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Língua, Gramática e Discurso na interface pragmática-sintaxe

O enorme número de estudos nos quais a interação entre gramática e pragmática tem sido pesquisada com resultados nas últimas décadas nos oferece uma clara evidência de que muitos fenômenos linguísticos requerem abordagens complexas, envolvendo diferentes níveis de análise linguística. Isto favorece as abordagens multi-fatoriais e mostra o quanto a Linguística contemporânea tem a oferecer, no que se refere às ferramentas adequadas à exploração das línguas naturais. Entre estas ferramentas conceptuais, as noções básicas da Estrutura Informativa, tanto no seu lado relacional - tópico, foco, contraste, ênfase, dado/novo, quanto no seu lado referencial - acessibilidade, saliência, status informacional, anáfora associativa - ocupam um lugar de relevância.

Esta edição de Gragoatá é dedicada ao estudo de como sintaxe e pragmática interagem para a expressão de noções informacionais, oferecendo ao leitor uma coleção variada de contribuições sobre o tema que, por um lado, reflete a marcante diversidade de abordagens teóricas e, por outro, joga luz sobre várias questões que parecem despertar especial interesse entre os pesquisadores, especialmente nos estudos sobre o português brasileiro. Entre as abordagens teóricas representadas neste volume, predominam os enfoques funcionais - Gramática Discursivo-Funcional, Gramática de Construções Baseada no Uso, Linguística Textual -, mas abordagens formais também estão representadas. No que se refere aos principais assuntos discutidos, a expressão de tópico e foco, através de padrões de ordem de palavras, bem como as funções discursivas da ordenação de constituintes são o tema central, mas não deixam de ser consideradas questões sobre expressões referenciais e a anáfora discursiva.

Os três primeiros textos são desenvolvidos dentro de abordagens teóricas no modelo da Gramática de Uso. No primeiro artigo da coleção, “Discutindo níveis de generalização na Gramática de Construções Baseada no Uso: a rede construcional [(X) CHEGAR SN]FOC no PB” os autores R. de Freitas Junior, J. Nascimento, P. M. Marques and I. Albernaz desenvolvem um estudo sobre uma construção focal especifica do português brasileiro (PB). Dentro do panorama da Gramática e Construções Baseada no Uso - (GOLDBERG, 2006GOLDBERG, Adele. Constructions at work: the nature of generalization in language. Oxford: Oxford University Press, 2006.; HILPERT, 2014HILPERT, Martin. Construction grammar and its application to English. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2014., entre outros) e da Linguística Cognitivo-Funcional, os autores analisam dados de um corpus escrito do PB e propõem a existência de uma construção de foco ativada por um verbo específico.

Assim, considerando construções como pareamentos convencionais de forma e função compartilhados em maior ou menor medida pelos falantes de uma língua, os autores descrevem as instanciações da construção [(X) CHEGAR SN]FOC e analisam esta como parte da rede construcional associada à expressão da função focalizadora no PB, especificando o esquema mais abstrato [V SN]FOC. Este seria um esquema capaz de expressar foco informativo no SN situado na posição pós-verbal ou, alternativamente, foco sentencial - em que todos os elementos presentes no construto são considerados relevantes do ponto de vista informativo.

A ideia de realismo psicológico das representações gramaticais (LANGACKER 1987LANGACKER, Ronald. Foundations of Cognitive Grammar. Theoretical Prerequisites. Stanford: Stanford University Press, 1987. v. I) e a hipótese de valência verbal baseada no uso (PEREK, 2015PEREK, Florent. Argument Structure in Usage-Based Construction Grammar: Experimental and corpus-based perspectives. Amsterdam: John Benjamins . 2015.) são noções chave neste artigo. Assim, haveria mais plausibilidade da realidade psicológica de construções de uso mais frequente e específico que de padrões mais abstratos, o que legitimaria a proposta de existência da construção [(X) CHEGAR SN]FOC no constructicon do PB. Considerando a maior plausibilidade de realidade psicológica da construção, os autores propõem uma divisão ulterior em três microconstruções (de acordo com a nomenclatura de TRAUGOTT; TROUSDALE, 2013TRAUGOTT, Elizabeth C.; TROUSDALE, Graeme. Constructionalization and Constructional Changes. Oxford: Oxford University Press , 2013.), situadas em um nível inferior na rede construcional proposta.

