O movimento das antropologias do mundo1 1 Este trabalho foi apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., Norma Transitória - DL57/2016/CP1441/CT0001.
A expressão antropologias do mundo (world anthropologies), com um sentido equiparável ao de músicas do mundo (world music), entrou no vocabulário disciplinar devido sobretudo à obra, organizada por Gustavo Lins Ribeiro e Arturo Escobar (2006)RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., World anthropologies, que constitui uma “antropología de las antropologías del mundo” (Bueno, 2007BUENO, C. Hegemonía o alternancia: trayectorias globales de la antropologia. Desacatos, [s. l.], n. 25, p. 238-242, 2007., p. 238). Ribeiro e Escobar analisam projetos antropológicos nacionais que promoveram o pensamento crítico na disciplina, mas sem esquecer dos projetos que contribuíram para legitimar o colonialismo. O conceito foi forjado para exprimir a diversidade e riqueza das tradições antropológicas mantidas nas margens dos sistemas de poder epistêmico, relativamente à hegemonia dos Estados Unidos e da Europa, em particular do Reino Unido e da França. O seu sucesso é manifesto através de uma certa rotinização da novidade na cena antropológica global e nos grandes centros de produção científica do “Norte”, por exemplo através da criação, em 2015, de uma seção permanente intitulada “World Anthropologies” (atualmente dirigida por Virginia Dominguez) na conceituada revista American Anthropologist; ou da inclusão na The international encyclopaedia of anthropology, dirigida por Hillary Callan e Simon Coleman (2018)CALLAN, H.; COLEMAN, S. (ed.). The international encyclopedia of anthropology. Hoboken: John Wiley & Sons, 2018., da entrada “World anthropologies” (Restrepo, 2018RESTREPO, E. World anthropologies. In: CALLAN, H.; COLEMAN, S. (ed.). The international encyclopedia of anthropology. Hoboken: John Wiley & Sons, 2018. p. 1-7.), a par de outras entradas sobre tradições antropológicas nacionais e regionais.
No prefácio de World anthropologies, Ribeiro e Escobar remontam à discussão do simpósio promovido em 2003 pela Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research, que reuniu na Itália 17 antropólogos de cinco continentes.2
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Para um histórico de outros encontros científicos influentes no movimento, ver Ribeiro (2005, p. 1). Essas redes viriam a permitir organizar congressos e criar associações como o World Council of Anthropological Associations.
Restrepo (2018RESTREPO, E. World anthropologies. In: CALLAN, H.; COLEMAN, S. (ed.). The international encyclopedia of anthropology. Hoboken: John Wiley & Sons, 2018. p. 1-7., p. 1-2) considera ter ocorrido então uma “conceitualização coletiva”3
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Todas as traduções de citações são nossas, salvo indicação contrária.
e identifica as influências e textos que foram inspiradores da ideia. As antropologias do mundo são também referidas como “um paradigma” (Reuter, 2018REUTER, T. A. Internationalizing anthropology: a history of the World Council of Anthropological Associations (WCAA). In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article1461.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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, p. 5), novo, no seio do qual a diversidade é trazida das margens para o centro. Ribeiro e Escobar (2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 23) falam de “um projeto”, afirmando que o mesmo tem “reverberações utópicas”. E num artigo de 2005, Restrepo e Escobar (2005RESTREPO, E.; ESCOBAR, A. Other anthropologies and anthropology otherwise: steps to a world anthropologies framework. Critique of Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 2, p. 99-129, 2005., p. 114) antecipam, quase profeticamente, o “resultado final” dessa empresa criadora de espaço para “outras antropologias e para uma antropologia diferente”; conjugando o verbo no futuro, concluem: “Esse seria o espaço das ‘antropologias do mundo’.” O conceito ressurge em diversos artigos e livros, confirmando o impacto do desafio lançado (Copans, 2009COPANS, J. La troisième mondialisation de l’anthropologie: une anthropologie sans frontières historiques, politiques, culturelles ou scientifiques? Réinventer l’anthropologie, [s. l.], v. 17, n. 4, p. 67-85, 2009.; Cunin; Hernandez, 2007CUNIN, E.; HERNANDEZ, V. De l’anthropologie de l’autre à la reconnaissance d’une autre anthropologie. Journal des anthropologues, [s. l.], n. 110-111, p. 9-25, 2007.; Gledhill, 2017GLEDHILL, J. (ed.). World anthropologies in practice: situated perspectives, global knowledge. London: Routledge, 2017. (ASA Monographs).).
O coletivo que originou o projeto das antropologias do mundo4 4 E designadamente da World Anthropologies Network (WAN): http://www.ram-wan.net/en_US/. pretendeu que este fosse multilinguístico, produzisse investigação com fundos alternativos, enfatizasse agendas de pesquisa e autorias coletivas com sensibilidade para as particularidades locais e contra tendências normalizadoras - centrais ou periféricas -, considerando que a academia é apenas um dos lugares onde a produção de conhecimento é possível. Nele estiveram envolvidos pesquisadores não associados a tradições hegemônicas, como Eduardo Archetti, Eeva Berglund, Marisol de la Cadeña, Arturo Escobar, Penelope Harvey, Susana Narotzky, Eduardo Restrepo, Gustavo Lins Ribeiro e Sandy Toussaint (World Anthropologies Network Collective, 2003WORLD ANTHROPOLOGIES NETWORK COLLECTIVE. A conversation about a World Anthropologies Network. Social Anthropology, [s. l.], v. 11, n. 2, p. 265-269, 2003., p. 265-267). Segundo Ribeiro (2014)RIBEIRO, G. L. World anthropologies: anthropological cosmopolitanisms and cosmopolitics. Annual Review of Anthropology, [s. l.], n. 43, p. 483-498, 2014., existem três tipos de cosmopolitismos antropológicos: o “imperial” simplesmente reproduz a hegemonia anglo-saxônica; o “liberal” naturaliza o lugar proeminente do Ocidente, representando um avanço em relação ao primeiro; e o “radical”, exemplificado pelo projeto das antropologias do mundo, problematiza a centralidade anglo-americana, critica o eurocentrismo e pretende pluralizar a antropologia e a sua história.
Uma das características desse movimento consiste em abordar a cena antropológica mundial em termos de relações de poder, de uma “geopolítica do conhecimento” (Mignolo, 2001MIGNOLO, W. (ed.). Capitalismo y geopolítica del conocimiento: el eurocentrismo y la filosofía de la liberación en el debate intelectual contemporáneo. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2001.) que assegura maior visibilidade e impacto da produção científica “metropolitana”,5 5 A terminologia adequada para exprimir referências dicotômicas incontornáveis, embora relativas, como centro/periferia, hegemonia/subalternidade, Norte/Sul, etc., continua em debate (Restrepo; Escobar, 2005, p. 121). associada a instituições influentes e comparativamente ricas dos eixos anglo-saxônico (entenda-se anglo-americano) e anglo-francês6 6 A expressão “anglo-french core” é frequente. - acadêmicas, editoriais e outras (Escobar, 1995ESCOBAR, A. Encountering development: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press, 1995.).7 7 Ainda que essa riqueza possa estar associada à precarização da mão de obra. Tal ocorre em detrimento de criações antropológicas que, embora válidas, são tendencialmente ignoradas pela comunidade internacional por surgirem em países e regiões com posições relativamente periféricas nessa geopolítica, ficando por explorar o “potencial heteroglóssico da globalização” (Ribeiro; Escobar, 2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 6).8 8 O termo heteroglossia provém da linguística. Exprimindo as variações no interior da mesma língua, em particular as determinadas socialmente, é a tradução neogrega do termo introduzido em russo, nos anos 1930, por Mikhail Bakhtin. Embora cientes de que a antropologia sempre foi propensa a circulações, diversos teorizadores (e inspiradores) do novo paradigma tendem a acentuar o contraste entre o presente e o passado disciplinar, no sentido em que só agora seria possível, em virtude da sensibilidade pós-colonial, alcançar maior equilíbrio e justiça. Segundo Ribeiro e Escobar (2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 11), “as antropologias do mundo podem avançar nas condições atualmente existentes”. Tal não significa que no passado “colonial” da antropologia a diversidade ou heteroglossia fossem inexistentes ou negligenciáveis à escala global, mas que não havia condições políticas para que fossem reconhecidas.
Entre outros textos apreciados pelo seu vanguardismo, destaca-se o de Esteban Krotz (2005KROTZ, E. Anthropologies of the South: their rise, their silencing, their characteristics. Journal of the World Anthropologies Network, [s. l.], n. 1, p. 147-159, 2005., p. 149, 151), que lançou, com ironia, a noção de antropologias sem história, não por serem desprovidas de passado, mas por serem sistematicamente excluídas da historiografia da antropologia: “As antropologias geradas nos países do Sul […] quase não têm lugar nos manuais mais divulgados e traduzidos, bem como nas principais revistas”;9 9 Um exemplo é a obra de Barth et al. (2005), cujo título reduz a antropologia às quatro tradições hegemônicas. Contudo, no capítulo dedicado à antropologia alemã e austríaca, Gingrich põe em causa a ideia de se tratar de uma tradição hegemônica. Devido a duas guerras mundiais, a antropologia em língua alemã já não faz parte do cânone e Gingrich (2005, p. 103) refere-se a ela como uma “não tradição de boa antropologia” que foi “esquecida, reprimida, e só relembrada após tremendos lapsos temporais”. na melhor das hipóteses, são concebidas como uma espécie de “eco” ou “versão diluída” da antropologia emanada dos poderosos centros de produção científica. Krotz (2005KROTZ, E. Anthropologies of the South: their rise, their silencing, their characteristics. Journal of the World Anthropologies Network, [s. l.], n. 1, p. 147-159, 2005., p. 155) admite que a simples presença das ciências antropológicas nos “países do Sul” resultou necessariamente de um processo histórico de difusão, considerando a sua “origem norte-atlântica”, pelo que na primeira metade do século XX “qualquer prática antropológica científica era acima de tudo, embora em diferentes graus, uma extensão e ramificação dos impulsos gerados no centro”; mas, pelo menos na segunda metade do século, “muitos desses transplantes começaram a revelar-se […] como raízes”, dando lugar a combinações idiossincráticas de influências internas e externas.10 10 Krotz situa as origens da antropologia em finais do século XIX, mas diversos estudos revelam que essa cronologia peca por defeito, já que houve importantes manifestações tanto na primeira metade do século XIX (por exemplo, Sera-Shriar, 2013, para o caso britânico) como no século XVIII, quer no plano teórico, quer no plano das práticas e conceitos de observação e descrição etnográfica. Ver, em particular, Vermeulen (2015), para a importância das expedições germano-russas à Sibéria e subsequentes desenvolvimentos. É, por isso, uma lástima, segundo Krotz, que mesmo em países do “Sul” o ensino acadêmico recorra com frequência àqueles tipos de manuais e siga um modelo difusionista que contribui para desconsiderar a importância, ou ignorar as antropologias locais.
Ribeiro e Escobar (2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 8) introduzem a noção de “provincianismo cosmopolita” para exprimir o conhecimento privilegiado das antropologias norte-americana, britânica e francesa, e das suas histórias, por parte dos praticantes do “Sul”, inclusive em detrimento das histórias próprias, como se fossem desprovidas de textos clássicos. Em contraponto, o “cosmopolitismo provinciano” dos antropólogos do “Norte” manifesta-se através do seu desconhecimento das outras antropologias e suas respectivas histórias. O dilema krotziano é sintetizado por Restrepo (2018RESTREPO, E. World anthropologies. In: CALLAN, H.; COLEMAN, S. (ed.). The international encyclopedia of anthropology. Hoboken: John Wiley & Sons, 2018. p. 1-7., p. 5; 2011RESTREPO, E. Politics of ignorance in the transnational field of anthropology. Postcolonial Studies, [s. l.], v. 14, n. 3, p. 299-312, 2011.) nos seguintes termos: “Algumas tradições e organizações antropológicas da periferia, subalternizadas ou dissidentes, são vistas como ‘antropologias sem história’, enquanto as tradições e organizações centrais ou hegemônicas são naturalizadas como a ‘história da antropologia’.” Muitas vezes é caricato que os autores de trabalhos produzidos em e sobre contextos periféricos se vejam obrigados a articular o seu tema com referências hegemônicas para que sejam aceitos para publicação.
