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Monocultivo do eucalipto na degradação da natureza e das forças sociais do trabalho, na bacia do rio Pardo, município de Encruzilhada/BA

Resumo

Na crise capitalista, há intensificação dos conflitos pelos recursos ambientais, provocando a exploração da natureza. A concentração de terras e o assalariamento altera os princípios do trabalho concreto, gerando o estranhamento. No município de Encruzilhada/BA, o eucalipto na lógica da extração de madeira para produção de carvão vegetal exporta os recursos naturais provocando a insustentabilidade desse modelo. A relação sociedade-trabalho-natureza se torna fundamental para explicar as formas de sujeição dos camponeses ao capitalismo, essa compreensão possibilita o entendimento do real concreto vivenciado no território do agronegócio. Com esses embates, os camponeses buscam resistir, permanecendo no campo, através das organizações da sociedade civil, via associativismo, movimentos sociais, organizações não governamentais e Igrejas.

Palavras-chave:
capitalismo; natureza; agronegócio; trabalho

Abstract

In the capitalist crisis, there is an intensification of the conflicts for ambiental resources, provoking the nature exploration. Lands concentration and the salaried employment changes the concrete work’s principles, causing disagreement. In the municipality of Encruzilhada/BA, the eucalyptus in the logging logic for charcoal production exports the natural resources causing the unsustainability of this model. The society-work-nature relation becomes fundamental to explain the ways of subjection of the peasants to capitalism, this comprehension allows the understanding of the real concrete experienced in the agribusiness territory. With these collisions, the peasants attempt to resist, remaining in the countryside, through civil society organizations, via associativism, social movements, non-governmental organizations and churches.

Keywords:
Capitalism; nature; agribusiness; work

Resumen

En la crisis capitalista, los conflictos por los recursos ambientales se intensifican, provocando la exploración de la naturaleza. La concentración de tierras y el asalariamiento altera los principios del trabajo concreto, generando extrañeza. En el municipio de Encruzilhada / BA, el eucalipto en la lógica de la extracción de madera para la producción de carbón vegetal exporta los recursos naturales provocando la insostenibilidad de ese modelo. La relación sociedad-trabajo-naturaleza se vuelve fundamental para explicar las formas de sometimiento de los campesinos al capitalismo, esa comprensión hace posible el entendimiento del concreto real vivido en el territorio de la agroindustria. Con estos embates, los campesinos buscan resistir, permaneciendo en el campo, por medio de organizaciones de la sociedad civil, a través del asociativismo, movimientos sociales, organizaciones no gubernamentales e Iglesias.

Palabras clave:
capitalismo; naturaleza; agroindustria; trabajo

Introdução

Acredita-se que o tema voltado a exploração dos bens de uso comum na Bacia do Rio Pardo, tem sido pouco trabalhado na academia, embora se trate de algo central para a reprodução da sociedade que vive em seu entorno e, com ela, da própria natureza, demandando uma compreensão ontológica, onde sociedade e natureza são vistas como pares dialéticos, portanto indissociáveis, sendo transformados, historicamente, pelo trabalho.

Além disso, acrescenta-se a importância de se discutir a temática pelo viés da Geografia, ao permitir a compreensão do processo de territorialização das empresas capitalistas e a produção desigual, porque classista, do espaço, que essa proporciona. Ressaltando-se, ainda, a importância de refletir sobre a unidade dialética entre a sociedade e a natureza, relação absolutamente maculada pela lógica expropriatória do capital, fomentando a apropriação do espaço para a produção de mercadoria e do lucro. Por outro lado, a leitura do território, permite-nos, ainda, compreender as relações contraditórias entre os sujeitos/classes no espaço geográfico, fomentando territórios de conflitos, que na realidade em questão se expressa, por um lado, na territorialização do capital e, por outro, nos processos de organização, reprodução e resistência das comunidades camponesas em seus territórios de reprodução da vida.

A monocultura é um sistema expansivo e destrutivo, que descaracteriza o ambiente, destrói a biodiversidade, uniformiza a natureza, além de extrair toda sua vitalidade e energia, como se pôde observar no exemplo dos plantios de eucaliptos e a crescente prática na ocupação do território da bacia hidrográfica do Rio Pardo. Assim, será enfatizado, ao longo deste artigo, a questão central da degradação da natureza e do uso da força social do trabalho no córrego do Mamoeiro em Encruzilhada/BA. Essa prática destrutiva e insustentável, concentra e se ancora na propriedade privada sobre a terra, sequestra os bens comuns e os recursos limitados como a água, em benefício da posse de uma parcela pequena de empresas e grandes proprietários de terra da região e especuladores externos, expondo assim as fragilidades e contradições da produção do espaço no campo e na cidade.

