Acessibilidade / Reportar erro

Desinformação, negacionismo e apandemia

Misinformation, denialism and the pandemic

RESUMO

Para qualquer tema sobre o qual não se é especialista, deve-se deferir a quem sabe mais. A deferência aos outros entra em conflito com expectativas de autonomia epistêmica e de divisão democrática do saber. Uma solução para esta tensão é ceder a estas expectativas, o que é equivalente a abandonar o conhecimento. Uma outra solução consiste em restringir seus efeitos a temas sobre os quais temos algum interesse prático. Esta proposta é instável, porque o interesse prático pode se estender a qualquer tipo de tema, em virtude do papel identitário de teorias. As pressões pela divisão simétrica do saber se opõem a um traço central da cultura humana: a produção cooperativa do saber. Um grupo humano sempre sabe mais do que cada um de seus membros e, para todo mundo, parte do que sabe o grupo permanece opaco. A recusa da divisão do trabalho cognitivo é uma das fontes do negacionismo. Três elementos que reforçam este efeito: o modo de circulação da informação na internet, o crescimento da desigualdade e o ataque da extrema-direita às instituições que produzem o conhecimento. A pandemia pede mais confiança em conteúdos opacos, ao mesmo tempo em que cria uma atmosfera de profunda desconfiança.

Palavras-chave:
Epistemologia; divisão do trabalho cognitivo; negacionismo; pandemia

ABSTRACT

For any topic on which one is not an expert, one must defer to more knowledgeable others. This goes against the expectations of epistemic autonomy and of a democratic division of knowledge. One solution to this tension is to give in to these expectations, which is equivalent to abandoning knowledge. Another solution is to restrict its effects to topics in which we have some practical interest. This proposal is unstable, because virtually any topic may be of practical interest, due to the identitary role of theories. These pressures for a symmetrical division of knowledge go against a central feature of human culture: the cooperative production of knowledge. A human group always knows more than each of its members, which means that, for everyone, part of what is known by one’s own group remains opaque. The refusal of the cognitive division of labor is one of the sources of denialism. There are three elements that favor this effect: the way of information spreads on the internet, the growth of inequality, and the far-right attacks on institutions that are responsible for the production of knowledge. The pandemic requires a great effort of knowledge. But along with knowledge, comes the demand for trust in opaque contents. The pandemic asks us for more trust, while it creates an atmosphere of deep distrust.

Key-words:
Epistemology; division of epistemic labor; denialism; pandemic

1. Conhecimento e democracia - uma primeira formulação insuficiente

Devemos ajustar nossas crenças às evidências disponíveis. No entanto, para qualquer tema sobre o qual não se é especialista, a base evidencial não pode ser avaliada diretamente e deve-se deferir àqueles que têm mais conhecimento. Este deslocamento, que resulta da divisão do trabalho epistêmico, entra em conflito com a expectativa de autonomia epistêmica.

O que se coloca aqui como um problema interno à epistemologia tem uma tradução relativamente direta para o domínio da política, com uma outra expectativa, a divisão democrática do saber. Kitcher apresenta esta tensão do seguinte modo:

Um dos problemas que encontra qualquer sociedade democrática é o de decidir como integrar a ideia plausível segundo a qual, para alguns temas, algumas pessoas sabem mais do que outras, com o compromisso com ideais e princípios democráticos ( Kitcher, 2012 KITCHER, Ph. 2012. Preludes to Pragmatism - Toward a Reconstruction in Philosophy. Oxford, Oxford University Press . , p. 365).

Estas duas pressões contra a divisão do trabalho epistêmico resultam de uma expectativa de distribuição simétrica do conhecimento.

A deferência a especialistas pode parecer inaceitavelmente autoritária. Para aqueles que concebem o conhecimento como um jogo de poder, a autonomia individual e a democracia devem prevalecer sobre a assimetria motivada por razões epistêmicas. Este é o caso, por exemplo, de Fuller. Segundo esta posição, o conhecimento e a verdade são instrumentos de poder e a normatividade política deve prevalecer sobre qualquer outro tipo de consideração: à deferência a especialistas, Fuller opõe a “utopia da Protscience” (Fuller, 2018FULLER, S. 2018. Post-Truth - Knowledge as a Power Game. London, Anthem Press., p. 190):

<...> adeptos da Protscience estão convencidos do papel integral da ciência em suas próprias vidas. Por esta razão mesmo, eles insistem em tomar um papel ativo em determinar como esta integração ocorre. Deste modo, eles escutam o que têm a dizer diferentes fontes alternativas na Internet e preenchem as incertezas metodológicas de toda pesquisa científica com sua própria experiência e com suas crenças de fundo. Mas, talvez de maneira mais importante, adeptos da Protscience insistem em seu direito de decidir temas científicos por si mesmos, porque são eles que, principalmente, sofrerão as consequências destas decisões ( Fuller, 2018 FULLER, S. 2018. Post-Truth - Knowledge as a Power Game. London, Anthem Press. , p. 110).

Esta não é a posição de Kitcher, que não pensa que a deferência a especialistas deva ser abandonada. Para ele, há três pontos de conflito entre o conhecimento especializado e as exigências democráticas:

  1. 1. A determinação dos temas de pesquisa;

  2. 2. Dúvidas generalizadas sobre padrões metodológicos;

  3. 3. O descompasso entre o conhecimento especializado e sua percepção pelo público (Kitcher, 2012KITCHER, Ph. 2012. Preludes to Pragmatism - Toward a Reconstruction in Philosophy. Oxford, Oxford University Press ., p. 363-364).

O primeiro ponto não afeta a divisão do trabalho do trabalho cognitivo: a determinação democrática dos temas de pesquisa não tem efeito sobre o modo como esta pesquisa é feita. O terceiro aspecto também não afeta a assimetria epistêmica. Em relação ao segundo problema, Kitcher propõe, inicialmente, que todos conheçam o modo de produção do conhecimento científico e que sejam capazes de aceitar seus resultados. Haverá então uma harmonia entre o conhecimento especializado e o conhecimento público (Kitcher, 2012KITCHER, Ph. 2012. Preludes to Pragmatism - Toward a Reconstruction in Philosophy. Oxford, Oxford University Press ., p. 378). Esta é, contudo, uma condição inatingível na prática. Sua segunda resposta consiste em dizer que aquele estiver em desacordo com os padrões de produção de conhecimento de uma determinada área (no seu exemplo, a teoria da evolução), pode, em princípio, testar o conhecimento produzido contra seus próprios padrões - esta possibilidade resulta do ideal de transparência do conhecimento público (Kitcher, 2012KITCHER, Ph. 2012. Preludes to Pragmatism - Toward a Reconstruction in Philosophy. Oxford, Oxford University Press ., p. 378-379).

O diagnóstico e a solução de Kitcher são insuficientes. O ideal de transparência resultaria no esvaziamento do problema do conhecimento público (todo mundo saberia tudo). Esta tese não é apenas inatingível, mas, sobretudo, está em oposição com um traço constitutivo da cultura humana: um grupo sempre sabe mais do que cada de um de seus membros, o que resulta numa distribuição assimétrica do conhecimento. Podemos ver esta consequência na dificuldade de implementação de sua proposta.

Aquele que estiver insatisfeito com os padrões epistêmicos de um determinado domínio pode testá-lo de acordo com seus próprios padrões, diz Kitcher. Há duas leituras desta realização do ideal de transparência. Numa primeira leitura, aquele que estiver insatisfeito, por exemplo, com explicações evolutivas, irá testá-las com seus próprios critérios sem se tornar um biólogo, o que equivale ao abandono do conhecimento especializado e à adoção de uma epistemologia “quimérica”, como é o caso dos criacionistas. Esta exposição ao espaço público coloca o criacionista numa posição muito desconfortável e a insuficiência de suas teorias seria exposta, espera Kitcher (2012KITCHER, Ph. 2012. Preludes to Pragmatism - Toward a Reconstruction in Philosophy. Oxford, Oxford University Press ., p. 379-381) - a internet é, de certo modo, a demonstração do caráter ilusório desta solução (sobre a difusão do conhecimento no espaço público, ver Bronner, 2021BRONNER, G. 2013. La Démocratie des Crédules. Paris, PUF.). Numa segunda leitura, cada pessoa deveria se tornar uma especialista na área em questão e o problema se colocaria novamente.

