Hist Cienc Saude Manguinhos
História, Ciências, Saúde - Manguinhos
Hist. cienc.
saude-Manguinhos
0104-5970
1678-4758
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz
Since 1827 the Escola Médico-Cirúrgica of Porto published hundreds of inaugural
dissertations dedicated to a broad range of subjects of medical nature. Bearing
in mind the prevalence of the Lisbon school in the elaboration of its own
scientific knowledge in the field of tropical medicine, the contribution of the
Porto establishment may well be considered residual in comparative terms.
However, between 1875 and 1923, there are documentary sources that address
tropical diseases, particularly malaria. This work purports to show the
contributions made by the Escola Médico-Cirúrgica of Porto to a theme which
initially did not arouse specific interest of northern Portuguese physicians,
duly analyzing and defining the scientific output in the field of tropical
medicine.
Se o estudo da medicina tropical pelos portugueses remonta ao período dos descobrimentos,
foi sobretudo com a redefinição da medicina portuguesa, a par da organização e
reestruturação das escolas médicas e dos respetivos programas de ensino no século XIX,
que o estudo das patologias mais ou menos específicas das regiões quentes/tropicais se
destacou.
Dada a natureza geográfica do império colonial português, o que hoje enquadraríamos sob a
terminologia “medicina tropical” começou a desenvolver-se como disciplina organizada em
preceitos institucionais e científicos apenas no século XIX. A cidade de Lisboa assistiu
à institucionalização do ensino da medicina tropical. Em 1887, iniciou-se oficialmente
esse ensino na Escola Naval de Lisboa, e, quinze anos mais tarde, o curso foi
transferido para a Escola de Medicina Tropical. Como Isabel Amaral (2008) bem explicou, a emergência da medicina tropical
portuguesa fez-se em grande medida a partir dessa escola, a par do Hospital Colonial,
principalmente da primeira década do século XX em diante.
Concomitantemente, a criação de laboratórios bacteriológicos e de institutos de
investigação microbiológica, como o de Câmara Pestana em Lisboa, também impulsionou de
alguma forma os estudos nessa área. E se essa realidade é já bem conhecida para a
capital, na Escola Médico-Cirúrgica da cidade do Porto, único estabelecimento dedicado
desde 1827 à formação normalizada e institucionalmente enquadrada dos médicos-cirurgiões
na região nortenha do país, a temática manteve-se aparentemente marginal quando se
analisa o cômputo geral da sua produção científica. Tal não deixa de ser estranho, dado
o volume de tráfego de emigrantes e mercadorias de uma cidade com fortes ligações
marítimas ao restante do império colonial português localizado em latitudes propensas às
doenças tropicais, ponto de emigração e de retorno onde as questões do sanitarismo
faziam parte das preocupações coevas (Alves,
2005).
Que fontes nos permitem confirmar essa marginalidade e – por que não dizê-lo –
alheamento? Para a realidade portuense, a face mais visível do interesse manifesto pelas
doenças tropicais e questões que gravitam em seu redor pode encontrar-se nas
dissertações médicas (inaugurais, de concurso ou de doutoramento) elaboradas para a
obtenção de um grau profissional ou académico na Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
A Escola Médico-Cirúrgica do Porto e o ensino médico
As escolas médico-cirúrgicas do Porto e de Lisboa foram criadas no primeiro quartel
do século XIX com o objetivo de instituir o ensino regular da cirurgia, por forma a
assegurar a formação qualificada de cirurgiões de acordo com as necessidades do
país. O alvará de 25 de junho de 1825 marcou a data de nascimento da Régia Escola de
Cirurgia do Porto, no culminar de um processo iniciado pelo cirurgião-mor Teodoro
Ferreira de Aguiar (1769-1826). Aproveitando a sua influência junto de dom João VI
(1767-1826), Teodoro de Aguiar canalizou o valor de uma multa anual que havia sido
aplicada a contratadores de tabaco em ilegalidade para financiar o projeto de ambas
escolas.