Compreende-se que visibilizar os reais interesses socioambientais e predatórios é necessário para o entendimento do modelo de desenvolvimento adotado pelo capitalismo, que extrai da natureza sua matéria prima e do camponês sua força de trabalho, e assim, de forma direta e indireta, extrai a renda da terra, desapropriando parte desses sujeitos de sua maneira de reprodução social, absorvendo e consumindo todo tipo de força de trabalho existente, que se torna mais barata, por isso mais explorada.

Entre os municípios mais atingidos pela degradação dos bens hídricos e da força social do trabalho estão Candido Sales e Encruzilhada, sendo alguns locais específicos de atuação do Centro de Estudos e Ação Social, organização não governamental que trabalha na assessoria e apoio aos movimentos sociais do campo no Sul e Centro Sul da Bahia e na região metropolitana de Salvador, cujo pesquisador compõe a equipe rural, atuando em todo Centro Sul Baiano nos municípios limítrofes do Rio Pardo, que se torna a força maior de unificação da luta em defesa e soberania hídrica regional.

Avanço do capital na apropriação da natureza e do trabalho

Ao se considerar o avanço do capital no campo brasileiro, e seus interesses, em diferentes momentos históricos, ressalta-se, em um contexto de crise estrutural, o apontado pelo geógrafo Thomaz Junior (2004)THOMAZ JUNIOR, A. Reestruturação produtiva do capital no campo no século XXI e os desafios para o trabalho. Pegada. (UNESP/Impresso). V. 5, p. 9-29, 2004. ao considerar que essa reestruturação produtiva do capital se faz significativa a partir dos anos 1990, ainda permeado pela difusão dos Complexos Agroindustriais e, mais recentemente, pelo agronegócio e a produção de commodities.

Como sabemos, é a partir dos anos 1980 que no Brasil se manifestaram os primeiros impulsos do processo de reestruturação produtiva, mas é no princípio da década seguinte que atingiram nova amplitude e profundidade, momento em que as inovações técnicas e organizacionais assumem um caráter mais sistêmico em todo o circuito produtivo dos diversos setores econômicos. No entanto, guardaram traço de semelhança em relação à busca da competitividade do capital e à adoção de novos padrões organizacionais e tecnológicos compatíveis. (THOMAZ JUNIOR, 2004, p. 18THOMAZ JUNIOR, A. Reestruturação produtiva do capital no campo no século XXI e os desafios para o trabalho. Pegada. (UNESP/Impresso). V. 5, p. 9-29, 2004.).

Nesse movimento, é importante ressaltar, conforme aponta Marx (1984, p. 262)MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro 1, vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1984., que na Economia Política, desde o início, “o direito e o “trabalho” tem sido os únicos meios de enriquecimento” no caso desse último dado aparato jurídico que define o controle da propriedade nas mãos das classes dominantes: capitalistas e rentistas fundiários. No campo reforça-se, para além da ação do capital sobre o trabalho, o controle sobre a propriedade fundiária, o que acaba dando aos proprietários a possibilidade de extrair renda da terra, além da posse sobre os demais meios de produção.

Por hora, cabe considerar que, ao capital em crise e em busca de se reproduzir, buscando minimizar os efeitos catastróficos da queda tendencial da margem de lucro, que acentua sua própria crise, um dos cenários apontados por David Harvey (2005)HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. (Coleção Geografia e Adjacências). é a expansão geográfica, onde possa dispor de fontes de energia e recursos da natureza e maior controle sobre o trabalho, que em condições de extrema precarização garantem uma maior extração de mais-valia para as classes proprietárias. Entretanto, o próprio Harvey (2005)HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. (Coleção Geografia e Adjacências). afirma os limites dessa expansão espacial e desigual do capital.

