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Como vaga-lumes na escuridão: histórias de adolescentes em instituição de acolhimento

As fireflies in the darkness: stories about adolescents in the shelter care

Como luciérnagas en la oscuridad: historias de adolescentes en una institución de acogida

Resumo

O artigo apresenta e analisa histórias de vida produzidas a partir de uma experiência realizada com meninas adolescentes em uma instituição do Sul do Brasil. A pesquisa buscou compreender como essas jovens em situação de acolhimento institucional atribuem sentidos às suas vivências e quais processos de subjetivação estão implicados nesses sujeitos marcados pela infâmia. O trabalho está articulado à esfera da Proteção Social Especial e faz uso de algumas chaves de leitura de Michel Foucault para pensar as experiências vivenciadas pelas adolescentes, bem como as relações que atravessam grande parte das instituições de acolhimento brasileiras. Faremos esse exercício analítico com o uso da governamentalidade e da subjetivação. Para compor as histórias de vida inspiradas nos encontros desenvolvidos com as duas participantes da pesquisa, utilizamos o método da cartografia, desenvolvido por Gilles Deleuze e Félix Guattari. A partir desta experiência, problematizamos os efeitos do processo de acolhimento institucional e fomos desafiadas pelas outras possibilidades de resistência e de produção de subjetividades na adolescência.

Palavras-chave:
acolhimento institucional; adolescência; histórias de vida; passagem

Abstract

The article presents and analyses life stories produced from an experience with adolescents in an institution in Southern Brazil. The research sought to understand how these young people living in out-of-home care attribute meanings to their experiences, and which ways of subjectivation are implicated in these blokes marked by infamy. The work is articulated to the sphere of Special Social Protection and makes use of some keys of reading of Michel Foucault to think about the experiences lived by these adolescents, as well as the relations that cross great part of the Brazilian shelter cares. We will do this analytical exercise with the use of governmentality and subjectivation. To compose the life stories inspired by the meetings developed with the two participants of the research, we used the method of cartography, developed by Gilles Deleuze and Félix Guattari. From this experience, we problematize the effects of the shelter care process and are challenged by the other possibilities of resistance and the production of subjectivities in adolescence.

Keywords:
shelter care; adolescence; life stories; transition

Resumen

El artículo presenta y analiza historias de vida producidas a partir de una experiencia realizada con chicas adolescentes en una institución del sur de Brasil. La investigación buscó comprender cómo estas mujeres jóvenes en situaciones de acogimiento institucional atribuyen significados a sus vivencias y qué procesos de subjetivación están involucrados en estos sujetos marcados por la infamia. El trabajo está vinculado al ámbito de la Protección Social Especial y hace uso de algunas claves de lectura de Michel Foucault para reflexionar sobre las vivencias vividas por las chicas adolescentes, así como las relaciones que permean la mayoría de las instituciones de acogida brasileñas. Haremos este ejercicio analítico utilizando la gobernamentalidad y subjetivación. Para componer las historias de vida inspiradas en los encuentros desarrollados con dos participantes de la investigación, utilizamos el método de la cartografía, desarrollado por Gilles Deleuze y Félix Guattari. A partir de esta experiencia, problematizamos los efectos del proceso de acogimiento institucional y fuimos desafiados por otras posibilidades de resistencia y producción de subjetividades en la adolescencia.

Palabras clave:
acogimiento institucional; adolescencia; historias de vida; transición

1. A adolescência na instituição de acolhimento: uma introdução

A construção deste artigo se dá no encontro com uma instituição de acolhimento de um município do interior do Rio Grande do Sul e com todos os outros encontros que povoam a experiência com este espaço ao mesmo tempo intensivo e desafiador. O acolhimento institucional caracteriza-se como medida protetiva de Alta Complexidade no nível de Proteção Social Especial do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o que identifica a complexidade com a qual estamos lidando e aponta o atendimento destinado àqueles que vivem em iminente risco pessoal e social. Prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. 1990. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm . Acesso em: 9 jun. 2016.
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), a medida de acolhimento institucional somente é aplicável em condições excepcionais e em caráter temporário, e prioriza o fortalecimento dos laços familiares e comunitários, visando à reinserção da criança ou do adolescente em sua família de origem, extensa, ou, em última instância, colocá-los para adoção. Frisamos que o ECA passa a ser o documento norteador das políticas públicas, juntamente com a Doutrina de Proteção Integral que vem consolidar uma mudança paradigmática ao afirmar os direitos de crianças e adolescentes a partir de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, assegurando, ao mesmo tempo, a proteção por parte da família, da sociedade e do Estado.

Nesse ínterim, da mesma forma que as políticas públicas nos convocam a problematizar os modos de ser criança e adolescente na atualidade e a tomar conhecimento do grande número ainda existente dessas pessoas em situação de acolhimento institucional, sentimo-nos convocados a problematizar como ocorre a passagem da adolescência em meio ao processo de institucionalização, quando encontramos dados que apontam que, ainda hoje, a juventude institucionalizada é percebida como problemática, marginal, carente, abandonada e pouco qualificada (ARPINI, 2003ARPINI, Dorian Mônica. Repensando a perspectiva institucional e a intervenção em abrigos para crianças e adolescentes. Psicologia: Ciência e Profissão [online], v. 23, n. 1, p. 70-75, 2003. https://doi.org/10.1590/S1414-98932003000100010
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). Colocar nosso foco na adolescência é de grande importância, levando-se em conta que as discussões nessa área ainda são bastante restritivas quando comparadas às da infância. Diferentemente do que ocorre com a criança, o adolescente em acolhimento institucional é visto sob outra ótica, como dependente de ajuda, ligado ao cometimento de atos infracionais (PORTELLA, 2012PORTELLA, Elisandra Muniz Bento. Proteção social: a experiência dos adolescentes em acolhimento institucional. 2012. 107 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/10836/1/000486483-Texto%2BCompleto-0.pdf . Acesso em: 9 out. 2020.
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), considerando-se que, durante muito tempo, os jovens que cometiam atos infracionais - denominados na história como “delinquentes” - eram encaminhados às mesmas instituições que os jovens em situação de abandono.