Ao buscarem motivações para a existência de microconstruções [(X) CHEGAR SN]FOC de sentido apresentacional de tempo, evento e referentes inespecíficos, os autores propõem um debate sobre as possibilidades e limites da formação de construções de estrutura argumental.

No segundo texto deste número, “Gramática de Construções, Estrutura da Informação e construções interrogativas: evidências do russo sobre um campo de pesquisa em aberto”, D. Oliveira se dedica a analisar propriedades informativas de um tipo específico de interrogativa dessa língua.

O autor procura escapar das abordagens mais típicas sobre estrutura informativa no que se refere ao seu objeto de estudo: interrogativas, ao invés de declarativas, mais comumente analisadas na literatura. Assim, selecionando um tipo específico de interrogativas do russo - aquele que apresenta o marcador morfológico li - Oliveira emprega os pressupostos teóricos da Pragmática Cognitiva de Lambrecht (1994LAMBRECHT, Knud. Information structure and sentence form. Cambridge: Cambridge University Press, 1994) em um estudo qualitativo de dados extraídos de um corpus escrito.

O estudo visa a ser uma proposta introdutória à descrição das funções dessa construção específica. No trabalho, o autor analisa os dados à luz das diferentes estruturas focais propostas por Lambrecht (1994LAMBRECHT, Knud. Information structure and sentence form. Cambridge: Cambridge University Press, 1994) - foco no argumento, foco no predicado e foco sentencial. Esta análise de caráter informacional lhe permite observar restrições quanto à ordem de constituintes de acordo com a estrutura focal apresentada pelo construto. Assim, o autor procura fornecer as primeiras evidências em prol da existência de pelo menos duas construções distintas na rede construcional que refletem precisamente diferenças na estrutura informativa deste tipo de interrogativa do russo.

Em meio à miríade de definições presentes na literatura para as funções informativas mais centrais como tópico e foco, L. Lima e Silva e H. Melo, no terceiro trabalho, “A probabilistic approach to the distribution of subject and anacoluthon NPs in topics in spontaneous speech” (“Uma abordagem probabilística para a distribuição de NPs sujeito e anacoluto em tópicos na fala espontânea”) empregam uma definição de tópico tomada da fonologia prosódica. Com base na Teoria da Língua em Ato (CRESTI, 2000CRESTI, Emanuela. Corpus di Italiano parlato. Firenze: Accademia della Crusca, 2000.) e seguindo a definição de tópico de t’Hart (1990‘t HART, Johan; COLLIER, René; COHEN, Antonie. A perceptual study of intonation: An experimental-phonetic approach to speech melody. Cambridge: Cambridge University Press , 1990.), como a porção textual que apresenta um padrão prosódico específico, os autores analisam dados orais e desenvolvem uma análise probabilística sobre a natureza informacional do SN que ocorre em posição inicial no enunciado em sequências tópico - comentário tal como definidas pela teoria utilizada.

Lima e Silva e Melo observam que na sintaxe oral o SN identificado como tópico pode ser, em alguns casos, o sujeito do comentário que segue àquele tópico na estrutura informativa tópico - comentário, o que seria identificável por uma correlação explícita com o SN antecedente. Em outros casos, porém, o SN com função de tópico corresponde a um elemento identificado pelos autores como um anacoluto, um tópico com fraca ou mínima relação gramatical com o comentário que lhe segue no enunciado. Em outras abordagens, como no estudo cognitivo da referenciação de Apothéloz (2003APOTHÉLOZ, Denis. Papel e funcionamento da anáfora na dinâmica textual. In: CAVALCANTE, Mônica Magalhães; RODRIGUES, Bernadete Biasi; CIULLA, Alena. (org.). Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003. p. 52-84., p. 75) o sujeito do comentário nesta segunda condição levantada por Lima e Silva e Melo seria chamado de anáfora associativa, que ocorre quando há certa dependência interpretativa, mas ausência de correferência explícita com o elemento antecedente.