(...) O imperativo da acumulação implica consequentemente no imperativo da superação das barreiras espaciais (...). (...) a redução nos custos de realização e circulação ajuda a criar espaço novo para a acumulação de capital. Reciprocamente, a acumulação de capital se destina a ser geograficamente expansível (...). (p. 50). (...) O capitalismo apenas consegue escapar de sua própria contradição por meio da expansão. A expansão e, simultaneamente, intensificação (...) e expansão geográfica. Para o capitalismo sobreviver, deverá existir ou ser criado espaço novo para a acumulação. Se o modo capitalista de produção prevalecer em todos os aspectos, em todas as esferas e em todas as partes do mundo, haverá pouco ou nenhum espaço restante para a acumulação adicional. (HARVEY, 2005 p. 64HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. (Coleção Geografia e Adjacências).)

E é partindo desse entendimento da crise estrutural do capital e seu processo de reestruturação que se busca entender as transformações recentes no campo brasileiro, o avanço do agronegócio e sua tentativa de, além de se apropriar de mais margens de trabalho não pago, também estender seus tentáculos sobre a natureza, convertida, cada vez mais, a condição de mercadoria.

A expansão do eucalipto no processo de avanço do capital nas margens do rio Pardo

O eucalipto é uma espécie vegetal exótica, com seu ponto de origem no continente Australiano. Os primeiros relatos da chegada comercial ao Brasil data do século XX, e seu uso primordial é para extração de celulose, confecção de papel, uso na construção civil, biomassa para produção energética, carvão vegetal. Entre os anos de 1960 a 1980 houve a difusão das áreas de monocultura desse cultivar pelo país, sendo motivado pelos incentivos fiscais governamentais, já havendo o início do plantio em nível industrial. Conforme salientado por Koopmans (2005)KOOPMANS, José. Além do Eucalipto. O Papel do Extremo Sul. 2ª Ed. Teixeira de Freitas; Centro de Defesa dos Directos Humanos, 2005.;

No fim da década sessenta o governo federal iniciou uma política de apoio e incentivo ao “reflorestamento”. Nos últimos anos desta década foram sancionadas várias leis que viabilizam um novo código, além de inúmeras portarias do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), facilitando esse ramo da agricultura. Finalmente, “reflorestar” é uma atividade agrícola, e concretamente, em nossa região, é uma monocultura com eucalipto, que não tem nada a ver com reflorestar.” (KOOPMANS, 2005, p.70KOOPMANS, José. Além do Eucalipto. O Papel do Extremo Sul. 2ª Ed. Teixeira de Freitas; Centro de Defesa dos Directos Humanos, 2005.)

Na Bahia, a eucaliptocultura se projetou a partir da década de 1970, com a criação do Pólo Petroquímico de Camaçari e do Centro Industrial de Aratu e ainda por conta da inauguração da BR 101, em 1974, importante via para viabilizar o processo de ocupação do território por empresas agroflorestais. Em 1976, o Governo do estado elaborou um estudo para o envio ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Floresta – IBDF, afim de zonear os distritos florestais estaduais, com o decreto Lei nº 76.046, que apontou o Litoral Norte e o Extremo Sul como potenciais áreas de produção. O capital financeiro, aqui representado, sobretudo, pelo Banco Nacional do Desenvolvimento – BNDES, direcionou ao setor agroflorestal na década de 1980, cerca de R$ 8,7 bilhões, não apenas para promover a ampliação das áreas de monocultivo, mas, também, intensificou a apropriação privada por empresas multinacionais, a exemplo da Veracel Celulose. Ainda a Associação Baiana das Empresas de Base Florestal - ABAF salienta que o setor recebeu em 2018 investimentos na ordem de 728 milhões, superando em 16% o ano de 2017, aplicações essas vindas de diferentes e diversos investidores, que projetam para o período de 2019 a 2024 mais de R$ 2 bilhões de investimento.

Ainda em finais da década de 1990 se iniciam os primeiros plantéis de eucalipto no Centro Sul da Bahia, impulsionados pela territorialização e expansão da produção nos estados do Espírito Santo e Minas Gerais, bem como se apresentando como uma “alternativa” de ganhos econômicos para os proprietários fundiários, diante das dificuldades na produção do café, que se constituía a principal commoditie da região. Já em meados da primeira década dos anos 2000, a produção de eucalipto começa a se difundir para municípios localizados ao Sul do Oeste Baiano.

Mapa 1
Expansão da Eucaliptocultura no Estado da Bahia (1970-2000).

