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Propriedades psicométricas da versão brasileira do Sunnybrook Facial Grading System

Resumo

Introdução:

O Sunnybrook Facial Grading System (SFGS) é uma escala para avaliar a função facial em três domínios, incluindo simetria em repouso, movimentos voluntários e sincinesias. Essa escala é comumente utilizada em pesquisas científicas e na prática clínica para a avaliação e acompanhamento de pessoas com paralisia facial.

Objetivo:

Traduzir e adaptar transculturalmente o SFGS, elaborar a versão para a população brasileira (SFGS-Brasil) e analisar suas propriedades psicométricas, incluindo validade, confiabilidade interexaminadores e responsividade.

Métodos:

Um comitê multidisciplinar traduziu e adaptou o SFGS para o português do Brasil, gerando a versão SFGS-Brasil. Após esta fase, realizou-se a validação de conteúdo por um comitê de quatro fisioterapeutas com experiência clínica em atendimento de pessoas com paralisia facial, além da confiabilidade interexaminadores e a responsividade da escala após intervenção fisioterapêutica.

Resultados:

Para a validação do SFGS, a taxa de concordância do comitê total e o índice de validade do conteúdo mostraram-se maiores que 90%. A concordância (confiabilidade interexaminadores) mostrou-se excelente para maioria dos itens e para o total (coeficiente de correlação intraclasse = 0,99; p < 0,000), e o instrumento mostrou-se responsível, podendo-se identitificar melhora segundo o SFGS-Brasil após a intervenção (t = 10,66; p = 0,000).

Conclusão:

O SFGS-Brasil possui equivalência conceitual dos domínios e itens à versão original, possui propriedades psicométricas adequadas, incluindo validade, concordância e responsividade. O SFGS-Brasil é adequado para a população brasileira, podendo ser usado em estudos científicos e na prática clínica.

Palavras-chave:
Escala de avaliação; Paralisia de Bell; Confiabilidade dos dados; Estudo de validação

Abstract

Introduction:

The Sunnybrook Facial Grading System (SFGS) is a scale to evaluate facial function in three domains, namely resting symmetry, voluntary move-ments, and synkinesis. It is commonly used in scientific research and clinical practice to assess and monitor people with facial paralysis.

Objective:

To translate and cross-culturally adapt the SFGS, develop a version for the Brazilian population (SFGS - Brazil) and analyze its psychometric properties, including validity, interrater reliability and responsiveness.

Methods:

A multidisciplinary panel translated and adapted the SFGS into Brazilian Portuguese, creating the SFGS-Brazil version. Next, content validation was carried out by a panel of four physical therapists with clinical experience in caring for people with facial paralysis, in addition to interrater reliability and scale responsiveness after physical therapy intervention.

Results:

For SFGD validation, committee agreement rate and the content validity index were greater than 90%. Agreement (interrater reliability) was excellent for most items and overall (intraclass correlation coefficient = 0.99; p < 0.000) and the scale proved to be responsive, indicating post-intervention improvement (t = 10.66; p = 0.000).

Conclusion:

The domains and items of the SFGS-Brazil are conceptually equivalent to those of the original version, and the instrument displays adequate psychometric properties, including validity, agreement and responsiveness. The SFGS-Brazil is suitable for the Brazilian population and can be used in scientific studies and clinical practice.