Tal observação conduz a um estudo probabilístico sobre a natureza do SN que perfaz a função de tópico em dados de subcorpora informativamente anotados de três línguas: o espanhol europeu, o inglês americano e o português brasileiro. Os autores conduziram, com auxílio do programa R (R CORE TEAM, 2018R CORE TEAM. R A Language and Environment for Statistical Computing. Vienna: R Foundation for Statistical Computing, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.R-project.org . Acesso em: dia mês ano.
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), um estudo estatístico para o cálculo da probabilidade, no qual empregaram um modelo misto de regressão logística com efeitos aleatórios cruzados.

O modelo mostrou que o SN presente na porção definida como Tópico tem 5 vezes mais chance de ser sujeito do Comentário caso ele seja animado, definido e seja classificado como informação dada no discurso.

Os dois textos seguintes também são desenvolvidos dentro do panorama da linguística cognitivo-funcional. O primeiro se baseia no princípio icônico-cognitivo, proposto por Givón (1990GIVÓN, Talmy. Sintax: a functional-typological introduction V. II. Amsterdam: John Benjamins, 1990. ), entre outros e o segundo, na Gramática Discursivo-Funcional (FDG), herdeira da tradição da Gramática Funcional holandesa de Dik (1989DIK, Simon. The Theory of functional gramar: The structure of the clause. Dordrecht, Holland; Providence, USA: Foris Publications, 1989.) e avançada na contemporaneidade por Hengeveld e Mackenzie (2008HENGEVELD, Kees; MACKENZIE, John Lachlan. Functional Discourse Grammar: a typologically-based theory of language structure. Oxford: Oxford University Press , 2008.).

Em “As funções textuais da ordenação verbo-sujeito”, C. Ataíde explora razões de ordem pragmático-discursivo-textual para ordens de constituintes no PB diferentes de SV, procurando complementar as análises já clássicas na literatura funcionalista que consideram a ordem de palavras como motivada pelos fatores (i) maior ou menor transitividade verbal (quanto maior a transitividade, maior a tendência aos sujeitos pré-verbais); (ii) grau de novidade do sujeito (quanto menor o grau, maior a tendência à posição pré-verbal) e (iii) fluxo de informação da frase. Através de uma análise qualitativa baseada em um corpus de dados escritos do discurso jornalístico, o autor identifica duas funções na organização dos textos do corpus. A primeira está relacionada a estratégias que instauram a centralidade de um determinado tema no texto e, portanto, asseguram continuidade textual. A segunda função tende a ser uma estratégia de descontinuidade para inserir outros tópicos no texto ou marcar discursivamente outros fluxos de atenção na mensagem.

O seguinte artigo, “Multifuncionalidade de mesmo: relação entre função e ordenação morfossintática”, de E. Pezatti and A. Peres, se baseia na Gramática Discursivo-Funcional (HENGEVELD; MACKENZIE, 2008HENGEVELD, Kees; MACKENZIE, John Lachlan. Functional Discourse Grammar: a typologically-based theory of language structure. Oxford: Oxford University Press , 2008.), um modelo que oferece uma desenvolvida tipologia de funções informativas, atualizando e desenvolvendo, por exemplo, a rica tipologia de focos proposta por Dik (1989DIK, Simon. The Theory of functional gramar: The structure of the clause. Dordrecht, Holland; Providence, USA: Foris Publications, 1989.). Esta abordagem permite tanto descrever funções informativas que raramente são encontradas em outras abordagens1 1 As, for instance, the notion of constrastive topics, which is not addressed in the authors’ text. quanto diferenciar de maneira um pouco mais concreta funções que na maioria das vezes são pouco entendidas ou sobrepostas. Tal é o caso da distinção entre foco e ênfase, muitas vezes confundidos e que na GDF encontram aparato teórico capaz de diferenciá-las com grande acurácia.

No artigo, as autoras exploram a multifuncionalidade de “mesmo” no PB em uma análise quantitativa e qualitativa elaborada com base em um corpus escrito constituído por cartas particulares e oficiais. Na análise, em que a ordem de constituintes é fundamental, as autoras descrevem diferentes funções para itens com a forma “mesmo”: de natureza interpessoal e de natureza semântica. Assim, Pezatti e Peres identificaram que, de acordo com o corpus, “mesmo” na maioria dos casos aparece nos enunciados motivado pela semântica, basicamente relacionado a identidade e anáfora. No entanto, no restante dos dados do corpus a motivação para o emprego de “mesmo” é de natureza interpessoal/pragmática: o item funciona expressando Ênfase ou, alternativamente, Contraste, que são funções pragmáticas definidas pela GDF.