2. A construção do common ground

Kitcher não vê o abismo epistêmico em que o mundo parece estar afundando. De fato, o que vemos hoje é a multiplicação de pessoas sem qualificação para a pesquisa (conjunto que inclui mais do que o que se poderia pensar à primeira vista) defenderem teorias sem qualquer base evidencial, como se a exigência democrática para o conhecimento público e a exigência epistemológica da autonomia eliminassem a demanda por formações especializadas.

Podemos vislumbrar a dimensão do problema reconsiderando a introdução da divisão do trabalho cognitivo em Burge:

O paciente, que é em geral competente em inglês, racional e inteligente, diz a seu médico que ele teme que sua artrite tenha agora atacado sua coxa. O médico responde dizendo-lhe que este não pode ser o caso, já que a artrite é uma inflamação nas articulações, como lhe diria qualquer dicionário. O paciente fica surpreso, mas abandona sua compreensão e pergunta qual pode ser o problema na sua coxa ( Burge, 1979 BURGE, T. 1979. Individualism and the Mental. Midwest Studies in Philosophy, 4: 73-122. , p. 77).

Esta história ilustra como o significado dos termos depende do ambiente social e um dos aspectos do ambiente é a distribuição assimétrica do saber. Burge não considera a hipótese do paciente simplesmente insistir que tem a artrite na coxa. Ora, isto é precisamente o que ocorre hoje - é uma questão de opinião, dirá talvez o paciente. O argumento de Burge, cujo ponto de partida parecia mais ou menos incontroverso, a saber, que o paciente muda sua crença em função do que lhe diz o médico, não consegue sequer decolar. O que parecia o início de uma conversa com um common ground relativamente assentado se transforma numa discussão sem termos em comum. Por que isto ocorre?

Uma breve consideração lateral antes de tratar deste problema. Na história de Burge, um médico é o especialista. Médicos têm um saber técnico, mas eles não são produtores de conhecimento, ou pelo menos não pelo mero fato de serem médicos. Nesta história, o médico é o mediador de um conhecimento produzido por uma comunidade de pesquisadores. O conhecimento científico é aquele que passa pelo crivo da comunidade científica - de maneira paradigmática, o que é publicado em revistas revisadas por pares.

A chave do problema está na distribuição social do conhecimento. Inicialmente, como a produção do conhecimento se divide entre várias especialidades, sempre haverá, para todo indivíduo, teses que lhe são opacas e que ele aceita sem compreender plenamente - que ele aceita porque confia em quem o produz. O que vale para a produção do conhecimento é ainda mais importante para sua difusão pública - a confiança é crucial na difusão do conhecimento de todo tipo, em todos os níveis. Trata-se de uma ideia relativamente corrente: as Fake News e os negacionismos de diferentes tipos resultam de uma crise de confiança nas sociedades. Mas a profundidade deste fenômeno nem sempre é compreendida: a apreensão de conteúdos opacos é um traço central na cultura humana.

3. A cultura humana é cooperativa

A transmissão cultural de comportamentos de uma geração a outra não é próprio aos hominídeos, existem culturas em outras espécies animais. A cultura não humana é, no entanto, muito mais limitada do que a cultura humana. A razão desta diferença ajuda a colocar nosso problema num quadro mais amplo. Segundo Tennie, Call e Tomasello, os componentes da cultura chimpanzé estão na “zona de soluções latentes”, que indivíduos podem descobrir sozinhos e depois são difundidas através de seu grupo:

Nossa tese é assim que os comportamentos que são considerados parte da cultura dos chimpanzés são todos coisas que indivíduos poderiam facilmente inventar, em condições externas e internas adequadas ( Tennie et al., 2009 TENNIE, C.; CALL, J.; TOMASELLO, M. 2009. Ratcheting up the ratchet: on the evolution of cumulative culture. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci., 364(1528): 2405-2415. , p. 2407).

Culturas humanas, em contraste, são cumulativas: em cada ponto, uma cultura continua as inovações já conquistadas:

O fato que podemos aprender com os outros significa ninguém tem que inventar tudo por si mesmo, e o custo da inovação pode ser dividido entre muitos indivíduos ( Boyd, 2018 BOYD, R. 2018. A Different Kind of Animal - How Culture Transformed our Species. Princeton, Princeton University Press. , p. 20).

Um grupo humano sempre sabe mais do que cada indivíduo tomado isoladamente, o que tem como resultado, como já vimos, que o conteúdo resultante será opaco para muitos dos membros do grupo.

Boa parte de nossas crenças são, segundo uma classificação proposta por Sperber, reflexivas. Isto quer dizer que elas se encontram em contextos metarepresentacionais que as validam. Ao escutar pela primeira vez ‘há milhões de sóis no universo’ de seu professor, a criança aceitará esta sentença como verdadeira porque que ela se encontra no contexto metarepresentacional validador ‘o professor disse que...’. Esta crença será, para ela, opaca, já que ela não domina (ainda) o aparato conceitual que permite a compreensão desta frase. Em algum ponto da sua formação, esta crença se tornará para ela menos opaca, talvez ela venha a dominar todos os conceitos envolvidos. Mas esta crença pode permanecer também parcialmente opaca ao longo de toda vida. Esta é uma descrição parcial: uma teoria explicitamente representada pelo sujeito, por exemplo, também fornece um contexto validador para crenças reflexivas. De todo modo, crenças reflexivas se opõem a crenças intuitivas, que são aceitas fora de contextos validadores - de maneira paradigmática crenças perceptuais. Para todo mundo, algum domínio conceitual permanece opaco a vida toda. Como diz Sperber, crenças reflexivas

<…> têm um papel central no desenvolvimento e na transmissão de representações culturais, permitindo que conceitos e ideias que são apenas parcialmente compreendidas, ou que são compreendidas apenas no contexto de teorias explícitas, se estabilizem numa população humana e que expandam o alcance dos pensamentos que se pode ter muito além do que seria possível numa base estritamente intuitiva ( Sperber, 1997 SPERBER, D. 1997. Intuitive and Reflective Beliefs. Mind and Language, 12: 67-83. , p. 83).

A ubiquidade de conteúdos opacos e a importância de crenças reflexivas na estabilização e difusão de representações numa população mostram o caráter ilusório do ideal de autonomia epistêmica. Aquele que é o exemplo emblemático hoje do que se pode chamar da escolha da ignorância, o terraplanismo, tem sua motivação na demanda da autonomia epistêmica (“eu só aceito como verdadeiro aquilo que eu mesmo posso provar!”) e da distribuição simétrica do conhecimento (“cada um tem direito a sua própria opinião”). De fato, recusa do saber elitista (no caso, a ciência newtoniana) e a autonomia da produção do conhecimento estão na origem do terraplanismo no século XIX (Garwood, 2007GARWOOD, Ch. 2007. Flat Earth - The History of an Infamous Idea. New York, Thomas Dunne. ).

Esta autonomia epistêmica é uma ilusão. Um terraplanista também depende do que recebe dos outros, ele se baseia no recorte mais ou menos aleatório de informações científicas que supostamente apoiam suas posições que alguém produziu. Em outros termos, ele pensa estar numa cultura não humana, isto é, ele pensa estar numa cultura que só contém elementos que poderiam ter sido descobertos individualmente e que todos compreendem. Ele está, no entanto, apenas numa cultura humana deturpada, que tem como exigência a distribuição simétrica do saber. Mais do que a autonomia epistêmica, o que este caso ilustra é a escolha de pertencimento a um grupo que produz uma teoria que parece acessível a cada um de seus membros (todos podem entender, cada um poderia participar da produção da pesquisa etc.).

É isto o que ocorre com a “Protscience” de Fuller, cuja realização paradigmática está na Wikipedia. Sobre qualquer tema acerca do qual a pessoa queira participar do debate, diz Fuller, cada um pode formar sua própria opinião após examinar as fontes indicadas e participar das páginas de discussão da própria Wikipedia. Fuller resolve a demanda de simetria entre sujeitos pelo abandono da exigência do conhecimento especializado, o que o leva ao abandono da noção de verdade, como ele mesmo diz: este é o domínio da “pós-verdade”.