Keywords:
Assessment scale; Bell´s palsy; Data accuracy; Validation study

Introdução

A paralisia facial periférica se refere ao acometimento parcial ou total da função do nervo facial, o sétimo par dos nervos cranianos. Tal nervo tem função mista, sendo responsável pela inervação dos músculos da mímica facial, sensibilidade dos dois terços anteriores da língua e tem ação também nas glândulas salivares e lacrimais.11 Falavigna A, Teles AR, Giustina AD, Kleber FD. Paralisia de bell: fisiopatologia e tratamento. Sci Med. 2008;18(4):177-83. Full text link
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,22 Santos RMM, Guedes ZCF. Estudo da qualidade de vida em indivíduos com paralisia facial periférica crônica adquirida. Rev CEFAC. 2012;14(4):626-34. Full text link
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A prevalência desta paralisia é de aproximadamente 15 a 40 casos por 100.000 pessoas33 Pereira LM, Obara K, Dias JM, Menacho MO, Lavado EL, Cardoso JR. Facial exercise therapy for facial palsy: systematic review and meta-analysis. Clin Rehabil. 2011;25(7):649-58. DOI
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e as principais causas da paralisia facial são traumáticas, infecciosas, neoplásicas, congênitas, tóxicas e idiopáticas,44 Maranhão-Filho P, Maranhão ET, Aguiar T, Nogueira R. Paralisia facial: quantos tipos clínicos você conhece? Parte I. Rev Bras Neurol. 2013;9(2):85-92. Full text link
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sendo essa última responsável por mais de 60% dos casos de paralisia, podendo ser denominada de paralisia de Bell.55 Konno KM, Zonta MB, Teive HAG, Corrêa CL. Perfil funcional da paralisia facial em um hospital. Rev Pesqui Fisioter. 2014; 4(2):144-51. DOI
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Segundo VanSwearingen,66 VanSwearingen J. Facial rehabilitation: A neuromuscular reeducation, patient-centered approach. Facial Plast Surg. 2008;24(2):250-9. DOI
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as desordens neuromo-toras decorrentes da paralisia facial periférica podem ser classificadas em quatro categorias, sendo duas de fase aguda (iniciação e facilitação) e duas de fase crônica (controle de movimento e relaxamento).