Embora diversos capítulos da sua obra tenham uma dimensão histórica (por exemplo Cadena, 2006CADENA, M. de la. The production of other knowledges and its tensions: from andeanist anthropology to interculturalidad? In: RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006. p. 201-224.; Yamashita, 2006YAMASHITA, S. Reshaping anthropology: a view from Japan. In: RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006. p. 29-49.), Ribeiro e Escobar (2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 5, 19) reconhecem que “seria impossível escrever uma síntese das contribuições plurais de histórias desconhecidas”, sendo necessários “muitos mais volumes”; em qualquer caso, consideram que a escrita da história das antropologias sem história é “o primeiro requisito” para reparar as assimetrias da episteme hegemônica. A historicização da disciplina, melhor dizendo a “re-historicização” das antropologias em uma perspectiva verdadeiramente plural e descentrada, mostra-se essencial para os proponentes desse paradigma (Restrepo, 2018RESTREPO, E. World anthropologies. In: CALLAN, H.; COLEMAN, S. (ed.). The international encyclopedia of anthropology. Hoboken: John Wiley & Sons, 2018. p. 1-7., p. 6; Restrepo; Escobar, 2005RESTREPO, E.; ESCOBAR, A. Other anthropologies and anthropology otherwise: steps to a world anthropologies framework. Critique of Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 2, p. 99-129, 2005., p. 119; Ribeiro, 2005RIBEIRO, G. L. World anthropologies: cosmopolitics for a new global scenario in anthropology. Brasília: Universidade de Brasília, 2005. (Série Antropologia, 377)., p. 3).
O passado disciplinar à escala mundial é uma questão demasiado vasta e complexa para ser limitada com tentativas de periodização esquemática ou ambiciosa generalização, havendo antes espaço para narrativas historiográficas alternativas, divergentes, também elas heteroglóssicas, sobre cada um dos múltiplos contextos que integraram e integram a constelação histórica das ciências e das práticas antropológicas e etnográficas.11 11 Uma das primeiras investidas para averiguar a relação entre teoria antropológica (sobretudo da antropologia social na tradição britânica) e circunstâncias regionais particulares que influenciaram tradições locais de escrita etnográfica (sobre contextos tão distintos como a Austrália aborígine, a África subsaariana, a Melanésia ou a Ásia) encontra-se no livro clássico editado por Richard Fardon (1990). Há dois aspectos, contudo, sobre os quais parece existir consenso, sendo porventura suscetíveis de generalização: tanto no presente como no passado, as “outras” antropologias nunca representam meras réplicas, tampouco constituem casos de “particularismo epistêmico essencialista” (Restrepo, 2018RESTREPO, E. World anthropologies. In: CALLAN, H.; COLEMAN, S. (ed.). The international encyclopedia of anthropology. Hoboken: John Wiley & Sons, 2018. p. 1-7., p. 2), à margem e à revelia das tradições hegemônicas. Embora existam antropologias com particularidades (Gerholm; Hannerz, 1982GERHOLM, T.; HANNERZ, U. Introduction: the shaping of national anthropologies. Ethnos, [s. l.], v. 47, n. 1, p. 1-35, 1982.), qualquer tradição “nacional” é forçosamente híbrida, composta de várias histórias de circulação e intercâmbio.
No passado, considerava-se que a própria presença de figuras oriundas de contextos hegemônicos podia estimular o desenvolvimento de antropologias locais. Um exemplo é a visita do antropólogo francês Paul Rivet (1876-1958) à Colômbia quando da tomada de posse do presidente Eduardo Santos em 1938 (Reyes, 2018REYES, A. L. Años treinta: encuentro de caminos hacia la institucionalización de la antropología colombiana. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article1401.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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, p. 9). Mas no contexto colombiano a antropologia situava-se entre a aceitação das tradições acadêmicas europeias, o comprometimento com as comunidades do país (Caviedes, 2007CAVIEDES, M. Antropología apócrifa y movimiento indígena: algunas dudas sobre el sabor propio de la antropología hecha en Colombia. Revista Colombiana de Antropología, [s. l.], n. 43, p. 33-59, 2007.; Pérez, 2010PÉREZ, L. Antropologías periféricas: una mirada a la construcción de la antropología en Colombia. Boletín de Antropología, [s. l.], v. 24, n. 41, p. 399-430, 2010.) e a influência do Estado (Pulido Londoño, 2020PULIDO LONDOÑO, H. A. Antropología y modernización conservadora en Colombia: el Instituto de Antropología Social y el fin de la Escuela Normal Superior (1945-1951). In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article1837.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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). Existem ainda exemplos de ativismo por parte dos praticantes da antropologia em contextos como a Argentina (Guber; Visacovsky, 1998GUBER, R.; VISACOVSKY, S. Controversias filiales: la imposibilidad genealógica de la antropología social de Buenos Aires. Relaciones de la Sociedad Argentina de Antropología, [s. l.], n. 22, p. 25-53, 1998.), Cuba (Coronil, 2005CORONIL, F. Transcultural anthropology in the Américas (with an accent): the uses of Fernando Ortiz. In: FONT, M. et al. (ed.). Cuban counterpoints: the legacy of Fernando Ortiz. Lanham: Lexington Books, 2005. p. 139-156.) e Bolívia (Combès, 2017COMBÈS, I. Dibujando el Chaco boliviano. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article1032.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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), e terão sido aliás algumas das características próprias dessas antropologias do “Sul” que inspiraram Krotz (2011)KROTZ, E. La enseñanza de la antropología “propria” en los programas de estudio en el sur: una problemática ideológica y teórica. Alteridades, [s. l.], v. 21, n. 41, p. 9-19, 2011. a propor um estudo atento dos respectivos temas, formas de ensinar, reflexão teórica e trabalho de campo.
O movimento das antropologias do mundo não pretende renegar o “Ocidente”, mas intensificar diálogos mais abrangentes, nos quais continuarão a participar os antropólogos das regiões e países até agora em posição dominante. Um aspecto fundamental desse diálogo passa por reescrever (em alguns casos reler ou traduzir) a história da antropologia, de forma a ultrapassar a ignorância reinante sobre as tradições ditas periféricas. O presente número temático situa-se nesse espaço de interrogação, numa confluência entre a teorização associada ao paradigma das antropologias do mundo e a historiografia da antropologia. Segundo Krotz (2005KROTZ, E. Anthropologies of the South: their rise, their silencing, their characteristics. Journal of the World Anthropologies Network, [s. l.], n. 1, p. 147-159, 2005., p. 158), os esforços para tornar mais visíveis as antropologias do “Sul” conjugaram-se com algumas tendências do “Norte”, como “o veloz incremento do interesse pela história da disciplina”. A necessidade de traçar um quadro mais inclusivo, exigindo uma exploração do arquivo, tem sido um princípio orientador desde que a história da antropologia se afirmou internacionalmente como campo subdisciplinar, sobretudo a partir dos anos 1960, com George W. Stocking Jr., que assumiu a liderança desse movimento com epicentro nos Estados Unidos. As tentativas de reabilitar figuras menos conhecidas, vozes dissidentes e inclusive correntes de pensamento marginais ou esquecidas, são justificadas, em muitos casos, pela necessidade de contextualizar as grandes tradições e as suas figuras proeminentes (Bieder, 1986BIEDER, R. E. Science encounters the Indian, 1820-1880: the early years of American ethnology. Norman: University of Oklahoma Press, 1986., p. xii; Stocking Jr., 1974STOCKING JR., G. W. Some problems in the understanding of nineteenth-century cultural evolutionism. In: DARNELL, R. (ed.). Readings in the history of anthropology. New York: Harper and Row, 1974. p. 407-425.). O especializado aparato metodológico historicista defendido por Stocking Jr. não significa que as tradições antropológicas periféricas do ponto de vista geográfico e político (inclusive de países europeus, como Espanha, Portugal, Itália ou Grécia) tenham recebido atenção num grau minimamente comparável ao que recai sobre as tradições nacionais hegemônicas, a despeito da existência de diversos autores e suas respectivas obras, do folclorista e historiador das religiões Ernesto De Martino (Gervasi, 2021GERVASI, F. ‘Existen los espíritus?’: Ernesto de Martino sobre magia y religion en le Sur del Mundo. In: DIVERSA: Red de Estudios de La Diversidad Religiosa en Argentina. [S. l.: s. n.], 23 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: http://www.diversidadreligiosa.com.ar/blog/author/gervasi/ . Acesso em: 30 nov. 2021.
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; Zinn, 2015ZINN, D. L. An introduction to Ernesto de Martino’s relevance for the study of folklore. Journal of American Folklore, [s. l.], v. 128, n. 507, p. 3-17, 2015.) ou do folclorista urbano Elias Petropoulos (Taylor, 2020TAYLOR, J. Harsh out of tenderness: the Greek poet & urban folklorist Elias Petropoulos. Sydney: Cycladic Press, 2020.), suscetíveis de integrar - e perturbar - os manuais de história disciplinar que contribuem para a formação de novas gerações de antropólogos. A vasta obra de Stocking Jr. dedicada à história da antropologia norte-americana e britânica é por si só ilustrativa dessa desproporção. Num quadro de conhecimento mais democratizado, a heterogeneidade da produção antropológica europeia poderia ser colocada no mesmo patamar que a de outros contextos periféricos que oferecem alternativas aos poderosos referenciais dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Da história hegemônica à diversidade e multilinguismo na historiografia da antropologia
Os historiadores da antropologia estão cientes dos riscos do anglocentrismo, isto é, de perspectivar a história da disciplina principalmente a partir de uma lente anglo-americana. Seguindo a metáfora de Gerholm e Hannerz (1982GERHOLM, T.; HANNERZ, U. Introduction: the shaping of national anthropologies. Ethnos, [s. l.], v. 47, n. 1, p. 1-35, 1982., p. 6), é como se o mapa da antropologia fosse constituído por um território principal, o das antropologias britânica, americana e francesa, em torno do qual se encontra um arquipélago com ilhas grandes e pequenas. Mesmo quando os historiadores da disciplina explicitam que os resultados das suas pesquisas apenas dizem respeito a contextos de língua inglesa, isso não os impede, nem aos seus leitores, de produzirem generalizações a partir daí, ainda que de forma subconsciente ou involuntária.12 12 O mesmo se aplica às perspectivas francocêntricas. Por exemplo, Stocking Jr. (1995STOCKING JR., G. W. After Tylor: British social anthropology, 1888-1951. Madison: University of Wisconsin Press, 1995., p. 94-95) sublinhou nos seguintes termos o estatuto pioneiro da célebre monografia de Baldwin Spencer e Francis Gillen (1899)SPENCER, B.; GILLEN, F. The native tribes of Central Australia. London: MacMillan and Co., 1899.:
Apesar da sua base evolucionista, The native tribes of Central Australia representa um afastamento substancial em relação às normas etnográficas do século XIX. […] Sente-se que entramos no universo etnográfico do século seguinte.
A importância de Spencer e Gillen é um tema de debate com vasta bibliografia, mas as considerações de Stocking Jr. contribuem para uma visão anglocêntrica da história da antropologia ao ofuscarem o trabalho de etnógrafos não anglófonos que também fizeram etnografia na Austrália Central no mesmo período.13 13 Em particular o seu “rival” no contexto arunta/arrernte, Carl Strehlow, autor da monografia em sete volumes, Die Aranda- und Loritja-Stämme in Zentral-Australien (Strehlow, 1907-1920).
O problema agudiza-se se considerarmos muitos outros pioneiros etnográficos do século XIX que escreveram em outras línguas, trabalharam em outros continentes e realizaram etnografias bem mais desafiantes e visionárias que a de Spencer e Gillen, abordando questões que seriam aliás relegadas, durante décadas, para as margens das tradições hegemônicas, como a história colonial. Um exemplo desses pioneiros, ignorado no plano internacional, mas também excluído das narrativas da história da antropologia no seu país, é o etnógrafo português Henrique de Carvalho (1890aCARVALHO, H. D. de. Etnografia e história tradicional dos povos da Lunda. Lisboa: Imprensa Nacional, 1890a., 1890bCARVALHO, H. D. de. Descrição da viagem à mussumba do Muatiânvua. Lisboa: Imprensa Nacional, 1890b. 4 v.), cuja vasta obra sobre a região centro-africana da Lunda é suscetível de desestabilizar a história da antropologia por várias razões, das quais destacamos as suas minuciosas e complexas descrições da vida política local. Se não pertencesse a uma tradição menor de um país periférico, Carvalho poderia ter tido mais hipóteses de ser reconhecido como um importante precursor da revolução etnográfica (Heintze, 2011HEINTZE, B. A rare insight into African aspects of Angolan history: Henrique Dias de Carvalho’s records of his Lunda expedition, 1880-1884. Portuguese Studies Review, [s. l.], v. 19, n. 1-2, p. 93-113, 2011.; Rosa, 2017ROSA, F. D. Roma negra: a etnografia maldita de Henrique de Carvalho. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article1126.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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).