No conjunto de textos seguinte, são discutidas questões de conexão pragmática-sintaxe no âmbito da Linguística Textual. Em “Había una vez una construcción presentativa, Interpretaciones discursivas de las oraciones con haber impersonal” (“Era uma vez uma construção apresentativa. Interpretações discursivas das orações com haber impessoal”), as autoras V. Belloro and G. Galindo Morales brincam no título com a semântica apresentacional comumente atribuída na literatura ao verbo haber.

As autoras partem de uma observação de McNally (2016MCNALLY, Louise. Existential sentences crosslinguistically: Variations in form and meaning.Annual Review of Linguistics, t. 2, p. 211-231, 2016.), que critica uma associação direta na literatura entre a presença de formas do verbo “haver” em um enunciado e sua imediata adscrição à predicação existencial. Elas descrevem uma ampla tipologia de tipos de predicação e argumentam em prol de variadas funções discursivas desempenhadas por haber no espanhol mexicano.

Elas mostram que, considerando as condições de enunciação, haber, mesmo sendo, de fato um verbo tipicamente existencial, frequentemente desempenha uma função apresentacional. Da mesma maneira, as autoras procuram compreender características semântico-pragmáticas de haber quando associado a uma expressão locativa. Se, por um lado, enunciados com haber que levam a leituras existenciais envolvem entidades que o enunciador considera serem desconhecidas para o alocutário, por outro, aqueles nos quais haber está associado a expressões locativas estabelecem um frame espacial e são interpretados como foco sentencial ou, alternativamente, como foco no predicado, de acordo com a tipologia de Lambrecht (1994LAMBRECHT, Knud. Information structure and sentence form. Cambridge: Cambridge University Press, 1994).

Outras duas relações predicativas levantadas pelas autoras são a possessiva, em que os enunciados com haber impessoal podem ser facilmente parafraseados por enunciados com sequências possessivas com “ter” e a atributiva, que guarda relações diretas com a anterior. Se pensarmos no PB, a predicação possessiva é justamente onde o “ter” impessoal - também chamado “ter existencial” - ocupa o lugar de “haver” e é considerado na literatura como típico do Brasil e da Ilha da Madeira, em contraste com a aparente preferência pelo uso de “haver” em Portugal continental (MATEUS et alli, 1989MATEUS, Maria Helena Mira et al. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1989.). Consequentemente, o uso de haber com valor possessivo em espanhol é um tema de dificuldade para brasileiros que aprendem a língua. Este dado demonstra a imbricação entre a predicação possessiva e o uso de haber discutida no texto das autoras.

Belloro e Galindo demonstram ainda evidências de enunciados com haber relacionados à predicação eventiva, além das outras já mencionadas. Da mesma maneira, considerando o status informacional (PRINCE, 1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, Peter (ed.). Radical pragmatics. New York: Academic Press, 1981. p. 223-255.) dos referentes presentes nos enunciados com haber impessoal, elas desassociam qualquer relação direta entre o verbo e referentes necessariamente novos ou informativamente relevantes, apresentando exemplos em que haber aparece associado a referentes informacionalmente dados e con funções textuais diferentes da introdutória.

Em “Information structure of Ancient Greek” (“Estrutura da informação do grego antigo”), os autores F. Henrique e R. Albuquerque discutem propriedades informativas de três tipos diferentes de particípios localizados no início de orações complexas em grego antigo. Ao analisar particípios circunstanciais, genitivos absolutos e atualizados, os autores discutem o grego antigo, a partir de dados de um texto em grego clássico e de outro em grego bíblico. Para tanto, eles se apoiam nos pressupostos teóricos da Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 2014HALLIDAY, Michael. Halliday’s Introduction to Functional Grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014. ) e nos conceitos da estrutura da informação propostos por Lambrecht (1994LAMBRECHT, Knud. Information structure and sentence form. Cambridge: Cambridge University Press, 1994).