O processo de recuperação e a definição da categoria na qual o paciente se encontra dependem do tipo de lesão nervosa (neuropaxia, axonotmese ou neurotmese), entre outros fatores. Sabe-se que 85% dos indivíduos com paralisia facial periférica recuperam os movimentos faciais de maneira parcial ou total em até três semanas.77 Peitersen E. Bell’s palsy: the spontaneous course of 2,500 peripheral facial nerve palsies of different etiologies. Acta Otolaryngol Suppl. 2002;(549):4-30. DOI
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Entretanto esses indivíduos podem permanecer com comprometimento da mímica facial e possíveis complicações, incluindo graves problemas funcionais e psicossociais.77 Peitersen E. Bell’s palsy: the spontaneous course of 2,500 peripheral facial nerve palsies of different etiologies. Acta Otolaryngol Suppl. 2002;(549):4-30. DOI
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Pinho88 Pinho ECB. Será que os instrumentos de avaliação e os tipos de intervenção propostos por fisioterapeutas para pacientes com paralisia facial periférica são baseados em evidências? [undergraduate thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015. Full text link
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observou que fisioterapeutas avaliam a paralisia facial periférica baseando-se apenas nos sinais e sintomas neurológicos, que não utilizam instrumentos de avaliação traduzidos e adaptados para a população brasileira e que desconhecem as possíveis complicações da paralisia facial periférica. Além disso, os tratamentos propostos não são baseados nas fases específicas da paralisia facial periférica, conforme descrito por VanSwearingen.66 VanSwearingen J. Facial rehabilitation: A neuromuscular reeducation, patient-centered approach. Facial Plast Surg. 2008;24(2):250-9. DOI
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A falta de uma avaliação estruturada e de instrumentos específicos para a paralisia facial periférica leva a uma avaliação incompleta e ineficaz no sentido de direcionar o tratamento necessário e específico a cada situação. Além disso, é preciso utilizar instrumentos objetivos que possibilitem avaliar quantitativamente a gravidade da disfunção facial e posteriormente a evolução da terapia proposta, permitindo o acompanhamento da evolução do paciente.88 Pinho ECB. Será que os instrumentos de avaliação e os tipos de intervenção propostos por fisioterapeutas para pacientes com paralisia facial periférica são baseados em evidências? [undergraduate thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015. Full text link
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Outros sistemas de classificação da função facial foram propostos, tais como as escalas de House e Brackmann,99 House JW, Brackmann DE. Facial nerve grading system. Otolaryngol Head Neck Surg. 1985;93(2):146-7. DOI
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Lacôte et al.1010 Lacôte M, Chevalier AM, Miranda A, Bleton J, Stevenin P. Avaliação da função motora da face nas lesões periféricas e centrais. In: Lacôte M, Chevalier AM, Miranda A, Bleton JP, Stevenin P, editors. Avaliação clínica da função muscular. São Paulo: Manole; 1987. p. 13-35. e Satoh et al.1111 Satoh Y, Kanzaki J, Yoshihara S. A comparison and conversion table of ´the House-Brackmann facial nerve grading system´ and ´the Yanagihara grading system´. Auris Nasus Larynx. 2000;27(3):207-12. DOI
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Além disso, também foi proposta a avaliação dos fatores de bem-estar e psicossocial em indivíduos com paralisia facial periférica com a escala Índice de Incapacidade Funcional.1212 VanSwearingen JM, Brach JS. Validation of a treatment-based classification system for individuals with facial neuromotor disorders. Phys Ther. 1998;78(7):678-89. DOI
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Ross et al.1313 Ross BG, Fradet G, Nedzelski JM. Development of a sensitive clinical facial grading system. Otolaryngol Head Neck Surg 1996;114(3):380-6. DOI
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introduziram o Sunnybrook Facial Grading System (SFGS), uma escala usada para avaliar a função facial, subdividida em três domínios: (1) simetria em repouso dos olhos, da bochecha (sulco naso-labial) e do canto da boca (comissura labial); (2) simetria dos movimentos voluntários (movimentos/expressões faciais como levantar a sobrancelha, fechar os olhos sem apertar, sorrir mostrando os dentes, elevar o lábio superior e assobiar); e (3) sincinesias associadas aos movimentos voluntários testados. Cada um dos três componentes recebe uma pontuação, sendo que os domínios referentes à simetria em repouso e à simetria dos movimentos voluntários possuem um peso maior na pontuação final, tendo sua pontuação bruta multiplicada por 5 e 4, respectivamente. A pontuação final é encontrada através de um cálculo simples (SFGS total = simetria dos movimentos voluntários - simetria em repouso - sincinesias), cujos valores variam entre 0 e 100, sendo que quanto maior a pontuação, menor o comprometimento.1313 Ross BG, Fradet G, Nedzelski JM. Development of a sensitive clinical facial grading system. Otolaryngol Head Neck Surg 1996;114(3):380-6. DOI
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Encoraja-se o uso e difusão do SFGS por ser um instrumento válido e útil para a prática clínica, que direciona a avaliação dos profissionais de saúde1414 Kayhan FT, Zurakowski D, Rauch SD. Toronto facial grading system: interobserver reliability. Otolaryngol Head Neck Surg. 2000;122(2):212-5. DOI
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,1515 Kanerva M, Poussa T, Pitkäranta A. Sunnybrook and House-Brackmann facial grading systems: intrarater repeatability and interrater agreement. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135(6):865-71. DOI
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e facilita a identificação dos estágios da paralisia facial periférica.66 VanSwearingen J. Facial rehabilitation: A neuromuscular reeducation, patient-centered approach. Facial Plast Surg. 2008;24(2):250-9. DOI
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Esse instrumento é de fácil aplicação e rápida execução; além disso, tem confiabilidade quase perfeita (coeficiente de correlação intraclasse - ICC = 0,997)1515 Kanerva M, Poussa T, Pitkäranta A. Sunnybrook and House-Brackmann facial grading systems: intrarater repeatability and interrater agreement. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135(6):865-71. DOI
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e é sensível às mudanças clínicas após uma intervenção (p = 0,0000).1313 Ross BG, Fradet G, Nedzelski JM. Development of a sensitive clinical facial grading system. Otolaryngol Head Neck Surg 1996;114(3):380-6. DOI
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Tendo em vista a dificuldade de uso de instrumentos de avaliação de paralisia facial periférica na prática clínica do fisioterapeuta no Brasil, aliado às adequadas propriedades psicométricas da escala, fazem-se necessárias a tradução e adaptação transcultural do SFGS para a população brasileira. Além disso, a nova versão permitirá a comparação entre estudos realizados em diferentes locais, facilitando a caracterização da paralisia facial periférica e a tomada de decisão para intervenção. O objetivo deste estudo foi traduzir e adaptar transculturalmente o SFGS para a população brasileira, validar o SFGS-Brasil e analisar sua confiabilidade e responsividade.

Métodos

Tradução e adaptação transcultural

Para o processo de tradução e adaptação transcultural do SFCS para a população brasileira, considerou-se o guideline descrito por Beaton et al.,1616 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guide-lines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. DOI
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composto por cinco etapas de desenvolvimento, conforme descrito a seguir. Solicitou-se previamente autorização dos autores do instrumento original para a realização da adaptação transcultural.

