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O Programa Inovativo da Pequena Empresa (PIPE) da FAPESP como indutor do desenvolvimento de micro e pequenas empresas de base tecnológica

Resumo

Este texto analisa a relevância do apoio ao desenvolvimento de micro e pequenas empresas de base tecnológica na forma de um “pacote” de recursos e capacidades estratégicos incorporados em um curto espaço de tempo, por meio do programa PIPE da FAPESP. A abordagem adotada foi a da Visão Baseada em Recursos (VBR) dado o foco do estudo. Adotou-se a metodologia qualitativa com a aplicação da análise de conteúdo. Os dados foram levantados com base em entrevistas com um roteiro estruturado com perguntas abertas junto aos sócios/gestores de 10 empresas de base tecnológica divididas em dois grupos, um deles constituído por empresas beneficiadas pelo PIPE e o outro por aquelas que utilizaram recursos próprios. A intenção foi comparar a sua evolução. Os resultados do estudo indicaram que o apoio do PIPE foi decisivo para favorecer o desenvolvimento das empresas beneficiadas por ele. Um dos ganhos relevantes foi o encurtamento do tempo do caminho percorrido para a disponibilização dos recursos complementares, como decorrência da combinação produtiva dos recursos e capacidades pré-existentes nas empresas com aqueles obtidos por meio do programa. Uma constatação importante foi que, para as empresas terem crescido no mercado de base tecnológica, independentemente da ajuda do PIPE, foi decisivo possuírem inicialmente uma tecnologia diferenciada, os sócios/gestores terem uma visão clara dos seus mercados e voltados à criação de valor para os seus produtos e serviços. A limitação da pesquisa está na seleção de pequenas empresas de base tecnológica com produtos muito distintos dificultando comparações sobre sucessos.

Palavras-chave:
Visão baseada em recursos; Capacidades dinâmicas; Recursos; PIPE/FAPESP; Microempresas

Abstract

This text examines the relevance of the development support for small business enterprises with a technological basis in the form of a “package” of strategic resources and capabilities, embedded in a short space of time through the FAPESP’s Innovative Small Business Program (PIPE). The study approach was the resource-based view (RBV). The qualitative methodology was adopted with the application of content analysis. The data were obtained during interviews based on a structured roadmap with open-ended questions conducted with the partners/managers of ten small technology-based business enterprises divided into two groups, one consisting of companies benefited by the PIPE and the other containing those that used their own resources. The intention was to compare their evolution. The study results indicated that the PIPE provided decisive support encouraging the development of the businesses benefiting from it. One of the relevant gains was the faster availability of additional resources as a result of the productive combination of the enterprises’ pre-existing resources and capabilities with those obtained through the program. An important finding was that small business enterprises with a technological basis have grown in the market, regardless of the help received, they featured differentiated technology, partners/managers with a clear view of their markets, and the aim of creating value for their products and services. This research limitations included the selection of small business enterprises with very different products to compare successes.

Keywords:
Resource-based view; Dynamic capabilities; Strategic resources; PIPE/FAPESP; Small business

1 Introdução

As micro e pequenas empresas de base tecnológica são organizações industriais com menos de 100 empregados ou empresas de serviço com menos de 50 empregados que atuam com projeto, desenvolvimento, produção e comercialização de produtos ou processos, caracterizados pela aplicação sistemática de conhecimento técnico-científico (Machado et al., 2001Machado, S. A., Pizysieznig, J., Fo., Carvalho, M. M., & Rabechini, R., Jr. (2001). MPEs de base tecnológica: conceituação, formas de financiamento e análise de casos brasileiros. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, SEBRAE-SP. Recuperado em 31 de julho de 2012, de www.sebrae.org.br/biblioteca).

Em virtude de a utilização da tecnologia ser uma parcela importante dos seus negócios e devido ao fato de o seu desenvolvimento demandar um volume de recursos financeiros e tecnológicos além da sua capacidade, é comum essas empresas recorrerem a fontes externas para completar o conjunto de recursos necessários para a sua expansão. Dadas as condições internas de cada uma delas, algumas conseguem apoio para a gestão e o desenvolvimento tecnológico e financeiro do seu negócio junto a órgãos governamentais, enquanto outras têm que recorrer aos seus próprios recursos e a outras fontes.

Diante dessa circunstância, é natural perguntar o quão relevante pode ser para o desenvolvimento de pequenas empresas de base tecnológica obter esse apoio na forma de um “pacote”, ou seja, será que essa condição diferenciada quanto à obtenção de recursos e capacidades iniciais, incorporado em um curto espaço de tempo, pode ser de fato efetiva?

Para encaminhar a resposta a essa questão, considerou-se relevante analisar empresas que se beneficiaram do Programa Inovativo da Pequena Empresa (PIPE), financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que oferece esse tipo de apoio às micro e pequenas empresas de base tecnológica, comparativamente a outras que não contaram com essa ajuda, de maneira a identificar as possíveis diferenças em seu desenvolvimento.

O PIPE destina-se a apoiar o desenvolvimento de pequenas empresas por meio da utilização de pesquisa científica voltada à inovação tecnológica, sediadas no Estado de São Paulo. Esse programa aporta recursos financeiros para compra de equipamentos, subcontratação de terceiros e fornece o suporte de um pesquisador associado ao projeto (FAPESP, 2014Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. (2014). Sobre o PIPE. São Paulo: FAPESP. Recuperado em 5 de agosto de 2014, de http://www.fapesp.br/pipe/sobre/
http://www.fapesp.br/pipe/sobre/...
). Maiores detalhes estão apresentados na próxima seção.

Para encaminhar as respostas às questões acima levantadas, optou-se pela abordagem da Visão Baseada em Recursos (VBR) que defende que uma empresa obtém uma vantagem competitiva sustentável quando os seus produtos ou serviços conseguem criar maior valor econômico para o cliente, com base nos recursos e capacidades envolvidos na sua produção, possibilitando um retorno econômico-financeiro acima daquele obtido pelos seus concorrentes (Wernerfelt, 1984Wernerfelt, B. (1984). A resource-based view of the firm. Strategic Management Journal, 5(2), 171-180. http://dx.doi.org/10.1002/smj.4250050207.
http://dx.doi.org/10.1002/smj.4250050207...
; Barney, 1991Barney, J. B. (1991). Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120. http://dx.doi.org/10.1177/014920639101700108.
http://dx.doi.org/10.1177/01492063910170...
; Grant, 1991Grant, R. M. (1991). The resource-based theory of competitive advantage: implications for strategy formulation. California Management Review, 33(3), 114-135. http://dx.doi.org/10.2307/41166664.
http://dx.doi.org/10.2307/41166664...
; Peteraf & Barney, 2003Peteraf, M. A., & Barney, J. B. (2003). Unraveling the Resource-Based Tangle. Managerial and Decision Economics, 24(4), 309-323. http://dx.doi.org/10.1002/mde.1126.
http://dx.doi.org/10.1002/mde.1126...
; Bowman & Ambrosini, 2000Bowman, C., & Ambrosini, V. (2000). Value creation versus value capture: towards a coherent definition of value in strategy. British Journal of Management, 11(1), 2-15. http://dx.doi.org/10.1111/1467-8551.00147.
http://dx.doi.org/10.1111/1467-8551.0014...
).

Para conduzir a pesquisa voltada a responder à questão inicialmente colocada, foi definido como objetivo entender como os recursos e capacidades obtidos e desenvolvidos por meio do PIPE foram efetivos para o desenvolvimento deste tipo de empresas, comparativamente a empresas que não tiveram acesso a este programa, mas que também conseguiram sobreviver e crescer, focando a identificação daquilo que foi aportado pelo programa e as estratégias para o seu desenvolvimento.

