Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

Editorial

O volume 21.2 de Fractal: Revista de Psicologia foi concebido de um modo particular, garantindo a avaliação do fluxo de artigos submetidos aos pareceristas ad hoc e abrindo um espaço para investigações de distintas naturezas que tenham proeminência nos estudos sobre a subjetividade. No momento inaugural desta abertura - que coincide com a nova periodicidade da Revista - temos o Dossiê Cidades, que traz importantes contribuições de pesquisadores de áreas como a Psicologia, a Dança e a Arquitetura no diálogo com a importância das cidades na elaboração de modos vivos de existência, por oposição à simples observação desencarnada de fenômenos sociais. Não é recente a emergência de estudos sobre a relação entre cidade e subjetividade. No entanto, as advertências de pensadores como Walter Benjamin - singular pensador do século passado - indicaram a preciosidade de um tema que havia sido relegado a segundo plano com a dispersão de pesquisas em ciências humanas que privilegiavam o tempo como elemento crucial para o estudo do homem e de suas vicissitudes no devir histórico. Com as contribuições de Walter Benjamin, no entanto, o espaço é retirado de sua evidência fria e racionalizada e migra para abordagens sensíveis, em que as imagens produzidas na experiência do pensamento paralisam o fluxo banal das horas e, mesmo, interrogam a evidência dos encadeamentos temporais. A cidade - Berlim do século XIX, Nova Iorque do século XX ou mesmo São Paulo do século XX - não é simples cenário ou palco; ela abriga cortes, ela garante o reconhecimento do tempo histórico em flashes de informações ou de deambulações. Resguardando sua posição no campo da filosofia, Walter Benjamin não cessa de ser convidado a instigantes aventuras do pensamento.

No presente volume, o Dossiê Cidades foi composto por pesquisadores que estabeleceram discussões metodológicas importantes e diálogos criativos com o espaço, a cidade, a memória, a história e a subjetividade. Abre-se o Dossiê com o trabalho de Ernesto Venturini, pesquisador italiano que, no artigo A cidade dos outros, examina como vive o clandestino dentro das cidades italianas, capturando sensivelmente elementos cotidianos de mapas da cidade. A seguir, temos o artigo Cuerpos fantasmales en la urbe global, em que o professor Angel Martínez-Hernáez examina a contemporaneidade, recorrendo às imagens de sua fluidez e mudança, o que paradoxalmente sustenta uma concepção de estabilidade. Há, ainda, o artigo Cisões, silêncios e alguns ruídos: considerações acerca da subjetividade, cidade e modernidade de Ana Cabral Rodrigues, em que a autora busca compreender, recorrendo à problemática cisão entre indivíduo e espaço, o sentido histórico e político da relação entre subjetividade e cidade, abrindo, de modo cuidadoso e seguro, diálogos conceituais complexos com a obra do pensador alemão Walter Benjamin. Logo após, há o artigo Instantâneos de certa Copacabana de Danichi Mizoguchi, em que o autor nos convida a uma passeio pelas grades e pelos muros de Copacabana, como imagem privilegiada da composição das máquinas subjetivas que indicam a natureza do tempo presente.

Károl Cabral e Márcio Mariath Belloc, no trabalho Barcelona, posa't guapa nos levam à Barcelona, em suas andanças como pesquisadores que flanam, junto a importantes sujeitos investigados, das margens do Mediterrâneo ao coração de um lugar, inquirindo processos de privatização e domesticação do mesmo, mas apresentando as resistências cotidianas que apontam para modos singulares de viver na cidade. Já no artigo De desejos e de cidades: a difícil arte cotidiana da vida coletiva, Eliana Kuster problematiza a relação entre o "desejo de cidade" e o "desejo na cidade", indicando a especificidade das condições e os riscos de que impulsos individuais possam dificultar a formação de um conjunto coeso, recorrendo a autores e tendências ético-teóricas distintas para garantir o entendimento da diferença apontada no início de sua investigação. Analice Palombini, em seu trabalho Utópicas cidades de nossas andanças: flanêrie e amizade no acompanhamento terapêutico, além de apresentar uma abordagem da flanêrie em Walter Benjamin, estabelece um vivo diálogo entre suas incursões à cidade por intermédio da condição de acompanhante terapêutico e a leitura de autores como Benjamin e Derrida. Tais autores e suas incursões indicaram a necessidade de uma reconsideração da cidade como lugar de negociação e de conflito e não como espaço neutro de apaziguamento das diferenças. O trabalho indica a fecundidade da aproximação de trabalhos clínicos em Psicologia a autores que pensaram de modo singular o conceito de subjetividade. Loucura e cidade: cenas biopolíticas e incursões (dês) institucionalizantes, de Ana Karenina Amorim e Magda Dimenstein, articulado no âmbito de um Serviço Residencial Terapêutico (SRT), investiga a condição contemporânea de serviços em saúde mental, garantindo uma leitura rica da relação loucura-cidade.