Um dos raros manuais de história da antropologia cujo conteúdo procura responder ao problema do anglocentrismo14 14 Esse problema se adensa com a possibilidade da anglicização da própria antropologia, um aspecto analisado em Wulf (2016). é a obra coordenada por Henrika Kuklick (2008KUKLICK, H. (ed.). A new history of anthropology. Malden: Blackwell Publishing, 2008., p. 8), que escreve na introdução:
Encontrar pioneiros do trabalho de campo nos mais diversos locais implica questionar igualmente a reconhecida hierarquia internacional dos praticantes da disciplina antropológica. […] Mas esta hegemonia é, em si mesma, um produto histórico. […] A desmistificação da continuada hegemonia antropológica anglófona contribui para a causa contemporânea daqueles que estão fazendo da antropologia uma disciplina cada vez mais internacional […].
Para não as favorecer em detrimento da produção antropológica de outros países, a antropologia dos Estados Unidos e do Reino Unido, como as da França, Alemanha e Áustria ocupam um escasso número de páginas no cômputo da obra, em quatro capítulos da primeira parte, intitulada “Major traditions”. Contudo, a tradição norte-americana acaba por marcar a estrutura do livro, que obedece a uma lógica de quatro subdisciplinas, associadas historicamente (ainda que não unicamente) aos Estados Unidos através da expressão sacred bundle: a antropologia cultural, a arqueologia, a antropologia biológica e a linguística. Assim, no capítulo dedicado à arqueologia na China, a própria autora Hilary Smith (2008SMITH, H. A. Using the past to serve the peasant: Chinese archaeology and the making of a historical science. In: KUKLICK, H. (ed.). A new history of anthropology. Malden: Blackwell Publishing, 2008. p. 207-221., p. 207), especialista em história da ciência e sociedade chinesas, reconhece: “Com efeito, muitos arqueólogos chineses ficariam surpreendidos ao encontrarem um ensaio sobre a sua disciplina numa história da antropologia.” A obra integra uma parte essencial, intitulada “Neglected pasts”, da qual faz parte o capítulo anteriormente referido e três outros, respectivamente dedicados às tradições antropológicas holandesa, escandinava e russa. Embora contemple alguns passados negligenciados, a obra fica aquém dessa ideia, pois poderia ter incluído mais tradições “marginais” ou “periféricas”, inclusive do hemisfério sul.
Outra tentativa, mais antiga, de escrever uma história alternativa foi a do antropólogo espanhol exilado no México (desde a Guerra Civil), Ángel Palerm Vich (2005PALERM, Á. Historia de la etnología: los evolucionistas. México: Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente, Universidad Iberoamericana, 2005., 2010aPALERM, Á. Historia de la etnologia: los precursores. México: Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social, Universidad Iberoamericana, 2010a., 2010bPALERM, Á. Historia de la etnología: Tylor y los profesionales británicos. México: Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social, Universidad Iberoamericana, 2010b.), ao insistir na importância de antigos observadores e pensadores da diferença cultural, gregos ou romanos, árabes ou italianos, sendo de destacar os missionários e cronistas hispânicos das Américas, como Bernardino de Sahagún. A propósito da reedição da obra em 2005-2010, Joan Pujadas (2014PUJADAS, J. J. Historia de la etnología de Ángel Palerm: humanismo y criticism al servicio de una visión poscolonial de la antropología. Desacatos, [s. l.], n. 45, p. 149-153, 2014., p. 151) salienta que Palerm se posicionava contra as abordagens anglocêntricas e francocêntricas da antropologia de finais do século XVIII e início do século XIX. Palerm terá sido um precursor da heteroglossia no âmbito da própria historiografia da antropologia. Como escreve Pujadas (2014PUJADAS, J. J. Historia de la etnología de Ángel Palerm: humanismo y criticism al servicio de una visión poscolonial de la antropología. Desacatos, [s. l.], n. 45, p. 149-153, 2014., p. 153): “A sua mensagem é muito clara: cada tradição etnológica deve fazer a sua própria leitura da história do pensamento etnológico, eleger e reivindicar os seus próprios antepassados, fixar essa mesma tradição e convertê-la em história.”15 15 Ver também Peña (1987).
Embora salientando o aspecto tardio, em termos comparativos e por razões históricas óbvias da institucionalização da antropologia na generalidade dos países do “Sul”, e designadamente no México, Krotz (2005KROTZ, E. Anthropologies of the South: their rise, their silencing, their characteristics. Journal of the World Anthropologies Network, [s. l.], n. 1, p. 147-159, 2005., p. 155) faz uma inflexão no seu argumento com vista a “redescobrir”, na senda de Palerm, genealogias anteriores aos processos de institucionalização disciplinar:
Quando são narradas as biografias das primeiras pessoas que se dedicaram desde finais do século XVIII ao estudo dos problemas cognitivos e práticos da diversidade cultural, […] os cidadãos dos países poderosos de então e de hoje são normalmente considerados “precursores” da disciplina, enquanto os dos países do Sul não passam de simples “amadores”.
Pertencer ou não às sociedades onde a antropologia veio a nascer como disciplina científica é suficiente para justificar essas classificações? […] O perigo reside na omissão provocada pelo uso irrefletido desse tipo de classificação, porquanto, em consequência disso, a própria existência das antropologias do Sul é mais uma vez ignorada.16 16 Ver também Ribeiro (2005, p. 3).
A tradição antropológica mexicana mais tardia, nomeadamente dos séculos XIX e XX, acabou por ficar de fora do projeto de Palerm, interrompido pela sua morte, mas outros autores procuraram, na sua pegada, preencher essa lacuna, sendo de destacar a monumental obra coletiva, em 15 volumes, La antropología en México, dirigida por Carlos García Mora (1987-1988)GARCÍA MORA, C. (ed.). La antropologia en México: panorama histórico. Ciudad de México: Instituto Panamericano de Geografia e Historia, 1987-1988. 15 v.. O lugar de Palerm na história da antropologia mexicana é objeto de um artigo que Krotz (2010)KROTZ, E. Evolution of the anthropologies of the South: contributions of three Mexican anthropologists in the latter half of the twentieth century. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 6, p. 1-17, 2010. publica em 2010 no periódico de referência (posteriormente coleção) Histories of Anthropology Annual (HOAA). Com Gonzalo Aguirre Beltrán (1908-1996) e Guillermo Bonfil Batalla (1935-1991), Palerm emerge nesse texto como um dos protagonistas de uma nova antropologia politicamente engajada à esquerda, que questionou o indigenismo vieux style associado a certas elites nacionais (ver também García Valencia, 1995GARCÍA VALENCIA, E. H. Spanish social anthropologists in Mexico: anthropology in exile and anthropology of exiles. In: VERMEULEN, H. F.; ROLDÁN, A. A. (ed.). Fieldworks and footnotes: studies in the history of European anthropology. London: Routledge, 1995. p. 219-233.). Na recente dissertação de mestrado dedicada a HOAA, o historiador brasileiro João Luiz dos Santos Junior (2019SANTOS JUNIOR, J. L. dos. Tensões na historiografia da antropologia: Histories of Anthropology Annual entre arquivo e contemporaneidade. 2019. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2019. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/74794 . Acesso em: 30 nov. 2021.
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, p. 84) sugere que o artigo de Krotz representa uma “pedrada no charco”, referindo-se à historiografia anglocêntrica e - não obstante outros artigos dedicados a antropologias do “Sul” (Adams, 2005ADAMS, R. A. The evolution of racism in Guatemala: hegemony, science, and antihegemony. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 1, p. 132-180, 2005.; Fluehr-Lobban, 2007FLUEHR-LOBBAN, C. Anténor Firmin, nineteenth-century pioneering anthropologist: his influence on anthropology in North America and the Caribbean. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 3, p. 167-183, 2007.; Guber; Visacovsky, 2006GUBER, R.; VISACOVSKY, S. The birth of ciencias antropológicas at the University of Buenos Aires. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 2, p. 1-32, 2006.) - à própria revista dirigida por Regna Darnell e Frederic W. Gleach, marcada por “um certo status quo” em termos de referências predominantes:
Trata-se afinal de uma revista científica produzida no “Norte”, publicada no “Norte”, sobretudo com contribuidores do “Norte” ou mesmo dos Estados Unidos da América - e majoritariamente dedicada às tradições antropológicas do “Norte”, se não ao culturalismo e seus antecedentes. Uma estatística que merece ser feita.
Santos Junior fez esse exercício estatístico para os sete primeiros volumes de HOAA (2005-2011), enquanto revista, e os resultados são expressivos. Os artigos sobre as tradições estadunidenses e canadenses constituem 72% do total, os artigos sobre as antropologias britânica, australiana e neozelandesa cerca de 14,5%, os dedicados às antropologias francesa, alemã e austríaca são cerca de 6,5%, os relativos a tradições “periféricas” do “Norte” representam cerca de 3% e os que versam tradições da América Latina são 4%. Não havia, até então, qualquer artigo sobre tradições asiáticas e africanas. Essas porcentagens correspondem grosso modo à proveniência dos contribuidores da revista, sendo 81% dos Estados Unidos e do Canadá.17
17
O critério seguido foi o da afiliação institucional; no caso de investigadores independentes foi contemplada a nacionalidade.
Segundo Santos Junior (2019)SANTOS JUNIOR, J. L. dos. Tensões na historiografia da antropologia: Histories of Anthropology Annual entre arquivo e contemporaneidade. 2019. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2019. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/74794 . Acesso em: 30 nov. 2021.
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, esse predomínio anglo-saxônico contrasta com a pluralidade defendida nos editoriais de Darnell e Gleach, que lançaram o plural histories para exprimir esse desígnio: “Histories of Anthropology Annual tenciona demonstrar que, da mesma forma que existe diversidade nas antropologias que praticamos, também existe diversidade na história da antropologia como especialização disciplinar”; tal demonstração tem a ver não apenas com diferentes abordagens historiográficas, mas também com “a diversidade de tradições nacionais”, uma questão explicitada desde o início (Darnell; Gleach, 2005DARNELL, R.; GLEACH, F. W. Editor’s introduction. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 1, p. vii-x, 2005., p. vii-viii).18
18
À diversidade de tradições, deveria acrescentar-se a diversidade interna e a própria dispersão temática associada a alguns contextos, por exemplo no caso do Chile (Palestini; Ramos; Canales, 2010).
Em clara sintonia com algumas das reflexões do projeto das antropologias do mundo, Darnell e Gleach (2006DARNELL, R.; GLEACH, F. W. Editor’s introduction. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 2, p. vii-viii, 2006., p. viii; 2007DARNELL, R.; GLEACH, F. W. Editor’s introduction. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 3, p. vii-viii, 2007., p. viii; 2014DARNELL, R.; GLEACH, F. W. Editor’s introduction. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Anthropologists and their traditions across national borders (Histories of Anthropology Annual, 8). Lincoln: University of Nebraska Press, 2014. p. ix-xi., p. x) reiteram praticamente em cada editorial a sua preocupação em “percorrer várias tradições nacionais” que “se recusam a ser mantidas em caixas separadas”. Segundo Santos Junior (2019SANTOS JUNIOR, J. L. dos. Tensões na historiografia da antropologia: Histories of Anthropology Annual entre arquivo e contemporaneidade. 2019. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2019. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/74794 . Acesso em: 30 nov. 2021.
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, p. 8), “o peso inegável, desproporcional, da historiografia estado-unidense faz-se sentir, porventura, nestas palavras quase dramáticas: ‘Continuamos a convidar contribuições que reflitam essa diversidade, especialmente de autores que acham que a sua perspectiva não está representada aqui […] (Darnell e Gleach 2008 viii)’.”19
19
Tradução de Santos Junior.
A diversidade das tradições nacionais é abordada de forma mais otimista no editorial do volume de 2010: “As tradições nacionais (neste caso do México, Canadá, Austrália e França) continuam a ocupar um lugar considerável entre os artigos que nos são submetidos, embora seja cada vez mais claro que esses desenvolvimentos nacionais são inseparáveis das forças transnacionais” (Darnell; Gleach, 2010DARNELL, R.; GLEACH, F. W. Editor’s introduction. Histories of Anthropology Annual, [s. l.], n. 6, p. vii-viii., 2010., p. vii-viii). No primeiro volume publicado, já não como revista, mas como livro, os organizadores manifestam-se “particularmente orgulhosos” por verem o seu projeto expandir-se para lá do habitual enfoque norte-americano da subdisciplina da história da antropologia, incluindo desenvolvimentos profissionais na Europa, América Latina, Austrália e Nova Zelândia (Darnell; Gleach, 2014DARNELL, R.; GLEACH, F. W. Editor’s introduction. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Anthropologists and their traditions across national borders (Histories of Anthropology Annual, 8). Lincoln: University of Nebraska Press, 2014. p. ix-xi., p. ix).