Na sequência, estão apresentados, uma síntese das regras do programa PIPE, o referencial teórico com a fundamentação dos conceitos sobre a VBR, os procedimentos metodológicos com as justificativas de se ter adotado um estudo exploratório e o método qualitativo, seguindo-se as análises com base no que se constatou nas entrevistas junto aos empresários, concluindo com as considerações finais em que constam a resposta à questão de pesquisa e os aprendizados obtidos.

2 O Programa Inovativo da Pequena Empresa – PIPE da FAPESP

O Programa PIPE foi criado em 1997 para apoiar a execução de pesquisa científica e/ou tecnológica aplicada em pequenas empresas sediadas no Estado de São Paulo. Os projetos selecionados para se beneficiar do programa são desenvolvidos por pesquisadores com vínculo empregatício com pequenas empresas ou que sejam seus sócios.

São objetivos do PIPE: a) apoiar a pesquisa em ciência e tecnologia como instrumento para promover a inovação tecnológica, promover o desenvolvimento empresarial e aumentar a competitividade das pequenas empresas; b) incrementar a contribuição da pesquisa para o desenvolvimento econômico e social; c) induzir o aumento do investimento privado em pesquisa tecnológica; d) possibilitar que as empresas se associem a pesquisadores do ambiente acadêmico em projetos de pesquisa, visando à inovação tecnológica; e) contribuir para a formação e o desenvolvimento de núcleos de desenvolvimento tecnológico nas empresas e para o emprego de pesquisadores no mercado de trabalho empresarial (FAPESP, 2014Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. (2014). Sobre o PIPE. São Paulo: FAPESP. Recuperado em 5 de agosto de 2014, de http://www.fapesp.br/pipe/sobre/
http://www.fapesp.br/pipe/sobre/...
).

Esse programa possui três fases, sendo que a primeira destina-se à demonstração da viabilidade técnica e comercial da pesquisa proposta e tem a duração prevista de nove meses.

A segunda fase destina-se à execução da proposta de pesquisa propriamente dita, com duração prevista para até vinte e quatro meses. Para receber o financiamento dessa fase, a empresa deve apresentar um plano de negócios para a comercialização dos novos produtos.

A terceira fase é dedicada ao desenvolvimento e fabricação dos novos produtos comerciais baseados nas fases anteriores. Aqui também se buscam certificações e outros tipos de acreditações.

O programa compreende quatro orientações básicas, visando a induzir o processo de inovação e criar as condições necessárias para o desenvolvimento das competências, quais sejam: a) a pesquisa ser conduzida com o auxílio de um pesquisador, como sócio ou empregado. A presença deste pesquisador busca trazer dois benefícios: a aproximação com a universidade e o próprio conhecimento e a experiência que são aportados desde o início à empresa; b) a apresentação do projeto para aprovação envolver uma série de questões que integram o próprio estudo preliminar do mercado em que se pretende introduzir a inovação do produto ou serviço; c) na segunda fase de desenvolvimento, a contratação de terceiros em até 50% do valor do projeto, para possibilitar a agregação de uma gama de competências complementares; d) o apoio financeiro destina-se a assegurar a formação e continuidade da equipe, por meio do financiamento de bolsas de pesquisa e de treinamento técnico. Também são financiados material de consumo e serviços de terceiros (ex.: consultorias, testes, desenvolvimento de componentes, etc.).

Leva-se em consideração o perfil empreendedor do empresário solicitante, pois é um atributo considerado importante para o sucesso de um projeto de inovação, dada a necessidade de integração e combinação dos recursos e competências da empresa.

3 Referencial teórico

Esta seção está estruturada de acordo com os conceitos-chave inerentes ao objetivo, de maneira a manter-se a consistência entre a elaboração dos instrumentos de coleta dos dados, as análises e as considerações finais.

3.1 Recursos estratégicos

Barney (1991Barney, J. B. (1991). Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120. http://dx.doi.org/10.1177/014920639101700108.
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, 2011Barney, J. B. (2011). Gaining and sustaining competitive advantage (4th ed.). Boston: Prentice Hall.) defende que os recursos de uma organização incluem todos os ativos tangíveis e intangíveis, capacidades, processos organizacionais, atributos do negócio, informação, conhecimento, entre outros, que permitem à empresa conceber e implementar estratégias que incrementem a sua eficiência e eficácia. Tais recursos são estratégicos para a criação de valor econômico superior aos concorrentes por permitirem a oferta de produtos diferenciados no mercado.

Segundo Barney (2011)Barney, J. B. (2011). Gaining and sustaining competitive advantage (4th ed.). Boston: Prentice Hall., a criação de valor econômico superior exige que os recursos utilizados na geração do produto apresentem quatro atributos: a) agreguem valor ao produto acima daquele dos concorrentes; b) sejam raros entre os potenciais e atuais concorrentes; c) sejam de difícil imitação e não possam ser substituídos por outros, estrategicamente equivalentes; d) sejam mantidos por uma organização interna capaz de explorar o potencial oferecido por esses recursos, incluindo-se a estrutura formal, os sistemas de controle de gestão e as políticas de compensação.

Entre os recursos estratégicos relevantes, Helfat & Lieberman (2002)Helfat, C. E., & Lieberman, M. B. (2002). The birth of capabilities: market entry and the importance of pre-history. Industrial and Corporate Change, 11(4), 725-760. http://dx.doi.org/10.1093/icc/11.4.725.
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destacam a experiência prévia do empresário e o seu conhecimento quanto a fornecedores e clientes, que ele pode empregar para as suas escolhas no mercado. Quanto maior for a similaridade entre os recursos do empreendedor em relação aos necessários para a entrada em um novo mercado, maior a possibilidade de sucesso. Mas, mesmo assim, a empresa precisa conseguir novos recursos para preencher as suas deficiências que surgem perante novas oportunidades, mas que podem não estar à disposição no mercado de recursos e nem serem criados tão rapidamente quanto seria necessário.

Além do capital financeiro e o apoio de gestão que são trazidos pelo PIPE, é de se ressaltar o papel do pesquisador associado. De acordo com Hatch & Dyer (2004)Hatch, N. W., & Dyer, J. H. (2004). Human capital and learning as a source of sustainable competitive advantage. Strategic Management Journal, 25(12), 1155-1178. http://dx.doi.org/10.1002/smj.421.
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, o capital humano que é um recurso que possibilita uma vantagem competitiva, por ser de difícil imitação, inicia-se com os recursos humanos aportados à empresa na forma de conhecimentos e habilidades inerentes às pessoas. O estoque de capital humano em uma empresa vem da seleção, do desenvolvimento e do uso desse recurso para dar a ela uma capacidade única de prover bens e serviços superiores aos concorrentes.

Os grandes desafios enfrentados pelas micro e pequenas empresas de base tecnológica, de acordo com Tidd et al. (2008)Tidd, J., Bessant, J., & Pavitt, K. (2008). Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman., têm a ver com a escassez da disponibilidade de recursos financeiros, as fraquezas quanto a competências tecnológicas, além de pouca habilidade para desenvolver e gerenciar sistemas de gestão, bem como para assumir riscos de longo prazo que são inerentes à inovação e à consequente criação de valor.

Como os recursos estratégicos dificilmente são utilizados de maneira isolada ou independente, Adegbesan (2009)Adegbesan, J. A. (2009). On the origins of competitive advantage: strategic factor markets and heterogeneous resource complementarity. Academy of Management Review, 34(3), 463-475. http://dx.doi.org/10.5465/AMR.2009.40632465.
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apresenta o conceito de complementaridade, na perspectiva de se combinar recursos, pelo qual aqueles obtidos externamente são combinados com os disponíveis na própria empresa. Esse conceito é particularmente relevante no caso das micro e pequenas empresas de base tecnológica que recorrem ao mercado em busca da complementaridade dos seus recursos. Assim, se para elas importa levantar os recursos faltantes, é fundamental a combinação produtiva entre os recursos que possuíam com aqueles novos que vieram a obter.