Etapa 1: Tradução para a língua portuguesa

Utilizou-se o instrumento original em inglês para realizar duas traduções independentes para o português do Brasil (SFGS versão brasileira 1 e 2) com o objetivo de comparar divergências entre as traduções. Para isto, dois tradutores brasileiros com fluência na língua inglesa foram escolhidos, sendo um tradutor com experiência na área e outro não.

Etapa 2: Síntese das traduções

Os resultados das traduções foram sintetizados pelos dois tradutores e por uma observadora doutora em neurociências com 15 anos de experiência na área, sendo elaborado o SFGS versão brasileira 3.

Etapa 3: Retrotradução

Dois profissionais totalmente cegos para a versão original do questionário utilizaram o SFGS (versão brasileira 3) e realizaram a retrotradução com o objetivo de descartar possíveis erros de conceitos presentes nesta versão.

Etapa 4: Comitê de especialistas

O comitê foi formado por especialistas na área de linguagem, tradutores e profissionais da saúde que tinham contato com pessoas com paralisia facial periférica. Os autores do instrumento original foram contactados e aprovaram a realização da adaptação transcultural. O papel do comitê foi consolidar uma versão brasileira pré-final, considerando todos os relatórios, traduções e retrotraduções, para ser testada em campo, devendo entrar em consenso sobre as possíveis divergências. Solicitou-se também que, caso não entendessem um item, propusessem mudanças justificando sua dúvida, obtendo-se, então, uma versão brasileira final com as sugestões do comitê.

Etapa 5: Teste da versão pré-final

A última fase do processo foi a aplicação da versão final do questionário, sendo selecionados 30 fisioterapeutas com ou sem experiência na área. O objetivo desta fase foi investigar a compreensão dos indivíduos sobre o instrumento de forma geral e sobre cada item.

Validação, confiabilidade e responsividade

Terminado o processo de tradução e adaptação transcultural, deu-se início ao processo de avaliação das propriedades psicométricas do SFGS-Brasil. Iniciou-se, então, a validação do instrumento visando testar a hipótese de que os itens traduzidos representam e/ou contemplam adequadamente os domínios do constructo desejado. Um comitê de especialistas composto por quatro juízes foi designado a realizar o procedimento de julgamento de validade de conteúdo. Esses membros foram selecionados devido a sua proximidade e conhecimento em relação à proposta do instrumento e devido a sua expertise em atendimento de pacientes com paralisia facial periférica. Esse comitê realizou a análise do questionário em duas fases, seguindo o modelo de avaliação de acordo com as orientações e sugestões de Coluci et al.1717 Coluci MZO, Alexandre NMC, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(3):925-36. DOI
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e Souza et al.1818 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):649-59. DOI
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Na primeira fase, os membros foram orientados a avaliar o instrumento como um todo, determinando sua abrangência, se cada domínio ou conceito foi adequadamente responsivo pelo conjunto de itens e se todas as dimensões foram incluídas, respondendo se concordavam ou não com o conteúdo. Também verificaram se o conteúdo estava apropriado aos indivíduos e se a estrutura do domínio e seu conteúdo estavam corretos. Nessa fase, os participantes podiam sugerir modificações dos itens e foi analisada a taxa de concordância do comitê para o instrumento como um todo. Essa taxa refere-se à proporção ou porcentagem de juízes que estavam de acordo com o instrumento como um todo.

Na segunda fase, os membros do comitê avaliaram a clareza e representatividade dos itens. Para avaliar a clareza dos itens, utilizou-se uma escala tipo Likert de 4-pontos ordinais. Os membros foram orientados a responder 1 = não claro, 2 = pouco claro, 3 = bastante claro, 4 = muito claro. Além disso, os membros analisaram a representatividade de cada item, sendo orientados a classificar se os itens realmente refletiam os conceitos envolvidos, se estes eram relevantes e se estavam adequados para atingir os objetivos propostos. Desta maneira, foram orientados a responder 1 = não representativo, 2 = pouco representativo, 3 = bastante representativo, 4 = muito representativo. Para cada item, os membros podiam descrever, em espaços deixados especificamente para essa finalidade, sugestões e comentários para melhorar o item. Calculou-se, então, o índice de validade do conteúdo (IVC), que foi realizado considerando a equação: IVC = n° de respostas “3” ou “4” ÷ n° total de respostas.