No decurso de uma ampla reforma administrativa do ensino cirúrgico ocorrida em 1836,
a Régia Escola de Cirurgia é extinta dando origem à Escola Médico-Cirúrgica do
Porto. Inserida durante longos anos no Hospital de Santo António, a escola só passou
a dispor de um edifício próprio nas imediações do mesmo hospital em 1883-1884. Ao
longo do século XIX, o curso foi alvo de várias alterações curriculares, da mesma
maneira que a própria escola se foi estruturando e valorizando no decorrer de várias
prerrogativas administrativas. A mais significativa seria expressa na legislação de
1866, que elevava os alunos das escolas médicas a facultativos de pleno exercício,
ou seja, terminando com uma querela de emancipação profissional relativamente aos
licenciados em medicina pela Universidade de Coimbra. A partir desse momento os
diplomados pela escola portuense (tal como os da sua congénere de Lisboa) passavam a
dispor das mesmas garantias e direitos (Ricon
Ferraz, 2013).
Somente em 1911, e já no contexto de uma vasta reforma do ensino universitário, a
Escola Médico-Cirúrgica do Porto é elevada à categoria de Faculdade de Medicina pelo
decreto de 22 de fevereiro de 1911 (Pina,
2010).
As dissertações académicas da Escola Médico-Cirúrgica do Porto
As teses inaugurais eram trabalhos monográficos destinados a encerrar o ciclo
formativo que habilitava o profissional com o título de médico-cirurgião. Note-se
que esses ensaios eram exclusivos das escolas médico-cirúrgicas, uma vez que a
Faculdade de Medicina de Coimbra se regia por estatutos distintos, sendo o curso
denominado “licenciatura em medicina”.
Depois de aprovados em todas as disciplinas do curso médico-cirúrgico, os finalistas
do quinto ano submetiam-se ao denominado “ato grande”, prova pública que exigia a
entrega de uma “dissertação inaugural” sobre uma matéria de medicina ou cirurgia,
bem como seis proposições médicas e cirúrgicas (Regulamento..., 1840, p.20). Prova claramente mal-amada, ao folhear
essas dissertações podem-se ler as invariáveis e habituais palavras de desagrado e
até de revolta expressas nos preâmbulos, repudiando as disposições regulamentares
que forçavam os alunos a redigirem-nas. Por obrigação escolar ou mera simpatia por
determinado tema, os finalistas compunham, então, uma dissertação sobre assuntos
habitualmente decorrentes da sua atividade nas enfermarias do hospital onde
estagiavam, desculpando-se muitas vezes com a falta de tempo, habilidade literária
ou mesmo de “génio” para concluir ou aprofundar mais seu trabalho.
Na impossibilidade de recolher qualquer observação clínica durante este último ano de
tirocínio hospitalar, o meu trabalho não passa duma compilação imperfeita do que li
naqueles autores, e ainda num recente trabalho de E. Vigneron. Demais, à falta de
tempo, limitei-me a fazer este estudo de tuberculose renal unicamente sob o ponto de
vista da sua sintomatologia, diagnóstico e tratamento (Moura, 1893, p.29-30).
Como consequência, muitas delas possuíam uma qualidade medíocre, constituindo na
maior parte dos casos, no dizer de Ricardo Jorge, “uma farrapagem simplesmente
copiada ou comprada a mercado vergonhoso” (Lima,
1908, p.184).1 No
entanto, um número muito razoável desses trabalhos é formado por ensaios bem
organizados e fundamentados. Mais do que meras revisões bibliográficas, são
verdadeiros “estados da arte” cientificamente construídos sobre dados inéditos
recolhidos pelos finalistas, abordando inclusive assuntos inovadores ou temática
muito em voga. Isso sucedia particularmente quando uma determinada temática
espoletava o interesse da comunidade médica local, como é o caso de investigações
efetuadas nos domínios da climatoterapia, da bacteriologia ou da higiene
pública.
Com a elevação das escolas médico-cirúrgicas a faculdades de medicina em 1911, as
teses inaugurais passaram a designar-se teses de licenciatura, à semelhança do que
já sucedia em Coimbra. A titulação atribuída pelas universidades do Porto, Lisboa e
Coimbra passou a ter equivalência legal, sendo os cursos reconhecidos da mesma
forma. No entanto, o processo de avaliação dos alunos não sofreu grandes alterações,
permanecendo semelhante ao das velhas escolas: o “ato grande” foi renomeado “ato de
licenciatura”, cuja aprovação era indispensável para o acesso ao exercício
profissional, conferindo ao novo licenciado o título profissional de doutor de
medicina.2 Esse “ato de
licenciatura” consistia na apreciação pública da dissertação, mas sem discussão,
feita por parte de um júri composto pelos professores catedráticos e presidido pelo
diretor da faculdade. A diferença em relação às dissertações inaugurais residia na
exigência da originalidade do trabalho, devendo ser fundamentado com base na
observação, experimentação ou crítica pessoal, o que nos faz acreditar que o grau de
exigência seria à partida maior.