Em 2016, Darnell e Gleach fazem uma retrospectiva que permite olhar mais benevolamente para as estatísticas de HOAA: “O passado espacial ou geográfico manifesta-se num mundo contemporâneo em termos de diversas tradições e instituições nacionais, e cada um dos nossos primeiros dez volumes incluiu artigos sobre essas tradições nacionais” (Darnell; Gleach, 2016DARNELL, R.; GLEACH, F. W. Editor’s introduction. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Local knowledge, global stage (Histories of Anthropology Annual, 10). Lincoln: University of Nebraska Press, 2016. p. ix-xiii., p. xi; ver, por exemplo, Korsbaek; Barrios Luna, 2015KORSBAEK, L.; BARRIOS LUNA, M. Anthropology in Cuba. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Corridor talk to culture history: public anthropology and its consequences (Histories of Anthropology Annual, 9). Lincoln: University of Nebraska Press, 2015. p. 155-194.; Matos, 2016MATOS, P. F. de. Anthropology in Portugal: the case of the Portuguese Society of Anthropology and Ethnology (SPAE), 1918. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Local knowledge, global stage (Histories of Anthropology Annual, 10). Lincoln: University of Nebraska Press, 2016. p. 53-97.). Destaca-se ainda o volume de HOAA de 2017 por conter os primeiros três artigos dedicados a uma tradição asiática, nomeadamente vietnamita, de Nguyen Phuong Ngoc (2017)NGOC, N. P. Adopting Western methods to understand one’s own culture: social and cultural studies by Vietnamese scholars of the French colonial era. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Historicizing theories, identities, and nations (Histories of Anthropology Annual, 11). Lincoln: University of Nebraska Press, 2017. p. 199-218., Nguyen Van Huy (2017) VAN HUY, N. Life in Hanoi in the State subsidy period: questions raised in social criticism and social reminiscences. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Historicizing theories, identities, and nations (Histories of Anthropology Annual, 11). Lincoln: University of Nebraska Press, 2017. p. 219-251.e Bradley Camp Davis (2017)DAVIS, B. C. Between ethnos and nation: genealogies of Dân Tộc in Vietnamese contexts. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Historicizing theories, identities, and nations (Histories of Anthropology Annual, 11). Lincoln: University of Nebraska Press, 2017. p. 253-265.. Os resultados dessa incursão na história da antropologia vietnamita, desde a época colonial francesa à era pós-socialista, são surpreendentes por relativizarem a polêmica em torno do próprio relativismo cultural da antropologia como projeto ocidental ou colonial com fins políticos dúbios. A seguinte conclusão por parte de Ngoc (2017NGOC, N. P. Adopting Western methods to understand one’s own culture: social and cultural studies by Vietnamese scholars of the French colonial era. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Historicizing theories, identities, and nations (Histories of Anthropology Annual, 11). Lincoln: University of Nebraska Press, 2017. p. 199-218., p. 215) enquanto historiador da antropologia vietnamita revela-se chocante: “Assim, a colonização proporcionou aos vietnamitas uma oportunidade ímpar de abertura às outras culturas.”
Um exercício estatístico similar, revelando maior ou menor anglocentrismo, francocentrismo ou eurocentrismo, no que diz respeito às tradições abordadas, poderia ser feito em relação a outras publicações de referência no domínio da história da antropologia, como a coleção “History of anthropology”, criada por G. W. Stocking Jr. e posteriormente dirigida por Richard Handler, ou a coleção “Critical studies in the history of anthropology”, dirigida por Regna Darnell e Stephen O. Murray (1950-2019), ou ainda a prestigiada Gradhiva: revue d’histoire et d’archives de l’anthropologie, fundada em 1986 por Michel Leiris e Jean Jamin.20 20 Em 2005 o subtítulo foi alterado para Revue d’anthropologie et d’histoire des arts, diminuindo o número de artigos dedicados à história da antropologia.
Mais recentemente, a enciclopédia virtual BEROSE tomou de empréstimo, em diálogo e com o acordo de Regna Darnell, o plural utilizado no título de HOAA. Nos primeiros dez anos de existência (2006-2016), sob a direção de Daniel Fabre e Claudie Voisenat, esse projeto sediado na França dedicou especial atenção a figuras pouco conhecidas da história da etnologia e do folclore franceses no século XIX e princípios do seguinte, como Paul Sébillot, Théodore Hersart de La Villemarqué, François Cadic, Henri Gaidoz e François Luzel. As obras desses autores, mais ou menos caídos no esquecimento, versando temáticas surpreendentes, por exemplo as tradições locais sobre o mago Merlim e Jesus Cristo, o bestiário selvagem da França, a literatura oral bretã e de outras regiões “celtas”, apresentaram uma historiografia alternativa, revelando uma antropologia francesa profundamente ignorada, excluída das narrativas dominantes, tanto no contexto francês como no internacional. A partir de 2017, sob a direção de Christine Laurière e Frederico Delgado Rosa, o projeto passou a designar-se BEROSE international encyclopaedia of the histories of anthropology,21 21 Ou Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l’anthropologie, www.berose.fr. A enciclopédia publica artigos em seis línguas: francês, inglês, português, espanhol, italiano e alemão. assumindo a pluralização da história da antropologia como desígnio. Destaca-se assim:
[…] a riqueza passada das antropologias do mundo, que são frequentemente ignoradas, subestimadas ou esquecidas nos círculos hegemônicos. BEROSE contribui para essa necessária pluralização como um desafio que diz respeito não só às “antropologias sem história”, […] - mas também às antropologias ocidentais ou do Norte […], por vezes reduzidas a uma visão monolítica das mais famosas correntes teóricas e a algumas figuras importantes […]. O objetivo é multiplicar os pontos de referência alternativos, ora provenientes do “Sul”, dos chamados países periféricos, ora representando um contrapeso ao Ocidente: de Cuba ao Vietnam, da Turquia ao Benin, do Japão à Ucrânia… Tanto as visões eurocêntricas da história como as críticas pós-coloniais radicais podem ser questionadas pela (re)descoberta de intercâmbios e fluxos de conhecimento mais antigos […]. Essas histórias podem revelar as sucessivas globalizações da antropologia - das antropologias - num sentido que nunca é único, unívoco ou teleológico. (Laurière; Rosa, 2021LAURIÈRE, C.; ROSA, F. D. The pluralization of the history of anthropology: BEROSE International Encyclopaedia of the Histories of Anthropology. Journal of the History of the Behavioral Sciences, [s. l.], v. 57, n. 3, p. 299-301, 2021.).
Sem que as chamadas “grandes tradições” sejam deixadas de lado, as histórias das antropologias do mundo ocupam um lugar de eleição na enciclopédia BEROSE,22
22
BEROSE tem uma equipe permanente composta por mais de 50 pesquisadores de várias nacionalidades, complementada por uma extensa rede de autores.
da Colômbia à Lituânia, do Haiti ao Mali, sendo de destacar, por exemplo, o trabalho desenvolvido no âmbito do tema “Histories of anthropology in Brazil”, criado em 2019 sob a direção de Stefania Capone e Fernanda Peixoto (Capone; Peixoto, 2020CAPONE, S.; PEIXOTO, F. A. Antropologias no Brasil: uma breve introdução histórica. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article1958.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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), que procura, por um lado, explorar a importante e vasta literatura existente sobre diversas figuras e temáticas - como Edison Carneiro (Rossi, 2015ROSSI, G. O intelectual feiticeiro: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2015., 2020ROSSI, G. A “lost vocation”? The life and work of Edison Carneiro, exponent of Afro-Brazilian studies. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article2031.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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) ou Luís da Câmara Cascudo (Gonçalves, 1999GONÇALVES, J. R. Cotidiano, corpo e experiência: reflexões sobre a etnografia de Luís da Câmara Cascudo. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, [s. l.], n. 28, p. 74-81, 1999., 2004GONÇALVES, J. R. A fome e o paladar: a antropologia nativa de Luís da Câmara Cascudo. Estudos Históricos, São Paulo, n. 33, p. 40-55, 2004., 2009GONÇALVES, J. R. Luís da Câmara Cascudo e o estudo das culturas populares no Brasil. In: BOTELHO, A.; SCHWARCZ, L. M. (org.). Um enigma chamado Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 174-183., 2020GONÇALVES, J. R. O folclore no Brasil na visão de um etnógrafo nativo: um retrato intelectual de Luís da Câmara Cascudo. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article2046.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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), contribuindo para a crescente visibilização internacional dessa historiografia - e, por outro, suscitar pesquisas sobre autores ou instituições pouco abordados - como a história do Centro de Estudos Afro-Orientais (Santos, J., 2021SANTOS, J. T. dos. A antropologia afro-brasileira no diálogo Sul-Sul: história do Centro de Estudos Afro-Orientais. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article2320.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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), fundamental para compreender os diálogos “Sul-Sul”, ou a história do Instituto de Estudos da Religião (Novaes; Giumbelli; Cunha, 2021NOVAES, R.; GIUMBELLI, E.; CUNHA, C. V. da. Pluralidade religiosa no Brasil: uma história do Instituto de Estudos da Religião (ISER), entre ativismo político e ciência social. In: BÉROSE: international encyclopaedia of the histories of anthropology. Paris: [s. n.], 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.berose.fr/article2403.html?lang=fr . Acesso em: 30 nov. 2021.
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).
Escrevia Krotz (2005KROTZ, E. Anthropologies of the South: their rise, their silencing, their characteristics. Journal of the World Anthropologies Network, [s. l.], n. 1, p. 147-159, 2005., p. 156) em 1997 que “o estudo sistemático das antropologias do Sul mal começou”. Mas estará por escrever a história das antropologias do mundo? A resposta depende do ângulo e do raio de visão, da potência dos motores de busca e da competência poliglota de quem procura responder à questão, considerando que existem inúmeros estudos sobre diversas tradições antropológicas, suas figuras, instituições e temáticas, dispersos em publicações periódicas de âmbito nacional ou obras especializadas que não chegam a leitores mais amplos. O aspecto cumulativo da historiografia da antropologia segue ritmos desiguais em diferentes contextos e as barreiras da língua frequentemente impedem o conhecimento - ou a própria leitura - de novidades editoriais importantes. Trata-se de um vasto arquivo do qual é possível apenas ter um vislumbre através das potencialidades oferecidas pela virada digital e também pela velocidade inaudita que o ciberespaço e as novas tecnologias de comunicação conferem às redes de conexão entre pesquisadores localizados em diferentes países.
A necessidade de conhecer a história de antropologias menos estudadas a nível internacional (Bošković, 2008BOŠKOVIĆ, A. (ed.). Other people’s anthropologies: ethnographic practice on the margins. New York: Berghahn Books, 2008.) e inclusive no contexto europeu (Barrera-González; Heintz; Horolets, 2017BARRERA-GONZÁLEZ, A.; HEINTZ, M.; HOROLETS, A. (ed.). European anthropologies. New York: Berghahn Books, 2017.) continua a ser sentida, mas têm sido feitos esforços para dar mais visibilidade às produções locais. É o caso da History of Anthropology Network (HOAN) da European Association of Social Anthropologists (EASA), que graças ao seu círculo de correspondentes em 21 países (e em constante crescimento) promove a divulgação de publicações não anglófonas no domínio da história de antropologia, em especial das periferias europeias, que de outra forma provavelmente passariam despercebidas junto da comunidade internacional. Na sua newsletter de abril de 2021, a seção dedicada à história da antropologia polonesa já contava com mais de uma centena de referências, compiladas e traduzidas para inglês por Filip Wróblewski (2021)WRÓBLEWSKI, F. Polish anthropology. HOAN Newsletter, [s. l.], n. 19, p. 14-23, Apr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://easaonline.org/downloads/networks/hoan/HOAN_Newsletter_19.pdf . Acesso em: 30 nov. 2021.
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Do conjunto, destacamos a obra em seis volumes, Etnografowie i ludoznawcy polscy: Sylwetki, szkice biograficzne (Etnógrafos poloneses: personalidades e esboços biográficos), organizada por Katarzyna Ceklarz e Jan Święch (2020). Cf. Wróblewski (2021, p. 16).
Muitas das referências incluídas nas HOAN Newsletters obrigam a repensar os pontos de referência da historiografia anglocêntrica e francocêntrica, como Три века российской этнографии (Três séculos de etnografia russa), obra coletiva de grande envergadura, com dois volumes já publicados, o primeiro sob a supervisão de Anna Sirina (2017)SIRINA, A. A. (otv. red.). Tri veka rossiiskoi etnografii: stranitsy istorii: vyr 1. Moskva: M. IEA, 2017. [Сирина, А. А. (отв. ред.). Три века российской этнографии: страницы истории: вып. Москва: М. ИЭА, 2017.]. e o segundo organizado por Sirina e Mariam Kerimova (2020)SIRINA, A. A.; KERIMOVA, M. M. (otv. red.). Tri veka rossiiskoi etnografii: stranitsy istorii: vyr 2. Moskva: Vostochnaya literatura, 2020. [Сирина А. А.; Керимова, М. М. (отв. ред.). Три века российской этнографии: страницы истории: вып. 2. Москва: Восточная литература, 2020.]. Deste último, o correspondente da HOAN na Rússia, Sergei Alymov (2020)ALYMOV, S. Three centuries of Russian ethnography. Contents of the volume. HOAN Newsletter, [s. l.], n. 18, Dec. 2020. Disponível em: Disponível em: https://easaonline.org/downloads/networks/hoan/HOAN_Newsletter_18k-2020_Sirina&Kerimova_Table-of-contents.pdf . Acesso em: 30 nov. 2021.