No tipo de apoio oferecido pelo PIPE, há a possibilidade de melhoria dos fatores necessários a um desempenho diferenciado da empresa, conforme apontados por Zott (2003)Zott, C. (2003). Dynamic capabilities and the emergence of intraindustry differential firm performance: insights from a simulation study. Strategic Management Journal, 24(2), 97-125. http://dx.doi.org/10.1002/smj.288.
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: a) o tempo da entrega dos recursos; b) o custo desta entrega, associado ao tempo; e c) da dependência do caminho, em associação com a aprendizagem acumulada com a entrega dos recursos que alimenta este diferencial de desempenho. Assim, esse tipo de apoio externo aceleraria a obtenção dos recursos, reduziria seus custos e aportaria conhecimento externo que se refletiria na aceleração da aprendizagem e na redução do tempo, podendo produzir uma vantagem competitiva.

Para Teece (2009)Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press., a partir de um aporte inicial e complementar, a consolidação e o subsequente crescimento da empresa levam ao aumento da sua base de recursos e de ativos. O sucesso leva à acumulação de mais recursos e ativos específicos, bem como de regras internas e procedimentos e a empresa se expande por meio de um processo que fica dependente do caminho. A chave para um crescimento lucrativo sustentável é a habilidade de reconfigurar os ativos e as estruturas organizacionais à medida que os mercados e as tecnologias mudam. A reconfiguração é necessária para manter uma adaptação e tentar escapar da dependência de caminhos desfavoráveis (Teece, 2009Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press.).

3.2 Capacidades dinâmicas

A abordagem da capacidade dinâmica é vista como uma potencial integradora da visão de recursos e competências na compreensão da criação como também da sustentação da vantagem competitiva das empresas (Lin & Wu, 2014Lin, Y., & Wu, L.-Y. (2014). Exploring the role of dynamic capabilities in firm performance under the resource-based view framework. Journal of Business Research, 67(3), 407-413. http://dx.doi.org/10.1016/j.jbusres.2012.12.019.
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; Meirelles & Camargo, 2014Meirelles, D. S., & Camargo, A. A. B. (2014). Capacidades dinâmicas: o que são e como identificá-las? Revista de Administração Contemporânea, 18, 41-64. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac20141289.
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).

O estudo das capacidades dinâmicas constitui um ramo afluente nas atividades de pesquisa em administração (Meirelles & Camargo, 2014Meirelles, D. S., & Camargo, A. A. B. (2014). Capacidades dinâmicas: o que são e como identificá-las? Revista de Administração Contemporânea, 18, 41-64. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac20141289.
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). De acordo com levantamentos bibliométricos recentes realizados por Vogel & Güttel (2013)Vogel, R., & Güttel, W. H. (2013). The dynamic capability view in strategic management: a bibliometric review. International Journal of Management Reviews, 15(4), 426-446. http://dx.doi.org/10.1111/ijmr.12000.
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, houve um expressivo crescimento dessa literatura nos últimos cinco anos, em áreas como o gerenciamento estratégico, empreendedorismo, marketing, recursos humanos, operações e na de sistemas de informação.

O conceito de capacidades dinâmicas evoluiu daquele de capacidades dos autores da VBR (Wernerfelt, 1984Wernerfelt, B. (1984). A resource-based view of the firm. Strategic Management Journal, 5(2), 171-180. http://dx.doi.org/10.1002/smj.4250050207.
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; Barney, 1991Barney, J. B. (1991). Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120. http://dx.doi.org/10.1177/014920639101700108.
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, 2011Barney, J. B. (2011). Gaining and sustaining competitive advantage (4th ed.). Boston: Prentice Hall.) que defendem serem estas formadas por um subconjunto dos recursos que permitem à empresa aproveitar produtivamente os recursos que são estratégicos.

Complementando esse entendimento, Newbert (2007)Newbert, S. L. (2007). Empirical research on the resource-based view of the firm: an assessment and suggestions for future research. Strategic Management Journal, 28(2), 121-146. http://dx.doi.org/10.1002/smj.573.
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defende que os recursos, tanto tangíveis como intangíveis, não têm valor para a empresa de forma isolada. Ao contrário, os seus valores latentes somente podem estar disponíveis para a empresa por meio das suas idiossincráticas capacidades dinâmicas.

Meirelles & Camargo (2014)Meirelles, D. S., & Camargo, A. A. B. (2014). Capacidades dinâmicas: o que são e como identificá-las? Revista de Administração Contemporânea, 18, 41-64. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac20141289.
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mencionam a importância de se incorporar o papel do dinamismo do ambiente à determinação da vantagem competitiva e, principalmente, o modo como as empresas reagem a esse dinamismo ao longo do tempo. Isso ocorre por meio de rotinas, processos ou mesmo por outras capacidades (Pavlou & El Sawy, 2011Pavlou, P. A., & El Sawy, O. A. (2011). Understanding the elusive black box of dynamic capabilities. Decision Sciences Journal, 42(1), 239-273. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-5915.2010.00287.x.
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), pelas quais a organização alcança novas configurações de recursos e capacidades (Helfat & Winter, 2011Helfat, C. E., & Winter, S. G. (2011). Untangling dynamic and operational capabilities: strategy for the (n)ever-changing world. Strategic Management Journal, 32(11), 1243-1250. http://dx.doi.org/10.1002/smj.955.
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).

Como uma crítica ao fato de o conceito de capacidades da VBR não ter inicialmente considerado o seu desenvolvimento em ambientes em transformações rápidas e constantes, Teece et al. (1997Teece, D. J., Pisano, G., & Shuen, A. (1997). Dinamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18(7), 509-533. http://dx.doi.org/10.1002/(SICI)1097-0266(199708)18:7<509::AID-SMJ882>3.0.CO;2-Z.
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, p. 516) definiram as capacidades dinâmicas como “[...] as habilidades da empresa para integrar, construir e reconfigurar capacidades internas e externas para atender a demandas de ambientes com rápidas mudanças” (tradução nossa). Segundo os autores, é um processo peculiar formado pelos ativos específicos e o caminho de evolução que a empresa adotou ou herdou, e que conduz ao desenvolvimento das capacidades dinâmicas. Tais capacidades, externas e internas, são específicas da empresa e lhe permitem superar ameaças no ambiente.

Pelo fato das empresas que integraram o estudo tratarem com tecnologias em ambientes de rápidas mudanças, adotou-se o conceito de capacidades dinâmicas de Helfat & Peteraf (2003Helfat, C. E., & Peteraf, M. A. (2003). The dynamic resources-based view: capability lifecycles. Strategic Management Journal, 24(10), 997-1010. http://dx.doi.org/10.1002/smj.332.
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, 2009Helfat, C. E., & Peteraf, M. A. (2009). Understanding dynamic capabilities: progress along a developmental path. Strategic Organization, 7(1), 91-102. http://dx.doi.org/10.1177/1476127008100133.
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), que defendem ser aquelas que propositadamente criam, expandem e modificam os seus recursos estratégicos. Apesar de serem autoras identificadas com a VBR, o seu conceito evoluiu no sentido de considerar o ambiente em rápidas mudanças no desenvolvimento das capacidades.

Quanto à formação plena das capacidades dinâmicas, Helfat & Lieberman (2002)Helfat, C. E., & Lieberman, M. B. (2002). The birth of capabilities: market entry and the importance of pre-history. Industrial and Corporate Change, 11(4), 725-760. http://dx.doi.org/10.1093/icc/11.4.725.
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defendem que este processo é dependente do caminho percorrido baseado na escolha inicial, nos sucessos das novas alternativas e nas escolhas feitas dentro do conjunto das alternativas.