Num patamar diferente, encontramos as teses de doutoramento, trabalhos que à partida
se pautavam pela originalidade e qualidade do teor científico, destinados à obtenção
do grau académico de doutor em medicina. A dissertação versava sobre qualquer
assunto de ciências médicas, se bem que os candidatos eram habitualmente
influenciados por assuntos prementes da época em que se encontravam. Devemos também
ter em conta que a maior exigência científica, por um lado, e os custos inerentes à
candidatura e produção da tese, por outro, funcionavam como filtros limitadores. Ou
seja, apenas desenvolvia esse tipo de trabalhos quem efetivamente tivesse capacidade
intelectual e disponibilidade financeira para o levar por diante.
Existe ainda outra tipologia de teses que serviam para concorrer aos lugares de
docente das escolas médico-cirúrgicas: as dissertações de concurso. Em termos
comparativos são a tipologia que existe em menor número, desde logo, porque o número
de professores era reduzido e a sua renovação muito pouco frequente, sucedendo quase
sempre em casos de jubilação ou morte do regente de determinada disciplina. Uma das
características mais salientes dessas dissertações de concurso está no facto de
funcionarem em muitos casos como catalisadores do processo de investigação, na
medida em que os temas abordados serviam para impulsionar outros trabalhos, acabando
por se repercutirem na escolha dos temas versados por seus alunos nas dissertações
inaugurais.
Fontes históricas: potencialidades, problemas e perspetivas
Apesar das diferentes tipologias identificadas, o conjunto mais extenso é aquele
formado pelas já referidas teses inaugurais. Certamente passíveis de um olhar muito
crítico pelos avaliadores da época, fossem elas o fruto de um trabalho sério de
investigação ou o produto de uma aquisição ilegal, para os olhos do historiador
continuam a ser fontes ricas de potencialidades para a escrita da história da saúde
em Portugal, permanecendo em larga medida francamente desconhecidas e subutilizadas
(Costa, Vieira, 2011).
Por extrapolação dos “discursos” que contêm e cruzando-os com outras fontes, é
possível formular teorias e opiniões fundamentadas acerca das ideias e mentalidades
que enformavam o pensamento e os saberes médicos entre o segundo quartel do século
XIX e a primeira década do século XX. As potencialidades, no entanto, não terminam
aqui. Ao debruçarmo-nos sobre as teses inaugurais da Escola Médico-Cirúrgica do
Porto é ainda possível apreender o status quo em que se encontrava
o ensino sobre uma determinada patologia, o seu tratamento e os traços mais
marcantes do pensamento médico que a enformavam; ou ainda determinar o peso relativo
de determinada temática em determinado período cronológico (Costa, Vieira, dez. 2012).
Coincidindo com a ascensão e o apogeu do higienismo, a produção desses saberes ao
longo do período de vigência das escolas médico-cirúrgicas permite detetar discursos
e ideias dominantes, momentos de rutura ou continuidade, e ainda aquilatar o impacto
e permeabilidade do tecido médico a novas doutrinas e teorias.
Se bem que, em Portugal, o uso dessa tipologia de fontes parece ser relativamente
recente, noutras realidades é mais rotineiro e mais antigo. No caso francês, o
estudo das teses da Faculdade de Medicina de Paris serviu a G. Jacquemet como
barómetro da “popularidade” de algumas doenças em finais do século XIX, permitindo
apresentar resultados interessantes para tuberculose, sífilis e cancro (Jacquemet, 1978, p.349-364). No caso do Brasil,
para além das potencialidades apontadas por Maria
Fonseca (1995; 2002), o recente
estudo de Rosangela Gaze et al. (2012),
usando teses sobre hepatites, mostrou como é possível decompor essas fontes,
discutindo-as à luz dos seus referenciais científicos e das mudanças tecnológicas e
sociais que as influenciaram.