Tomemos um exemplo da teoria da evolução. Considere, por exemplo, a recente revisão da data da origem do homo sapiens, de há cerca de 200 mil para cerca de 300 mil anos antes do presente, e mais espalhada no continente africano, em oposição a uma origem na sua parte oriental. Trata-se, presumivelmente, de um tema que interessa aos defensores da teoria do design inteligente. A revisão do tempo e do lugar da origem do homo sapiens envolve, entre outras coisas, a exploração continuada de um sítio, a datação de seus diferentes níveis, uma nova datação de artefatos por termoluminiscência e a reavaliação da datação de um dente por ressonância de spin eletrônico (Richter et al., 2017RICHTER, D.et al. 2017. The age of the hominin fossils from Jebel Irhoud, Morocco, and the origins of the Middle Stone Age.Nature, 546: 293-296. https://doi.org/10.1038/nature22335.
https://doi.org/10.1038/nature22335...
). Aquele que queira formar uma opinião por si mesmo sobre esta tese deve avaliar as evidências que a motivam. A eventual recusa desta tese, que é, evidentemente, possível, requer a proposição de uma outra explicação compatível com as evidências apresentadas ou a discussão do que é apresentado como evidência. A capacidade de participar de uma página de discussão da Wikipedia está muito aquém de satisfazer a esta condição.

Por que confiar em textos produzidos por pessoas anônimas, que não respondem por nada e cuja formação é desconhecida? Por que, em particular, confiar mais nestas pessoas do que em especialistas que publicam em revistas especializadas, que são parte de equipes de instituições reconhecidas, e que têm um custo reputacional alto em defender teses injustificadas? Porque cada um pode se identificar com um anônimo sem qualificação específica. De certo modo, esta é uma escolha democrática. Esta também é a escolha da ignorância.

4. Crenças como ferramentas de coordenação

Uma pessoa que segue o que aparece na Wikipedia ou em outra fonte similar, em oposição ao que dizem, por exemplo, cientistas, estará escolhendo um grupo com o qual pode se identificar contra o que se segue da divisão do trabalho cognitivo - em outros termos, ela estará escolhendo a normatividade de coordenação contra a normatividade epistêmica.1 1 A expressão ‘normatividade de coordenação’ designa a base normativa que guia nossas interações mútuas - a normatividade política é um tipo de normatividade de coordenação. Eu suponho que a expressão seja mais ou menos transparente, mas certamente merece um desenvolvimento maior. Embora esta não seja uma escolha justificada do ponto de vista epistêmico, ela está baseada no papel de crenças como uma ferramenta de coordenação de grupos.

Crenças funcionam como mapas para nos guiar no mundo, mas também são indicadores de pertencimento. A recusa da teoria da evolução é um exemplo. Para O’Connor e Wheaterall, recusar a teoria da evolução não tem consequências práticas para a maior parte das pessoas, enquanto aceitar o criacionismo “pode trazer benefícios sociais significativos, dependendo das pessoas com quem se deseja estar de acordo” (O’Connor; Wheaterall, 2019O´CONNOR, C.; WEATHERALL, J. 2019.The Misinformation Age. New Haven, Yale University Press. , p. 90). No entanto, nas palavras de Dobzhansky, “nada em biologia faz sentido, a não ser à luz da evolução” (Dobzhansky, 1973DOBZHANSKY, T. 1973. Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution.The American Biology Teacher, 35(3): 125-129.). Não há qualquer razão epistêmica para se adotar o criacionismo ou sua contraparte pseudocentífica, a teoria do design inteligente. A adesão a esta teoria serve unicamente para assinalar o pertencimento a um grupo.

Esta é uma razão para crenças serem significativas para as pessoas. Lembremos que, para Kitcher, a decisão sobre os temas a serem pesquisados é significativa para as pessoas e, portanto, deve ser feita de maneira democrática. Não há, no entanto, uma pressão democrática para o modo como a pesquisa é realizada. Se, no entanto, os conteúdos mesmos forem significativos para as pessoas não apenas por suas consequências, mas também como indicação de pertencimento, como é o caso da teoria da evolução, ou de qualquer coisa que assuma este papel, a separação vislumbrada por Kitcher é impossível. A normatividade epistêmica é, neste caso, inteiramente submergida pela normatividade de coordenação.

O mesmo tipo de problema afeta um argumento similar de Dupré. Segundo ele, para os temas que nos interessam, há uma imbricação entre fatos e valores:

O sentido em que questiono a legitimidade da distinção entre fato e valor não implica que não existam áreas que não sejam infiltradas por valores humanos. O sentido de meu questionamento é que existem áreas amplas, incluindo o domínio de boa parte da ciência, nas quais as tentativas de se separar o fato do normativo são inúteis. O que eu quero dizer sobre física é que ela é, em sua maior parte, ou em sua totalidade, independente de valores <value-free>, não porque a física seja ciência, mas porque a física, em geral, simplesmente não nos interessa <because most of physics simply doesn’t matter to us>. Se elétrons têm uma carga positiva ou negativa, ou se existe um buraco negro no meio da nossa galáxia, são questões que não têm qualquer importância imediata para nós. O único interesse humano relevante aqui (o que pode ser, claro, profundamente relevante) são os interesses cognitivos, e os únicos valores que eles implicam são os valores cognitivos. A afirmação ‘elétrons têm carga negativa’ é assim independente de valores num sentido muito banal: ela não tem consequências para o que nos importa <it has no bearing on anything we care about> ( Dupré, 2012 DUPRÉ, J. 2012. Processes of Life - Essays in the Philosophy of Biology. Oxford, Oxford University Press . , p. 58).

As teorias científicas que nos importam envolvem conceitos espessos <thick concetps>, isto é, que misturam elementos descritivos e normativos. Dupré dá como exemplos de conceitos espessos em teorias científicas o conceito de estupro, na psicologia evolutiva, e aqueles envolvidos na determinação do que deve ser maximizado pela atividade econômica, nas ciências econômicas.

Mesmo se Dupré tira consequências mais importantes para o entrelaçamento entre valores e teorias do que Kitcher, seu argumento situa no mesmo lugar aquilo que nos importa: o que tem consequências práticas nas nossas vidas. A construção de políticas públicas que envolvem os conceitos de bem-estar e de estupro, nos exemplos de Dupré, e a decisão acerca das doenças que serão objeto da pesquisa biomédica, como diz Kitcher, são exemplos de temas que têm consequências práticas. Nestes casos, e apenas nestes casos, as teorias são significativas e, portanto, nestes casos, e apenas nestes casos, há uma pressão para a autonomia e para a democracia na produção do conhecimento. O problema é que crenças podem ter um valor na identificação de um grupo independentemente de suas consequências práticas, ou talvez o pertencimento a um grupo já represente um tipo de consequência prática. O efeito desta extensão é tornar inútil a delimitação sugerida por Kitcher e Dupré - toda crença por ser significativa. Este é o caso, por exemplo, das crenças no terraplanismo e no criacionismo, que são significativas porque marcam o pertencimento a um grupo. A consequência é a anulação da assimetria epistêmica para temas que vierem a desempenhar um papel de identificação de grupos, o que vale potencialmente para qualquer assunto.

Saber que a Terra é um globo tem consequências tecnológicas de todo tipo, na navegação, na geolocalização etc. Terraplanistas estão, no entanto, muito longe de ter qualquer efeito sobre a implementação destas tecnologias, das quais são beneficiários, por uma razão não acidental: existe um controle institucional da formação daqueles que podem ter algum impacto sobre estas tecnologias. O mesmo vale para a compreensão da estrutura da matéria mencionada por Dupré. O terraplanismo tem, no entanto, um outro tipo de efeito, nada inócuo, que consiste em fomentar a criação de identidades em torno de teorias injustificadas contra o conhecimento científico.