Essa visão, construída no âmago da história das instituições no Brasil, nos impeliu a que, nesta pesquisa, pudéssemos propor uma intervenção com vistas aos deslocamentos, conferindo novos olhares à história que emerge no presente, na medida em que entramos em contato com a adolescência inserida em uma realidade institucional em permanente construção. Inquieta-nos, deste modo, as considerações de que a institucionalização é uma ocorrência universal, pautada em preceitos únicos, em que são os protocolos que determinam quem é o adolescente com quem estamos lidando. Por outro lado, nossa busca vai ao encontro de considerar o processo de institucionalização como plural, emergente e anacrônico, ligado intimamente ao processo de subjetivação dos adolescentes que ali se inserem, visto como “a maneira pela qual o indivíduo estabelece a relação com a regra e se reconhece como ligado à obrigação de pô-la em prática” (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal , 1984. v. 2, p. 27), o que implica práticas de constituição dos sujeitos.

No encontro com uma instituição, singulares relações e meios convergem para um processo em constante transformação, permanentemente inacabado e que remete a estimar que a adolescência, como passagem, não se determina por fatores unicamente jurídicos ou de desenvolvimento. Nesse sentido, à pergunta “quem são os/as adolescentes que encontramos dentro de uma instituição de acolhimento?” poderíamos responder subvertendo a ideia de que há um número a ser combatido - número de acolhimentos - mediante a crença de que o cotidiano possa ser constituído nesse espaço como uma passagem intensiva. Atentamos, assim, para a singularidade de cada adolescente que tem sua história, seu nome, sua voz. Retirá-los do número, das etapas de desenvolvimento, dos trâmites jurídicos, diz respeito a compreender que o objetivo de desacolhimento é o horizonte, mas que, entre a entrada e a saída há um meio - essa passagem - que produz novos efeitos sobre a adolescência. Colocamo-nos, em suma, numa posição de percorrer esse caminho com essas vidas.

Diante disto, queremos, neste artigo, apresentar uma experiência no campo do acolhimento institucional com duas adolescentes do sexo feminino que, através da escrita, puderam contar elas mesmas suas histórias de vida, o que é bem diferente de terem suas histórias contadas por documentos e Planos Individuais de Atendimento (PIA) redigidos pelos profissionais da equipe técnica da instituição. Nesta vertente, constituiu-se um outro modo possível de ser adolescente e de se realizar a passagem, concomitantemente pela adolescência e pelo acolhimento institucional, constituído por outros olhares, pelo olhar dos sujeitos que vivenciam o processo de acolhimento. São essas passagens que, através de uma abordagem transversal, indicam a importância de considerarmos além da adolescência em si, a constituição do feminino neste espaço, levando-se em conta que os processos de subjetivação estejam ligados também e incessantemente às discussões de gênero. Não queremos, assim, falar de histórias para serem tomadas como parâmetro de comportamento, e sim borrar as fronteiras destas e fazer das vozes, muitas vezes e por muitos anos silenciadas, murmúrios no mundo. Nossa discussão pretende trazer à superfície o que chamamos de vidas minúsculas, não por serem menores, mas por resistirem quando tudo impele ao seu apagamento.

Nesse caminhar, a adolescência, e aqui a adolescência feminina, está posta nas políticas públicas de Assistência Social e, para além, nas políticas públicas de saúde, em sua esfera macropolítica, esfera que cobre apenas o visível e recorta os sujeitos em categorizações, colocando-os em oposições binárias: adolescente x adulto, adolescente institucionalizado x adolescente. De imediato, quando nos movimentamos em direção a uma intervenção do cotidiano, a adolescência desloca-se para um outro plano, denominado micropolítico, que também passa a habitar o território da instituição de acolhimento, ampliando o sentido do próprio acolhimento que, a princípio, afasta o adolescente de seu passado, com a pretensão de elaborar o trauma da violação, o que o força a um esquecimento de sua história. Dar vazão ao micropolítico no acolhimento institucional é imbricar-se com as questões que afetam o indivíduo e fogem das generalizações, deixando vir à superfície os agenciamentos produzidos entre um corpo que deseja e um mundo que o acolhe.

Diante de tal perspectiva, questionamo-nos: como fazer submergir as histórias de vida das adolescentes em situação de acolhimento institucional? Trazemos como nosso problema de pesquisa a questão: “como as adolescentes em situação de acolhimento institucional atribuem sentidos às suas vivências?” Sem nos determos na análise crítica que essa problemática impõe, mas adentrando um campo em que o conceito de história também vem a ser problematizado, buscamos nas contribuições de Walter Benjamin (1987BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da História. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. In: ______. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 1, p. 222-232.) pensar a que história nos referimos, desvelando microrrupturas nesse sistema ainda mantenedor da infâmia dessas adolescentes institucionalizadas que ele mesmo produz.

Na habitação de um plano intensivo, a história daria visibilidade a um campo na vida da adolescente que outrora fora despercebido pelas interpretações e inacessível no corpo biológico, fazendo passagem para o mundo que se abre para outros sentidos. Seguindo os desdobramentos propostos, o acolhimento institucional também vem a ser redimensionado para outra perspectiva de proteção, não mais somente como um meio para um fim, mas um limiar potente e em suspensão que também permite a construção de histórias para além de suas tecnicidades.

Por conseguinte, esta pesquisa seguirá a produção de discursos que encontram suas potências na Filosofia da Diferença, na Cartografia como proposta metodológica e com Michel Foucault, no que tange a vislumbrar os jogos de poder e saber em relação à construção da experiência pelos sujeitos da adolescência no meio social. Assim, intentamos polinizar a vida por outras vias, saindo dos roteiros para criar desvios, ocupando-se das insignificâncias no encontro com as forças que uma política menor pode operar. Por essa razão, pintamos essa escrita na cor cinza, cinza cor e cinza efêmera, cinza que resta e cinza do que pode vir a ser, e arde na passagem do fogo ao pó.