O município de Encruzilhada se destaca dentre a produção dos municípios do Centro Sul da Bahia, ficando atrás apenas do município de Vitória da Conquista, superando os municípios de Cândido Sales na Bahia e Divisópolis em Minas Gerais em estabelecimentos que plantam eucalipto, (tabela 1).

Tabela 1
Número de estabelecimentos agropecuários (Unidades) com plantação de eucalipto, Centro Sul da Bahia, 2017.

Segundo a Associação Baiana das Empresas de Base Florestal – ABAF, o Brasil possui 7,83 milhões de hectares plantados de eucalipto e pinus e a Bahia possui 657 mil hectares de áreas plantadas com espécies da silvicultura, sendo que 94% dessa área com o eucalipto, o que coloca o estado no 4º lugar no ranking nacional de exploração silvícola, sendo que 85% corresponde as áreas das empresas associadas a ABAF com 528 mil ha plantado, sendo que 99% das áreas certificadas pelo Programa de Certificação Florestal Brasileiro – CEFLOR pertencente a apenas 6 empresas associadas da ABAF das 636 empresas ativas no estado.

No Centro Sul, especificamente no município de Encruzilhada, o eucalipto se destina, principalmente, para a produção de carvão vegetal, produto resultado da queima da madeira, sendo de uso industrial para as siderúrgicas, no estado de Minas Gerais, em sua maioria. O segmento siderúrgico brasileiro demostra um crescimento expressivo na produção de aço a partir do carvão vegetal. O mapa 02 demostra a distribuição dos plantios florestais no estado.

Mapa 2
Distribuição geográfica das áreas de plantios florestais na Bahia, 2017.

Assim como o município de Vitória da Conquista, com 3.254,187 km2, Encruzilhada se destaca na região Centro Sul com mais de 40 mil hectares plantados. Agravando esse panorama, de acordo com a Indústria Brasileira de Árvores, as empresas produtoras de aço possuem 939,6 mil hectares plantados para uso, além do apoio a terceiros que são fomentados a essa atividade. Exaltando o sistema de fomento junto aos camponeses, essas empresas, em 2018, já detinham 42 mil ha plantado em áreas camponesas, firmando mais 370 novos contratos com mais 300 famílias em todo o estado.

Expansão do eucalipto no município de Encruzilhada/BA: apropriação dos recursos e degradação das condições de trabalho

A produção do eucalipto se implantou e difundiu por meio de subsídios governamentais, através de financiamento por agências bancárias por meio de projetos como a Agricultura de Baixo Carbono – ABC Florestal, permitindo o financiamento de projetos de investimentos, destinado às práticas oriundas das atividades agroflorestais, destinados ao uso industrial ou à produção de carvão vegetal. Realidade que motivou as empresas e os proprietários fundiários a implementar o cultivo, tendo a própria terra como garantia para acesso ao financiamento, facilitando o desbravamento nessa atividade; sendo financiados equipamentos e tratores que possibilitaram o trato da terra e o uso dos insumos, implantação de viveiros de mudas, operações de destoca, etc. Com os prazos de pagamento de até 12 anos, e carências de até 8 anos, com taxas de juros de 6% a.a., sendo financiável até 5 milhões por beneficiário no ano agrícola. (Banco do Brasil, 2020, site oficial).

[...] defensores da agricultura capitalista, consideram o “agro-negócio florestal” como um dos principais fatores de desenvolvimento rural responsável, no dizer deles, por diversificar a produção, integrar o pequeno e médio agricultor a uma das maiores cadeias produtivas e, principalmente, gerar renda. “Quem planta eucalipto, é como se estivesse abrindo uma caderneta de poupança”, dizia o agente financeiro do BNB a uma platéia atenta de mais de cem pequenos e médios agricultores do município de Encruzilhada, numa reunião promovida para estimular o plantio de eucalipto naquele município alguns meses atrás. Um excelente negócio, com linhas de financiamento disponíveis nos bancos oficiais e de fácil acesso, a julgar pela rapidez com que um médio produtor do município de Ribeirão do Largo conseguiu aprovar seu projeto de investimento: “Em quinze dias, o dinheiro já estava na conta!”, me dizia feliz, ao contrário do PRONAF que costuma demorar anos até ser liberado. (Cadernos do CEAS, Salvador, n. 222, p. 70-80, 2006.CADERNOS DO CEAS. Revista Crítica de Humanidades. Disponível em: https://periodicos.ucsal.br/index.php/cadernosdoceas. Acessado em: 02/04/2020.
https://periodicos.ucsal.br/index.php/ca...
)

Após o ciclo cafeeiro, o capital monopolizador busca nessa atividade fim a territorialização de uma nova etapa de concentração e expropriação, via plantio do monocultivo do eucalipto, que na região chegam aos olhos dos proprietários fundiários e das empresas multinacionais como áreas de expansão e crescimento da atividade, atendendo a demanda crescente pelo recurso madeireiro, apoiados por prefeitos, deputados e demais governantes.