Por vezes encaradas com alguma desconfiança e ceticismo, talvez pelas críticas com
que Ricardo Jorge brindou muitas das teses produzidas no Porto, o seu uso como fonte
histórica não parece ter despertado grande entusiasmo entre os principais cultores
da historiografia da medicina. No entanto, essa tendência tem-se vindo a infletir
nos últimos anos. Alguns trabalhos recentes relativos à história da saúde/doença
e/ou das ciências biomédicas não enjeitaram uma incursão mais ou menos profunda
nessa documentação, com abordagens muito dirigidas a temas particulares, sobretudo
na tentativa de descortinar nesses trabalhos de fim de curso os reflexos mais
evidentes das principais preocupações sanitárias coevas. É o caso de parte do
trabalho de Marinha Carneiro (2008) na sua
senda pelos saberes obstétricos, da abordagem de Rui Costa (2012) acerca do discurso e conhecimento médico sobre a doença
oncológica para o século XIX, do trabalho de Ismael Vieira (2011) em redor da tuberculose ou da incursão de Rita Garnel (2006) nos meandros do poder médico.
O corpus documental e a metodologia de análise
Observada como fonte de pesquisa, a tese constitui-se num corpus de
documento, tanto mais que faz parte de um conjunto de documentos passíveis de serem
submetidos a procedimentos analíticos. Por meio de um processo de inferência
sistemática assente na análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin (2009), é possível dissecar os
documentos, com procedimentos como a codificação, a classificação e a categorização,
algo que, no caso deste trabalho, se aproxima do processo bibliométrico.
Se bem que os objetivos do método assentem no desejo de rigor e na necessidade de
ultrapassar aquilo que parece ser evidente, em consonância com a análise a que o
historiador se vê sujeito no seu trabalho, Bardin
(1979, p.31) também admite que “Não existe o pronto-a-vestir em análise
de conteúdo, mas somente algumas regras de base, por vezes dificilmente
transponíveis. A técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objetivo
pretendidos tem que ser reinventada a cada momento”. Laboriosas e em muitos casos
exaustivas, as técnicas utilizadas devem ser adequadas ao domínio e aos objetivos
pretendidos, sob pena de desvirtuação do trabalho desenvolvido. Como já tivemos
oportunidade de constatar noutro exercício em redor das mesmas fontes, a
categorização deve adequar-se às respostas que pretendemos obter, variando de acordo
com as diferentes problemáticas em análise (Costa,
Vieira, dez. 2012).
Por isso mesmo, interessou-nos ressalvar mais o conteúdo “manifesto” dos documentos
que o seu conteúdo “latente”, uma vez que o nosso objetivo se prende com a
operacionalização dos dados de forma quantitativa. Ao visitar o conteúdo, optámos
pela análise categorial (ou temática), por ser de natureza transversal, ter um uso
prático, direto e uma capacidade de inferência mais vasta.
O conjunto de teses que constituem o corpus documental encontra-se
na biblioteca da Faculdade de Medicina do Porto. É constituído por um conjunto de 24
dissertações em torno da medicina tropical para um universo de 2.839 teses dedicadas
aos mais diversos aspetos da medicina, produzidas pelos alunos finalistas do curso
entre 1840 e 1968, anos para os quais existem efetivamente dissertações. As 24 teses
representam apenas 0,8% do total.
A categorização escolhida foi sendo alterada e revista ao longo da análise, uma vez
que o conteúdo exposto no texto nem sempre corresponde diretamente ao sugerido nos
títulos. Por essa razão, limitámos a categorização a cinco patologias principais
(“febres”; malária/paludismo; febre biliosa hemoglobinúrica; lepra; outras doenças)
e a seis temas médicos/clínicos (etiologia; patologia [estudo, diagnóstico,
bacteriologia, exposição de casos clínicos]; profilaxia; terapêutica; distribuição
geográfica; outros temas)
Seguindo um critério meramente prático, agruparam-se as teses por decénios, de modo a
obter números mais expressivos e tornar mais visíveis e comparáveis as temáticas e
patologias dominantes. Resultou daqui um conjunto de gráficos que se expõe de
seguida.