2. Ensaio cinza: o que a adolescência tem a nos dizer?

Na busca pelo tom da escrita, deparamo-nos com o cinza. Essa cor feita de restos daquilo que um dia ardeu; cinza, cor que, entre o preto e o branco, revela uma presença e uma ausência. O cinza, nem escuridão nem pura claridade, deixa a palavra no meio, fracassando quando tenta encontrar uma tonalidade dominante, vindo a traçar um frutífero plano entre o dito e o não dito, entre o visível e o invisível, entre o silêncio e a palavra.

O período da adolescência é caracterizado como uma transição, uma passagem para uma fase adulta, considerada uma construção do social. Lembra-nos Outeiral (1994OUTEIRAL, José. Adolescer: estudos sobre a adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.) que a própria palavra adolescência tem uma dupla origem etimológica, e caracteriza muito bem as peculiaridades desta etapa quando significa, ao mesmo tempo, crescimento e “enfermidade” diante do processo transformador que a vida e a sociedade impõem. Ozella (2003OZELLA, Sérgio (Org.). A adolescência e os psicólogos: a concepção e as práticas dos profissionais. In: ______. Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2003. p. 13-22.) chama a atenção para essa fase como variável, de acordo com o contexto social, econômico e político de uma sociedade específica, referindo-se a ela em sua pluralidade, para apontar a existência de adolescências, e não de uma adolescência universal. Ademais, muitas vezes, o lugar que o adolescente assume na sociedade pode ser visto de maneira natural e imutável, causando consequências que deturpam a disponibilidade para se arriscar a outras experiências.

Em se tratando da adolescente do sexo feminino, marcada pela violação e pelo risco social, pode-se compreender que os estereótipos ligados a ela reduzem as possibilidades de existência que circundam o campo da adolescência, tomando a passagem, nesse caso, somente como um tempo de preparação para finalmente alcançar a vida adulta. Além disso, há marcadamente uma diferença social entre o que se espera do corpo adolescente masculino em transição e do corpo adolescente feminino em transição, quando, “uma vez atribuída uma categoria de gênero, os atributos da pessoa também são generificados: o que quer que seja uma mulher, tem que ser feminino, e o que quer que seja um homem tem que ser masculino” (STREY, 2004STREY, Marlene Neves. A “criação” do corpo feminino ideal. In: STREY, Marlene Neves; CABEDA, Sonia T. Lisboa. Corpos e subjetividades em exercício multidisciplinar. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 225-254., p. 227). Além disso, nas sociedades ocidentais contemporâneas, as práticas de feminilidade atuam sobre e nos corpos das mulheres, com o intuito de torná-los dóceis e a domesticá-los por uma disciplina diferente daquela utilizada nos corpos dos homens (DIAMOND; QUINBY, 1988DIAMOND, Irene; QUINBY, Lee. Feminism & Foucault: reflections on resistance. Boston: Northeastern University, 1988.). Assim, haveriam práticas sociais que buscam adequar os corpos de acordo com o que suas culturas específicas exigem e esperam deles.

Em Vigiar e punir, tais práticas são expostas por Michel Foucault (1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 27. ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.) como mecanismos disciplinares, dando a ver que, na interface com a produção dos saberes, o que tratamos é de uma certa economia do poder. Nessa obra Foucault investiga os sistemas penitenciários e como estes se tornaram um local perfeito para a disciplinarização dos corpos, sendo que podemos estender essa investigação a diversos outros espaços modernos, como a escola, o hospital, a fábrica e, na proposição que trazemos aqui, às instituições de acolhimento. Nestas, a concepção de um sujeito obediente é produzida por um poder que circula na sutileza dos experts que, carregados de saberes, vêm dizer como esse sujeito deve se tornar adolescente e qual postura de mulher ou homem deve assumir, tendo como pano de fundo uma família apontada como culpada por não ter dado conta desse adolescente e sua melhor inserção na sociedade.

Outrossim, na instituição de acolhimento, por vezes, o sujeito é reduzido àquilo que vem a ser a razão de seu acolhimento, isto é, se uma criança sofreu algum tipo de violência, decai sobre ela a referência da violência experimentada, designando-a, por exemplo, como “aquela criança que apanhava”. De outro lado, no cenário parental, vê-se uma família culpada por este afastamento também ser marcada por ele, na medida em que passa a ser vista como uma “família violenta”. Por conseguinte, compreendemos que, quando dizemos “mulher adolescente institucionalizada”, estamos enunciando tipos sociais pré-existentes - adolescente, mulher, instituição -, evocando enunciados que se colam aos sujeitos como se determinassem, simplificadamente, seus modos de ser. Em outro âmbito, intentamos descolar o discurso relacionado ao tipo social para problematizarmos o sujeito como produtor de discursos sobre si, na medida em que haveria uma produção de subjetividade que se faz também a partir de suas múltiplas experiências singulares e cotidianas com o mundo. Diante disto, somos convocados a modificar, desde já, nosso modo de designar as protagonistas desta produção, utilizando o termo “Elas”, no plural, fazendo de suas vozes singulares a enunciação de uma coletividade que também as produz.

Com isso, construímos, através das narrativas, uma possibilidade para repensar o próprio processo de acolhimento institucional quando “Elas” tentam resistir, mas não há nada que façam que consiga evitar a “substituição” da família - essa que é culpada pelas vidas sagradas “d’Elas” - pelo Estado. “Elas” tornam-se objeto do Estado; esse “pai generoso e protetor” vendido pela massa capitalista pode, aos olhos “d’Elas”, também causar temor. Lembramos que é no final do século XVI e início do século XVII que a arte de governar se cristaliza em torno da razão de Estado, momento em que, como Foucault (1979FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 277-293.) nos mostra, a família passou a ser instrumento privilegiado para o governo da população. Nesse ínterim, a governamentalidade se instituiu a partir de três elementos: um conjunto de instituições, procedimentos que permitem executar o poder tendo por alvo a população; a tendência ao poder chamado de governo, que, no Ocidente, levou ao desenvolvimento de saberes específicos à sua execução; e o Estado, que foi pouco a pouco governamentalizado. Na construção de táticas gerais da governamentalidade, poderíamos supor que as medidas protetivas operam como via de mão dupla: na medida em que protegem, ao mesmo tempo controlam, exercendo o domínio sobre uma massa que fugiu à homogeneização e que insiste em resistir às práticas normativas atreladas ao “viver igual”, que, na esteira do governo, estão amparadas pelo argumento do cuidado.