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, traduziu para inglês o índice e os resumos dos capítulos.
Na comunicação durante o recente colóquio organizado pela HOAN e pela Europeanist Network da EASA, “Anthropological Pathways and Crossings. Knowledge Production and Transfer in and beyond Europe”, Alymov foi mais longe e perguntou se a antropologia russa é “uma tradição marginal ou um centro alternativo”. A despeito dos múltiplos trânsitos intelectuais entre a Rússia e o “Ocidente” do século XVIII à atualidade, os antropólogos russos ressentem-se de um “diálogo desigual”, em virtude de barreiras linguísticas, epistemológicas e políticas (Alymov, 2021ALYMOV, S. Anthropology in the Russian Empire/Soviet Union: marginal tradition or an alternative centre? [Abstract]. In: ANTHROPOLOGICAL PATHWAYS AND CROSSINGS. KNOWLEDGE PRODUCTION AND TRANSFER IN AND BEYOND EUROPE, 21-22 July 2021. [S. l.]: EuroNet: HOAN, 2021. Disponível em: Disponível em: https://easaonline.org/networks/europ/events . Acesso: 30 nov. 2021.
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).24
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A questão também se coloca em relação ao desconhecimento da história da antropologia russa. Tomemos o caso de Waldemar (ou Vladimir) Bogoraz. Figura relativamente conhecida enquanto colaborador de Franz Boas durante a Jesup North Pacific Expedition de 1897-1902, Bogoraz publicou extensamente em russo. É considerado “um dos pais fundadores da etnografia siberiana russa, e mais tarde soviética”, e a sua monografia sobre os chukchee, publicada em Leningrado em 1939 (Bogoraz, 1939), “logo se tornou um clássico etnográfico do século XX e de leitura obrigatória para muitos estudantes de antropologia [na Rússia]” (Krupnik, 2017, p. 9). Krupnik (2017, p. 9) aborda a questão da relativa fama e esquecimento da monografia de Bogoraz, dependendo do ângulo de visão: “Apesar da sua aclamação universal entre os especialistas siberianos russos e os leitores indígenas, a obra-prima de Bogoraz nunca foi minuciosamente examinada tendo em mente um público anglófono.”
A mesma questão tem sido colocada, em termos similares, por representantes de outras tradições não anglófonas - como a espanhola (Archetti, 2006ARCHETTI, E. P. How many centers and peripheries in anthropology? A critical view from France. In: RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006. p. 113-132.; Colera; Dominguez; Martinez, 2007COLERA, M.; DOMINGUEZ, P.; MARTINEZ, M. L’anthropologie espagnole: anthropologie du centre ou anthropologie périphérique? Journal des anthropologues [número especial, “De l’anthropologie de l’autre à la reconnaissance d’une autre anthropologie”], [s. l.], n. 110-111, p. 293-315, 2007.) - que não se sentem forçosamente confortáveis com o epíteto de periféricas. É de referir ainda a necessidade de romper com a dicotomia entre o Ocidente e a produção asiática, como reivindica a antropologia japonesa. Contrariar o império da língua inglesa e promover intercâmbios alternativos são intentos associados ao paradigma das antropologias do mundo (Ribeiro; Escobar, 2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 14), mas que encontram eco em diversas experiências em curso no domínio da historiografia da antropologia.25
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É de referir a divulgação ocasional de novidades editoriais não anglófonas na plataforma de referência History of Anthropology Review, https://histanthro.org/.
Em paralelo, trata-se de reconstituir outros tempos históricos, anteriores à Segunda Guerra Mundial, em que o inglês não era a língua franca da antropologia e existia um maior número de eruditos poliglotas. Todos esses exemplos permitem afirmar que, apesar das dificuldades e desafios existentes, os antropólogos (dos chamados centros ou das chamadas periferias) podem hoje trocar conhecimentos e experiências em tempo real (Bueno, 2007BUENO, C. Hegemonía o alternancia: trayectorias globales de la antropologia. Desacatos, [s. l.], n. 25, p. 238-242, 2007.).
As antropologias do mundo são mais antigas que a história da antropologia
O presente número não ambiciona proporcionar uma impossível síntese ou visão panorâmica do passado disciplinar à escala planetária, mas contribuir, através de estudos de caso interligados, para a percepção da complexidade, diversidade e - igualmente importante - antiguidade das antropologias do mundo. Há que reavaliar o passado da antropologia em sentido lato, compreendendo saberes e práticas, etnográficos e não só, que antecedem ou complementam a institucionalização científica, caracterizados inclusive por experimentalismo e “amadorismo” em contextos diversificados e interconectados. Conforme escreve Fernanda Arêas Peixoto em sua contribuição para este volume, tendo em mente as dimensões literárias modernistas que marcaram (e extravasaram) o momento “pré-institucional” da antropologia no Brasil, trata-se de reaver saberes que parecem não ocupar o proscênio, pois preteridos pelos imperativos da institucionalização e da “disciplinarização” do conhecimento. Assim, as feições “amadoristas” e as veias literárias não fazem mais do que complicar os diálogos entre as várias tradições antropológicas, com vigas subterrâneas a atravessar fronteiras imprevistas. Não esqueçamos que mesmo na Inglaterra os representantes da antropologia social permaneceram minoritários ao longo do século XX em face da massa envolvente de etnógrafos amadores, literatos e curiosos cujas referências antropológicas podiam ser desviantes ou anacrônicas, por exemplo difusionistas e/ou evolucionistas, sendo um bom exemplo a excêntrica antropologia de Lord Raglan (1885-1964), que chegou a presidir o Royal Anthropological Institute nos anos 1950 (MacClancy, 2017MacCLANCY, J. Transcending the academic/public divide in the transmission of theory: Raglan, diffusionism, and mid-century anthropology. History and Anthropology, [s. l.], v. 28, n. 2, p. 235-253, 2017.).
Essa é uma das razões pelas quais entendemos ser necessário relativizar a ideia de que apenas hoje é possível o diálogo entre antropólogos do “Norte” e do “Sul”, em pé de igualdade enquanto profissionais da mesma ciência, como se no passado as figuras locais tivessem forçosamente assumido, tanto pela sua posição periférica como pela falta de formação acadêmica em antropologia, um papel subordinado de meros facilitadores de encontros no país receptor ou informantes privilegiados.26 26 Para o caso espanhol, veja-se por exemplo Narotzky (2010). As histórias da antropologia são mais caleidoscópicas - isto é, com múltiplas variáveis em movimento - do que previsíveis, seja no plano político, seja no plano humano das inter-relações do foro antropológico e etnográfico (Matos, 2018MATOS, P. F. de. Inclusions and exclusions in the production and circulation of scientific knowledge: the case of the Royal Anthropological Institute (RAI) and the Portuguese Society of Anthropology and Ethnology (SPAE). In: GRANJO, P.; ABOIM, S.; RAMOS, A. (ed.). Changing societies: legacies and challenges: vol. 1: ambiguous inclusions: inside out, outside in. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2018. p. 407-429.). Tendo em mente os chamados estudos subalternos e nomeadamente a já clássica interrogação de Gayatri Spivak (1988)SPIVAK, G. Can the subaltern speak? In: NELSON, C.; GROSSBERG, L. (ed.). Marxism and the interpretation of culture. Basingstoke: Macmillan Education, 1988. p. 271-313., Restrepo e Escobar (2005RESTREPO, E.; ESCOBAR, A. Other anthropologies and anthropology otherwise: steps to a world anthropologies framework. Critique of Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 2, p. 99-129, 2005., p. 117) perguntam se as antropologias hegemônicas têm sido ou não capazes, ao longo do tempo, de verdadeiramente dar voz aos “outros”. E alguns autores acreditam que só recentemente surgiram práticas etnográficas dialógicas e colaborativas suscetíveis de inverter a assimetria da observação participante e dar a primazia aos outrora “observados”, tornando-os sujeitos das suas próprias narrativas e protagonistas das suas próprias histórias (Ribeiro; Escobar, 2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 20).
Consideramos que a miopia em relação ao passado disciplinar deve dar lugar a uma história das antropologias do mundo que, pela sua própria heteroglossia, não reduza o passado a uma fórmula simplista ou maniqueísta. Entendemos aliás ser uma distorção histórica a ideia de que apenas na contemporaneidade os indivíduos indígenas têm acesso aos resultados das pesquisas antropológicas realizadas por estrangeiros ou participam nas mesmas com verdadeiro conhecimento de causa, ou ainda por iniciativa própria. Pelo contrário, existem indícios de que é antiga, e não recente, a problemática sumarizada no título da obra When they read what we write (Brettell, 1993BRETTELL, C. B. (ed.). When they read what we write: the politics of ethnography. Westport: Bergin & Garvey, 1993.), que deveria ser reformulada para incluir what they wrote. É um fato conhecido dos historiadores da disciplina que, na sua conversão à antropologia, Lewis Henry Morgan foi ele próprio influenciado por vários iroqueses que já estavam envolvidos na produção de registros vernaculares e outros manuscritos etnográficos.27 27 Existem casos anteriores na América do Norte (Bieder, 1986, p. 30, 206). The league of the Ho-dé-no-sau-nee, or Iroquois (Morgan, 1851MORGAN, L. H. The league of the Ho-dé-no-sau-nee, or Iroquois. Rochester: Sage and Brother Publishers, 1851.) foi dedicada a Hä-sa-no-an’-da, também conhecido como Ely Samuel Parker,28 28 Ativista proeminente, Parker seria o primeiro nativo norte-americano a ocupar o cargo de comissário dos Assuntos Indígenas (1869-1871), sob o mandato do presidente Ulisses S. Grant, a quem tinha servido como adjunto e secretário durante a Guerra Civil. já que os materiais apresentados na monografia eram fruto de “pesquisas conjuntas”. No prefácio, Morgan (1851MORGAN, L. H. The league of the Ho-dé-no-sau-nee, or Iroquois. Rochester: Sage and Brother Publishers, 1851., p. xi) explicava estar em dívida para com Parker pela sua “inestimável assistência durante toda a pesquisa, e por uma parte dos materiais”.29 29 Ver também Michaelsen (1996). Lembremos também da íntima e longa colaboração (mais de um quarto de século) entre Alice C. Fletcher e o indígena Omaha, Francis La Flesche, que culminou na sua magnum opus conjunta, “The Omaha tribe” (Fletcher; La Flesche, 1911FLETCHER, A. C.; LA FLESCHE, F. The Omaha tribe. In: TWENTY-SEVENTH annual report to the secretary of the Bureau of American Ethnology 1905-’06. Washington: Smithsonian Institution; U.S. Government Printing Office, 1911. p. 17-672.). A escrita e o universo editorial “branco” faziam parte do universo de indivíduos como La Flesche, contratado pelo Bureau of American Ethnology (Mark, 1982MARK, J. Francis La Flesche: the American Indian as anthropologist. Isis, [s. l.], v. 73, n. 4, p. 496-510, 1982.) e que escreveu as suas próprias monografias.
Essa realidade intercultural, expressiva no século XIX em múltiplos contextos, remontava a períodos mais antigos em outros casos. Para não reproduzir as assimetrias de poder do período colonial, devemos estar atentos ao risco de minimizar o envolvimento legítimo das pessoas colonizadas com a etnografia/antropologia ou, já agora, com a historiografia, cujos métodos e teorias muitas delas poderão ter adotado (Rosa, 2019ROSA, F. D. Totalitarian critique: Johannes Fabian and the history of primitive anthropology. In: DARNELL, R.; GLEACH, F. W. (ed.). Disruptive voices and the singularity of histories (Histories of Anthropology Annual, 13). Lincoln: University of Nebraska Press, 2019. p. 1-54.). Isso inclui as defesas locais de uma episteme empiricista e representacionista, quer essas opções sejam identificadas como ocidentais ou uma mistura de visões indígenas e não indígenas. Essas abordagens tiveram seguidores ou continuadores indígenas, sem esquecer, naturalmente, os autores de ascendência mista, como Peter Buck/Te Rangi Hiroa na Nova Zelândia/Aotearoa. “É tempo de descartar os pressupostos raciais e coloniais que têm obscurecido a nossa visão destes pensadores originais”, escrevem Ned Blackhawk e Isaiah L. Wilner (2018BLACKHAWK, N.; WILNER, I. L. (ed.). Indigenous visions: rediscovering the world of Franz Boas. New Haven: Yale University Press, 2018., p. xiii) em uma antologia que procura recentrar o vasto conjunto de atores indígenas que fizeram mais do que participar no projeto boasiano e na ciência ocidental - contribuíram para a construção da modernidade (antropológica) através de “um vernáculo conceitual que permite vislumbrar modos de pertença partilhados”. Se as antropologias do mundo têm história, não há quaisquer motivos para restringir esse tipo de consideração, ou hipótese, ao culturalismo norte-americano.
