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CARTAS

Sr. editor:

Parabéns à editoria pela escolha do texto extraído da brilhante obra Patenting Life Foundation of the Brazil-United States Controversy, de autoria da dra. Marília Bernardes (Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, 1993), que serviu de introdução à seção 'Debate' da revista História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol. I (2), pp. 101-16, nov. 1994 - fev. 1995.

Considero bastante preocupantes as opiniões do prof. dr. Daniel Goldstein a respeito das questões relacionadas à moderna biotecnologia.

A visão do prof. Goldstein, de que "vivemos e trabalhamos no mundo periférico e no subdesenvolvimento ativo", não condiz a um país com as potencialidades do Brasil, em particular com relação à biotecnologia. Temos uma razoável massa crítica de pesquisadores e centros de pesquisa que, na verdade, necessitam maior apoio institucional, tanto por parte do governo quanto da iniciativa privada; e ainda possuímos um potencial de recursos genéticos reconhecidamente superior aos demais países do planeta.

Mais do que preocupante é a sua opinião relacionada à biossegurança, pois, em alguns momentos, demonstra desconhecimento do assunto, enquanto que, em outros, segue a linha dos que pretendem transformar os países da América Latina em verdadeiros 'paraísos genéticos'. O mais grave é que o próprio prof. Goldstein afirma que já somos um grande campo de provas para os novos produtos e para as superadas tecnologias poluentes.

É muito estranho que o prof. Goldstein não cite em seu texto um dos mais graves acidentes com teste de produtos transgênicos já descritos na literatura internacional, apesar do enorme esforço no sentido de se abafar tal pesquisa clandestina. O melhor retrato da situação dos países em desenvolvimento em relação ao panorama da biossegurança é o que ficou estampado no relato do cientista argentino prof. José de La Torre, em 1988, na Primeira Conferência sobre Exposição Ambiental aos Organismos Geneticamente Modificados. A comunicação descrevia como as autoridades sanitárias argentinas reagiram, em setembro de 1986, a um experimento de campo que envolvia animais, com a finalidade de testar uma vacina contra a raiva produzida por tecnologia do ADN-recombinante. O experimento havia sido planejado pelo Wistar Institute da Filadélfia (EUA) e pela organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e foi realizado na localidade de Azul, próximo a Buenos Aires, onde a OPAS possui um centro de pesquisas, sem o conhecimento das autoridades argentinas, isto é, a vacina entrou no país por mala diplomática. Investigações posteriores demonstraram que o vírus recombinante passou dos animais vacinados para outros não vacinados, inclusive para tratadores envolvidos com o manejo dos animais, e que tiveram sérios problemas neurológicos. O caso foi minimizado, principalmente porque envolvia um organismo internacional de grande prestígio.

O Wistar Institute solicitou a realização de um teste de campo com a mesma vacina no estado da Pensilvânia, o que foi negado pelo National Biotechnology Policy Center.

Os riscos das biotecnologias de terceira geração (terminologia usada pela revista) são reconhecidos nacional e internacionalmente (ver A. Sant'Ana, 1992, Biossegurança: uma experiência internacional e uma abordagem para o Brasil; Salles Filho et alii, 1993, O processo de regulamentação da biotecnologia: implicações para as inovações na agricultura e na produção agroalimentar). A opinião simplista do prof. Goldstein deve ser analisada com cuidado, para que possamos realmente entender a que interesses ela atende.

Vale ressaltar que as opiniões da dra. Glaci T. Zancan sobre biossegurança são bastante precisas e pertinentes. Sugiro à dra. Glaci que escreva um artigo sobre o tema em questão, a fim de aprofundar suas idéias.

Silvio Vallle

Coord. do Curso de Biossegurança ENSP/FIOCRUZ

Pesquisador da Escola Politécnica de Saúde

VALLE@DCC001.CICT.FIOCRUZ.BR

Caro editor:

Está de parabéns História, Ciências, Saúde — Manguinhos pela matéria 'Biotecnologias de Terceira Geração', seção 'Debate', vol. 1, nº 2, nov. 1994 - fev. 1995, fundamental para o avanço das discussões sobre o tema em tela devido à sua atualidade e ao caráter polêmico.

Procuramos aqui oferecer nossa contribuição para a discussão, comentando alguns pontos do debate que consideramos relevantes.