Algumas das crenças que têm um papel na formação da identidade grupos podem ser insuladas, como o fazem em geral religiões, que constroem “mundos minimamente impossíveis” (Atran, 2002ATRAN, S. 2002. In Gods We Trust - The Evolutionary Landscape of Religion. Oxford, Oxford University Press, p. 16). As linhas de pertencimento e sua relação com o conhecimento não são fixas, precisamente em razão dos diferentes graus de insulamento de crenças. Por esta razão, o modo como grupos se organizam e suas lideranças têm um papel central aqui, assim como o funcionamento mais ou menos rígido de identidades (Roy, 2020ROY, A. 2020. Azadi - Freedom. Fascim. Fiction. Chicago, Heymarket Books. , p. 150). Talvez não haja efeitos muito grandes em se acreditar em astrologia (mas nunca se sabe...), mas este não é o caso da teoria da evolução: apenas a teoria da evolução nos dá a compreensão de fenômenos biológicos e, portanto, apenas ela nos permite a compreender a pandemia. Pense, por exemplo, no surgimento de variantes do vírus SARS-CoV-2, que não é compreendido fora do quadro teórico delimitado pela teoria da evolução. Para todo desafio que envolva o conhecimento biológico, a aceitação do criacionismo ou da teoria do design inteligente é um empecilho para a compreensão do que ocorre e para uma ação efetiva. O que está em jogo é a aceitação de teorias biológicas, não exatamente sua compreensão: não é preciso compreender imunologia e epidemiologia para se aceitar a vacinação. Se este fosse o caso, o movimento anti-vacinação seria o menor dos problemas para cobertura vacinal. O que é preciso é confiança independente da compreensão.

Neste ponto, as dificuldades começam a aumentar: como confiar no conhecimento produzido por um grupo com o qual uma pessoa não se identifica e, sobretudo, como aceitar uma tese que é, precisamente, para esta pessoa, o marcador da separação entre os grupos? Como aceitar a teoria da evolução quando se pertence a um grupo que se identifica, entre outras coisas, pela recusa da teoria da evolução? O mesmo vale para o movimento anti-vacinação (com consequências graves) e para a (talvez) inócua astrologia. Esta dinâmica não é simétrica. Um biólogo não aceita a teoria da evolução porque ela é marca sua identidade de grupo, não mais do que um físico pensa que a Terra é um globo para se demarcar de terraplanistas, mas porque estes quadros teóricos são amplamente justificados.

O que está descrito aqui como os diferentes tipos de razão a que as pessoas são sensíveis ao formar suas crenças encontra uma confirmação empírica. Em temas que têm um valor político, as pessoas tendem a se alinhar com as posições do grupo ao qual elas pertencem, em oposição a teses estabelecidas pela comunidade científica (ver, e.g., Lewandowski et al., 2016LEWANDOWSKI, S.; COOK, J.; LLOYD, E. 2016. The ‘Alice in Wonderland’ mechanics of the rejection of (climate) science: simulating coherence by conspiracism. Synthese, 195: 175-196.; Kahan et al., 2012KAHAN, D.; PETERS, E.; WITTLIN, M.; SLOVIC, P., OUELLETTE, L.; BRAMAN, D.; MANDEL, G. 2012. The polarizing impact of science literacy and numeracy on perceived climate change risks. Nature CLIMATE Change, 2: 732-735.). Este é o caso, por exemplo, da percepção dos riscos associados ao aquecimento global. Como se sabe, há um descompasso entre o massivo consenso de especialistas acerca do aquecimento global antropogênico e seus riscos e sua percepção na sociedade. Se o alinhamento com o consenso científico depender do conhecimento científico da pessoa, quanto maior for seu conhecimento, maior será a convergência entre o que a ciência diz e o que ela acredita. Esta hipótese, chamada ‘tese da compreensão centífica’ <Science Comprehension Thesis, SCT>, pode ser testada quando a posição política da pessoa acerca de um tema divergir do consenso científico. Aqueles que têm valores hierárquicos e individualistas, que se encontram à direita do espectro político, tendem a ser céticos acerca do aquecimento global antropogênico. SCT prevê que a recusa do aquecimento global deve diminuir para os indivíduos têm notas maiores em testes de conhecimento científico e matemático. Ora, o que ocorre é justamente o oposto: neste grupo, pessoas com um desempenho melhor em testes de conhecimento tendem a ser mais céticas em relação ao aquecimento global. A hipótese que explica estes dados, segundo Kahan, é a tese da cognição cultural <Cultural Cognition Thesis, CCT>: a percepção dos riscos é aquela que é coerente com os valores do grupo com o qual a pessoa se identifica (Kahan et al., 2013KAHAN, D.; PETERS, E.; CANTRELL DAWSON, E.; SLOVIC, P. 2013. Motivated Numeracy and Enlightened Self-Government Behavioural Public Policy, 1: 54-86.).

Este alinhamento aparece também no modo como as pessoas extraem conclusões de dados. Num outro trabalho de Kahan e colegas, um mesmo conjunto de dados fictícios foi apresentado a pessoas identificadas como Democratas Liberais e como Republicanos Conservadores. A tarefa consistia em extrair uma conclusão quer acerca da relação entre o controle do uso de armas e a violência numa comunidade, quer sobre o sucesso de um tratamento para erupções cutâneas. No caso do tratamento de pele, o índice de respostas corretas varia diretamente com a literacia matemática dos participantes. No caso do controle de armas, as respostas dependem do grupo com o qual o indivíduo se identifica, mesmo para sujeitos com uma capacidade cognitiva alta.

A marca do pertencimento a um grupo é, ao mesmo tempo, uma proteção da identidade e tem efeitos subjetivos no bem-estar e na autoestima do sujeito:

A cognição protetora da identidade <identity-protective cognition> é um mecanismo que procura identificar este conjunto de dinâmicas. Esta explicação reconhece que o bem-estar individual está intimamente ligado com o pertencimento a um grupo, que dá aos indivíduos não apenas benefícios materiais, mas um conjunto de benefícios imateriais cruciais, incluindo a oportunidade de adquirir status e autoestima. Desafios a crenças comumente aceitas pelo grupo podem solapar o bem-estar do indivíduo, quer pela ameaça de criação de uma separação entre ele e outros membros do grupo, quer pela interferência com práticas importantes dentro do grupo, ou ainda ao colocar em dúvida a competência social (e, deste modo, a capacidade de conferir autoestima) do grupo em geral ( Kahan et al., 2007 KAHAN, D.; BRAMAN, D.; GASTIL, J.; SLOVIC, P.; MERTZ, C. 2007. Culture and Identity‐Protective Cognition: Explaining the White‐Male Effect in Risk Perception. Journal of Empirical Legal Studies, 4: 465-505. , p. 470).

Notícias que ocupam um papel central na identidade ideológica de uma pessoa têm um funcionamento similar: o custo da revisão de crenças diante de evidências contrárias é muito alto. Inicialmente, a revisão de crenças pouco plausíveis traz uma dificuldade particular:

<...> opiniões falsas e estúpidas têm, na verdade, mais chances de sobreviver do que as análises razoáveis e corretas, ou do que as opiniões comedidas. Isto se explica pelo fato que renunciar a uma opinião justa e comedida nunca fará a pessoa perder a face, enquanto uma opinião falsa deverá ser defendida a todo custo, sob pena da desonra. Uma opinião forte engaja a reputação de quem a defende e sua reputação tem, em geral, muito mais valor do que a opinião ela mesma, sobretudo se se trata de uma opinião completamente idiota ( Dieguez, 2018 DIEGUEZ, S. 2018. Total Bullshit! Au Coeur de la Post-vérité. Paris, PUF . , p. 193).

Sobretudo, a revisão envolve o abandono de crenças que são muito importantes para o sujeito, para sua identidade e para sua identificação com um determinado grupo. Galeotti descreve este tipo de irracionalidade motivada como uma situação de custos afundados, isto é, a resistência em se modificar uma decisão em razão do investimento já realizado numa determinada escolha, no caso, o investimento subjetivo de pertencimento a um grupo:

Estas circunstâncias levam a afundar ou descontar os custos da inacurácia, abaixando os limites da evidência para se acreditar em algo como verdadeiro e aumentando os limites para sua recusa ( Galeotti, 2019 GALEOTTI, A. E. 2019. Believing Fake News. In: A. CONDELLO; T. ANDINA (eds.) Post-Truth, Philosophy and Law. London, Routledge, p. 58-76. , p. 69).

5. Sem mediação, sem evidência, sem verdade

A crise de confiança afeta profundamente o ambiente cognitivo porque o conhecimento é produzido cooperativamente - se o conhecimento fosse produzido individualmente, talvez não fosse tão importante confiar nos outros para saber algo. O alinhamento de crenças em virtude das razões de pertencimento contra razões epistêmicas vai diretamente ao coração do problema: ele afeta a confiança que atravessa o pertencimento a grupos. Traduzindo este problema em termos epistêmicos, a crise de confiança afeta a aceitação das mediações necessárias para todo conhecimento. Isto não vale apenas para a ciência, mas também para saber o que acontece no mundo. Assim, a existência mesma da pandemia, que pessoas estejam morrendo de COVID-19 etc., tudo isto é conhecido por algum tipo de mediação.