Nessa linha, Helfat & Peteraf (2003)Helfat, C. E., & Peteraf, M. A. (2003). The dynamic resources-based view: capability lifecycles. Strategic Management Journal, 24(10), 997-1010. http://dx.doi.org/10.1002/smj.332.
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entendem que as capacidades dinâmicas têm origem na configuração inicial do capital humano, do capital social e do conhecimento das pessoas que formam os grupos na organização e é consolidada por meio de um processo iterativo de tentativas técnicas ou de busca de alternativas e da reflexão dos grupos sobre estas tentativas.

Por isso, Helfat et al. (2007)Helfat, C. E., Finkelstein, S., Mitchell, W., Peteraf, M. A., Singh, H., Teece, D. J., & Winter, S. G. (2007). Dynamic capabilities: understanding strategic change in organizations. Malden: Blackwell Publishing. consideram que a criação, expansão e modificação da base de recursos da empresa é dependente de como os seus gestores veem estes recursos e capacidades e de como convertem oportunidades em ações reais. Para esses autores, treinamento, associação ou apoio externo, desenvolvimento de produtos, inovação e outras ações, são fatores controlados pelos gestores das empresas e que, dependendo da sua postura gerencial e da estratégia adotada, terão maior ou menor efeito na formação das capacidades dinâmicas.

Por outro lado, Danneels (2002)Danneels, E. (2002). The dynamics of product innovation and firm competencies. Strategic Management Journal, 23(12), 1095-1121. http://dx.doi.org/10.1002/smj.275.
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afirma que a inovação em produtos ou mercados, feita anteriormente pela empresa ou incorporada pelos seus principais gestores, gera uma dependência do caminho anterior pelo seu efeito sobre as competências da empresa que, por sua vez, influenciam os seus novos produtos. Esse autor introduz o conceito de competência de segunda ordem que é a competência para a aprendizagem exploratória, definida como a habilidade de identificar, avaliar e incorporar novas competências técnicas ou relativas ao consumidor. Em suma, adicionar novas competências ao repertório da empresa é importante para a sua contínua prosperidade em um ambiente em mudança e para o estabelecimento das suas competências básicas.

Buscando uma conexão externa para as capacidades, Danneels (2007)Danneels, E. (2007). The process of technical competence leveraging. Strategic Management Journal, 28(5), 511-533. http://dx.doi.org/10.1002/smj.598.
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defende que os recursos relacionados ao mercado constituem a “competência do consumidor” – a habilidade da empresa em servir a um particular mercado. Tal competência compreenderia o conhecimento das necessidades dos consumidores, preferências, procedimentos de compra, distribuição e acesso às vendas pelos clientes, reputação da empresa e suas marcas, e canais de comunicação para troca de informações entre a empresa e seus consumidores, durante o desenvolvimento e comercialização do produto. Além dessa, o autor apresenta também o conceito de “competência de marketing” que é a habilidade da empresa em construir recursos relacionados a novos mercados. Isso incluiria habilidades em áreas como: levantamento do potencial de novos mercados, construção de relacionamentos com estes mercados, estabelecimento de novos canais de distribuição e vendas, melhoria da reputação da marca e da empresa para os novos mercados, pesquisa dos competidores e novos consumidores, desenvolvimento de campanhas publicitárias e estratégias de promoção e estratégias de preços.

Em uma visão de processo, Teece et al. (1997)Teece, D. J., Pisano, G., & Shuen, A. (1997). Dinamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18(7), 509-533. http://dx.doi.org/10.1002/(SICI)1097-0266(199708)18:7<509::AID-SMJ882>3.0.CO;2-Z.
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e Teece (2009)Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press. defendem que as capacidades dinâmicas são a base para se sentir o mercado (sense), avaliar as suas características (seize) e reorganizar a sua base de recursos para enfrentar as ameaças (reconfiguration). Os processos organizacionais e gerenciais que dão suporte a estas capacidades são a coordenação/integração, a aprendizagem e a reconfiguração, que juntos podem ser considerados como processos de orquestração de ativos (grifo de Teece, 2009Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press.).

Por isso, Teece (2009)Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press., relacionando as capacidades dinâmicas com a vantagem competitiva da empresa, defende que esta não é gerada pela posição no mercado, mas pela integração dos recursos que é feita pelas suas capacidades dinâmicas capazes de criar um diferencial no mercado.

No caso dos recursos aportados pelo PIPE, estes podem trazer três tipos de ajuda para a formação das capacidades dinâmicas: a) a subcontratação de terceiros já possuidores das capacidades adicionais necessárias à empresa; b) o aporte de conhecimentos pelo pesquisador associado, necessariamente alguém com conhecimento na área de atuação da empresa, aportando suas capacidades já desenvolvidas até então; e c) as alianças com as instituições de pesquisa que possuem outras capacidades demandadas pela empresa e que possam incorporá-las completando as suas necessidades, promovidas pelo pesquisador.

3.3 Desenvolvendo recursos e capacidades

De acordo com Newbert (2007)Newbert, S. L. (2007). Empirical research on the resource-based view of the firm: an assessment and suggestions for future research. Strategic Management Journal, 28(2), 121-146. http://dx.doi.org/10.1002/smj.573.
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, dadas a intangibilidade das capacidades dinâmicas e a dificuldade para a sua mensuração, além de estas serem tácitas, socialmente complexas ou possuírem ambiguidade causal (dificuldade de serem identificadas objetivamente), é importante que sejam conhecidas as estratégias adotadas pelas empresas que levam à criação e ao desenvolvimento dessas capacidades.

Newbert et al. (2005)Newbert, S. L., Kirchhoff, B. A., & Walsh, S. T. (2005). An empirical analysis of the realtionship among founding resources, strategies and performance. New York: AOM. defendem que empresas baseadas em capacidades gerenciais na sua fundação adotam estratégias de seguir a demanda enquanto que empresas que foram baseadas em competências tecnológicas na sua origem dão ênfase a estratégias em que a tecnologia empurra os negócios.

A política e a estratégia de recursos humanos, para Barney & Clark (2007)Barney, J. B., & Clark, D. N. (2007). Resource-based theory: creating and sustaining competitive advantage. New York: Oxford University Press., devem valorizar as pessoas e sua atuação no processo de conquista da vantagem competitiva, para a obtenção de consequências econômicas. Isso pode ocorrer com base na formação das habilidades e do comprometimento dos funcionários com os objetivos da empresa e com o valor criado. Nesse sentido, busca-se determinar quais práticas e relacionamentos definem a competição, quais delas devem ser inovadas para prover uma vantagem temporária e quais propiciam uma condição única para a empresa (cultura, história, sistemas de gerenciamento, etc.)

Segundo Teece (2009)Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press., as estratégias internas da empresa que buscam uma vantagem competitiva estão baseadas na identificação e no ajuste das tecnologias com as oportunidades de mercado, na seleção adequada das tecnologias diante dos atributos dos produtos, em projetos adequados dos modelos de negócios, no comprometimento de recursos financeiros para as oportunidades de investimentos e no treinamento e desenvolvimento dos recursos humanos. O crescimento da rentabilidade permite à empresa aumentar seu nível de recursos e ativos, e o sucesso fará com que a empresa evolua de uma maneira dependente desse caminho.

Segundo Hamilton & Singh (1992)Hamilton, W. F., & Singh, H. (1992). The evolution of corporate capabilities in emerging technologies. Interfaces, 22(4), 13-23. http://dx.doi.org/10.1287/inte.22.4.13.
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, há uma estreita ligação das estratégias do negócio com as capacidades dinâmicas. A estratégia fornece os caminhos e dá o apoio e os recursos necessários para o desenvolvimento das capacidades dinâmicas. Essas, por sua vez, determinam as escolhas estratégicas futuras na medida em que dependem do caminho adotado para o seu desenvolvimento e condicionam, por este motivo, os passos seguintes das decisões estratégicas. Esse processo cria a dependência do caminho, a capacidade de preservar o conhecimento da empresa e torná-lo difícil de ser imitado.