A obra fundamental de Lambrecht (1994LAMBRECHT, Knud. Information structure and sentence form. Cambridge: Cambridge University Press, 1994), recorrente em vários estudos neste volume, estabelece as bases cognitivas e formais para diferenciar claramente a pressuposição pragmática (common ground) da asserção pragmática, noções também extensamente discutidas no já citado texto de Oliveira sobre as interrogativas do russo.

Henrique e Albuquerque identificam uma relação entre os sintagmas adverbiais de orações complexas e a pressuposição pragmática, conteúdo que os interlocutores acreditam ser compartilhado entre ambos ou que o autor de um texto escrito assume ser compartilhado com o seu leitor até aquele ponto do texto, conhecimento que terá sido co-construído pelo leitor até então. Por outro lado, os particípios nestas orações funcionariam como information management, transmitindo ao alocutário informações sobre operações cognitivas que devem ser realizadas sobre a pressuposição pragmática.

Como mencionamos acima, o termo geral Estrutura Informativa abrange tanto o estudo de fenômenos relacionais como foco, tópico e contraste, quanto o estudo de conexões referenciais baseadas em acessibilidade e status informacional. O primeiro tipo de estudo constitui a parte central do que é tradicionalmente conhecido como Estrutura da Informação e está bem representado neste volume. O segundo tipo de estudos se concentra em estudos de referenciação e dependências anafóricas, e está igualmente presente neste número de Gragoatá.

Dentre os trabalhos que abordam a anáfora discursiva, o primeiro é “(Re)discutindo o estatuto informacional das anáforas encapsuladoras: para além da classificação dado e novo”, de D. Castanheira e M. M. Cesário. Aqui o “termo anáfora encapsuladora” indica o uso de SNs que recuperam antecedentes previamente mencionados enquanto, ao mesmo tempo, introduzem nova informação descritiva sobre eles. O objetivo é rediscutir o status informacional de expressões que perfazem o encapsulamento anafórico em entrevistas publicadas em revistas brasileiras. Os autores procuram discutir três hipóteses de partida:

  1. As expressões de encapsulamento anafórico podem ser analisadas em termos de um continuum entre os dois polos dado e novo.

  2. O encapsulamento anafórico tende a introduzir novos referentes por meio de NPs complexos, atendendo ao Princípio de Iconicidade.

  3. As expressões encapsuladoras tendem a ocorrer em posição inicial na sentença quando se referem a entidades não-novas.

A pesquisa se inspira nas tradições da Linguística Textual e no funcionalismo norte-americano, especialmente no trabalho de Prince (1992PRINCE, Ellen. Subjects, definiteness, and information-status. In: MANN, William; THOMPSON, Sandra (ed.). Discourse description: Diverse linguistic analyses of a fund-raising text. Amsterdam: John Benjamins , 1992. p. 295-326.) e Givón (1995GIVÓN, Talmy. Functionalism and grammar. Philadelphia: J. Benjamins, 1995., 2001GIVÓN, Talmy. Syntax: An Introduction - Volume I. Amsterdam: J. Benjamins, 2001.). Há três fatores principais em análise: o grau de novidade do SN encapsulador, sua complexidade interna e sua posição na sentença. O primeiro fator requer distinguir três graus de novidade: 1. Baixo (demonstrativos ‘nus’); 2. Intermediário (com recategorização ou reelaboração) e 3. Alto (com encapsulamento de um fragmento complexo do texto). Desta maneira, a distinção dado / novo termina sendo analisada como gradiente. As hipóteses 1 e 2 são confirmadas pelos dados do corpus. No que se refere à hipótese 3, sobre a posição inicial na oração, foi observada uma correlação entre a posição inicial e um baixo grau de novidade das expressões anafóricas, como esperado.