1. O texto introdutório, retirado do livro Patenting Life: Foundations of the Brazil-United States Controversy, de Marília Bernardes Marques, é extremamente elucidativo. Porém, como o debate aborda questões como biossegurança, o acesso aos recursos genéticos e transferência de tecnologia, que extrapolam o conteúdo do texto supracitado, a discussão teria sido enriquecida com a incorporação de outras fontes bibliográficas.

2. A dra. Glaci Zancan argumenta que "a rapidez no avanço do conhecimento da área biológica vai tornar o sistema de patentes ultrapassado e será importante discutir urna nova forma de proteção de propriedade intelectual para a área".

É necessário esclarecer que o sistema de patentes das nações atualmente em vigência originou-se da Convenção de Paris (1883). Este sistema é capaz de incorporar avanços em inúmeras áreas do conhecimento humano, inclusive das biotecnologias. Dessa forma, não podemos admitir que avanços no conhecimento biológico acarretarão a superação do sistema de patentes.

Concordamos, porém, que é necessário discutir a necessidade de existência de instrumentos no campo da propriedade intelectual para as inovações biotecnológicas no Brasil, visto que o atual Código de Propriedade Industrial não prevê patentes em biotecnologia. Outro ponto a ser discutido é a possibilidade de proteção a variedades vegetais.

Quanto ao posicionamento da dra. Glaci em relação à biossegurança, consideramos suas observações totalmente pertinentes. Não podemos, de maneira alguma, tolerar que experiências com organismos geneticamente modificados sejam realizadas, em território brasileiro, sem as devidas precauções. Vale ressaltar que a lei de biossegurança nº 8.497 foi sancionada pelo presidente da República em 5 de janeiro de 1995, com alguns vetos que impedem a sua aplicação. Portanto, faz-se necessária uma nova lei para constituir a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO). A discussão em torno do novo projeto de lei está em andamento.

3. O dr. Antonio Paes de Carvalho não concorda com o patenteamento da nossa biodiversidade e sugere que o que existe na natureza, aqui e alhures, possa ser utilizado para a invenção de novos produtos e novas aplicações.

Contudo, não podemos permitir que, em nome de um progresso tecnológico, todos tenham acesso indiscriminado à nossa diversidade biológica. Devem-se estabelecer instrumentos que garantam um uso criterioso e seguro de nossos recursos genéticos, matérias-primas estratégicas e fundamentais para as biotecnologías de terceira geração, como definido na Convenção sobre Diversidade Biológica.

4. Lamentamos que o dr. Isaías Raw considere a lei de patentes como "um fato consumado". Esta é uma opinião sem respaldo na comunidade acadêmica, visto que ainda há muito o que se discutir em torno do tema.

Em tempo, o projeto de lei nº 115/93 (nº 824/91 na casa de origem) que altera o atual Código de Propriedade Industrial, encontra-se no Congresso Nacional e, portanto, sujeito ao debate democrático, e com total oportunidade para a sociedade influir na sua elaboração.

Considerar o debate sobre patentes, em especial as patentes em biotecnologia, uma discussão superada não procede, mesmo nos países desenvolvidos, como podemos constatar na recente decisão do Parlamento Europeu, que rejeitou o patenteamento de diversas formas de vida no âmbito da União Européia (Jornal do Brasil, 2/3/1995).

5. No que diz respeito às opiniões do dr. Daniel Goldstein sobre biossegurança, gostaríamos que fosse melhor esclarecido o que é "substantivo" e o que é "trivial". Na verdade, isto pode gerar precedentes perigosos na concepção de uma regulamentação, que deve ser capaz de fornecer elementos que garantam à sociedade um bom uso da engenharia genética, com procedimentos que ofereçam um controle do risco, seja ele pequeno ou grande. Além disso, não podemos admitir que não possamos ter um ambiente regulatório forte e seguro em função de questões como "debilidade científica e corrupção administrativa endêmica", presentes no que o dr. Goldstein chamou de "países periféricos em subdesenvolvimento ativo".

6. Acreditamos que o espaço editorial aberto para debater o tema biotecnologia é muito importante para a compreensão do assunto. Sugerimos uma continuidade da discussão, com um maior detalhamento das questões inter-relacionadas com as biotecnologias.

Atenciosamente,

Maria Celeste Emerick

Coordenadora de Gestão Tecnológica/FIOCRUZ

Claudia Inês Chamas

Pesq. da Coordenação de Gestão Tecnológica/FIOCRUZ

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1995
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