Para verificar a confiabilidade e responsividade, foram recrutados, por conveniência, 31 indivíduos adultos classificados em diferentes categorias de desordens motoras da paralisia facial periférica. O cálculo amostral baseou-se em Beaton et al.,1616 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guide-lines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. DOI
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que propõe entre 30 a 40 pessoas para o teste da versão final.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de Brasília (número do parecer: 1.168.662). Todos os participantes do estudo leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o termo de autorização de uso de imagem e som. Após a apresentação dos objetivos do estudo e assinatura do TCLE, realizou-se a avaliação inicial para caracterização das variáveis clínico-demográficas. Em seguida, foi aplicado o SFGS-Brasil e realizada a filmagem dessa avaliação, a qual foi utilizada para que os dois avaliadores previamente treinados preenchessem o SFGS-Brasil. Os escores apresentados pelos dois avaliadores foram analisados para identificar a confiabilidade do instrumento.

Além da avaliação, os participantes realizaram um programa de intervenção fisioterapêutica duas vezes por semana durante oito semanas, com duração de 40 minutos cada sessão. A intervenção foi realizada por fisioterapeuta previamente treinado quanto à intervenção dos participantes, levando-se sempre em consideração o comprometimento específico de cada indivíduo. Após o período de intervenção os participantes foram reavaliados. Essas duas avaliações foram comparadas para avaliar a responsividade do instrumento.

Para a avaliação da confiabilidade interexaminador (concordância), após análise do tipo de distribuição selecionou-se o coeficiente de correlação intraclasse. Segundo Cicchetti et al.,1919 Cicchetti DV. Guidelines, criteria, and rules of thumb for evaluating normed and standardized assessment instruments in psychology. Psychol Assess. 1994;6(4):284-90. DOI
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quando o ICC é menor que 0,40, o nível de significância clínica é pobre; entre 0,40 e 0,59 é fraco; entre 0,60 e 0,74 é bom; entre 0,75 e 1,00 é excelente. Para avaliar a responsividade do SFGS-Brasil, selecionou-se um avaliador previamente treinado que avaliou os 31 participantes com paralisia facial periférica pré e pós-intervenção, sendo realizado o teste t pareado. Para todas as análises estatísticas, considerou-se nível de significância α = 0,05 e utilizou-se o software SPSS versão 26. A Figura 1 descreve o fluxograma do estudo.

Figura 1
Fluxograma da construção do instrumento SFGS-Brasil.

Resultados

Tradução e adaptação transcultural

Após as etapas de tradução, síntese das traduções e retrotradução, o instrumento foi entregue a um comitê de especialistas (etapa 4) de quatro pessoas que sugeriram as seguintes modificações: trocar a palavra “excursão” por “contração muscular”, “assobiar” por “bico” e “cirurgia de pálpebra” por “olho caído”. A palavra “excursão” foi mantida, pois se refere à amplitude de movimento e não apenas a uma contração muscular. A expressão “assobiar” também foi mantida, pois o instrumento traduzido deve-se manter fiel ao instrumento original e é uma atividade comumente realizada pela população brasileira. “Cirurgia de pálpebra” refere-se a uma sutura realizada por um médico para que aqueles indivíduos que são incapazes de fechar os olhos não tenham repercussões oftalmológicas. Logo, a sugestão não abrangeria o conteúdo adequado. Na fase de pré-teste (etapa 5), os fisioterapeutas não tiveram dúvidas quanto ao instrumento construído e conseguiram aplicá-lo em pessoas com paralisia facial periférica. Sendo assim, consolidou-se o SFGS versão brasileira final, o SFGS-Brasil.

Validação

Participaram do estudo avaliadores com idade de 36,5 ± 1,5 anos, tempo de formação de 13,75 ± 1,6 anos e tempo de experiência com pacientes com paralisia facial periférica de 5,2 ± 1,0 anos. Em relação à validade de conteúdo, pode-se observar que a maioria dos itens apresentou concordância acima de 90% (Tabela 1). Sendo assim, o instrumento reflete adequadamente o constructo que se propõe a medir.