Fabiana Britto e Paola Berenstein Jacques, em seu trabalho Corpocidade: arte enquanto micro-resistência urbana, fazem uma crítica à espetacularização da cidade e sugerem a corpografia como possibilidade de resistência ao que é afirmado em seu trabalho como um processo segregador e apolítico que está em jogo na composição das relações hegemônicas com a cidade. Encerra o Dossiê Cidades o trabalho 9 cenas, algumas obs-cenas, da rua, de autoria de Robert Pechman, em que o autor sugere nove situações que são devidamente lidas por meio de uma preocupação em compreender a contradição entre a noção de hospitalidade e o "escasseamento" da vida pública nas ruas.

Nossa publicação não se restringe, no volume atual, ao espaço Dossiê Cidades e abriga a produção científica de pesquisadores de diferentes Universidades do nosso país e de outros países. Dando continuidade à publicação de trabalhos com temáticas diversas, há o artigo Permanecendo no próprio Ser: a potência de corpos e afetos em Espinosa de autoria de Carlos Augusto Peixoto Júnior, em que se busca delimitar o lugar e a importância da noção de corpo em algumas passagens da Ética de Espinosa, resgatando a validade de conceitos como "substância" e de noções como "imanência" na obra do pensador. Após o artigo de Peixoto Júnior, há o texto Corporeidades Contemporâneas: do corpo-imagem ao corpo-devir de Jardel Sander, em que o autor relaciona corpo, subjetividade, cultura e história, considerando o corpo como multiplicidade e sugerindo a dança como caminho possível para o movimento de invenção e criação no corpo. Além dos artigos citados, há ainda o artigo de Renato Sampaio Lima, História da Psicologia Social no Rio de Janeiro: dois importantes personagens, em que o autor busca, por intermédio de uma leitura cuidadosa da importância das trajetórias de Eliezer Schneider e Aroldo Rodrigues na história da Psicologia Social no Rio de Janeiro, ampliar a compreensão da recenticidade do campo de estudos e dos rumos tomados pelas investigações situadas no mesmo. Há, no trabalho do professor Renato Lima, indagações históricas e metodológicas que indicam a atualidade e a legitimidade de problematizações em Psicologia Social. Fechando nosso espaço para artigos científicos no presente volume, há o trabalho Insegurança e produção de subjetividade no Brasil Contemporâneo, de Jefferson Reishoffer e Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, estudo dedicado à questão da produção de subjetividade no Brasil contemporâneo, principalmente por meio de vetores de controle da vida social e de produção de "classes perigosas". Os autores basearam-se em estudos de Rolnik e Guattari sobre a subjetividade a fim de lerem parte das contradições instituídas nas racionalidades desenvolvidas em torno do tema da violência em nosso país, contemporaneamente. Na seção Eventos, há o resumo do trabalho Nueva versión del dibujo de uma persona para la estimación intelectual: estudio psicométrico preliminar em preescolares e Programa de Atenção na área de Álcool e outras Drogas (PAAD).

É importante frisar que, para a organização do presente volume de Fractal: Revista de Psicologia, contamos com a valiosa e carinhosa contribuição do professor Luis Antônio Baptista, que não apenas nos fez sugestões, como também participou de forma ativa na condução do primeiro momento do projeto Dossiê Cidades. No material aqui apresentado, a marca do professor está presente de muitas formas. Esperamos que os leitores aceitem o convite sugerido pelos autores e que compartilhem os rumos que tomamos em nossa publicação.

Marcelo Ferreira

Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2009
Universidade Federal Fluminense, Departamento de Psicologia Campus do Gragoatá, bl O, sala 334, 24210-201 - Niterói - RJ - Brasil, Tel.: +55 21 2629-2845 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista_fractal@yahoo.com.br