4 Procedimentos metodológicos

Tendo em vista o objetivo do estudo, optou-se por uma pesquisa exploratória de natureza descritiva (Collis & Hussey, 2005Collis, J., & Hussey, R. (2005). Pesquisa em Administração: um guia prático para alunos de graduação e pós-graduação. Porto Alegre: Bookman.) que buscou levantar o comportamento dos fenômenos e obter informações com base na opinião decorrente da experiência dos proprietários das micro e pequenas empresas de base tecnológica que dele participaram.

4.1 Ambiente do estudo

Foram selecionadas dez micro e pequenas empresas de base tecnológica que aparentemente teriam conseguido a criação de valor perante os seus clientes na busca pela vantagem competitiva, com atividades diferentes e não concorrentes entre si. A pesquisa foi realizada entre 2011 e 2012. As empresas foram divididas em dois grupos para efeito de comparação, tendo a sua escolha obedecido aos critérios a seguir.

  • 1º grupo:

    a) empresas que receberam recursos do PIPE aportados entre os anos de 2000 e 2005 e que permaneceram atuantes e em desenvolvimento por um período mínimo de cinco anos após a utilização plena dos apoios (o programa tem a duração de três anos). Se houvesse decorrido um tempo muito grande entre as ações do programa e a pesquisa, a realidade atual da empresa poderia incluir outras ações que poderiam descaracterizar o efeito dos recursos aportados pelo programa;

    b) empresas que tivessem passado por incubadoras de empresas em que teriam adquirido os procedimentos administrativos básicos para condução do dia a dia dos seus negócios. A razão desta escolha foi a de dar um tratamento uniforme às questões estratégicas, de maneira que eventuais diferenças não fossem atribuídas a deficiências de processos básicos de gestão. Isso porque as incubadoras mantêm apoios muito semelhantes aos do PIPE.

  • 2º grupo:

    a) empresas que não receberam recursos do programa, mas que haviam ingressado com seus produtos no mercado na mesma ocasião daquelas beneficiadas pelo PIPE, pela mesma razão apontada acima;

    b) crescimento continuado das vendas dos seus produtos ou serviços nos últimos cinco anos, como um indicador de evolução positiva no seu negócio, com base em informações obtidas nas próprias empresas.

Pelo fato de os entrevistados não terem autorizado a divulgação dos nomes das empresas, foram identificadas por letras maiúsculas seguidas dos seus negócios mais relevantes, conforme ilustrado no Quadro 1.

Quadro 1
Negócios das empresas do estudo.

Dentre as empresas selecionadas, sete receberam apoio do PIPE e três não obtiveram ajuda deste programa e nem qualquer outro apoio externo semelhante, ou seja, tiveram o seu desenvolvimento baseado em recursos próprios obtidos por outros meios. A comparação da evolução dessas empresas foi importante para a análise da relevância do apoio do PIPE, face aos processos diferentes de obtenção de recursos externos e seu posterior desenvolvimento.

4.2 Coleta e tratamento dos dados

Como o estudo foi qualitativo, utilizou-se a técnica da análise de conteúdo baseada em Bardin (2009)Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. e Flick (2004)Flick, U. (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman.. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas com os principais sócios/gestores das empresas que detinham grande experiência no negócio, em um total de 10 pessoas.

Foram realizadas entrevistas com o apoio de um roteiro estruturado com perguntas abertas, vinculadas ao objetivo do estudo. Para tanto, foi utilizada uma matriz em que, nas colunas, foram colocados, primeiro os objetivos específicos do estudo, em seguida os conceitos-chave do referencial teórico. A terceira coluna constou das perguntas do roteiro, elaboradas por meio de leituras horizontais e sínteses que acabaram fazendo a sua conexão com os objetivos específicos. Com isso, buscou-se garantir a consistência básica do estudo.

As entrevistas tiveram a duração média de 60 minutos e foram todas gravadas com a permissão dos entrevistados. Na sequência, foram transcritas e posteriormente validadas pelos entrevistados.

Para o tratamento dos dados, foi utilizada uma planilha para facilitar a sua operacionalização. As transcrições das entrevistas foram tratadas de maneira a se obter uma categorização que permitisse a análise produtiva dos depoimentos dos entrevistados. O processo da categorização compreendeu as seguintes fases de análise, conforme recomendado por Bardin (2009)Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70., mas com adaptações, tendo em vista ter se adotado a pré-codificação estabelecida pelas perguntas e não ter sido empregado nenhum tratamento quantitativo:

  • 1ª Fase: Elaboração da matriz das perguntas e das respostas.

Para tanto, foram colocadas na primeira coluna de uma planilha Excel as perguntas e nas colunas subsequentes os trechos essenciais identificados nas falas de cada entrevistado que constituíram as unidades semânticas, ou seja, as palavras-chave, expressões e frases mais aderentes à essência de cada pergunta. Em seguida, foram feitos ajustes no sentido de conectar as unidades semânticas às perguntas mais pertinentes a estas, pois, em toda a entrevista com roteiro aberto, nem sempre as respostas são dadas exatamente na ordem em que as perguntas são formuladas.

  • 2ª fase: Elaboração dos temas.

Na sequência, foram feitas leituras das unidades semânticas correspondentes a cada entrevistado, no sentido horizontal da planilha. Esse procedimento teve a finalidade de reduzir e sintetizar as unidades semânticas na busca de uma resposta única a cada pergunta, cujo produto deu origem a uma nova coluna: temas.

Em seguida, foi feita uma redução dos temas, agora por meio de leitura no sentido vertical nesta coluna.

  • 3ª fase: Categorização.

As categorias foram elaboradas a partir de novas reduções e consolidações dos temas resultantes da fase anterior, buscando-se a consistência com o objetivo do estudo que constituiu o seu elemento norteador. A intenção foi de conseguir uma expressão mínima que representasse o maior significado para o material que havia sido consolidado e reduzido (Flick, 2004Flick, U. (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman.). O Quadro 2 apresenta as categorias elaboradas como decorrência desse processo de tratamento dos dados.

Quadro 2
Categorias da análise.

5 Análise dos resultados

Esta seção está estruturada de acordo com as categorias constantes do Quadro 2, sendo as análises realizadas com base nos depoimentos em correspondência com os conceitos expostos no referencial teórico.

Pelo fato de a grande maioria dos entrevistados não ter permitido a divulgação do nome das suas empresas, as transcrições de trechos mais relevantes dos depoimentos estão identificadas por letras maiúsculas, conforme consta no Quadro 1.

5.1 Recursos obtidos do PIPE

A escolha do PIPE permitiu que em um mesmo local fosse possível suprir praticamente tudo o que se necessitou para deslanchar os negócios. Os empresários entrevistados perceberam que teriam de avaliar e investir nos recursos humanos que seriam necessários para as etapas posteriores que as empresas viriam a enfrentar (Hatch & Dyer, 2004Hatch, N. W., & Dyer, J. H. (2004). Human capital and learning as a source of sustainable competitive advantage. Strategic Management Journal, 25(12), 1155-1178. http://dx.doi.org/10.1002/smj.421.
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).

Os levantamentos das necessidades de treinamento para atuar nos mercados e as providências tomadas em decorrência dessas avaliações foram assim relatados pelos entrevistados:

São profissionais difíceis de se encontrar prontos no mercado. Foi preciso treinar a maioria das pessoas [...]. (A)

O programa de aprendizagem é contínuo e com alto impacto na gestão da empresa. [...] vivemos ciclos de gestão de acordo com os novos conhecimentos desenvolvidos. (G)

Treinamentos ainda acontecem por conta própria. A gente dispõe hoje das pessoas, caso seja preciso desenvolver um novo produto [...]. (H)

As empresas não possuíam recursos escassos exclusivos como patentes, licenças, matéria-prima em condições únicas de fornecimento, que dessem a elas uma condição diferenciada previamente estabelecida, para disputas no mercado.