Tabela 1
Descrição da taxa de concordância do comitê (TCC) de validação referente à avaliação do instrumento como um todo

Os resultados referentes às respostas dos avalia-dores em relação à clareza e representatividade dos itens de avaliação do instrumento (Tabela 2) mostraram que o IVC total foi de, respectivamente, 92,3% e 96,1%. Desta maneira, pode-se sugerir que o instrumento apresenta validade de constructo adequada para avaliar indivíduos com paralisia facial periférica, considerando os domínios repouso, movimento e sincinesia.

Tabela 2
Descrição do índice de validade de conteúdo (IVC) do comitê de validação referente a avaliação de cada item

Após a avaliação das sugestões, o comitê considerou apto o instrumento para ser testado. Na etapa de pré-teste, foram selecionados 30 fisioterapeutas, com idade média de 24,4 ± 2,8 anos. Os participantes foram orientados a responder um questionário a respeito da compreensão dos itens, classificando-os em “entendo completamente o item”, “entendo parcialmente o item” ou “não entendo o item”. Destes 30 participantes, 22 (73,4%) entenderam com-pletamente todos os itens, seis (20,0%) responderam que entenderam parcialmente algum item e dois (6,6%) responderam que não entenderam algum item. Os principais itens que foram entendidos parcialmente ou não entendidos foram os de simetria em repouso (“olhos” e “bochecha”) e nos domínios de simetria em movimento e sincinesias (“elevar o lábio superior”).

Confiabilidade

A Tabela 3 descreve as características sociode-mográficas e clínicas dos participantes com paralisia facial periférica selecionados para o estudo. Participaram deste estudo 31 indivíduos, com idade média de 40,12 ± 15,53, a maioria do sexo feminino (61,3%) e com o lado direito afetado (71%), sendo 11 participantes na categoria de “iniciação”, sete na categoria de “facilitação”, oito na categoria de “controle de movimento” e cinco na categoria “relaxamento”.

Tabela 3
Caracterização clinicodemográfica dos participantes com paralisia facial periférica (PFP)

Para analisar a concordância, dois examinadores previamente treinados foram selecionados. Ao analisar os dados referentes à confiabilidade interexaminadores (Tabela 4), pode-se observar que o instrumento apresenta concordância excelente em vinte e três itens (entre 0,80 a 0,98) e concordância boa (entre 0,65 a 0,75) em três itens. Ao considerar o escore total do instrumento, a concordância mostrou-se excelente (0,95). Em nenhum item o instrumento apresentou concordância moderada, fraca ou pobre.

Tabela 4
Confiabilidade interexaminadores

Responsividade

Visando identificar a responsividade do SFGS a um programa de treinamento motor, analisou-se a comparação do escore total antes (SFGS total = 42,85 ± 23,28) e após (SFGS total = 59,78 ± 29,15) oito semanas de um programa de intervenção baseado em prática mental associada à prática física.2020 Santos-Couto-Paz CC, Teixeira-Salmela LF, Tierra-Criollo CJ. The addition of functional task-oriented mental practice to conventional physical therapy improves motor skills in daily functions after stroke. Braz J Phys Ther. 2013;17(6):564-71. DOI
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Foi possível identi-ficar que os indivíduos com paralisia facial periférica apresentaram melhores escores após a intervenção (t = 10,66; p = 0,000). Portanto o SFGS-Brasil é capaz de detectar mudanças clínicas antes e após um programa de intervenção, sugerindo sua aplicabilidade clínica.