Quando encontramos com “Elas”, já inseridas na instituição de acolhimento, ouvimos e percebemos seus movimentos de indeterminação, indeterminação de não saber o que lhes acontecerá, indeterminação de não saber para onde irão e, ainda, de como constituir um lugar seu, um lugar de passagem singular dentro de um espaço de transições, de idas e vindas, que não dão consistência aos seus processos. Uma nuvem de indeterminação não as deixa, pois não querem ser rebanho, nem querem usufruir desse “livre arbítrio” de ter que escolher entre o bem e o mal, em que só é possível seguir o bem determinado pelo Estado. Nesse momento, a instituição compreende que “Elas” devem estar doentes, pois não reconhecem todo “o bem” que lhes é ofertado pelo nome de cuidado e proteção, o que demonstra, numa compreensão reducionista, dificuldade de adaptação social. Essa patologização produzida para a adolescência “d’Elas” só apresenta duas tonalidades possíveis, ou preto ou branco, nada aqui pode se misturar, tudo diverge como se fossem pedaços de ferro imantados que nunca se ligam ao seu polo oposto.

Na contramão, esta pesquisa buscou alcançar os desvios “d’Elas”, e não os negar. Vem acolher, assim, suas rebeldias, seus percursos sem caminhos pré-definidos, seus pensamentos ditos desajustados. Esse exercício de encontrar na expressão daquilo que foge histórias que proporcionam novas tessituras no cotidiano institucional, atrela-se ao espaço que se dá aos pormenores, vindo a alcançar um cotidiano que também é feito por sua invisibilidade. Isso quer dizer que o nível de complexidade da Proteção Social Especial é colado à complexidade que “nos força, portanto, a pensar o problema das fronteiras dos objetos e dos saberes” (PASSOS; BARROS, 2003PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides de. Complexidade, transdisciplinaridade e produção de subjetividade. In: FONSECA, Tania Mara Galli; KIRST, Patrícia Gomes (Org.). Cartografias e devires: a construção do presente. Porto Alegre: UFRGS , 2003. p. 81-90., p. 83). Na esteira daquilo que nos ultrapassa, problematizamos histórias de vida postas na instituição de acolhimento institucional através de um Plano Individual de Atendimento (PIA), lugar legítimo do saber e das verdades reveladas, em que cada palavra daria significado aos gestos. Por esse viés, o acolhimento institucional e as adolescentes sob medida protetiva são reduzidos aos enunciados que os produziram, e a passagem pela instituição não é nada além do que passos a serem seguidos. Por outro lado, há uma história que se faz em gestos, pois movimenta-se e não se cola ao que já sabemos, mas à capacidade “d’Elas” lerem-se a si mesmas, desviarem-se dos cânones, enredando-se nos enredos que compõem para sua existência. Acolher a expressão e traçar com ela um plano comum e compartilhado poderia dar o tom que buscamos nesta escrita, esse cinza do qual falamos.

Propõem-se, desse modo, subverter o sentido da história tradicional, sendo que superar essa perspectiva não significa livrar-se da memória, mas sim produzir um estado de virtualidade em contínua atualização (DELEUZE, 2006DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2. ed. Tradução de Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2006.). Assim, o magma da história perde sua função progressista, essa que se apoia no tempo cronológico e linear e constitui uma única via para a ação se desenrolar. A história, que excede a memória, faz com que o pesquisador narre os eventos da institucionalização somente por aquilo que compõe a instituição, deixando de lado todo o material afetivo para prender-se a um passado passível de ser interpretado. Através dessa lógica, poderia se acreditar que tendo conhecimento do que aconteceu, “Elas” podem ser uniformizadas, criando pontos de identificação entre os pares que forçam a uma homogeneização das vivências cotidianas. Nesse modo de narrar as histórias, há geralmente um padrão a ser seguido, e o que opera na visibilidade é aquilo que é legítimo como discurso, anulando todos os outros discursos possíveis.

Não se trata, portanto, de contar uma história linear, todavia dar superfície àquilo que Benjamin (1987BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da História. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. In: ______. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 1, p. 222-232., p. 225) propõe: “A história deve ser escovada a contrapelo”. No lugar desse imperativo de que “Elas” são forçadas a lembrar para elaborar, uma história que se funda na experiência com o passado e que considera, dos sofrimentos às esperanças, o tempo do agora, esse tempo selvagem e imprevisível que dissolve as categorias, dando lugar aos encontros entre os heterogêneos. Nesse plano, não nos deparamos mais com uma única história para “Elas”, mas com inúmeras e potentes histórias menores que tocam um além-mundo, como esse outro que “é justamente o desconhecido, o estrangeiro, o exilado, o errante” (LEVY, 2011LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011., p. 42). Escovar a história a contrapelo viria como um toque em cada espessura que compõe a trama, sabendo nunca conseguirmos penetrar totalmente “n’Elas”, pois, sensíveis aos movimentos, compreendemos que enquanto há vida não há fechamento, e enquanto venta criam-se outros nós.

