023
• Aceito
  6 Jun 2023