Discussão

Observa-se que o SFGS-Brasil é de fácil compreensão e pode ser usado na prática clínica, pois na fase pré-teste 73,4% dos avaliadores entenderam completamente todos os itens. Tal fato está de acordo com Hu et al.,2121 Hu WL, Ross B, Nedzelski J. Reliability of the Sunnybrook facial grading system by novice users. J Otolaryngol. 2001; 30(4):208-11. DOI
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que relataram que profissionais da saúde com e sem experiência são capazes de usar o SFGS de maneira correta; contudo, os itens “olhos - cirurgia de pálpebra” e “elevar o lábio superior” podem não ser compreendidos com clareza por avaliadores sem experiência, sendo necessária a padronização da avaliação, como Neely et al.2222 Neely JG, Cherian NG, Dickerson CB, Nedzelski JM. Sunnybrook facial grading system: reliability and criteria for grading. Laryngoscope. 2010;120(5):1038-45. DOI
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propõe, demonstrando critérios explicativos da escala que facilitem o uso do instrumento por profissionais novatos na área. De acordo com os profissionais do Brasil, o SFGS-Brasil é um instrumento cujos itens representam e contemplam adequadamente os domínios do constructo desejado, assim como as versões do SFGS já validadas em outros idiomas.2323 Ross BG, Nedzelski JM. Reliability and validity of the Sunnybrook facial grading system. In: Yanagihara N, Muratami S, editores. New horizons in facial nerve research and facial expression: 8th international symposium on the facial nerve. Hague, NL: Kugler Publications; 1997. p. 563-7.,2424 Lindsay RW, Robinson M, Hadlock TA. Comprehensive facial rehabilitation improves function in people with facial paralysis: a 5-year experience at the Massachusetts Eye and Ear Infirmary. Phys Ther. 2010;90(3):391-7. DOI
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A avaliação da simetria de movimento voluntário mostrou maiores valores de correlação do que a avaliação da simetria em repouso, porém, na prática clínica a avaliação da simetria em repouso é mais utilizada.1313 Ross BG, Fradet G, Nedzelski JM. Development of a sensitive clinical facial grading system. Otolaryngol Head Neck Surg 1996;114(3):380-6. DOI
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Esses achados estão de acordo com os de Kanerva et al.1515 Kanerva M, Poussa T, Pitkäranta A. Sunnybrook and House-Brackmann facial grading systems: intrarater repeatability and interrater agreement. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135(6):865-71. DOI
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e Pavese et al.,2525 Pavese C, Tinelli C, Furini F, Abbamonte M, Giromini E, Sala V, et al. Validation of the Italian version of the Sunnybrook Facial Grading System. Neurol Sci. 2013;34(4):457-63. DOI
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mas não com Neely et al.,2222 Neely JG, Cherian NG, Dickerson CB, Nedzelski JM. Sunnybrook facial grading system: reliability and criteria for grading. Laryngoscope. 2010;120(5):1038-45. DOI
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em que a simetria em repouso obteve correlação alta. A confiabilidade interexaminadores demonstrou valores adequados, permitindo a comparação entre escores realizados por pessoas previamente treinadas. Entretanto é importante salientar a necessidade de treinamento e experiência com o instrumento.2222 Neely JG, Cherian NG, Dickerson CB, Nedzelski JM. Sunnybrook facial grading system: reliability and criteria for grading. Laryngoscope. 2010;120(5):1038-45. DOI
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No estudo de Lindsay et al.,2424 Lindsay RW, Robinson M, Hadlock TA. Comprehensive facial rehabilitation improves function in people with facial paralysis: a 5-year experience at the Massachusetts Eye and Ear Infirmary. Phys Ther. 2010;90(3):391-7. DOI
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utilizou-se como intervenção a prática física e orientações individualizadas conforme a fase da paralisia facial periférica. A média pré-intervenção da FGS foi de 56 ± 21 e a média pós-intervenção foi de 70 ± 18. Estatisticamente houve aumento significativo na pontuação da FGS após o tratamento (p = 0,001), que durou em média 12 semanas. Esses resultados corroboram a utilização do SFGS na prática clínica como adequada, pois detecta, quantitativamente, alterações após uma intervenção. O presente estudo também demonstrou que a versão SFGS-Brasil apresenta-se responsível à intervenção, mesmo sendo realizada em um período curto de tempo.

Conclusão

Com o presente estudo, pode-se concluir que o SFGS-Brasil possui equivalência conceitual dos domínios e itens à versão original, bem como é adaptado para a população brasileira. Além disso, o instrumento apresenta propriedades psicométricas adequadas na mensuração da função física de indivíduos com paralisia facial periférica, as quais são validação, confiabilidade e responsividade. Sendo assim, pode-se utilizar o SFGS-Brasil em futuros estudos e na prática clínica, tanto para a avaliação quanto para o acompanhamento do paciente em resposta a alguma intervenção.

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Editado por

Editor associado:

Clynton Lourenço Correa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2021
  • Revisado
    09 Dez 2021
  • Aceito
    19 Jan 2022
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