Pelo contrário, a historiografia das tradições periféricas deve estar ainda mais atenta à idiossincrasia dos encontros antropológicos entre atores de proveniências diversas, do interlocutor local ao etnógrafo indígena - sobretudo em países não ocidentais (Fahim; Helmer, 1980FAHIM, H.; HELMER, K. Indigenous anthropology in non-western countries: a further elaboration. Current Anthropology, [s. l.], v. 21, n. 5, p. 644-63, 1980.; Kuwayama, 2004KUWAYAMA, T. Native anthropology: the Japanese challenge to western academic hegemony. Melbourne: Trans Pacific Press, 2004.) -, do antropólogo amador ao profissional, do visitante do “Norte” ao anfitrião do “Sul”, com posições ou papéis suscetíveis de serem reapreciados ou inclusive subvertidos respectivamente no que diz respeito à sua importância na história disciplinar, para lá dos cânones acadêmicos e de quaisquer outras hegemonias antropológicas, não sendo linear quem mais influenciou quem. Ainda antes do surgimento do conceito de antropologias do mundo, já a antropóloga neozelandesa Anne Salmond indicava a existência de “certos desenvolvimentos interessantes” na Nova Zelândia/Aotearoa, onde se haviam forjado laços peculiares entre os etnógrafos de ascendência europeia e os seus interlocutores maoris, sem equivalente noutras tradições. Salmond reconhecia que eminentes pesquisadores amadores,30 30 Com destaque para Elsdon Best (1856-1931). nomeadamente de finais do século XIX e inícios do XX, não só falavam fluentemente o idioma local como estavam conscientes da profundidade filosófica da visão do mundo própria dos maoris. Apesar das suas dimensões coloniais, as obras em questão deveriam ser reconhecidas como ilustrativas de uma tradição antropológica idiossincrática que, na época, era merecedora de reconhecimento - e de envolvimento - por parte dos próprios maoris: “Uma forma de antropologia local emergia que, não obstante os seus muitos defeitos, apreendia o saber maori com muito respeito e implicava as pessoas indígenas não apenas como fontes de informação, mas como autores, figuras de autoridade e inclusive patronos” (Salmond, 1983SALMOND, A. The study of traditional Maori society: the state of the art. Journal of the Polynesian Society, [s. l.], n. 92, p. 309-332, 1983., p. 314).
Mais recentemente, num número especial da revista Oceania (Gardner; Kenny, 2016GARDNER, H.; KENNY, R. Before the field: colonial anthropology reassessed. Oceania, [s. l.], v. 86, n. 3, p. 218-224, 2016.), seis historiadores da antropologia sublinham a relevância das experiências etnográficas que ocorreram em contextos oceânicos antes da célebre expedição da Universidade de Cambridge ao estreito de Torres de 1898-1899, frequentemente identificada como um avanço em termos de profissionalização acadêmica do trabalho de campo etnográfico. Segundo esses autores, a importância do “Sul” na emergência da sensibilidade etnográfica está insuficientemente reconhecida nas narrativas historiográficas que sobrevalorizam o papel de figuras acadêmicas metropolitanas que viajavam do “Norte” para o “Sul”, como Alfred Cort Haddon ou Bronislaw Malinowski, em detrimento de etnógrafos locais, geralmente amadores, cujas vidas podiam estar mais imbricadas na realidade indígena. Em suma, Gardner e Kenny (2016GARDNER, H.; KENNY, R. Before the field: colonial anthropology reassessed. Oceania, [s. l.], v. 86, n. 3, p. 218-224, 2016., p. 220, 223) sugerem que a história da antropologia tem sido escrita “ao contrário” - “upside down” - seguindo um modelo hierárquico de centro e periferia. Esse tipo de reapreciação histórica poderá, por sua vez, soar estranho para os leitores não anglófonos que consideram que as tradições antropológicas da Austrália e da Nova Zelândia, pela sua proximidade política, cultural, econômica e linguística em relação ao Reino Unido, estão longe de ser periféricas e não fazem parte do “Sul”, mas sim do “Norte” anglo-saxônico. Os argumentos e contra-argumentos complicam-se em consonância com o ponto de vista.
Complicam-se também em função das experiências humanas realmente vividas em cada contexto em diferentes tempos, tendo em conta que muitos historiadores da antropologia estão atentos não apenas aos diálogos ocorridos no passado, mas também aos diálogos contemporâneos entre, por um lado, os descendentes reais ou identitários das populações outrora estudadas e, por outro, as peças do arquivo etnográfico.31 31 Jude Philp (2018, p. 67) demonstra num estudo recente, com base em análise de fontes de arquivo, em particular os diários de campo de Alfred C. Haddon e Charles Myers na ilha de Mer durante a expedição ao estreito de Torres, que os antropólogos e os ilhéus “faziam parte de um projeto partilhado”. Philp argumenta que a expedição teve um impacto inegavelmente positivo (e duradouro) a nível local, incluindo a recuperação de rituais reprimidos pelos missionários ou a produção local de manuscritos etnográficos por ilhéus como Pasi e Waria. É o que se pode concluir desta frase: “Estou a escrever isto para que aqueles que vierem depois saibam” (Waria, cf. Philp, 2018, p. 84). Outros autores sublinham esta dimensão da expedição de Cambridge (Herle; Rouse, 1998). Para Gardner e Kenny (2016GARDNER, H.; KENNY, R. Before the field: colonial anthropology reassessed. Oceania, [s. l.], v. 86, n. 3, p. 218-224, 2016., p. 222): “A inumação dos etnógrafos coloniais por debaixo da prática das ‘grandes figuras’ da metrópole significa que os peritos indígenas que colaboraram com os primeiros têm estado ainda mais enterrados, necessitando de uma arqueologia específica.” Ao invés de equipararem etnografia e colonialismo, os autores resistem a esse “discurso totalizante” que, segundo eles, redunda em “tentativas de apagamento da iniciativa e da presença aborígenes” (Gardner; Kenny, 2016GARDNER, H.; KENNY, R. Before the field: colonial anthropology reassessed. Oceania, [s. l.], v. 86, n. 3, p. 218-224, 2016., p. 222); e acrescentam, de forma potencialmente transponível para a historiografia de outras tradições antropológicas e etnográficas:
A prova de que esses registros e textos coloniais estão saturados de conhecimentos indígenas pode ser encontrada no seu uso continuado pelas populações aborígenes contemporâneas, por antropólogos, linguistas, advogados nativos e historiadores que reconhecem o profundo emaranhamento dos povos aborígenes com aqueles que escreveram sobre eles e o valor desses documentos para a língua, cultura e identificação de fronteiras. (Gardner; Kenny, 2016GARDNER, H.; KENNY, R. Before the field: colonial anthropology reassessed. Oceania, [s. l.], v. 86, n. 3, p. 218-224, 2016., p. 222).
Enquanto paradigma, escrevem Restrepo e Escobar (2005RESTREPO, E.; ESCOBAR, A. Other anthropologies and anthropology otherwise: steps to a world anthropologies framework. Critique of Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 2, p. 99-129, 2005., p. 103), “as antropologias do mundo envolvem uma consciência crítica tanto do campo epistêmico e político em que a antropologia emergiu e continua a funcionar como das micropráticas e relações de poder em diferentes locais, e tanto no interior como entre diferentes tradições antropológicas”. Embora concordando com esse princípio, entendemos que as assimetrias na história da antropologia não são absolutas nem estáticas, mas algo passível de múltiplas reinterpretações, potencialmente reveladoras de protagonistas e protagonismos que aguardam o seu momento de (re)descoberta. Nesse sentido, as palavras de Restrepo e Escobar encontram eco, afinal de contas, nas próprias metodologias da historiografia da antropologia que permitem explorar, com minúcia “etnográfica”, relações concretas, práticas locais e palavras proferidas e escritas. É o que fazem os contribuidores do presente número, como será exposto na seção seguinte.
Explorando o arquivo: dez estudos de caso
A nossa proposta situa-se no campo subdisciplinar da história da antropologia, mas convida à interdisciplinaridade entre a antropologia e a história, a história da ciência e a antropologia histórica, promovendo diálogos através da releitura de arquivos etnográficos e antropológicos de diferentes locais, tempos e dimensões. Embora atentos à crítica pós-colonial das tentativas de levantamento e análise da variabilidade humana, estamos mais interessados em situar essas contribuições na complexidade dos respectivos contextos para resgatar o seu lugar nas dinâmicas históricas da antropologia. O presente volume reúne dez estudos de caso focalizados em tradições antropológicas - como sejam as lusófonas e ibero-americanas - periféricas, exteriores ou descentradas relativamente às ditas “grandes tradições”. Trata-se de uma reflexão comparativa em torno dos antecedentes históricos, pelo menos nos séculos XIX e XX, do paradigma das world anthropologies e da disseminação da práxis antropológica. Procurou-se explorar as relações entre atores, produções e instituições locais e internacionais e suscitar novas questões sobre os significados e a vastidão do arquivo num sentido plural e global. Ainda que o lugar para o pluralismo pareça utópico no espaço internacional (L’Estoile, 2008L’ESTOILE, B. de. Hegemonic gravity and pluralistic utopia: a comparative approach to internationalization in anthropology. Journal of the World Anthropologies Network, [s. l.], n. 3, p. 109-126, 2008.), é necessário investir em iniciativas que apostem em promover não standards, mas esforços de tradução que possam suscitar mais diálogos. Foi o que procuramos fazer neste número.
Em “A opção de Mariza Corrêa pelo etnógrafo oitocentista”, Israel Ozanam propõe uma releitura de um clássico da historiografia da antropologia brasileira, esmiuçando a tensão gerada pela proximidade e distanciamento da autora em relação a Nina Rodrigues enquanto “pioneiro” do estudo da diferença e do conflito racial. Relacionando a história disciplinar e da sociedade brasileira, o artigo propõe uma narrativa capaz de repensar em termos étnicos e raciais as separações entre o próprio “observador” e os “observados”.
Em “O tio haitiano da antropologia contemporânea: teoria, história e poder em Jean Price-Mars”, João Felipe Gonçalves nos apresenta a trajetória de uma figura cuja importância transcende os estudos do Caribe e das religiões da diáspora africana (o vodu, no caso). A reivindicação do “Tio” como um teorizador, muitas décadas antes dos seus colegas euro-americanos, da relação entre cultura, história e poder é central no combate ao colonialismo da geopolítica acadêmica.
Em “Roger Bastide - entre tempos, espaços, tradições”, Fernanda Arêas Peixoto se ocupa do trânsito intelectual de Roger Bastide entre a França e o Brasil. Ao descrevê-lo como um “homem-ponte” que articula diferentes tempos, contextos e disciplinas, a autora faz implodir certas dualidades e nos revela como “uma perspectiva de análise é construída com auxílio de um jogo especular que desloca permanentemente o observador: o francês olha a África no (e desde o) Brasil e, inversamente, o Brasil na (e da) África”.
No artigo de João Leal, “Octávio Eduardo, René Ribeiro e Melville Herskovits. Religiões afro-brasileiras, aculturação e sincretismo”, a obra dos dois eminentes pesquisadores brasileiros das religiões de matriz africana no Nordeste é analisada a partir do prisma do conceito de cultura propagado nos anos 1940 e 1950 e das reflexões sobre o sincretismo. O autor demonstra como esse debate foi projetado pelo orientador de ambos nos Estados Unidos, mas subvertido por Eduardo e Ribeiro, que acrescentaram reflexões próprias ao arcabouço teórico de Herskovits.
Os entraves locais à circulação internacional de ideias é o objeto de Nicolás Viotti no artigo “Claude Lévi-Strauss en los mares del sur. Algunos desencuentros entre estructuralismo y antropología en Argentina”. O autor explora o contexto argentino dos anos 1950 a 1970 para explicar como Lévi-Strauss e a proposta estruturalista foram rechaçados por posturas políticas, epistêmicas e institucionais que privilegiavam outra maneira - marcada por “ideales de homogeneidad-continuidad por sobre los de la diversidad-diferencia” - de conceber a pesquisa antropológica.