Aliado às perspectivas promissoras da eucaliptocultura e, sobretudo, com a crise da monocultura do café nos anos de 1980 e 1990, os primeiros plantios de forma comercial são implantados em áreas anteriormente povoadas por plantios de café e pastagens, utilizando experiências de consorciamento com essas culturas. [...] Devido aos poucos investimentos realizados pelos programas de fomento estatal em toda a cadeia produtiva do café, abrem-se então novos movimentos de entrada de investimentos do agronegócio, em meados da década de 1990, com a introdução da terceira monocultura na região: a eucaliptocultura (ANDRADE, 2015, p. 54ANDRADE, M.L. de. A Monocultura do eucalipto: conflitos socioambientais, resistências e enfrentamentos na região do Sudoeste Baiano. Dissertação (Mestrado em Geografia). Departamento de Geografia. Universidade Federal da Bahia. Salvador – BA, 2015.).

Essa promessa chega na região como um novo potencial produtivo para alavancar a economia e gerar divisas para o estado, não por coincidência os municípios detentores desses grandes plantios, a exemplo de Encruzilhada recebem das empresas para manter essa atividade na crescente, não dando ouvidos a parcelas da população camponesa, que clama por outra maneira de uso da terra e do território. Assim foi com o Projeto de Lei de Iniciativa Popular – PLIP, iniciada em 2015, com a mobilização da sociedade civil, sendo apresentada a câmara de vereadores e arquivada pelos poderes executivo e legislativo.

A Associação de Moradores e Produtores da Região Água Preta, por sua presidente abaixo assinado, em nome próprio e em nome de outros movimentos sociais e centenas de cidadãos e cidadãs encruzilhadenses, vem, perante V. Sra. solicitar, embasado na Constituição Federal e na Lei Orgânica Municipal, o registro para posterior discussão e deliberação dessa casa legislativa, o presente Projeto de Lei de Iniciativa Popular subscrito por cerca de 800 regularmente registrados no município, portanto mais de 5% dos eleitores exigidos por lei. (Trecho de protocolo do P.L.I.P., 2016).

Até hoje, o Projeto de Lei, continua sem votação e nem discussão, pois existe o interesse dos latifundiários em produzir e se beneficiar do plantio do eucalipto, além de manter a roda girando com os financiamentos e apoios políticos. Esse assunto se torna uma afronta quando questionado ou levantado, pois, parte da população do município (sobretudo os sujeitos proprietários e poder público municipal) vê nessas empresas e nesses empresários da terra uma tábua de salvação às contas públicas municipais, em detrimento as questões ambientais e sociais. Os interesses expansionistas do capital silvicultor no Centro Sul da Bahia. (tabela 2)

Tabela 2
Municípios/Área pretendida pela Veracel – Centro Sul da Bahia, 2013.

O interesse da classe proprietária fundiária é concentrar cada vez mais a terra, servindo para especulação e garantia para novos financiamentos, concentrando mais e mais a renda da terra, e o poder governamental, impedindo que a população municipal se emancipe e busque alternativas para a gestão do seu território de vida, sendo libertos da exploração dos grandes proprietários e empresas monopolistas. Pois eles possuem a garantia do retorno financeiro e da extração da renda da terra, quando financiam as plantações e negociam a comercialização no mercado voraz de aquisição do produto de consumo obtido.

Olhando para os pequenos produtores, o “canto da sereia” se torna o êxito dos grandes empreendimentos, que vendem sua imagem de sustentabilidade e prosperidade, fazendo com que caiam em empréstimos que com sua propriedade não consegue arcar, apenas com o plantio, tornando o mesmo uma armadilha e um meio de endividamento, sendo forçados a largar a atividade ou mesmo venderem as terras para aqueles mesmos que lançaram as armadilhas da vocação regional para a atividade. Assim, tem-se a continuidade da utilização predatória dos recursos naturais, contaminando e destruindo a natureza, concentrando da terra e a exploração das forças sociais do trabalho, ameaçando as comunidades camponesas locais.