São de todos os nós que nos tornamos testemunhas (AGAMBEN, 2008AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008.), e testemunhamos um acolhimento como espera daquilo que ainda pode vir a ser e o que podem vir a ser “Elas” que sobrevivem, pois resistem em plena captura. E perguntamo-nos: diante do trauma, daquilo que é sentido como grande demais para ser dito, o que pode sobreviver nas/das histórias das adolescentes em situação de acolhimento institucional? Escutar as margens onde habitam os marginais, além de dar visibilidade a outras paisagens, outros modos de vida para além daqueles dominantes, afirmar uma “literatura menor” (DELEUZE; GUATTARI, 2014DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Tradução de Cíntia Vieira da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.) ou uma história “vaga-lume”, uma imagem “vaga-lume” à qual se refere o filósofo e historiador Georges Didi-Huberman (2011)DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG, 2011. na pequena obra intitulada Sobrevivência dos vaga-lumes. Na obra referida, Didi-Huberman desenvolve a metáfora contida em um texto do cineasta Pasolini de 1941, em que este compara a luz ofuscante dos projetores da propaganda fascista (grandes luzes, luce) e a resistência antifascista dos vaga-lumes (pequenas luzes intermitentes, lucciole). Afirma, assim, que “onde o horizonte parece ofuscado pelo reino e por sua glória, o primeiro operador político de protesto, de crise, de crítica ou de emancipação, deve ser chamado imagem, no que diz respeito a algo que se revela capaz de transpor o horizonte das construções totalitárias” (DIDI-HUBERMAN, 2011DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG, 2011., p. 117-118, grifos do autor). É assim que “Elas” tecem esta pesquisa, como vaga-lumes na poeira cinza da noite, que cintilam, sobreviventes.

3. Método para encontrar vaga-lumes

Será ainda possível encontrar vaga-lumes? Entrar nessa problemática é desacomodar-se na busca e na invenção de dispositivos que incluam os desvios e as rupturas nas histórias de vida. Para além, incluir a própria vida infame enquanto vida e promover desvios naquelas vidas capturadas pelas grandes luzes da reprodução:

Vidas que são como se não tivessem existido, vidas que só sobrevivem do choque com um poder que não quis senão aniquilá-las, ou pelo menos apagá-las, vidas que só nos retornam pelo efeito de múltiplos acasos, eis aí as infâmias das quais eu quis, aqui, juntar alguns restos (FOUCAULT, 2003FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. Coleção Ditos & Escritos, v. 4, p. 203-222., p. 208).

A infâmia que se desdobra do poder das instituições de acolhimento, por sua vez, não se dá apenas pelo levantamento das paredes cálidas e concretas que separam o sujeito do seu mundo, entretanto há um aparato institucional que o leva a desaparecer, sendo utilizado apenas pelo discurso que o saber impõe, um discurso que, como pautamos acima, também está entrecortado pelo capitalismo quando busca marginalizar tais vidas e torná-las alheias, fazendo delas a barbárie do mundo moderno.

Das vidas infames, queremos, a partir desta pesquisa, acender um fósforo que faça brilhar por um instante uma pequena luz, da qual se faça operar em nós uma leitura sensível das narrativas para a construção de um mapa de breves antologias que se insinuam sempre como rastros. Por conta deste aspecto, reunimos, em duas narrativas, múltiplas vozes, que contam uma história de silenciamento através de suas rupturas e descontinuidades; e, para tanto, acreditamos que seja possível percorrer essas rupturas que posicionam as palavras num campo múltiplo e infindável de paisagens, afirmando a possibilidade de vir a conhecer realidades múltiplas. Que método, então, nos permite acompanhar a intermitência das pequenas luzes? Qual metodologia comporta um plano de produção coletivo de subjetividades? Longe de prover uma única “imagem do mundo” ou único modo de pesquisar, a cartografia (PASSOS; BARROS, 2010PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides de. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides; ESCÓSSIA, Liliana da (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina , 2010. p. 17-31.) se aproxima desse projeto, contornando-o de inacabamento, imprevistos e paradoxos e nos auxiliando a percorrer essas histórias, contando-as a partir dos encontros e daquilo que deles emerge, sejam vozes, sejam silêncios.

A cartografia como método de pesquisa, que se interessa pelos detalhes insignificantes, outrora despercebidos, coloca-nos como estrangeiros no encontro com “Elas”, nos faz adolescentes cinzas em seu campo e torna o campo a própria ruptura, o desconhecido que vem complexificar as relações para fugir das formas justas da normatização, baseadas em restaurar a adolescente desviante a um “estado normal”. Das linhas de forças, somos empurrados para diversas direções, deixando que se perca pelo caminho a norma que viria estruturar “Elas” por um objetivo, uma verdade que as retire de suas histórias para compor a história de uma massa homogênea. Em outro norte, quando lidamos com as forças e não apenas com as formas, passamos a produzir uma verdade que agora só pode emergir de um encontro, que se desfaz logo em seguida para se encontrar com outra coisa, ainda desconhecida.

Exposto aos atravessamentos que as forças compõem no espaço e no tempo proposto, este artigo vem apreender essas vozes no agora, neste tempo em que elas mesmas dão a ver pequenas fissuras e acendimentos. Desse modo, sua construção aposta no encontro entre nós e “Elas” - e entre “Elas” mesmas -, numa experiência grupal como exercício de produção de si onde é possível colocar em questão as potências que circundam uma vida e produzir outros agenciamentos em uma instituição de acolhimento, indicando que “um agenciamento comporta componentes heterogêneos, tanto de ordem biológica, quanto social, maquínica, gnosiológica, imaginária” (GUATTARI; ROLNIK, 1986GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 3. ed. Petrópolis: Vozes , 1986., p. 37); portanto, atrela-se à diversidade dos encontros e das vidas, extrapolando o território geográfico para constituir territórios intensivos.

O dispositivo grupal, então, visa sair do conformismo apriorístico de funções a serem cumpridas, das formas a serem preservadas, para ousar outras composições (BARROS, 2009BARROS, Regina Benevides de. Grupo: a afirmação de um simulacro. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2009., p. 307). Nesse ínterim, o sentido da passagem é modificado, pois não está a favor de percorrer um ponto a outro, mas considera a transição no sentido que o transitar do andarilho faz, sem determinar aonde quer chegar, deixando-se afetar por aquilo que o interpela. Essa experimentação, assim, parte da apresentação de um dispositivo visual que funcionou como um intercessor na construção das narrativas, as quais finalmente podem ganhar espaço nas malhas da instituição, que não desejam revelar uma verdade, nem anunciar conteúdos passíveis de serem buscados por seus significados, mas sim acizentar a existência “d’Elas”, extraindo de si o potencial para outras experiências. Em princípio, a proposta que foi realizada pelo grupo visou, num primeiro momento, o acolhimento da expressão, daquilo que escapa aos determinismos institucionais, para oportunizar uma escrita de si, como ato clínico-político-estético, em cujas narrativas o esquecimento também aparece como constituinte.