A mediação exercida pela imprensa tem, ou deveria ter, padrões epistêmicos determinados e alguma accountability. Há pouca coisa boa a se dizer sobre os principais órgãos de imprensa no Brasil.2 2 Para a concentração da mídia nas mãos de poucas famílias no Brasil, ver https://rsf.org/pt/noticia/oligopolios-de-midia-controlados-por-poucas-familias-reporteres-sem-fronteiras-e-o-intervozes-lancam. As notícias mais importantes para a compreensão do desastre político que nos assola foram reveladas pelo site de notícias The InterceptTHE INTERCEPT BRASIL. https://theintercept.com/brasil/ . Acesso em 11 de maio de 2021.
https://theintercept.com/brasil/...
.3 3 https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato/. O trabalho da mídia independente mostrou a manipulação da informação pelos grandes veículos de informação no país favorecendo a eleição do atual mandatário do país. A diversificação dos meios de difusão de notícias tem efeitos benéficos indubitáveis, mas torna, ao mesmo tempo, a leitura da paisagem informacional muito mais difícil.

O engajamento mais ou menos explícito da grande imprensa brasileira no movimento que resultou na eleição da extrema-direita é parte da explicação da desestruturação generalizada do mercado informacional. Há, no entanto, um fenômeno muito mais geral que é por vezes descrito como uma desintermediação (ver, e.g., Zollo et al., 2017ZOLLO, F.; BESSI, A.; DEL VICARIO, M.; SCALA A.; CALADARELLI, G.; SHEKHTMAN, L.; HAVLIN, S.; QUATTROCHIOCCHI, W. 2017. Debunking in a World of Tribes. PLoS ONE, 12: e0181821). Certamente há uma modificação no modo como a informação circula que diminui o número de intermediários. Qualquer um (ou quase qualquer um - nem todo mundo tem um computador, o conhecimento e o tempo livre à disposição) pode criar um blog sobre o tema que desejar e provavelmente encontrará pessoas com o mesmo interesse - há aqui uma diminuição dos canais de intermediação. A eliminação de intermediários também é parte da justificação que os atores eles mesmos se dão acerca do que ocorre. No entanto, mais do que uma ausência de intermediários, o que encontramos é uma substituição dos canais de informação que têm algum tipo de accountability epistêmica por canais que têm apenas uma função de coordenação - ou seja, a substituição da mediação epistêmica pela mediação de coordenação. Este é o caso, de maneira paradigmática, dos grupos de Whatsapp: são grupos constituídos por pessoas que têm alguma identificação entre si e que servem unicamente a fins de coordenação, para as quais o problema epistêmico não se coloca. Quando eles se tornam um meio de difusão da informação, a fiabilidade da fonte informacional não conta e qualquer coisa pode ser tomada como verdadeira. Quando estas informações passam a ter um valor constitutivo na identificação mesma do grupo, a entrada de uma fonte externa é praticamente impossível. Este traço talvez explique a maior difusão de informações falsas em grupos de Whatsapp de natureza política do que em grupos não políticos - nestes casos, uma informação falsa pode ter um papel maior na identificação do grupo do que, por exemplo, num grupo de parceiros de futebol, e será mais estável (ver Caetano et al., 2019CAETANO, J.; MAGNO, G.; GONÇALVES, M.; ALMEIDA, J.; MARQUES-NETO, H.; ALMEIDA, V. 2019. Characterizing Attention Cascades in WhatsApp Groups. Proceedings WebSci ’19. ).

Quando a função de identificação do grupo é preponderante sobre a acurácia informacional, a refutação de uma determinação informação (a distribuição de mamadeira de piroca, ou, mais recentemente, que crianças aprendam a colocar camisinha antes de aprender a ler,4 4 Esta afirmação espantosa se deve ao atual ministro da educação; ver https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/30/ministro-da-educacao-criancas-nao-sabem-ler-mas-sabem-colocar-camisinha.htm. a implantação de chips pela vacina, a COVID-19 causada pela tecnologia 5G etc.) pode não ter efeito sobre o grupo que a difunde, já que ela será substituída por uma outra ideia tão pouco justificada epistemicamente, mas com a mesma função de coordenação. Como diz Kahn-Harris, os negacionistas talvez sequer se preocupem em produzir simulacros de justificação epistêmica, ou o fazem de maneira muito superficial, porque não é isto que realmente importa:

No conceito pós-negacionista de verdade, o indivíduo é o árbitro do que é verdadeiro. Este é um tipo mais profundo de verdade, que persiste além do que o indivíduo diz ou do que acontece no mundo a seu redor. Como argumenta Faisal Devji, a sinceridade é o critério crucial para se julgar asserções neste bravo novo mundo ( Kahn-Harris, 2018 KAHN-HARRIS, K. 2018. Denialism - The Unspeakable Truth. Kendal, Notting Hill Editions. , p. 139).

A confiança segue as linhas do pertencimento a grupos. Quando grupos se constroem contra a produção do conhecimento (o que é o caso do terraplanismo e de adeptos da teoria do design inteligente e do criacionismo) ou contra as instituições que os produzem, a difusão pública do conhecimento encontra uma barreira que vai além da pressão pela autonomia e pela democracia. É esta uma razão central, senão a razão central do negacionismo cientifico e das fake News.

A substituição de mediações epistêmicas por mediações de coordenação tem uma tradução direta para o negacionismo científico: o que parece ser a desintermediação é a substituição da intermediação epistêmica por mediações que seguem linhas de pertencimento a grupos. Vídeos defendendo o terraplanismo ou a associação entre a COVID-19 e a tecnologia 5G também foram produzidos por alguém (sobre vídeos na origem da teoria que liga a COVID-19 e a tecnologia 5G, ver Bronner, 2021BRONNER, G. 2013. La Démocratie des Crédules. Paris, PUF., p. 216-220).

Mais uma vez, deve-se complementar a compreensão desta dinâmica com a compreensão da divisão do trabalho epistêmico. O que está em jogo não é se a ciência produz a verdade última, ou se é a dona da verdade, se é que estas expressões querem dizer alguma coisa. O que está em jogo é como e quem sabe lidar com evidências (no seu estabelecimento, compreensão, crítica etc.). Isto vale para tudo relativo à pandemia, vale para tudo relativo à teoria da evolução, isto vale para tudo. O fato de uma comunidade científica errar não altera em nada a assimetria epistêmica.

6. Por que estamos caindo?

Se a explicação do enfraquecimento de razões epistêmicas ilustrado pelas Fake News e pelos negacionismos de diferentes tipos recorre a mecanismos que sempre existiram, devemos perguntar se há algo de novo acontecendo. Inicialmente, é claro que sempre houve a manipulação da informação. No entanto, há algo de novo acontecendo. Vou tratar muito brevemente dos fatores que contribuem para a degradação do ambiente de difusão do saber.

O primeiro deles é a modificação do modo de circulação da informação na internet. Com a diminuição dos custos financeiros e reputacionais, conteúdos antes marginais ganham mais importância. Há uma reestruturação da oferta, que passa a depender sobretudo da motivação daquele que oferece um conteúdo. Ora, aqueles para quem um dado conteúdo tem um valor de identidade têm uma motivação maior de propor um conteúdo, muito mais do que aqueles para quem uma dada teoria não tem valor identitário, e certamente mais do que os que poderiam refuta-los. A Internet cria também a ilusão de consenso: mais ou menos qualquer tema encontrar adeptos em diferentes partes do mundo (Boyd, 2018BOYD, R. 2018. A Different Kind of Animal - How Culture Transformed our Species. Princeton, Princeton University Press., p. 90-91; Bronner, 2013BRONNER, G. 2013. La Démocratie des Crédules. Paris, PUF., p. 76-78).