A postura assumida pelas instituições financeiras que viabilizam os créditos no meio rural penaliza os pequenos produtores que embora necessitem de empréstimo para consolidar o plantio para a subsistência da família, como exposto, esse tipo de atividade não oferece viabilidade econômica. Desse modo por falta de alternativa, e por meio de atividades impostas são inseridos no sistema de crédito, o que o torna refém das amarras financeiras passando a produzir não mais para se manter, mas e principalmente para quitar os empréstimos bancários. (SANTOS, 2020, p. 46SANTOS, E. V. Territorialização do capital versus trabalho no campo: expansão do eucalipto e o processo de expropriação camponesa no município de Planalto-BA. Dissertação (Mestrado em Geografia). Departamento de Geografia. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista – BA, 2020.).

Dentre os conflitos gerados pela degradação da natureza com a monocultura, no município de Encruzilhada/BA, ressalta-se a disputa pela água. Na realidade concreta das comunidades em que se realizou a análise empírica da expansão desse monocultivo e seus efeitos para a natureza e as forças sociais do trabalho, pôde-se constatar que não corre mais água no córrego do mamoeiro (Foto 1), muito pelo que já foi desmatado em suas cabeceiras pelos monocultores, água essa que faz muita falta e interfere no modo de vida do camponês sertanejo. Sendo que 66,7% dos entrevistados compreende que após o plantio do eucalipto, houve alguma alteração quer seja no uso da água ou sua disponibilização e 70% percebeu mudanças no entorno da comunidade, sendo percebido morte de pequenos rios, escassez de água e córregos que não mantêm o curso por muito tempo, perda de colheitas, falta de chuva, etc. Mesmo não tendo a certeza que tais problemas sejam motivados pelas grandes áreas de plantio de eucalipto, os camponeses entrevistados destacam esse entendimento em suas abordagens. Estes apontaram, ainda, o desmatamento histórico da caatinga, as secas rotineiras e também o monocultivo crescente na região.

Foto 1
Leito do córrego Mamoeiro seco, Encruzilhada/BA, 2019.

Essa realidade é visível nas proximidades do rio Pardo, cujos características naturais se tornaram bastante alteradas com o desenvolvimento do monocultivo do eucalipto. Tal realidade vai se traduzir, ainda, na dificuldade de permanência das comunidades camponesas, que dentre outras questões necessitam da água para tocar a produção. Mas, a difusão do monocultivo do eucalipto traz, ainda, outras consequências. A expansão do cultivo e a possibilidade de ganhos concretos para a classe dos proprietários fundiários valoriza a terra, esses avançam sobre a terra camponesa e processos de mobilidade e expropriação também se tornam uma realidade muito próxima tendo a degradação desse importante rio regional como ônus do sistema predatório.

Hoje, esse córrego recebe as águas dos períodos chuvosos apenas, fora esse período, não existe mais vida, muito pelo que se tirou em suas matas ciliares e da destruição de suas nascentes. Essa realidade implica em dificuldades na reprodução das famílias em períodos de não disponibilidade do recurso hídrico, uma vez que desse depende a produção dos gêneros alimentícios e das pequenas criações que dispõem. No semiárido, a pouca água é sagrada, mas o cultivo amplo do eucalipto consome esses recursos rapidamente. São espécies de alta demanda hídrica, com potencial de evapotranspiração elevado, pelo seu porte e desenvolvimento.

[...] os efeitos ambientais adversos do plantio de eucalipto mais ressaltados por aqueles que se posicionam contrariamente a ele são: a retirada de água do solo, tornando o balanço hídrico deficitário, com o rebaixamento do lençol freático e até o secamento de nascentes; o empobrecimento de nutrientes no solo, bem como seu ressecamento; a desertificação de amplas áreas, pelos efeitos alelopáticos sobre outras formas de vegetação e a consequente extinção da fauna; a ocupação de extensas glebas de terra, que poderiam estar produzindo alimentos; a criação de empregos apenas durante a implantação do plantio, mesmo assim para mão de obra desqualificada, com baixos salários, e o estímulo ao êxodo rural e o consequente inchaço das metrópoles. (VIANA, 2004, p. 248VIANA, Maurício Boratto. O eucalipto e os efeitos ambientais do seu plantio em escala. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004..)