Em “(Re)aproximando-se e afastando-se da Alemanha: Curt Nimuendajú como parte de redes transnacionais de antropólogos”, Peter Schröder explora a documentação e correspondência do célebre etnólogo alemão com redes de antropólogos do seu país natal e norte-americanos, revelando como se construíam e se desfaziam essas relações, bem como os impactos que a mudança de eixo da Alemanha para os Estados Unidos tiveram para as relações travadas no Brasil por Nimuendajú.
A relação entre política e ciência é o foco do artigo de Sílvio Marcus de Souza Correa, “A mediação seletiva de Herbert Baldus entre etnologia alemã e antropologia brasileira”, dedicado à trajetória do alemão Herbert Baldus, que foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia. O artigo investiga a política de traduções e citações em meados do século XX, envolvendo alemães associados ao nazismo ou em posições tensas com o Terceiro Reich. Democrata e liberal antirracista, Baldus facilitou a tradução de autores de posição contrária, o que abre caminho a uma análise dessa complexidade.
No artigo “Shōgorō Tsuboi e o início da antropologia japonesa”, somos levados por Silvia Reis aos inícios da antropologia no Japão entre 1884 e 1913. A partir da trajetória de Shōgorō Tsuboi, vemos como se formaram espaços institucionais e editoriais marcados pela preocupação em pesquisar as origens da cultura e da população japonesa. O artigo salienta ainda que esta antropologia pouco conhecida foi “incentivada, capturada e utilizada em prol da invasão e colonização de outras nações, e da contínua aculturação e assimilação das minorias étnicas dentro do arquipélago japonês”.
Nos deslocamos para a Europa, para compreendermos com Cristina Pompa, em “Ernesto De Martino e o percurso italiano da antropologia”, como o espaço anglófono e francófono “recuperou” ou “descobriu” algo que havia sido elaborado por um autor fundamental da tradição antropológica italiana - mas ainda pouco conhecido no mundo lusófono -, pioneiro de perspectivas como a centralidade das noções de hegemonia e subalternidade, a ênfase no corpo enquanto lugar do sujeito, a performatividade do ritual, ou a crítica à naturalização do conceito de “natureza”.
Por último, em “Anahuac o la producción social de la diferencia: un episodio en la configuración histórica de la antropología en México”, Alfredo Nava Sánchez questiona a forma como essa obra (1861) de Edward B. Tylor tem permanecido à margem da historiografia. O autor salienta “a estranheza” que a América Latina gera dentro das narrativas que privilegiam a emergência da disciplina no contexto colonial britânico; e questiona a forma como determinadas passagens de Anahuac, desconsideradas no México pelo seu racismo e classismo, permitem reconstituir as condições de emergência mesoamericana da produção antropológica evolucionista.
No final da leitura deste conjunto valioso de artigos podemos perguntar: todas as antropologias são antropologias do mundo? Existem antropologias do “Sul” anglo-saxônicas e antropologias do “Norte” latinas (por exemplo)? Se questões como essas não têm uma resposta unívoca e unânime, ninguém disputa o fato de todas as tradições antropológicas ditas nacionais estarem entrelaçadas historicamente. Essa é uma das razões pelas quais esse paradigma não é isento de polêmica. Por um lado, dificilmente se contestará a boa intenção de dar visibilidade, espaço e voz a tradições antropológicas que durante muito tempo permaneceram ignoradas ou marginalizadas comparativamente ao protagonismo desmesurado das major traditions. Por outro lado, subsistem riscos subjacentes à utilização do conceito de antropologias do mundo, nomeadamente o da presunção de diferenças epistêmicas mais significativas do que serão na realidade, acentuando excessiva ou imaginariamente a idiossincrasia das antropologias não ocidentais ou de países ocidentais ditos periféricos, num processo de diferenciação que pode conduzir, inclusive, a uma subalternização dessas mesmas antropologias. Um exemplo, ainda que involuntário, desses riscos é a criação da seção “World Anthropologies” na revista American Anthropologist, como se os antropólogos de países não anglófonos, a exemplo dos filmes de língua estrangeira em praticamente toda a história da cerimônia de entrega dos óscares (até 2011),32 32 Ano em que o filme francês L’artiste ganhou o óscar de melhor filme, não tendo passado despercebido, a esse propósito, o fato de se tratar de um filme mudo. Em 2019, em plena “Era Trump” e em claro desafio ao sistema simbolizado pelo famigerado Presidente dos Estados Unidos, o filme sul-coreano 기생충 (Parasita) ganhou o galardão de melhor filme do ano. não pudessem competir nas categorias principais. Num recente número da referida revista, a antropóloga Beng-Lan Goh (2019GOH, B.-L. The question of cultural incommensurability: an intercultural interpretation arising out of Southeast Asia. American Anthropologist, [s. l.], v. 121, n. 2, p. 498-505, 2019., p. 498), da Universidade da Indonésia, contribuiu para a seção em causa com reflexões sobre esse dilema:
Por um lado, a existência de um quadro universalista de referência subjacente a práticas plurais pode contribuir para a coerência disciplinar, mas se corre o risco de reafirmar a predeterminação europeia ocidental e euro-americana. Por outro lado, a insistência na incomensurabilidade e na pluralidade, podendo embora levar a inovações conceptuais, comporta riscos de deriva para o relativismo radical e de bloqueio de toda a tradutibilidade.
Ribeiro e Escobar (2006RIBEIRO, G. L.; ESCOBAR, A. (ed.). World anthropologies: disciplinary transformations within systems of power. Oxford: Berg, 2006., p. 19-20) alertam contra a essencialização das antropologias do mundo e salientam, em termos positivos, a sintonia teórica “foucaultiana”, a par do distanciamento em relação a abordagens culturalistas ou neoculturalistas. O enfoque nas questões de hegemonia permite, segundo Restrepo e Escobar, desconstruir as práticas e os discursos acadêmicos que “naturalizaram” a antropologia - ou seja, as tradições hegemônicas - e seus regimes epistêmicos, incluindo a “naturalização” de conceitos, como a noção de “cultura”, especialmente associada à tradição estadunidense. É caso para perguntarmos se essa desconstrução não está um pouco desfasada no tempo, considerando que o “power shift”, como chamado por Sherry Ortner (2006)ORTNER, S. B. Anthropology and social theory: culture, power and the acting subject. Durham: Duke University Press, 2006., remonta pelo menos aos anos 1970. Retomando o dilema de Goh, não estaremos perante uma outra forma de “naturalização”, a do próprio conceito de poder dentro de um quadro de referência alegadamente universalista, mas historicamente indissociável da teoria social contemporânea desenvolvida, em grande medida, nas academias do “Norte”? Jean Copans (2009COPANS, J. La troisième mondialisation de l’anthropologie: une anthropologie sans frontières historiques, politiques, culturelles ou scientifiques? Réinventer l’anthropologie, [s. l.], v. 17, n. 4, p. 67-85, 2009., p. 76; Quinlan, 2000QUINLAN, T. “Anthropologies of the South”: the practice of anthropology. Critique of Anthropology, [s. l.], v. 20, n. 2, p. 125-136, 2000.) vai longe nessa direção, ao sugerir que a diferença das outras antropologias é muitas vezes retórica, um “soi-disant relativisme”. Outras vozes têm sugerido ser preferível que as histórias das antropologias não ocidentais sejam “libertadas de etiquetas distanciadoras como a de antropologias ‘do mundo’, uma etiqueta que não pode deixar de decepcionar à medida que descobrimos a proximidade entre os intelectuais da ‘periferia’ e do ‘centro’ e vice-versa, inclusive a aprendizagem, bem como a dependência dos intelectuais do centro em relação aos ‘assistentes’ nativos da pesquisa” (Singh; Guyer, 2016SINGH, B.; GUYER, J. I. A joyful history of anthropology. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 6, n. 2, p. 197-211, 2016., p. 205).33 33 A questão também é colocada em relação a outros conceitos ou “etiquetas”, como epistemologias do Sul (cujo principal proponente é Boaventura de Sousa Santos, 2014), Southern theory (Connell, 2007), ou ainda antropologias nativas (Jones, 1988) e antropologias indígenas (Gefou-Madianou, 1993).
Um exemplo expressivo dessa proximidade surge num artigo da referida seção “World Anthropologies” em que Leticia Cesarino (2017)CESARINO, L. Anthropology and the South-South encounter: on “culture” in Brazil-Africa Relations. American Anthropologist, [s. l.], v. 119, n. 2, p. 333-358, 2017. retoma a já conhecida crítica da prevalência histórica do conceito de cultura na tradição antropológica brasileira, em particular no domínio dos estudos afro-brasileiros - e sob influência inequívoca do culturalismo estadunidense. Na direção de vários autores que se têm debruçado sobre a questão, Cesarino considera que essa forma de orientalismo interno ao serviço da construção da nação, nomeadamente a partir dos anos 1930, é sobretudo revelador de assimetrias existentes no Brasil, tendo impedido durante muito tempo a leitura antropológica dos temas afro-brasileiros em termos de discriminação racial. Além disso, afetou e continua a afetar as relações “Sul-Sul” do ponto de vista da cooperação (Cesarino, 2012CESARINO, L. Brazilian postcoloniality and South-South cooperation: a view from anthropology. Portuguese Cultural Studies, [s. l.], n. 4, p. 85-113, 2012., 2017CESARINO, L. Anthropology and the South-South encounter: on “culture” in Brazil-Africa Relations. American Anthropologist, [s. l.], v. 119, n. 2, p. 333-358, 2017.), nomeadamente pelo enfoque culturalista como ainda são abordados os contextos africanos historicamente relacionados com o Brasil. Pode-se dizer que a moldura teórica do artigo está em sintonia com as referências anticulturalistas dominantes no “Norte” há várias décadas, o que relativiza a sua idiossincrasia. Por outro lado, o estudo de Cesarino não deixa de ser representativo de uma antropologia do mundo na medida em que a crítica do culturalismo se inscreve numa linhagem disciplinar que desenvolveu raízes no Brasil, ainda que em diálogo com o “Norte”, nomeadamente com autores dos Estados Unidos. A problemática da americanização (e anglicização) antropológica da América Latina (Cardoso de Oliveira, 1999CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Peripheral anthropologies “versus” central anthropologies. Journal of Latin American Anthropology, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 10-30, 1999.) não se limita a respostas simples. Podemos dizer o mesmo em relação ao apogeu da antropologia freyriana no Brasil, passível de leituras heteroglóssicas, contrastadas, que evidenciam o seu hibridismo intelectual sob diversos pontos de vista.
Um outro risco associado ao novo paradigma consiste em depender dos órgãos das grandes tradições para serem consideradas antropologias do mundo e para serem validadas. Quão irônico é falar delas através da American Anthropologist, uma das mais poderosas publicações na área da antropologia em escala global, cujos artigos são, para muitos leitores interessados, inacessíveis, por serem de acesso online condicionado a assinaturas ou pagos a preços elevados.
O presente número procura contornar esses múltiplos riscos assumindo um duplo princípio: não é possível estudar as tradições antropológicas do “Sul” ignorando as do “Norte”, uma vez que são numerosos e profundos os vasos comunicantes entre umas e outras, sendo que o inverso também é (ou deveria ser) verdade, isto é, não faz sentido continuar a produzir narrativas historiográficas sobre as tradições hegemônicas sem levar em conta as periféricas. Eis o que procuramos também evocar, simbolicamente, na capa deste número, que reproduz um quadro da autoria de Adam Adach, artista visual franco-polonês cuja obra combina memórias pessoais e histórias coletivas dos séculos XX e XXI, nas suas dimensões políticas e poéticas. Nessa pintura a óleo, intitulada Quitter le continent (Deixar o continente, 2010-2021), Adach recorre à paisagem de uma fortaleza seiscentista da ilha atlântica da Berlenga, com seus atalhos e caminhos envolventes, seus seres humanos e outros, num universo simultaneamente descentrado e conectado, complexo e plural. Associado ao presente volume, esse pluriverso artístico serve de metáfora das trajetórias históricas das antropologias do mundo e no mundo. Embora seja fundamental averiguar de que cosmopolitismo estamos falando (Glick-Schiller; Irving, 2015GLICK-SCHILLER, N.; IRVING, A. (ed.). Whose cosmopolitanism?: critical perspectives, relationalities, and discontents. New York: Berghahn Books, 2015.), explorar esses trânsitos e diálogos mais ou menos cosmopolitas ou “provincianos” permite tornar visíveis as “genealogias invisíveis” (Darnell, 2001DARNELL, R. Invisible genealogies: a history of Americanist anthropology. Lincoln: University of Nebraska Press, 2001.) que ligam as antropologias do mundo de hoje às do passado. Em outras palavras, esse exercício permite escrever, ainda que parceladamente, uma entre muitas histórias possíveis das antropologias do mundo.
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1
Este trabalho foi apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., Norma Transitória - DL57/2016/CP1441/CT0001.