A ideia de utilizar a escrita como uma prática do grupo na instituição, passa pela percepção de que as adolescentes em situação de acolhimento tinham íntima relação com a escrita de si primordialmente no meio virtual, em páginas de perfis no Facebook e conversas com amigos e conhecidos no WhatsApp; porém, ainda não exerciam essa escrita numa coletividade cotidiana, ou seja, no espaço institucional, como se falar de si ali ainda estivesse colado ao julgamento daquilo que as fez serem institucionalizadas, como se ainda estivesse incutido esse silêncio da não-oportunidade. Por conseguinte, buscamos em Foucault (1992FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: ______. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992. p. 129-160., p. 131) o que implica empreender uma escrita de si, quando o filósofo aponta que esta constitui uma estratégia de cuidado de si, na medida em que “a escrita constitui uma prova e como que uma pedra de toque: ao trazer à luz os movimentos do pensamento, dissipa a sombra interior onde se tecem as tramas do inimigo”. Além disso, ela encontra em seus fragmentos os processos que constitui a subjetividade, dando contornos e expondo as condições do sujeito ter se tornado aquilo que ele é.

No âmbito da instituição de acolhimento, inicialmente, damos às adolescentes a possibilidade de participarem ou não do grupo, constituindo um espaço voluntário, a partir do desejo de cada uma. Os grupos foram propostos em quatro momentos, sendo que no primeiro apresentamos um vídeo da atriz Kéfera Buchmann (2015BUCHMANN, Kéfera. 5inco Minutos: 50 fatos sobre mim. YouTube. 19 fev. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=VUiYv4fq2jI . Acesso em: 23 jun. 2021. 1 vídeo (15m59s).
https://www.youtube.com/watch?app=deskto...
, intitulado 50 fatos sobre mim, e oportunizamos um momento de conversa. O vídeo foi escolhido por seu caráter descontraído, no qual a atriz fala sobre si de uma forma íntima, conta sua história através de 50 momentos de sua vida que podem ser considerados cotidianos e até mesmo banais, porém carregam a força de poder olhar sobre si e sua vida, passando por aquilo que muitas vezes escapa ao nosso olhar: “Quaisquer que sejam os seus aspectos, o cotidiano tem esse traço essencial: não se deixa apanhar. Ele escapa. Ele pertence à insignificância, e o insignificante é sem verdade, sem realidade, sem segredo, mas é talvez também o lugar de toda a significação possível” (BLANCHOT, 2007BLANCHOT, Maurice. A fala cotidiana. In: ______. A conversa infinita: a experiência limite. Tradução de João Moura Jr. São Paulo: Escuta, 2007. v. 2, p. 235-246., p. 237). A partir dessa possibilidade de encontrar na “insignificância” uma significação possível para essas vidas, propomos, em seguida, que as adolescentes pudessem, elas mesmas, pensarem sobre si, escrevendo, baseadas no vídeo assistido, fatos sobre si, sendo que nos três encontros que se seguiram compartilhamos as escritas, também de forma voluntária, de maneira que as vozes puderam circular nesse espaço constituído de intensidades, criando uma polifonia dos modos de ser adolescente.

Vale dizer que o grupo se organizou de maneira aberta e transversal, oportunizando às adolescentes transitarem por ele e/ou desistirem, quando não se sentissem à vontade para estar nesse espaço coletivo. Igualmente organizou-se com as mesmas datas e horários dos encontros e no mesmo espaço em que eles aconteceram. Por fim, aos pesquisadores, diante dessa experiência, restaria o desafio ético de conferir significação à produção desejante dos processos de subjetivação que ali se delineiam, implicando-se, tal qual a cartografia, num mundo movente, que detecta e coloca em evidência outros elementos experienciais. Daí sua importância: de tornar-se analisador/dispositivo de resistência, criando enfrentamentos do olhar da infâmia como marca do sujeito e da história. Como pesquisa-intervenção, a cartografia pode traçar, junto à instituição de acolhimento institucional, imagens novas e inéditas, compondo vias de acesso, fluxos, variação. Imagens postas na superfície, sobreviventes habitando des(territórios) em constante transformação. Encontramos os vaga-lumes.

4. Pequenas luzes

As narrativas que seguem resultam de uma composição cartográfica das atividades desenvolvidas com as adolescentes, nas quais percorremos suas escritas, apostando num tom poético para sua composição, aliadas ao nosso compromisso ético e político de cuidado. Esse viés pelo qual pegamos a escrita pode ser considerado no processo de acolhimento institucional, um modo de constituir a vida pela estética ou, como Foucault (1994FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. v. 4.) nos propôs, de fazer da vida uma obra de arte. Indo ao encontro dessa posição, a escrita não se resume à sua apresentação textual, mas incutiria uma outra postura naqueles que lidam, cotidianamente, com essas histórias, ampliadas pela tessitura que as próprias adolescentes tramam sobre si, nas quais não vemos apenas os fios tecidos, mas os nós que permanecem por debaixo dessa colcha de retalhos. Escolhemos, por fim, para compor este artigo, duas histórias que vem ilustrar a proposta apresentada, assim como problematizar os movimentos de resistência das adolescentes acolhidas.