Não é apenas a reorganização em torno do funcionamento identitário de crenças que está em jogo, mas a disputa pela atenção. A disputa pelo tempo cerebral disponível leva ao favorecimento de conteúdos que chamam mais nossa atenção, como a violência e o sexo. Ora, como mostra Bronner, num mercado informacional desregulado, estes conteúdos tendem a se tornar cada vez mais preponderantes (Bronner, 2021BRONNER, G. 2021. Apocalypse Cognitive. Paris, PUF .). Além destes polos atrativos, a circulação de informações que favoreçam apenas nossas tendências mais arraigadas também nos levará a narrativas mais simples acerca de fenômenos complexos. Dito maneira mais precisa, as narrativas propostas buscarão a mistura particular de elementos intuitivos, que conseguimos processar, e contraintuitivos, que chamam nossa atenção e servem à identificação de grupos, o que é um traço constitutivo de mitos e religiões (Bronner, 2021BRONNER, G. 2021. Apocalypse Cognitive. Paris, PUF ., p. 163-164). Nada disto sugere o favorecimento de teorias científicas num mercado informacional desregulado.

Um mercado informacional desregulado é, sobretudo, um mercado sem filtros, sem filtros epistêmicos e sem filtros morais. Esta ausência de filtros talvez explique, de resto, a convergência de grupos à margem tanto epistemicamente quanto moralmente, como aponta, em particular, Kahn-Harris (Kahn-Harris, 2018KAHN-HARRIS, K. 2018. Denialism - The Unspeakable Truth. Kendal, Notting Hill Editions.). Neste ecossistema informacional, os conteúdos tendem a se afastar de explicações científicas, de mais difícil compreensão e, frequentemente, contrárias a crenças com um valor identitário. Se este encontro entre tendências psicológicas profundas e um ambiente informacional desregulado é certamente parte da explicação, existem outros fatores que contribuem ao crescimento do negacionismo.

Picket e Wilkinson mostraram como, em sociedades muito desiguais, o nível de confiança cai muito (Pickett; Wilkinson, 2018PICKETT, K.; WILKINSON, R. 2018. The Inner Level. New York, Penguin. ). O Brasil é, ao mesmo tempo, um dos países mais desiguais do mundo e um dos países com índices mais baixos de confiança. O conflito entre grupos, também favorecido pelo crescimento da desigualdade, dificulta a confiança que é necessária à difusão do conhecimento, como sugerem Lewandowski e co-autores (Lewandowski et al., 2017LEWANDOWSKY, S.; ECKER, U.; COOK, J. 2017. Beyond Misinformation: Understanding and Coping with the “PostTruth” Era.Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 6: 353-369.). Se um grupo desconfia, por exemplo, de universidades em geral, por qualquer razão de pertencimento, e se esta desconfiança se transportar para a aceitação dos conteúdos produzidos nas universidades, este grupo escolherá a ignorância. Esta dinâmica tem efeitos ruins sobre a difusão do conhecimento em todo o espectro político, ao substituir razões epistêmicas por razões de coordenação. Se isto ocorre em todo o espectro político, a violência ocorre sobretudo à direita, em torno de discursos racistas, sexistas e anti-LGBT (Nagle, 2017NAGLE, A. 2017. Kill All Normies - Online Culture Wars from 4chan and Tumbrl to Trump and the Alt-Right. London, Zero Books.; ver também Ottoni et al., 2018OTTONI, R.; CUNHA, E.; MAGNO, G.; BERNARDINA, P.; MEIRA JR., W.; ALMEIDA, V. 2018. Analyzing Right-wing YouTube Channels: Hate, Violence and Discrimination. WebSci’18, May 27-30, 2018, Amsterdam, The Netherlands.).

Como o papel da identificação de grupos é central nesta história, o modo como grupos se organizam tem um papel crucial. Este é o terceiro fator: no mundo todo, a ruptura da confiança na circulação da informação se deve, sobretudo, à extrema-direita. Na extrema-direita, convergem mundos que não passam por filtros epistêmicos nem por filtros morais. Applebaum nota assim a proximidade de conteúdos difundidos por websites pelo partido da extrema-direita espanhola Vox e pela extrema-direita na Itália e no Brasil:

Tanto Alto quanto o ISD observaram algo estranho. Defensores do Vox, especialmente aqueles que usavam muito a internet, tinham grandes chances de postar e tuitar conteúdos e materiais de um conjunto de sites conspiratórios, a maior parte deles criados no ano anterior à eleição de 2019. <...> A equipe da Alto encontrou exatamente os mesmos tipos de sites na Itália e no Brasil nos meses que antecederam as eleições de 2018. Em todos os casos, os sites publicavam um material enviesado - na Itália, sobre a imigração, no Brasil, sobre o feminismo - no ano que antecedeu a votação. <...> Eles não buscavam necessariamente criar histórias falsas. Mesmo se este era muitas vezes o caso, o objetivo era mais sofisticado. Eles eram projetados para criar narrativas falsas, repetir e martelar temas, selecionar notícias e enfatizar detalhes particulares que criam raiva, descontentamento e medo, e isto repetidamente ( Applebaum, 2020 APPLEBAUM, A. 2020. The Twilight of Democracy. New York, Doubleday. , p. 135).

Além disto, no mundo todo, a extrema-direita decidiu jogar o jogo da coordenação contra as instituições que produzem o conhecimento. Isto ocorre em países governados pela extrema-direita como a Hungria, a Turquia e o Brasil (Stanley, 2018STANLEY, J. 2018. Como Funciona o Fascismo. Porto Alegre, L&PM.).5 5 Sobre o ataque às universidades no Brasil, ver https://jornal.usp.br/artigos/os-ataques-a-universidade-publica/. Vale aqui uma citação mais longa da escritora turca Shafak sobre o que ocorre na Turquia de Erdoğan:

Desde de a tentativa de golpe de 2016, 29 editoras foram fechadas por decreto e 135 000 livros foram banidos das livrarias públicas, incluindo livros de Louis Althusser e Nâzim Hikmet, o maior poeta turco. Um procurador acusou Baruch Spinoza e Albert Camus de serem membros de uma organização terrorista. Muito se falou sobre a natureza anti-liberal do populismo autoritário, mas relativamente pouco sobre dois outros aspectos concomitantes: o anti-intelectualismo e o anti-feminismo. O autoritário populista gosta de dividir a sociedade em dois campos: o povo puro versus a elite corrupta. Escritores, poetas, jornalistas e acadêmicos são frequentemente associados ao último grupo. No imaginário populista, ser da elite nada tem a ver com poder econômico ou com status social. O que está em jogo são valores. Deste modo, um assistente na universidade que não pode pagar uma moradia na cidade e leva horas no transporte público todo dia, mas que tem ideias progressistas, pode ser classificado como “elite”, enquanto um gestor de fundos de investimento será chamado “um homem do povo” se ele apoiar movimentos nacionalistas. Há uma visão romântica do povo como puro e inocente. Bülent Aris, vice-reitor de uma universidade recentemente criada na Turquia, disse na TV: “Eu prefiro confiar no povo ignorante que não foi à universidade ou, melhor ainda, que nunca foi à escola primária [...] porque suas mentes são puras.”. Dizendo-se insatisfeito com o crescimento níveis de alfabetização, ele afirmou que pessoas que têm o nível superior de educação e são mais cultas também têm uma mente confusa e não conseguiam pensar corretamente. “Se Erdoğan sair será uma catástrofe,” acrescentou ele. Em seguida, ele foi promovido pelo governo ao Conselho Superior de Educação ( Shafak, 2019 SHAFAK, E. 2019. Police officers demanded to see my books’: Elif Shafak on Turkey’s war on free-speech. The Guardian, The Guardian, https://www.theguardian.com/books/2019/jul/15/elif-shafak-books-writers-academics-women-hostility-erdogan-turkey [acesso em 12 de maio de 2021].
https://www.theguardian.com/books/2019/j...
).

O que ocorre na Turquia tem muitos paralelos com o que está ocorrendo no Brasil, mesmo se as instituições de ensino superior parecem (por enquanto) um pouco mais protegidas. Estes três fatores são centrais na explicação do abismo epistêmico em que caímos. Isto antes de chegar a pandemia.