Na impossibilidade da posse ex ante de condições diferenciadas quanto a recursos exclusivos, as empresas tiveram que ser fundadas com base no conhecimento dos sócios e de outros recursos de capital ou de ativos de que já dispunham. Os recursos do conhecimento detidos pelos empresários eram de seu próprio desenvolvimento e das suas experiências anteriores, que possibilitaram a condição do saber fazer (Helfat & Lieberman, 2002Helfat, C. E., & Lieberman, M. B. (2002). The birth of capabilities: market entry and the importance of pre-history. Industrial and Corporate Change, 11(4), 725-760. http://dx.doi.org/10.1093/icc/11.4.725.
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). Contudo, efetivamente foram necessários outros recursos para completar aqueles que as empresas já possuíam.

As condições de partida tiveram grande efeito nas capacidades que foram desenvolvidas ao longo dos caminhos que as empresas percorreram posteriormente e definiram o seu comportamento posterior para a busca da vantagem competitiva (Barney & Clark, 2007Barney, J. B., & Clark, D. N. (2007). Resource-based theory: creating and sustaining competitive advantage. New York: Oxford University Press.).

As experiências dos sócios das empresas, antes da sua fundação, foram de naturezas diferentes: três na área de tecnologia, um deles somente na de gestão e os outros associaram experiências em tecnologia com a gestão.

As empresas necessitavam de ativos e tecnologias complementares para suportar a comercialização dos produtos/serviços com a sua tecnologia básica. Tais ativos incluíam a manufatura, distribuição, vendas e serviços que existiam internamente ou então estavam disponíveis por meio de fusões, aquisições ou contratos.

Uma vez levantadas as necessidades, foram identificados os recursos faltantes: financeiros para seis empresas, tecnológicos para uma delas e ambos os recursos para outras três. Cabe esclarecer que o recurso tecnológico faltante era para materializar a produção com a tecnologia já possuída e que teria que gerar um produto/serviço para o mercado a ser atendido e não a tecnologia básica já dominada pelos empresários.

As empresas foram à busca dos recursos adicionais que completassem os processos internos até o lançamento dos seus produtos (Adegbesan, 2009Adegbesan, J. A. (2009). On the origins of competitive advantage: strategic factor markets and heterogeneous resource complementarity. Academy of Management Review, 34(3), 463-475. http://dx.doi.org/10.5465/AMR.2009.40632465.
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).

Os recursos faltantes, as fontes e as maneiras como foram buscados podem ser ilustradas nos depoimentos a seguir:

Conseguimos recursos no PIPE [...]. A Fapesp ajudou demais o sonho [...]. (C)

O nosso problema, na época, era o da falta de recursos financeiros. Aí, conseguimos um financiamento da Fapesp (PIPE) [...]. (D)

Precisávamos de recursos para a compra de material, compra de equipamento, de bolsa [...]. (E)

Encaminhamos um projeto à FAPESP que incluía a máquina e o software para o controle do processo [...]. (J)

Das empresas que não recorreram ao PIPE, duas foram obrigadas a admitir sócios que trouxessem o que lhes faltava e outra buscou recursos financeiros a fundo perdido em outra instituição, cujo apoio é semelhante ao da FAPESP:

Foi preciso agregar um sócio. Não tínhamos a competência suficiente, nem o capital para contratar alguém que fizesse o que se precisava [...]. (G)

[...] buscamos um sócio para cuidar da parte do mercado. (I)

Os recursos obtidos junto ao PIPE foram utilizados com as finalidades e com os impactos nas empresas, conforme ilustram os depoimentos:

[...] o grande impacto foi termos colocado no mercado um novo produto que está sendo fabricado até hoje e que responde por cerca de 20% do faturamento. (A)

[...] foram comprados com o dinheiro do PIPE equipamentos para laboratório e contratados serviços de engenharia para realizar algumas tarefas que nós não teríamos como fazer. (B)

[...] o dinheiro também serviu para se desenvolver os protótipos [...]. (J)

[...] a empresa se capitalizou com essa primeira entrada do dinheiro da Fapesp. Também se conseguiu engenheiro com bolsa [...]. (C)

O PIPE ajudou muito. Além de agregar valores humanos, pessoas com diferentes capacidades para desenvolver os produtos, tivemos também o apoio para a compra de equipamentos. (H)

Os apoios concentraram-se na compra de equipamentos e na contratação de pessoal, que foram decisivos na montagem dos feixes de recursos para enfrentar os mercados a que se propunham.

5.2 Conhecimentos do pesquisador do PIPE

Esta categoria de análise diz respeito à presença do pesquisador responsável e sua contribuição para as empresas.

O pesquisador foi importante por ter possibilitado às empresas obterem ativos complementares críticos, propriedade intelectual e talento escasso. Ele deu suporte para se desenvolver as habilidades da empresa para montar, desmontar e rearranjar elementos da cadeia de valor e ampliar a gama de opções tecnológicas para a empresa poder escolher (Teece, 2009Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press.).

A atuação, o conhecimento e as relações aportadas por ele podem ser ilustrados nos relatos dos entrevistados:

O pesquisador era um doutor na área de empreendedorismo. [...] a gente não conhecia nada. Aprendemos muito sobre o assunto. (A)

[...] ele trouxe toda a tecnologia que foi a base da empresa no seu início. Todos os outros produtos foram desenvolvidos a partir desta base inicial [...]. Tudo o que ele trouxe está incorporado à empresa. (J)

O pesquisador trouxe grande parte da tecnologia que temos. Ele tinha a tecnologia e a experiência anterior como gerente neste tipo de negócio. (C)

[...] o pesquisador trouxe tudo para a empresa começar: a tecnologia e o conhecimento do mercado [...]. Ele também tinha experiência gerencial. (H)

Como resultado, ficou aparente a presença e a expansão das capacidades dinâmicas nas empresas mediante a atuação do pesquisador.

As empresas que não obtiveram apoio do PIPE ou de outro programa semelhante foram buscar recursos de conhecimento ou financeiros com sócios. Não foram constatados, nesses casos, a capitalização prévia para a compra de máquinas com esses recursos, tendo ocorrido essencialmente a transferência de conhecimento tecnológico e/ou de mercado. De qualquer maneira, houve o aporte de capacidades adicionais que deram suporte final às estratégias de atuação nos mercados (Adegbesan, 2009Adegbesan, J. A. (2009). On the origins of competitive advantage: strategic factor markets and heterogeneous resource complementarity. Academy of Management Review, 34(3), 463-475. http://dx.doi.org/10.5465/AMR.2009.40632465.
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).

5.3 Expansão da base de recursos.

Esta categoria revelou que, após cessar o apoio do PIPE, houve a necessidade de expandir a base de recursos, com a finalidade de garantir as posições conquistadas no mercado.