História 1

De tiara

Ela disse que não gosta de seu cabelo e, ao dizer, quis esconder que ele era todo feito de algodão. Na verdade, ela é toda feita de algodão: tem passos e olhares lentos, tem medos e alegrias demoradas. Suas tristezas são tão profundas que foram chamadas de depressão. Mas, para ela, tristeza era “chateação”: a amiga que não a compreendia, o irmão que não aprendia, a escola que não adorava. Ela disse que não gostava de seu cabelo e disse que mais meia dúzia de pessoas também não. Disse que eles nunca viram nuvens nela e que seu cabelo era feito de bullying, de humilhação e de outras tantas palavras que não conseguia proferir, pois eram engasgadas pelo seu choro. Ela pediu pra mudar de escola e pediu pra não ter mais medo. Como uma moeda rolando num poço, seus desejos vieram em forma de arcos pequeninos, bem do tamanho exato de sua cabeça de menina.

Ela aprendeu a usar tiaras, a colorir os fios pretos, bem pretos, enroladinhos, quase grudados, com laços e fitas azuis, rosas, verdes, outras vezes com pedrinhas que cintilavam à luz do sol. Aprendeu que tinha naquelas querelas coloridas um pouco de cor pra sua vida, um pouco de alegria pra sua “chateação”. Ela não tinha muitas tiaras, nem poderia ter, já que às vezes dava as que tinha para outras meninas, às vezes perdia, sem querer; às vezes queria outras, sem poder. Todavia, as poucas que tinha carregavam um poder imensurável de torná-la outra: era como se quando as encaixava na sua cabeça, era-lhe tocada com uma coroa, sem precisar lembrar que, antes dela, outros quase vinte irmãos herdariam o trono de um rei bastante velho e doente, que já, há muito tempo, vive sozinho em seu castelo.

Ela, feita princesa, de saia rodada, de celular na mão, permanecia ali, fora do castelo, à procura de algo que não sabe nomear, que saía feito lágrima no olho. Talvez ela buscasse uma mãe que morreu ainda antes de sua primeira menstruação, talvez buscasse pelo sonho de tornar-se médica, de tornar-se alguém, mesmo sem saber o que demandava essa profissão. Ela apenas dizia querer ajudar, querer salvar os outros para, quem sabe, um dia poder se salvar. Pois ela ali sentia-se pequenina, não sabia ainda de sua imensidão. Ela cuidava de bebês para poder cuidar de si, para poder acalentar a si mesma em cantigas de ninar. E cantava tantas vezes quanto jogava bola, quanto brincava de boneca, quanto voava no balanço. Ela brinca para não precisar cozinhar o almoço, para esperar o sono, para simplesmente poder sentar e sentir-se cansada quando for tomar seu chimarrão. Está na hora de tomar a medicação! Ela escuta a voz, vê vultos, sente-se desamparada, procura abraços. O que fazer? O que fazer? Ela, feita princesa, com tiaras e coroas, não corta as unhas. Pois ela, no meio das nuvens brancas e iguais quer se colorir, por isso luta, arranha, arranca a pele. Ela, feita princesa, às vezes, também, é uma leoa (texto elaborado por Erica Franceschini, coautora do artigo).

História 2

Na sombra

Ela permanecia ali, calada, olhando atentamente para sua sombra. A sombra refletia um corpo provido com as curvas de quem já não era mais criança, um corpo rompido de quem gostaria de ser. Ela ficava ali, olhando para sua sombra, esperando por um novo movimento, um novo passo; mas tudo parecia tão lento, tão demorado para ela que era necessário aguardar: aguardar a chuva que lavasse sua incompreensão, aguardar o tempo para que a mãe melhorasse e finalmente ficasse bem para poder levar ela de volta, aguardar o solo no qual o irmão enterrado fizesse brotar um flor. Ali, na companhia de sua sombra, ela parecia guardar em si um sentimento de vergonha, de querer ser o que nunca pode: menina.

Renunciou desde cedo aos copos de suco de uva para não precisar colocar pra dentro do seu corpo feito sombra o cheiro do vinho que envolvia sua casa feita abrigo. Escolheu o chimarrão, pois era mais fácil pra dividir: com a mãe que caminhava ao sol carregando uma garrafa térmica, com os irmãos que entravam e saiam sem saber aonde iam, com os tios, que mal conseguia contar de tantos que eram. Escolheu desde sempre dividir: o quarto, a coberta, os chinelos. A casa, toda dividida por lençóis ainda molhados pela chuva. Na cama, dobrava as roupas com um sorriso. O chão, todo de terra para ela limpar. Com uma vassoura na mão, ela, calada, cantava o silêncio de quem caminha em busca das bonecas, em busca dos restos de sua infância enterrados no rés de seus pés. Com a vassoura fazia seus caminhos, deixava os rastros de sua história nesse chão de terra, esperando pra desenterrar qualquer tempo de volta. Mas tudo isso para ela era demora.

Guardava na memória a demora de ter nascido, de ter usado “bico” até os três anos e fralda até os quatro anos de idade. Guardava na memória a demora para brincar, para alguém a buscar quando estava perdida, para poder dizer o que sentia. E aguardava por pelo menos um respingo, uma fagulha que a fizesse compreender o que guardava em si, o que tinha perdido sem saber. Ela que caminhava, que amava seus caminhos, permanecia calada, seja em público, seja sozinha. Aprendeu desde cedo a calar-se, a passar a vez para tantas e tantas pessoas que atropelavam seus sonhos, que brincavam com suas ideias: “permanecer calada e andar pela sombra”, sempre dizia para si. Ela que não podia confiar nos outros, desconfiava de seus próprios desvios, nos caminhos sem condução, nas curvas que fugiam de seu corpo. Ela, sozinha, tinha na sombra a seta que a conduzia.

Muitas vezes, quando ela se perdia em seu silêncio, pensava em escrever para depois lembrar, porém não tinha prazer na escrita, talvez pela angústia da fala, talvez por ter prazer nas suas caminhadas, na sua sombra, que poderiam ser várias. Ela, que talvez quisesse falar, talvez quisesse permanecer calada, gostava mesmo era de estudar: de estudar a sombra que a conduzia, estudar o silêncio que a rondava, as músicas que cantava sem ninguém escutar e estudava cada pessoa, demoradamente, com olhos desconfiados, ao mesmo tempo, olhos que aguardavam por um abraço. Porque ela gostava de abraçar e gostava de ser abraçada, gostava de pintar sua camisa de preto e deixar marcar no peito do outro, dar novos caminhos e sombras a quem lhe estendesse os braços, aguardando o tempo em que, juntos, manchados de preto e de silêncios, pudessem se dar os braços para caminhar, pelas sombras (texto elaborado por Erica Franceschini, coautora do artigo).