7. Os efeitos da pandemia (e uma conclusão não inteiramente pessimista)

A pandemia nos exige muito de todos nós. Ela exige, inicialmente, um grande esforço de conhecimento. Neste domínio, os resultados foram extraordinários - desde o sequenciamento do genoma do coronavírus à produção da vacina, o conhecimento científico avançou de maneira extraordinariamente rápida. Este avanço também ocorreu no Brasil, nos institutos de pesquisa e universidades que são, hoje, diretamente atacadas pelo governo e cujo orçamento cai de maneira assustadora.6 6 Sobre a queda no financiamento da pesquisa, ver https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/todas-as-publicacoes/publicacoes/171-investimentos-federais-em-pesquisa-e-desenvolvimento-estimativas-para-o-periodo-2000-2020 e https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento-2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/. Mas, como vimos, junto com o conhecimento, vem também a exigência da confiança. Quanto mais nossas ações coletivas demandam um conhecimento científico, mais elas pedem a confiança em instituições que os produzem.

Aqui está o nó do problema: a pandemia nos pede mais e mais confiança, ao mesmo tempo em que ela cria um ambiente de profunda desconfiança. Ela o faz pelo mero fato de aumentar a desigualdade, já numa curva crescente. Ao aumentar as tensões sociais, ela favorece também a tensão entre grupos. Além disto, como se não bastasse esta dificuldade, por razões que decorrem em parte desta mesma dinâmica, o Brasil tem um governo que trabalha ativamente contra instituições que produzem o conhecimento.

Os dois fatores cujo conflito é exposto no negacionismo científico são exacerbados pela pandemia. Precisamos da ciência para compreender a pandemia, para enfrentá-la e para projetar o futuro. De fato, pesquisas mostram que, no mundo, o valor atribuído à ciência aumentou (Matthews, 2020MATTHEWS, D. 2020. Public trust in science ‘soars following pandemic’. Times Higher Education, May 7, 2020.). Ao mesmo tempo, o valor do que entra em conflito com a distribuição social do conhecimento também aumenta e, de maneira paradoxal, a pressão pela desconfiança na ciência também aumenta. Em momentos de crise, apelos identitários crescem em valor. Um dos efeitos do aumento da desconfiança e dos apelos identitários é bloquear a transmissão do conhecimento através de diferentes grupos. Este é em particular o caso quando um grupo se identifica em oposição à ciência, como é o caso dos movimentos de extrema-direita no mundo hoje e, em especial, no Brasil.

O conhecimento é produzido de maneira assimétrica. Este é o modo propriamente humano de conhecer, mas o desenvolvimento científico aumentou muito a assimetria entre os diferentes membros de uma sociedade. No entanto, as ciências também trazem um benefício enorme: o conhecimento científico é muito maior do que o que sabíamos antes. O resultado é que precisamos, mais do que nunca, confiar em instituições que produzem conteúdos cada vez mais opacos. Mesmo se se pode compreender o ideal que cada indivíduo saiba tudo o que o grupo ao qual pertence sabe, uma vez que compreendemos a produção colaborativa e assimétrica do conhecimento, vemos este ideal está em oposição ao modo como evoluiu a cultura humana. Talvez este ideal deva ser substituído por um outro ideal, de cooperação e confiança na produção mesmo do conhecimento.

Crenças têm também o papel de marcar o pertencimento a grupos. Os mecanismos que motivam a recusa da ciência também têm raízes profundas: o papel de crenças na identificação de grupos torna o enfrentamento de negacionismos muito mais difícil. Numa sociedade muito desigual que, ao reforçar a ansiedade de status social, aumenta a desconfiança e acirra a divisão entre grupos, isto é ainda pior. Os grupos políticos que se alimentam desta desconfiança contra a produção do conhecimento parecem tornar nossa queda sem fim. No fundo do poço estão outras pandemias e os efeitos do aquecimento global, como mostram, precisamente, as ciências. No fundo do poço, está uma demanda cada vez maior de conhecimento e, portanto, de confiança nas instituições que o produzem, assim como um ambiente de tensões sociais que fomentam a desconfiança.

Assim como estas duas crises se alimentam mutuamente, elas também podem apontar para um novo caminho, de solidariedade e de construção de um ambiente que aumente a confiança na ciência. Em sociedades marcadas pela desigualdade, não se constrói um ambiente de confiança. Uma sociedade tão desigual não tem as ferramentas para enfrentar desafios que exigem, cada vez mais, o conhecimento científico e, ao exigir o conhecimento científico, exigem a confiança. Talvez a pandemia seja capaz de mostrar também o valor do conhecimento e, deste modo, mostrar que um governo que ataca as instituições científicas, como o atual governo brasileiro, não está capacitado para conduzir o país diante dos desafios presentes e futuros. Talvez elas nos mostrem também que, numa sociedade tão desigual, não há como construir um ambiente de confiança que é necessário para enfrentar estes desafios. A sociedade brasileira escolheu, nas últimas eleições, um governo que ataca as instituições que produzem a ciência e que promove teorias anticientíficas, isto é, escolheu a ignorância. Ainda podemos escolher a solidariedade de uma sociedade menos desigual e o conhecimento de uma sociedade que confia nas ciências - o que significa confiar (e financiar) as instituições que as produzem.