Uma característica das capacidades dinâmicas é a habilidade de a empresa sentir, avaliar e reconfigurar os seus mercados conforme eles evoluem (Teece, 2009Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press.). Isso é válido principalmente em mercados de base tecnológica que apresentam inovações de forma rápida. Nesse sentido, foi perguntado aos entrevistados se após o ingresso da empresa no mercado houve a necessidade de mudanças gerenciais, tecnológicas de produto, de processos, de mercado, entre outras. As respostas foram afirmativas, revelando que a disputa por mercados ficou mais acirrada pelos espaços novos ocupados, provocando mudanças na tecnologia, nos produtos, nas estratégias de mercado e também gerencias, conforme apontam os depoimentos:

Mudanças gerenciais foram muito pequenas. Mas mudamos muito a tecnologia. Também mudamos muito nossos produtos e estamos pesquisando qual será a próxima novidade da tecnologia. (F)

[...] tivemos quatro grandes ciclos de mudança e inovação. Em todos houve mudanças gerenciais, estratégicas e de produtos. Todas foram identificadas junto aos clientes e as respostas dadas foram nos produtos oferecidos conforme eles sugeriram. (G)

No início tínhamos a ideia de fabricar a máquina. Depois vimos que o importante era o software, e o conhecimento adquirido com ele acabou sendo um novo produto. Houve a necessidade de se adaptar para oferecer consultorias, para vender e dar assistência à utilização do software [...]. (J)

Esses movimentos foram relevantes e necessários e constituíram a busca dos ativos complementares que ampliaram e consolidaram as operações das empresas, auxiliando na geração de valor aos clientes, na medida em que esses ativos criaram uma dependência do caminho que dificultou a imitação pelos concorrentes (Teece, 2009Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press.; Danneels, 2007Danneels, E. (2007). The process of technical competence leveraging. Strategic Management Journal, 28(5), 511-533. http://dx.doi.org/10.1002/smj.598.
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).

5.4 Capacidades para criar novos produtos e tecnologias

Esta categoria envolveu duas questões básicas: a da existência de uma competência básica (core competence) (Newbert, 2007Newbert, S. L. (2007). Empirical research on the resource-based view of the firm: an assessment and suggestions for future research. Strategic Management Journal, 28(2), 121-146. http://dx.doi.org/10.1002/smj.573.
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) e a presença das capacidades dinâmicas de segunda ordem, defendidas por Danneels (2007)Danneels, E. (2007). The process of technical competence leveraging. Strategic Management Journal, 28(5), 511-533. http://dx.doi.org/10.1002/smj.598.
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.

Quanto à competência básica, os entrevistados deram indicações da sua existência, da seguinte maneira:

[...] a gente faz essa adaptação para cada novo desafio que recebemos. Está sempre chegando alguma coisa diferente [...]. (C)

Temos uma competência e esta pode ser aplicada a uma grande variedade de produtos [...]. A gente tem uma capacidade de atender, de se virar para criar o que o cliente precisa. (D)

Passamos cinco anos pesquisando para fazer um novo produto. Mas é uma família de produtos com aplicações um pouco diferentes. (E)

[...] estamos usando nossa competência para desenvolver os novos produtos que precisamos ter quando a concorrência nos alcançar. (G)

Contudo, para que essa competência básica possa se refletir em ações externas à empresa é necessário que ela incorpore as habilidades e os conhecimentos relacionados ao mercado que formam a “competência do consumidor” e a “competência de marketing” (Danneels, 2007Danneels, E. (2007). The process of technical competence leveraging. Strategic Management Journal, 28(5), 511-533. http://dx.doi.org/10.1002/smj.598.
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) relevantes para atuação nos seus mercados, o que deve ter ocorrido minimamente, de acordo com os depoimentos a seguir:

Hoje continuamos nessa disputa para conquistar o mercado [...]. No mercado externo a gente está procurando aparecer um pouco mais. (A)

[...] temos um atendimento que é muito bom e os clientes gostam. Entendemos bem as necessidades dos nossos clientes. Os novos produtos e soluções foram feitos por solicitação ou por pressão dos clientes. (C)

A gente hoje conhece tudo sobre o mercado, os concorrentes, os produtos, os clientes [...]. (D)

Dada a nossa experiência anterior conhecemos bem este mercado. (J)

5.5 Estratégias gerenciais e tecnológicas

Os processos de mudança e de inovação, em sua maioria, foram adotados para atender às solicitações dos clientes e para alterações da tecnologia, ou seja, quando ocorreram mudanças na relação cliente-produto.

O posicionamento para atender aos mercados permitiu se conseguir um conhecimento relevante sobre a geração de valor e a capacidade de reação às suas demandas (Newbert et al., 2005Newbert, S. L., Kirchhoff, B. A., & Walsh, S. T. (2005). An empirical analysis of the realtionship among founding resources, strategies and performance. New York: AOM.). Com estruturas de poucos níveis hierárquicos, as empresas conseguiram oferecer um atendimento rápido, de maneira diferenciada e única para cada cliente ou segmento de clientes, conforme ilustram os depoimentos:

As mudanças têm sido feitas para atender ao que o mercado nos pede. O nosso incentivo é o de sempre atender ao mercado e continuar na frente. (A)

Procuramos contratar pessoas empreendedoras e que conhecem uma empresa de tecnologia. As inovações nos nossos produtos são feitas sempre de acordo com o mercado e conforme a evolução da tecnologia. (B)

De maneira geral, as decisões foram tomadas em conjunto pelos sócios e executivos, o que estimulou a criação de um espírito de equipe, possibilitando o consenso nas escolhas dos rumos tomados para a empresa. Criou-se, com isso, uma dependência do caminho que, ao longo do tempo, consolidou um conjunto de procedimentos e rotinas que tornaram os seus produtos e processos difíceis de imitar, ajudando na geração de valor para os clientes (Hamilton & Singh, 1992Hamilton, W. F., & Singh, H. (1992). The evolution of corporate capabilities in emerging technologies. Interfaces, 22(4), 13-23. http://dx.doi.org/10.1287/inte.22.4.13.
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).

No entender dos entrevistados, ainda havia muito a fazer em relação aos mercados em que atuam, no sentido de defendê-los antes de as empresas se aventurarem por caminhos diferentes.

A opção estratégica mais relevante foi a de realizar investimentos na atualização tecnológica como primeira prioridade da empresa (Teece, 2009Teece, D. J. (2009). Dynamic capabilities and strategic management: organizing for innovation and growth. New York: Oxford University Press.). Dos dez entrevistados, quatro tomaram decisões baseadas na tecnologia, outros quatro utilizaram ambos os fatores, de experiência gerencial e opção tecnológica, e apenas dois com base unicamente na sua experiência gerencial e de seus sócios.

As decisões são tomadas sempre de olho no mercado, nos novos produtos e na capacidade de expansão da empresa. (B)

Os investimentos que estamos fazendo são sempre para a atualização da tecnologia ou para novas aplicações que os clientes pedem. Às vezes fazemos alguns gastos para ampliação do local ou para melhorar as condições de trabalho. (C)

As empresas que na sua origem foram baseadas em capacidades tecnológicas deram ênfase a estratégias em que a tecnologia empurrou os negócios. Essa escolha determinou os recursos que tiveram à sua disposição e a tendência de ir buscar o apoio do PIPE. As empresas que assim procederam tiveram um bom resultado ao associarem a tecnologia à demanda de forma única, ou seja, ao mesmo tempo que evoluíram com a tecnologia, atenderam aos mercados neste processo (Newbert et al., 2005Newbert, S. L., Kirchhoff, B. A., & Walsh, S. T. (2005). An empirical analysis of the realtionship among founding resources, strategies and performance. New York: AOM.).

Ter disponível capacidade tecnológica fez com que essas empresas favorecessem o desenvolvimento interno dos recursos humanos pelo fato de ser mais difícil replicar uma tecnologia de domínio restrito. Eventuais concorrentes teriam de trilhar um caminho que exigiria um aprendizado contínuo, demandando o mesmo tempo para gerar tecnologia equivalente a que aquele que foi gasto pelas empresas do estudo (Barney & Clark, 2007Barney, J. B., & Clark, D. N. (2007). Resource-based theory: creating and sustaining competitive advantage. New York: Oxford University Press.; Barney, 2011Barney, J. B. (2011). Gaining and sustaining competitive advantage (4th ed.). Boston: Prentice Hall.). O atendimento à demanda pelo lado tecnológico poderia tornar as ações das empresas imitáveis, eliminando facilmente a possível vantagem competitiva conseguida (Danneels, 2002Danneels, E. (2002). The dynamics of product innovation and firm competencies. Strategic Management Journal, 23(12), 1095-1121. http://dx.doi.org/10.1002/smj.275.
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).