5. Considerações finais: outras entradas à espera

O fato de querer escrever sobre a suposta vida de alguém, sobre “Elas”, nos ocorreu no momento em que, ao entrar na instituição de acolhimento, nos deparamos com histórias que, por não serem consideradas necessárias ao processo de acolhimento - processo que é judicial - eram relegadas, descartadas do jogo social, como se na passagem pela instituição tudo aquilo que não fosse útil ao seu desligamento fosse silenciado, escondido, deixado em segundo plano, tornado infame. A ideia de fazer essa escrita passa, então, pela ascensão da sutileza da vida, no encontro daquilo que é considerado inútil ao processo, sofrendo um outro encantamento. Por isso, as duas histórias que trazemos não são apenas histórias, são pontos de luzes que cintilam na noite escura, resistentes, como aquilo que encontramos debaixo das grandes luzes do saber e que possibilitam outras relações de governo de si e dos outros.

Narrar uma vida ou descrever as vivências, assim, é encontrar o ponto em que essa vida é possível, ponto no qual não se busca mais um real a ser confirmado e explicado nos mínimos detalhes, mas onde compomos com essas vidas, onde compomos histórias outras, histórias construídas nas margens e que pululam, flutuantes, requisitando uma flutuante grafia, essa autorização que ansiamos para transpor o real de uma biografia, transpor o múltiplo que bifurca-se em múltiplas realidades, considerando que é “o registro da vida que atravessa o vivido, que o extrapola, o ponto onde não há mais sentido apoiar-se na distinção entre ficção e realidade” (COSTA, 2010COSTA, Luciano Bedin da. O destino não pode esperar ou o que dizer de uma vida. In: FONSECA, Tania Mara Galli; COSTA, Luciano Bedin da. (Org.). Vidas do fora: habitantes do silêncio. Porto Alegre: UFRGS, 2010. p. 47-70., p. 51). Escrever uma vida é também encontrar-se nela, é emprestar nossos corpos à passagem, tornarmo-nos passagens intensivas da existência. Escrever uma vida é, portanto, fazer emergir os processos de subjetivação que atravessam e constituem o sujeito adolescente feminino.

Das histórias escritas acima, devemos lembrar que todas trazem os elementos que contam uma vida, a partir do que cada adolescente escreveu sobre si. Nesse exercício, somos testemunhas não de sua biografia, mas de uma passagem intensiva que pode ainda proliferar possíveis. Insistimos, nesse ínterim, nessa dimensão dos possíveis, na medida em que tomamos as histórias de adolescentes em situação de acolhimento não como documentos para produzir seu desligamento, mas como uma parada no cotidiano, onde podemos perceber seus movimentos mínimos e como estes também as constituem, a partir daquilo que acreditamos: cada adolescente compõe em si uma multiplicidade. Nesse sentido, vale dizer que parte de nosso olhar aprendeu a percorrer os interstícios a fim de que não vejamos apenas aquilo que nos é apresentado nas grandes superfícies, mas, como estrangeiros, mergulhamos em aventuras com os imprevisíveis que estão nas pequenas rachaduras, lugares onde nós também podemos nos perder.

Diante disso, perguntamo-nos: a partir das duas histórias contadas, que novas passagens podemos vislumbrar? Que outros desvios abrimos para “Elas” que não sejam os caminhos da infâmia? Estamos agora, por conseguinte, neste campo denso e deslizante, nos quais as palavras se ligam não mais a uma forma interpretativa de considerar a adolescência “d’Elas”, não mais pelas tramas institucionais que requisitam um modo de viver coletivo sem ser político, mas na própria abertura destas passagens, neste limiar em que colocamos em questão nossa capacidade de ver, considerando que cada ser contém em si uma multiplicidade contraída. Damos espaço às histórias, assim como nos tornamos parte da história; colocamo-nos diante da porta, onde ainda nos encontramos com a mão repousando sobre a fechadura, ou seja, não cruzamos o outro lado das certezas, mas mantemo-nos ainda neste ponto de indeterminação, ponto cinza que enevoa nossas cabeças.

Compreendemos, dessa maneira, que as histórias “d’Elas” também não se reduzem ao nosso olhar, elas se dissolvem a cada novo encontro, ganham um novo contorno quando encontram uma nova testemunha. Além disso, ressaltamos que suas vidas não se reduzem ao acolhimento institucional e sua adolescência não se reduz à rebeldia; da mesma forma, não necessitamos de manuais ou unicamente de uma abordagem tecnicista para constituirmos espaços de fala, de escritas, de contação de histórias dentro dos espaços ainda tão gélidos das instituições, mas apenas precisamos deixar passar os afetos, dar lugar ao sensível em nós, como profissionais, pesquisadores, sociedade, e criar esse pequeno desvio para encontrarmos tais histórias que não precisam se fazer para abrigarem grandes construções, mas podem ser constituídas pelas ruínas, estas mesmas ruínas sobre as quais andamos, misturadas às nossas, para descrever nos destroços aquilo que poderia ter sido uma vida. Findamos assim este artigo, apontando que, nesta perspectiva, não nos cabe aqui dar vozes às duas adolescentes - elas já as têm -, mas fazer essas vozes saírem do lugar do já dito, daquilo que se considera “natural” a uma adolescente em situação de acolhimento, para poder criar estranhamentos a partir dos quais possamos nos desacomodar daquilo que já pensamos saber, considerando que ainda há muitas possibilidades, não-saberes, infinitos deslocamentos em uma vida que não cessa de se modificar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2017
  • Revisado
    09 Jun 2021
  • Revisado
    09 Jun 2021
  • Aceito
    09 Jun 2021
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