Referências

  • APPLEBAUM, A. 2020. The Twilight of Democracy New York, Doubleday.
  • ATRAN, S. 2002. In Gods We Trust - The Evolutionary Landscape of Religion Oxford, Oxford University Press
  • BERTOTTI, M. 2019. “Os ataques à universidade pública”. Jornal da USP (online), May 14, 2019. https://jornal.usp.br/artigos/os-ataques-a-universidade-publica/ Acesso em 11 de maio de 2021.
    » https://jornal.usp.br/artigos/os-ataques-a-universidade-publica/
  • BOYD, R. 2018. A Different Kind of Animal - How Culture Transformed our Species Princeton, Princeton University Press.
  • BRONNER, G. 2013. La Démocratie des Crédules Paris, PUF.
  • BRONNER, G. 2021. Apocalypse Cognitive Paris, PUF .
  • BURGE, T. 1979. Individualism and the Mental. Midwest Studies in Philosophy, 4: 73-122.
  • CAETANO, J.; MAGNO, G.; GONÇALVES, M.; ALMEIDA, J.; MARQUES-NETO, H.; ALMEIDA, V. 2019. Characterizing Attention Cascades in WhatsApp Groups. Proceedings WebSci ’19
  • COLOMBIÉ, E. 2017. “Oligopólios de mídia controlados por poucas famílias. A Repórteres sem Fronteiras e o Intervozes lançam o Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil”. Repórteres sem Fronteiras (online)., Oct. 31, 2017 31, 2017 https://rsf.org/pt/noticia/oligopolios-de-midia-controlados-por-poucas-familias-reporteres-sem-fronteiras-e-o-intervozes-lancam Acesso em 11 de maio de 2021.
    » https://rsf.org/pt/noticia/oligopolios-de-midia-controlados-por-poucas-familias-reporteres-sem-fronteiras-e-o-intervozes-lancam
  • DAVIES, W. 2019. “Why We Can’t Agree on What is True Anymore?” ‘The Guardian(internationaledition), Sep 19, 2019. https://www.theguardian.com/media/2019/sep/19/why-cant-we-agree-on-whats-trueanymore
    » https://www.theguardian.com/media/2019/sep/19/why-cant-we-agree-on-whats-trueanymore
  • DIEGUEZ, S. 2018. Total Bullshit! Au Coeur de la Post-vérité Paris, PUF .
  • DISET - Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura. 2020. “Investimentos Federais em Pesquisa e Desenvolvimento: Estimativas para o Período 2000-2020”. Ipea (online), May 20, 2020. https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/todas-as-publicacoes/publicacoes/171-investimentos-federais-em-pesquisa-e-desenvolvimento-estimativas-para-o-periodo-2000-2020 Acesso em 11 de maio de 2021.
    » https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/todas-as-publicacoes/publicacoes/171-investimentos-federais-em-pesquisa-e-desenvolvimento-estimativas-para-o-periodo-2000-2020
  • DOBZHANSKY, T. 1973. Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution.The American Biology Teacher, 35(3): 125-129.
  • DUPRÉ, J. 2012. Processes of Life - Essays in the Philosophy of Biology Oxford, Oxford University Press .
  • ESCOBAR, H. 2020. “Orçamento 2021 condena ciência brasileira a ‘estado vegetativo’”. Jornal da USP (online), Jan. 29, 2020. https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento-2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/ Acesso em 12 de maio de 2021.
    » https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento-2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/
  • FULLER, S. 2018. Post-Truth - Knowledge as a Power Game London, Anthem Press.
  • GARWOOD, Ch. 2007. Flat Earth - The History of an Infamous Idea New York, Thomas Dunne.
  • GALEOTTI, A. E. 2019. Believing Fake News. In: A. CONDELLO; T. ANDINA (eds.) Post-Truth, Philosophy and Law London, Routledge, p. 58-76.
  • KAHAN, D.; BRAMAN, D.; GASTIL, J.; SLOVIC, P.; MERTZ, C. 2007. Culture and Identity‐Protective Cognition: Explaining the White‐Male Effect in Risk Perception. Journal of Empirical Legal Studies, 4: 465-505.
  • KAHAN, D.; PETERS, E.; WITTLIN, M.; SLOVIC, P., OUELLETTE, L.; BRAMAN, D.; MANDEL, G. 2012. The polarizing impact of science literacy and numeracy on perceived climate change risks. Nature CLIMATE Change, 2: 732-735.
  • KAHAN, D.; PETERS, E.; CANTRELL DAWSON, E.; SLOVIC, P. 2013. Motivated Numeracy and Enlightened Self-Government Behavioural Public Policy, 1: 54-86.
  • KAHN-HARRIS, K. 2018. Denialism - The Unspeakable Truth Kendal, Notting Hill Editions.
  • KITCHER, Ph. 2012. Preludes to Pragmatism - Toward a Reconstruction in Philosophy Oxford, Oxford University Press .
  • LEWANDOWSKY, S.; ECKER, U.; COOK, J. 2017. Beyond Misinformation: Understanding and Coping with the “PostTruth” Era.Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 6: 353-369.
  • LEWANDOWSKI, S.; COOK, J.; LLOYD, E. 2016. The ‘Alice in Wonderland’ mechanics of the rejection of (climate) science: simulating coherence by conspiracism. Synthese, 195: 175-196.
  • MATTHEWS, D. 2020. Public trust in science ‘soars following pandemic’. Times Higher Education, May 7, 2020.
  • NAGLE, A. 2017. Kill All Normies - Online Culture Wars from 4chan and Tumbrl to Trump and the Alt-Right London, Zero Books.
  • O´CONNOR, C.; WEATHERALL, J. 2019.The Misinformation Age New Haven, Yale University Press.
  • OTTONI, R.; CUNHA, E.; MAGNO, G.; BERNARDINA, P.; MEIRA JR., W.; ALMEIDA, V. 2018. Analyzing Right-wing YouTube Channels: Hate, Violence and Discrimination. WebSci’18, May 27-30, 2018, Amsterdam, The Netherlands.
  • PICKETT, K.; WILKINSON, R. 2018. The Inner Level New York, Penguin.
  • RICHTER, D.et al 2017. The age of the hominin fossils from Jebel Irhoud, Morocco, and the origins of the Middle Stone Age.Nature, 546: 293-296. https://doi.org/10.1038/nature22335
    » https://doi.org/10.1038/nature22335
  • ROY, A. 2020. Azadi - Freedom. Fascim. Fiction Chicago, Heymarket Books.
  • SANTOS, A. 2021. “Ministro diz que criança sabe usar camisinha e professora reage: Vergonhoso”. Uol Educação (online), Apr. 30, 2021. https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/30/ministro-da-educacao-criancas-nao-sabem-ler-mas-sabem-colocar-camisinha.htmAcesso em 11 de maio de 2021.
    » https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/30/ministro-da-educacao-criancas-nao-sabem-ler-mas-sabem-colocar-camisinha.htm
  • SHAFAK, E. 2019. Police officers demanded to see my books’: Elif Shafak on Turkey’s war on free-speech. The Guardian, The Guardian, https://www.theguardian.com/books/2019/jul/15/elif-shafak-books-writers-academics-women-hostility-erdogan-turkey [acesso em 12 de maio de 2021].
    » https://www.theguardian.com/books/2019/jul/15/elif-shafak-books-writers-academics-women-hostility-erdogan-turkey
  • SPERBER, D. 1997. Intuitive and Reflective Beliefs. Mind and Language, 12: 67-83.
  • STANLEY, J. 2018. Como Funciona o Fascismo Porto Alegre, L&PM.
  • TENNIE, C.; CALL, J.; TOMASELLO, M. 2009. Ratcheting up the ratchet: on the evolution of cumulative culture. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci, 364(1528): 2405-2415.
  • THE INTERCEPT BRASIL. https://theintercept.com/brasil/ . Acesso em 11 de maio de 2021.
    » https://theintercept.com/brasil/
  • WORLD ECONOMIC FORUM. 2020. COVID-19 is Increasing Multiple Kinds of Inequality. Here’s What We Can Do About It. 9 oct 2020.
  • ZOLLO, F.; BESSI, A.; DEL VICARIO, M.; SCALA A.; CALADARELLI, G.; SHEKHTMAN, L.; HAVLIN, S.; QUATTROCHIOCCHI, W. 2017. Debunking in a World of Tribes. PLoS ONE, 12: e0181821
  • 1
    A expressão ‘normatividade de coordenação’ designa a base normativa que guia nossas interações mútuas - a normatividade política é um tipo de normatividade de coordenação. Eu suponho que a expressão seja mais ou menos transparente, mas certamente merece um desenvolvimento maior.
  • 2
    Para a concentração da mídia nas mãos de poucas famílias no Brasil, ver https://rsf.org/pt/noticia/oligopolios-de-midia-controlados-por-poucas-familias-reporteres-sem-fronteiras-e-o-intervozes-lancamCOLOMBIÉ, E. 2017. “Oligopólios de mídia controlados por poucas famílias. A Repórteres sem Fronteiras e o Intervozes lançam o Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil”. Repórteres sem Fronteiras (online)., Oct. 31, 2017 31, 2017 https://rsf.org/pt/noticia/oligopolios-de-midia-controlados-por-poucas-familias-reporteres-sem-fronteiras-e-o-intervozes-lancam . Acesso em 11 de maio de 2021.
    https://rsf.org/pt/noticia/oligopolios-d...
    .
  • 3
  • 4
    Esta afirmação espantosa se deve ao atual ministro da educação; ver https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/30/ministro-da-educacao-criancas-nao-sabem-ler-mas-sabem-colocar-camisinha.htmSANTOS, A. 2021. “Ministro diz que criança sabe usar camisinha e professora reage: Vergonhoso”. Uol Educação (online), Apr. 30, 2021. https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/30/ministro-da-educacao-criancas-nao-sabem-ler-mas-sabem-colocar-camisinha.htm.Acesso em 11 de maio de 2021.
    https://educacao.uol.com.br/noticias/202...
    .
  • 5
    Sobre o ataque às universidades no Brasil, ver https://jornal.usp.br/artigos/os-ataques-a-universidade-publicaBERTOTTI, M. 2019. “Os ataques à universidade pública”. Jornal da USP (online), May 14, 2019. https://jornal.usp.br/artigos/os-ataques-a-universidade-publica/. Acesso em 11 de maio de 2021.
    https://jornal.usp.br/artigos/os-ataques...
    /.
  • 6
    Sobre a queda no financiamento da pesquisa, ver https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/todas-as-publicacoes/publicacoes/171-investimentos-federais-em-pesquisa-e-desenvolvimento-estimativas-para-o-periodo-2000-2020DISET - Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura. 2020. “Investimentos Federais em Pesquisa e Desenvolvimento: Estimativas para o Período 2000-2020”. Ipea (online), May 20, 2020. https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/todas-as-publicacoes/publicacoes/171-investimentos-federais-em-pesquisa-e-desenvolvimento-estimativas-para-o-periodo-2000-2020. Acesso em 11 de maio de 2021.
    https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-d...
    e https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento-2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/ESCOBAR, H. 2020. “Orçamento 2021 condena ciência brasileira a ‘estado vegetativo’”. Jornal da USP (online), Jan. 29, 2020. https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento-2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/. Acesso em 12 de maio de 2021.
    https://jornal.usp.br/universidade/polit...
    .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2021
  • Aceito
    05 Set 2021
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Av. Unisinos, 950 - São Leopoldo - Rio Grande do Sul / Brasil , cep: 93022-750 , +55 (51) 3591-1122 - São Leopoldo - RS - Brazil
E-mail: deniscs@unisinos.br