5.6 Desenvolvimento das pessoas internamente

Para elaborar esta categoria, foram identificadas as estratégias das empresas quanto aos recursos humanos focadas no valor das pessoas, nas suas habilidades disponíveis, na formação das habilidades necessárias e de liderança, na visão e motivação dos empregados.

As práticas privilegiaram o treinamento feito em casa, como já mencionado, sendo que em alguns casos as empresas possuíam uma tecnologia única o que reforçou a formação dentro dos valores da empresa não só em relação à tecnologia, mas também quanto às suas diversas aplicações, ao relacionamento com clientes e à incessante busca pela sua atualização. Foram consideradas também as consequências econômicas das práticas de recursos humanos, voltadas à formação das habilidades dos empregados, no que tange ao seu comprometimento com os objetivos da empresa, bem como na avaliação do valor criado (Barney & Clark, 2007Barney, J. B., & Clark, D. N. (2007). Resource-based theory: creating and sustaining competitive advantage. New York: Oxford University Press.).

Esses conhecimentos foram particularmente importantes para a formação de novas capacidades e consolidaram as capacidades dinâmicas existentes. Isso fez com que as suas diferenças pudessem permanecer ao longo do tempo e, possivelmente, gerar valor superior por serem difíceis de imitar.

Os processos de treinamento adotados reforçaram a consolidação do conhecimento vigente e da abertura maior para os clientes, com novos serviços e aplicações, mas com as mesmas bases tecnológicas com as quais haviam conquistado as posições atuais.

A integração de fatores como treinamento, busca de associação ou apoio externo, desenvolvimento de produtos, inovação e outros, dependendo da postura gerencial e da estratégia adotada, aparentemente impactaram a formação das capacidades dinâmicas.

Em resumo, as estratégias adotadas constituíram um processo de desenvolvimento, expansão e consolidação das capacidades dinâmicas a partir das condições iniciais das capacidades das empresas que foram trazidas pelos sócios, e a complementação por outros meios das condições tecnológicas iniciais tornou esta opção uma direção segura para as empresas.

6 Considerações finais

Retomando a indagação colocada no início deste artigo, qual seja, o quanto a condição diferenciada na obtenção de recursos e capacidades iniciais pelo PIPE, incorporados em um curto espaço de tempo, poderia ser relevante para o desenvolvimento de pequenas empresas de base tecnológica, a resposta é positiva, pelo menos para as empresas que participaram do estudo.

Levando-se em conta que todas elas foram consideradas como bem-sucedidas nos seus negócios, constatou-se que as que utilizaram o PIPE conseguiram crescer de maneira mais orgânica e regular, tendo desenvolvido os seus recursos e capacidades de maneira mais efetiva e produtiva, incluída a redução de tempo de desenvolvimento neste processo.

As empresas detinham um recurso inicial importante, o fundador com as suas experiências anteriores e a posse de recursos e capacidades tecnológicos, além de informações únicas sobre os mercados em que pretendiam atuar. Isso foi decisivo, desde logo, para aquelas que obtiveram o apoio da FAPESP, que exige um mínimo de condições para aprovar os projetos, tendo obrigado os empresários a refletirem e planejarem as suas ações com foco em resultados que seriam cobrados pelos apoiadores.

Os recursos e capacidades aportados foram importantes na execução das estratégias dos negócios por terem encurtado o tempo do caminho que teria que ser percorrido em relação às empresas do estudo que não contaram com este tipo de apoio. Foram alavancados os recursos financeiros e tecnológicos, contratado pessoal técnico adicional, com destaque à figura do pesquisador que teve uma contribuição decisiva no desenvolvimento tecnológico e na expansão e consolidação das capacidades dinâmicas dessas empresas.

O PIPE aportou recursos financeiros com espectro amplo de aplicação. Com isso, puderam ser adquiridos máquinas e equipamentos, a mão de obra especializada e serviços de terceiros, como se fosse um pacote único. As empresas puderam, assim, acelerar o seu processo de entrada no mercado, praticamente prontas para concorrer com grandes chances de sucesso por disporem de um feixe completo de recursos e capacidades.

As outras empresas que não utilizaram o PIPE enfrentaram um processo mais gradual e irregular de complementação de recursos, por meio de consultorias e outras modalidades, que se estendeu mesmo após a entrada nos mercados, exigindo esforços e custos muito maiores para conquistarem o seu espaço. Apesar de estas empresas também terem percorrido caminhos diferentes, todas elas buscaram algum tipo de apoio externo, sendo as soluções mais adotadas incorporar novos sócios com conhecimentos complementares, recursos financeiros e capacidades que lhes faltavam. Nesses casos, a evolução foi mais discreta e baseada no reinvestimento dos recursos próprios. A falta de um apoio inicial as condicionou, ao longo do caminho percorrido, a priorizarem a autossuficiência em relação aos recursos financeiros.

A análise das estratégias das empresas que se beneficiaram do PIPE para o desenvolvimento de recursos e capacidades mostrou a ênfase nos recursos humanos de maneira a atualizar a tecnologia e de aperfeiçoar a cultura voltada à busca da vantagem competitiva. Isso fez com que mantivessem suas atividades em ritmo continuamente crescente, pelo menos até a ocasião da pesquisa.

Em resumo, o conjunto de empresas que participou da pesquisa conseguiu crescer em um mercado de base tecnológica por duas razões. A primeira foi disporem inicialmente de uma tecnologia diferenciada e estarem de posse de uma visão clara dos mercados possíveis de serem atendidos com o que dispunham, e terem empresários voltados à criação de valor para os mercados. A segunda foi a combinação produtiva dos recursos e capacidades pré-existentes nas empresas com aqueles trazidos de fora, gerando uma sinergia que resultou na adequação final dos produtos aos mercados.

Contudo, é necessário indicar as diferenças mais significativas entre os dois grupos de empresas do estudo: a) as que recorreram ao PIPE tiveram menores custos e esforços para adquirir e desenvolver os recursos e capacidades necessárias para integrá-los; b) os benefícios proporcionados pelo PIPE foram maiores do que os que foram adquiridos pelas empresas que a ele não recorreram; c) a apropriação destes benefícios propiciaram resultados mais rápidos para a as empresas que obtiveram o apoio do PIPE.

A fundamentação teórica utilizada no estudo foi basicamente a VBR, que se mostrou adequada para fundamentar o estudo, pois permitiu a descrição dos recursos e capacidades das empresas da pesquisa de maneira clara e objetiva. Essa abordagem facilitou a comunicação com os empresários ao longo das entrevistas, tendo ajudado nas análises subsequentes, o que permitiu elevada produtividade no desenvolvimento do estudo. A deficiência a ser apontada foi na consideração das capacidades dinâmicas, pois esta abordagem é menos rica na análise de ambientes em transformação mais rápida, como aqueles enfrentados pelas pequenas empresas de base tecnológica.

Entre as limitações da pesquisa que fundamentou este artigo, uma delas é o fato de terem dela participado empresas com produtos muito distintos, pois determinado produto pode estar em alta no espaço de tempo em que o estudo foi realizado, fragilizando o entendimento sobre o seu sucesso.

Para estudos futuros, a sugestão é escolher empresas do mesmo setor para verificar se os resultados seriam mais fidedignos. Outra sugestão é verificar se empresas prestadoras de serviços ou atuantes em outros tipos de negócios, nas quais a dimensão tecnológica não seja a essência do negócio ou a capacidade de adaptação não seja tão necessária, poderiam apresentar outro grau de importância dos recursos e das capacidades, das condições únicas de partida ou talvez não fossem tão dependentes da experiência prévia dos seus dirigentes.

  • Suporte financeiro: Nenhum.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2017
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2015
  • Aceito
    24 Mar 2016
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