Outra contribuição que trata da interpretação de expressões referenciais é “Intercalação hipotática temporal entre sujeito e verbo em língua portuguesa e a (re)construção referencial”, de S. A. Cavalcante. O autor procura examinar como as orações subordinadas temporais intercaladas entre o sujeito e o verbo contribuem na determinação das propriedades referenciais do sujeito - a Referenciação, seguindo as propostas de Mondada e Dubois (1995MONDADA, Lorenza; DUBOIS, Danièle. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos processos referenciais. In: CAVALCANTE, Mônica Magalhães; RODRIGUES, Bernardete Biasi; CIULLA, Alena (org.). Referenciação. São Paulo: Contexto , 1995.). Neste sentido, as orações temporais compartilham certas características com as orações relativas e se comportam como modificadores nominais. A análise se baseou em um pequeno grupo de exemplos de um corpus de textos formais e considerou quatro fatores: definitude, status informacional, acessibilidade e persistência topical.

O autor procura mostrar que orações temporais intercaladas podem ter efeitos sobre a referenciação do sujeito: o principal é um efeito restritivo, mas também podem perfazer funções de recategorização, avaliativa ou mesmo a de introduzir uma mudança de perspectiva tópica.

O texto de E. Martínez Caro, “And that is what she did: demonstrative clefts in English writing” (“Clivadas demonstrativas na escrita em inglês”) é claramente representativo da visão relacional sobre a Estrutura Informativa. Consiste de um estudo sobre um tipo específico de construções clivadas, as chamadas clivadas demonstrativas (introduzidas por um demonstrativo), baseado em um conjunto de dados de um corpus de inglês americano complementado por outro menor, com dados orais da mesma língua.

Após uma revisão das propriedades características das clivadas demonstrativas, a autora apresenta os objetivos de sua pesquisa: 1. Estudar a frequência e a distribuição dos diferentes tipos de clivadas demonstrativas nos dados do inglês escrito, comparando os resultados com os dos dados orais; 2. Explorar os fatores que determinam a escolha entre as clivadas demonstrativas that-cleft e as this-cleft, procurando relacionar a escolha por uma ou outra à função anafórica ou catafórica da construção; 3. Examinar sua posição no texto, especialmente em momentos decisivos (turning points), com o objetivo de levantar padrões sistemáticos dentro da organização retórica do texto, observando se essas posições oferecem pistas relevantes para o desenvolvimento do tópico no texto.

Entre as conclusões do estudo, podemos destacar: (i) a clara preferência pelas clivadas-that, demonstrativas de caráter anafórico, em contraste com as clivadas-this, que tendem a ser catáfóricas e (ii) a frequente ocorrência deste tipo de clivada em momentos decisivos do texto, com uma função referencial e de orientação, quando aparecem no início do parágrafo; função sumativa, no final do parágrafo e função introdutora de tópico, quando localizada próximo ao início do texto. O artigo é concluído com a análise de certas características estruturais que co-ocorrem com estas clivadas, tais como sua ocorrência dentro do domínio do discurso reportado, geralmente com função sumativa e sua combinação com conectivos e adjuntos de natureza pragmática, bem como focalizando advérbios. Estas características reunidas mostram que as demonstrativas requerem atenção especial dentro da família das clivadas. E isto se deve à especial conexão entre funções gramaticais e discursivas que elas exibem.

Em “Estatuto Informacional e Focalização: sua influência na posição do sujeito no PB”, S. R. Cavalcante, A. Cruz, e A. Machado discutem alguns interessantes aspectos da relação entre ordem de constituintes e estrutura da informação no PB. Os autores recordam trabalhos que demonstram que o PB passou por mudanças importantes em seu sistema gramatical, que levaram a uma ordem SV mais rígida e a uma diminuição significativa no uso da inversão do sujeito (VS). Para investigar como esse processo afetou a expressão da estrutura da informação e, em particular, o procedimento de introduzir informação nova e marcação de foco, eles analisam uma série de cartas pessoais escritas entre 1800 e 1975, do Corpus Histórico da Língua Portuguesa. Os dados lhes permitem testar duas hipóteses: 1. O status informacional do sujeito - se este elemento veicula informação nova - já não é fator crucial para a inversão do sujeito no PB contemporâneo; 2. Se a inversão deixa de expressar foco no sujeito, alguma outra estratégia formal toma o seu lugar. Ambas as hipóteses são confirmadas no estudo, e esta é sua principal contribuição. No que diz respeito à hipótese 1, os autores observam que o status informacional do sujeito ainda é relevante no caso de predicados inacusativos, mas a semântica do verbo já constitui o fator central, determinante para a inversão do sujeito, sendo a ordem VS apontada pelos autores como estritamente ligada a predicados inacusativos na língua. Quanto à hipótese 2, Cavalcante e colegas observam que a clivagem é, contemporaneamente, a principal estratégia de marcação de foco no PB, especialmente do foco contrastivo, também marcado por ênfase no sujeito preverbal quando a ordem é SV. A análise é sustentada por diagramas ilustrativos com riqueza de dados quantitativos e os resultados mostram as consequências que uma mudança histórica capaz de afetar a ordem de palavras pode ter sobre o sistema de marcação de foco de uma língua.