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2
Para um histórico de outros encontros científicos influentes no movimento, ver Ribeiro (2005RIBEIRO, G. L. World anthropologies: cosmopolitics for a new global scenario in anthropology. Brasília: Universidade de Brasília, 2005. (Série Antropologia, 377)., p. 1). Essas redes viriam a permitir organizar congressos e criar associações como o World Council of Anthropological Associations.
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3
Todas as traduções de citações são nossas, salvo indicação contrária.
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4
E designadamente da World Anthropologies Network (WAN): http://www.ram-wan.net/en_US/.
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5
A terminologia adequada para exprimir referências dicotômicas incontornáveis, embora relativas, como centro/periferia, hegemonia/subalternidade, Norte/Sul, etc., continua em debate (Restrepo; Escobar, 2005RESTREPO, E.; ESCOBAR, A. Other anthropologies and anthropology otherwise: steps to a world anthropologies framework. Critique of Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 2, p. 99-129, 2005., p. 121).
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6
A expressão “anglo-french core” é frequente.
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Ainda que essa riqueza possa estar associada à precarização da mão de obra.
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8
O termo heteroglossia provém da linguística. Exprimindo as variações no interior da mesma língua, em particular as determinadas socialmente, é a tradução neogrega do termo introduzido em russo, nos anos 1930, por Mikhail Bakhtin.
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9
Um exemplo é a obra de Barth et al. (2005)BARTH, F. et al. One discipline, four ways: British, German, French, and American Anthropology. The Halle Lectures, with a Foreword by Chris Hann. Chicago: The University of Chicago Press, 2005., cujo título reduz a antropologia às quatro tradições hegemônicas. Contudo, no capítulo dedicado à antropologia alemã e austríaca, Gingrich põe em causa a ideia de se tratar de uma tradição hegemônica. Devido a duas guerras mundiais, a antropologia em língua alemã já não faz parte do cânone e Gingrich (2005GINGRICH, A. The German-speaking countries: ruptures, schools, and nontraditions: reassessing the history of sociocultural anthropology in Germany. In: BARTH, F. et al. One discipline, four ways: British, German, French, and American Anthropology. The Halle Lectures, with a Foreword by Chris Hann. Chicago: The University of Chicago Press, 2005. p. 59-153., p. 103) refere-se a ela como uma “não tradição de boa antropologia” que foi “esquecida, reprimida, e só relembrada após tremendos lapsos temporais”.
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Krotz situa as origens da antropologia em finais do século XIX, mas diversos estudos revelam que essa cronologia peca por defeito, já que houve importantes manifestações tanto na primeira metade do século XIX (por exemplo, Sera-Shriar, 2013SERA-SHRIAR, E. The making of British anthropology, 1813-1871. Brookfield: Pickering & Chatto, 2013., para o caso britânico) como no século XVIII, quer no plano teórico, quer no plano das práticas e conceitos de observação e descrição etnográfica. Ver, em particular, Vermeulen (2015)VERMEULEN, H. F. Before Boas: the genesis of ethnography and ethnology in the German Enlightenment. Lincoln: University of Nebraska Press, 2015., para a importância das expedições germano-russas à Sibéria e subsequentes desenvolvimentos.
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11
Uma das primeiras investidas para averiguar a relação entre teoria antropológica (sobretudo da antropologia social na tradição britânica) e circunstâncias regionais particulares que influenciaram tradições locais de escrita etnográfica (sobre contextos tão distintos como a Austrália aborígine, a África subsaariana, a Melanésia ou a Ásia) encontra-se no livro clássico editado por Richard Fardon (1990)FARDON, R. Localizing strategies: regional traditions of ethnographic writing. Edinburgh: Scottish Academic Press; Washington: Smithsonian Institution Press, 1990..
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O mesmo se aplica às perspectivas francocêntricas.
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Em particular o seu “rival” no contexto arunta/arrernte, Carl Strehlow, autor da monografia em sete volumes, Die Aranda- und Loritja-Stämme in Zentral-Australien (Strehlow, 1907-1920STREHLOW, C. Die Aranda- und Loritja-Stämme in Zentral-Australien. Frankfurt am Main: Joseph Baer & Co, 1907-1920. 7 v.).
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14
Esse problema se adensa com a possibilidade da anglicização da própria antropologia, um aspecto analisado em Wulf (2016)WULF, H. (ed.). The anthropologist as writer: genres and contexts in the twenty-first century. New York: Berghahn Books, 2016..
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15
Ver também Peña (1987)PEÑA, G. de la. Orden social y educación en México: la pervivencia de un legado colonial. In: GLANTZ, S. (ed.). La heterodoxia recuperada: en torno a Ángel Palerm. México: Fondo de Cultura Económica, 1987. p. 285-320..
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16
Ver também Ribeiro (2005RIBEIRO, G. L. World anthropologies: cosmopolitics for a new global scenario in anthropology. Brasília: Universidade de Brasília, 2005. (Série Antropologia, 377)., p. 3).
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O critério seguido foi o da afiliação institucional; no caso de investigadores independentes foi contemplada a nacionalidade.
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À diversidade de tradições, deveria acrescentar-se a diversidade interna e a própria dispersão temática associada a alguns contextos, por exemplo no caso do Chile (Palestini; Ramos; Canales, 2010PALESTINI, S.; RAMOS, C.; CANALES, A. La producción de conocimiento antropológico social en Chile: postransición: discontinuidades del pasado y debilidades presentes. Estudios Atacameños, [s. l.], n. 39, p. 101-120, 2010.).
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Tradução de Santos Junior.
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Em 2005 o subtítulo foi alterado para Revue d’anthropologie et d’histoire des arts, diminuindo o número de artigos dedicados à história da antropologia.
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21
Ou Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l’anthropologie, www.berose.fr. A enciclopédia publica artigos em seis línguas: francês, inglês, português, espanhol, italiano e alemão.
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BEROSE tem uma equipe permanente composta por mais de 50 pesquisadores de várias nacionalidades, complementada por uma extensa rede de autores.
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Do conjunto, destacamos a obra em seis volumes, Etnografowie i ludoznawcy polscy: Sylwetki, szkice biograficzne (Etnógrafos poloneses: personalidades e esboços biográficos), organizada por Katarzyna Ceklarz e Jan Święch (2020)CEKLARZ, K.; ŚWIĘCH, J. (red.). Etnografowie i ludoznawcy polscy: sylwetki, szkice biograficzne: tom VI. Kraków: Polskie Towarzystwo Ludoznawcze, 2020.. Cf. Wróblewski (2021WRÓBLEWSKI, F. Polish anthropology. HOAN Newsletter, [s. l.], n. 19, p. 14-23, Apr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://easaonline.org/downloads/networks/hoan/HOAN_Newsletter_19.pdf . Acesso em: 30 nov. 2021.
https://easaonline.org/downloads/network... , p. 16). -
24
A questão também se coloca em relação ao desconhecimento da história da antropologia russa. Tomemos o caso de Waldemar (ou Vladimir) Bogoraz. Figura relativamente conhecida enquanto colaborador de Franz Boas durante a Jesup North Pacific Expedition de 1897-1902, Bogoraz publicou extensamente em russo. É considerado “um dos pais fundadores da etnografia siberiana russa, e mais tarde soviética”, e a sua monografia sobre os chukchee, publicada em Leningrado em 1939 (Bogoraz, 1939BOGORAZ, V. G. [TAN]. Chukchi. Leningrad: Izdatel'stvo Instituta narodov Severa TSIK SSSR: Izdatel'stvo Glavsevmorputi, 1939. [Богораз-Тан, В. Г. Чукчи. Ленинград: Издательство Института народов Севера ЦИК СССР: Издательство Главсевморпути, 1939.]), “logo se tornou um clássico etnográfico do século XX e de leitura obrigatória para muitos estudantes de antropologia [na Rússia]” (Krupnik, 2017KRUPNIK, I. Waldemar Bogoras and the Chukchee: a maestro and a classical ethnography. In: BOGORAS, W. The Chukchee. Edited by Michael Dürr and Erich Kasten. Fürstenberg an der Havel: Kulturstiftung Sibirien, 2017. p. 9-45., p. 9). Krupnik (2017KRUPNIK, I. Waldemar Bogoras and the Chukchee: a maestro and a classical ethnography. In: BOGORAS, W. The Chukchee. Edited by Michael Dürr and Erich Kasten. Fürstenberg an der Havel: Kulturstiftung Sibirien, 2017. p. 9-45., p. 9) aborda a questão da relativa fama e esquecimento da monografia de Bogoraz, dependendo do ângulo de visão: “Apesar da sua aclamação universal entre os especialistas siberianos russos e os leitores indígenas, a obra-prima de Bogoraz nunca foi minuciosamente examinada tendo em mente um público anglófono.”
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25
É de referir a divulgação ocasional de novidades editoriais não anglófonas na plataforma de referência History of Anthropology Review, https://histanthro.org/.
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26
Para o caso espanhol, veja-se por exemplo Narotzky (2010)NAROTZKY, S. Las antropologías hegemónicas y las antropologías del Sur: el caso de España. Revista Andaluza de Antropología, [s. l.], n. 1, p. 26-40, 2010..
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27
Existem casos anteriores na América do Norte (Bieder, 1986BIEDER, R. E. Science encounters the Indian, 1820-1880: the early years of American ethnology. Norman: University of Oklahoma Press, 1986., p. 30, 206).
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28
Ativista proeminente, Parker seria o primeiro nativo norte-americano a ocupar o cargo de comissário dos Assuntos Indígenas (1869-1871), sob o mandato do presidente Ulisses S. Grant, a quem tinha servido como adjunto e secretário durante a Guerra Civil.
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29
Ver também Michaelsen (1996)MICHAELSEN, S. Ely S. Parker and Amerindian voices in ethnography. American Literary History, [s. l.], v. 8, n. 4, p. 615-638, 1996..
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Com destaque para Elsdon Best (1856-1931).
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Jude Philp (2018PHILP, J. Receiving guests: the Cambridge anthropological expedition to Torres Straits 1898. In: THOMAS, M.; HARRIS, A. (ed.). Expeditionary anthropology: teamwork, travel and the “Science of Man”. New York: Berghahn Books, 2018. p. 64-94., p. 67) demonstra num estudo recente, com base em análise de fontes de arquivo, em particular os diários de campo de Alfred C. Haddon e Charles Myers na ilha de Mer durante a expedição ao estreito de Torres, que os antropólogos e os ilhéus “faziam parte de um projeto partilhado”. Philp argumenta que a expedição teve um impacto inegavelmente positivo (e duradouro) a nível local, incluindo a recuperação de rituais reprimidos pelos missionários ou a produção local de manuscritos etnográficos por ilhéus como Pasi e Waria. É o que se pode concluir desta frase: “Estou a escrever isto para que aqueles que vierem depois saibam” (Waria, cf. Philp, 2018PHILP, J. Receiving guests: the Cambridge anthropological expedition to Torres Straits 1898. In: THOMAS, M.; HARRIS, A. (ed.). Expeditionary anthropology: teamwork, travel and the “Science of Man”. New York: Berghahn Books, 2018. p. 64-94., p. 84). Outros autores sublinham esta dimensão da expedição de Cambridge (Herle; Rouse, 1998HERLE, A.; ROUSE, S. (ed.). Cambridge and the Torres Strait: centenary essays on the 1898 anthropological expedition. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.).
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32
Ano em que o filme francês L’artiste ganhou o óscar de melhor filme, não tendo passado despercebido, a esse propósito, o fato de se tratar de um filme mudo. Em 2019, em plena “Era Trump” e em claro desafio ao sistema simbolizado pelo famigerado Presidente dos Estados Unidos, o filme sul-coreano 기생충 (Parasita) ganhou o galardão de melhor filme do ano.
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33
A questão também é colocada em relação a outros conceitos ou “etiquetas”, como epistemologias do Sul (cujo principal proponente é Boaventura de Sousa Santos, 2014SANTOS, B. de S. (ed.). Epistemologies of the South: justice against epistemicide. New York: Routledge, 2014.), Southern theory (Connell, 2007CONNELL, R. Southern theory: the global dynamics of knowledge in social science. Cambridge: Polity Press, 2007.), ou ainda antropologias nativas (Jones, 1988JONES, D. Towards a Native anthropology. In: COLE, J. (ed.). Anthropology for the nineties. London: Free Press, 1988. p. 30-41.) e antropologias indígenas (Gefou-Madianou, 1993GEFOU-MADIANOU, D. Mirroring ourselves through western texts: the limits of an Indigenous anthropology. In: DRIESSEN, H. (ed.). The politics of ethnographic reading and writing: confrontations of western and Indigenous views. Saarbrücken: Verlag Breitenbach, 1993. p. 160-181.).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Mar 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022