Assim, não restam muitas opções para a segurança hídrica dessas comunidades, que não possuem outro sistema, além das cisternas para capitação de água de chuva, que se esvazia ao longo do ano, e para aqueles que ainda detém algo recurso financeiro, a perfuração de um poço. Sobre o abastecimento de água na comunidade, foi dito nas entrevistas que é realizado por caminhões pipa, poços artesianos e pelas cisternas de Placa, que coleta água da chuva anualmente. Em 100% dos estabelecimentos não existe qualquer tipo de tratamento do esgoto, agravando a qualidade dos recursos hídricos e córregos na comunidade.

Essa realidade tem gerado conflitos pelo território, conflito pelos recursos hídricos e dificultado a sobrevivência dos camponeses ribeirinhos, de modo que possam garantir sua produção, sendo essa fundamental para o abastecimento da cidade, realidade que não foge à regra da importância do camponês brasileiro no abastecimento do mercado interno.

Considerações finais

Observa-se, por toda parte, as nuanças da ação do capital no campo. Não é coincidência que em Encruzilhada/BA, assim como todo território nacional, a expansão do modo de produção capitalista utiliza da monopolização e da territorialização para deter a hegemonia para as empresas do agronegócio, com base na ferramenta universal da exploração e apropriação das terras camponesas, gerando a desapropriação e a desigualdade no campo

Constatou-se na pesquisa que o município de Encruzilhada/BA está entre os municípios da região Centro-Sul baiano que mais sofreu com a apropriação da terra e do trabalho pelo capital silvicultor, sendo o segundo município com maior área plantada de eucalipto. Também se destaca com áreas de interesses das empresas florestais para a ampliação dos plantios. Na comunidade em estudo, foi observada apenas uma empresa que monopoliza as contratações da força de trabalho dos camponeses, que utilizando de aplicação mínima dos direitos trabalhistas, consegue absorver parte das insatisfações dos assalariados que vêm a ação empresarial no entorno como algo necessário a reprodução de sua vida. Mas, por trás dessa aparência, está todo o processo de expropriação, de negação à terra de trabalho e das possibilidades de se produzir com o mínimo de autonomia, tornando os sujeitos cada vez mais “livres” para se sujeitarem a extração de trabalho não pago.

Uma das maiores dificuldades na reprodução camponesa é, sem dúvida, a destruição das nascentes e as dificuldades do acesso a água, apropriada pelos grandes empreendimentos do meio rural, seja a plantação e eucalipto ou os demais monocultivos irrigados, que além de se apropriarem da terra e do trabalho, também se apropriam da água e demais bens da natureza, inferindo na reprodução da vida camponesa. Mesmo organizados, os movimentos e entidades sociais se vêm pressionados pelas forças hegemônicas locais e pelo próprio poder público que incentiva e protege esses grandes empreendimentos, fazendo com que esses se expandam no território.

Dentre os impactos provocados pelo modelo extrativista exportador dos bens comuns, implementada ao longo dos anos, pelas empresas da silvicultora na região chamada caatinga em Encruzilhada, houve corte da fluidez dos afluentes do Rio Pardo, aqui expressado no córrego mamoeiro, não mais corrente, constatando-se ainda o desmatamento para a implantação dos monocultivos, com toda a perda da biodiversidade. Nesse sentido, as comunidades camponesas necessitariam, além de serem ouvidas, de investimentos e subsídios para tocar sua produção, tão importantes para o abastecimento do mercado interno, ou seja, da implantação de iniciativas que possibilitassem, verdadeiramente, sua permanência no campo, sua produção e sua comercialização.

O capital mostra sua face no campo brasileiro, e no monocultivo da silvicultura não se estabelece de forma diferente. É expansivo, ao buscar se apropriar de mais terras – expropriando os do lugar, em destaque os camponeses; é destrutivo – ao se apropriar dos bens da natureza e do mais-trabalho; é incontrolável, buscando, a todo custo a sede do lucro, mediante apropriação de toda riqueza produzida pelo trabalho social; e é desumano – não tendo nenhum compromisso com a forma de vida das comunidades em que se instalam, mantendo como único objetivo a exploração do trabalho para produzir mais riqueza, aumentando seus lucros.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2021
  • Aceito
    26 Mar 2022
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