O artigo de W. Monteiro, “An analysis of asymmetries in subject personal pronoun usage in Brazilian Portuguese and Spanish” (“Uma análise das assimetrias no uso do pronome pessoal do sujeito no português brasileiro e no espanhol”), trata de diferenças sutis no uso de pronomes de primeira pessoa no PB e no espanhol. Tanto o PB quanto o espanhol são consideradas línguas de sujeito nulo e, apesar disso, mostram diferenças intrigantes na distribuição de pronomes de sujeito pleno e nulo, considerando que sujeitos nulos ocorrem com mais frequência no espanhol do que no PB.

O autor revisa alguns aspectos da literatura sintática sobre pronomes em línguas de sujeito nulo, e também algumas contribuições da pragmática e dos estudos do discurso. Uma vez estabelecido este pano de fundo, ele examina o uso de pronomes de sujeito de primeira pessoa em trechos de entrevistas publicadas em jornais. A análise se concentra predominantemente nos fatores discursivos e termina por confirmar que o PB mostra uma preferência por pronomes de sujeito explícitos, enquanto o espanhol mostra a tendência oposta.

Fechando o número, apresentamos um artigo que investiga o lado prosódico da focalização em PB: “Os domínios da focalização: um estudo experimental”, de M. Carnaval, J. A. de Moraes e A. Rilliard. Como a prosódia desempenha um papel importante na expressão da estrutura da informação, este artigo é um complemento adequado aos demais artigos dedicados a noções como tópico e foco.

Os autores apresentam um estudo experimental que analisa a interação das noções de Foco Amplo e Foco Estreito considerando a hierarquia dos domínios prosódicos estabelecidos na Fonologia Prosódica (da sílaba ao enunciado fonológico, com atenção especial à palavra fonológica e à frase fonológica) e cinco diferentes valores/leituras do constituinte focalizado. O experimento busca avaliar as condições que afetam a percepção dos limites dos domínios focais no PB. Três hipóteses básicas são testadas:

  1. Um domínio focal estreito (palavra fonológica) é mais facilmente percebido que um domínio focal complexo (frase fonológica).

  2. A integração dos canais auditivo e visual otimiza a percepção dos domínios focais.

  3. As pistas acústicas são mais relevantes que as visuais na identificação dos limites da focalização.

Os resultados estatísticos deste experimento de percepção multimodal são apresentados em diferentes tabelas e diagramas; mostram que domínios focais estreitos, principalmente em combinação com foco contrastivo, costumam ser mais bem delimitados na percepção, o que confirma a hipótese 1. A hipótese 2, ao contrário, não se confirma, pois a modalidade não tem efeitos significativos na identificação do domínio focal. Quanto à hipótese 3, verificou-se que, de acordo com a previsão, as pistas acústicas são essenciais para reconhecer os domínios focais.

A segunda parte do artigo é dedicada a uma análise qualitativa de diferentes aspectos dos dados do experimento, como o uso do alongamento de sílabas tônicas como estratégia de reforço na marcação de foco.

Com a coletânea de artigos apresentada, este número de Gragoatá tem o objetivo de proporcionar ao leitor uma visão das pesquisas atuais sobre os problemas mais representativos da interação entre sintaxe e pragmática, principalmente voltadas para a estrutura da informação (tópico, foco, a distinção dado/novo e anáfora discursiva).

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2022
Programas de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rua Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n, Bloco C - sala 518, CEP 24210-201 - Niterói, Rio de Janeiro, Brasil., Telefone +55 21 2629-2600 - Niterói - RJ - Brazil
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