Bibliometria e categorização
Resultados e discussão
Entre 1875 e 1923, só foi possível detetar a existência de 24 dissertações médicas
sobre medicina tropical, o que representa cerca de 0,8% da produção total da Escola
Médico-Cirúrgica e Faculdade de Medicina do Porto. A produção de dissertações
relacionadas com essa temática foi escassa e relativamente irregular ao longo do
período de tempo considerado. Num espaço de aproximadamente cinquenta anos, a
medicina tropical não se mostrou um tema polarizador do interesse dos finalistas
quando comparada com outros assuntos de largo impacto, tais como eram a
“ginecologia, obstetrícia e saúde infantil”, as “técnicas cirúrgicas e anestésicas”
ou o “higienismo e saúde pública”, como tivemos oportunidade de comprovar
anteriormente (Costa, Vieira, 2011).
Os primeiros trabalhos encontrados começam exatamente na década de 1870, altura em
que se encontram já relativamente bem definidas as grandes áreas de maior destaque,
em que a infeciologia assume uma boa porção do volume total de teses.
Atendendo à distribuição percentual por patologias patente no Gráfico 1, é possível constatar uma predominância de
malária/paludismo sobre as demais doenças, provavelmente por aquela ter maior
incidência nos países quentes, mas também em determinadas zonas de Portugal. Também
conhecida por “sezonismo”, sinónimo com que Ricardo Jorge a crismou em 1901 para a
realidade portuguesa, além da malária, as doenças ditas tropicais com alguma
expressão são as designadas “febres” e a lepra.
Gráfico 1
: Distribuição percentual de teses por patologia
Quanto à distribuição das dissertações por décadas (Gráfico 3), nota-se que os trabalhos no campo das doenças tropicais
surgem a partir de meados da década de 1870, coincidindo com a revolução microbiana
e a redefinição das grandes áreas do saber médico, como é o caso da infeciologia, e
em que progressivamente se enquadram as questões concernentes à medicina tropical.
Mas é também a partir dessa década que se desenvolvem campos como a microbiologia e
a bacteriologia, que permitem estudar doenças provocadas por agentes bacterianos.
Embora a malária fosse predominante dessas teses, verifica-se que até 1900 são
abordadas várias doenças sem qualquer predomínio claro de nenhuma delas. Após 1900,
a malária passa a ser praticamente a única doença focada, existindo apenas uma
dissertação sobre “febres” e outra sobre febre biliosa hemoglobinúrica.
Gráfico 3
: Distribuição de patologias por década (1875-1923)
No que diz respeito aos temas médicos, os Gráficos
2 e 4 mostram, respectivamente, a
distribuição percentual por temas e a sua distribuição no tempo. Das seis categorias
estabelecidas, existe um maior pendor para o estudo da patologia, no qual se incluem
assuntos ligados ao diagnóstico semiológico e bacteriológico, bem como casos
clínicos, etiologia e profilaxia. Em menor percentagem, encontramos a terapêutica,
estudos sobre distribuição geográfica e um grupo de “outros temas”.
Gráfico 2
: Distribuição percentual de teses por tema
Gráfico 4
: Distribuição de temas por década (1875-1923)
É possível perceber melhor esses dados quando os confrontamos com os do Gráfico 4, no qual se percebem momentos
distintos. Até 1900 há uma maior diversificação de temas que tocam as seis
categorizações possíveis, mas com o aparecimento dos estudos de patologia como tema
dominante nos finais do século XIX, tendência que se mantém até 1923. No século XX,
a profilaxia ganha terreno no primeiro decénio, possivelmente por influência das
campanhas educativas e preventivas que então emergiram em força contra doenças
marcantes, como a tuberculose e a sífilis. Entre 1911 e 1923, a exiguidade dos
trabalhos (apenas dois) acaba por forçar uma distribuição equitativa entre patologia
e etiologia.
Considerações finais
No caso da medicina tropical, parece claro que o reduzido volume de teses inaugurais
que lhe foram dedicadas revela o desinteresse por uma temática sem tradição
regional, ao mesmo tempo que reafirma a matriz prática do trabalho do
médico-cirurgião, não destoando do que se esperaria de um estabelecimento de ensino
que conferia uma ênfase particular às técnicas de abordagem manual ou com recurso a
instrumentos próprios do armamentário cirúrgico. Quando muito, era a malária que
captava alguma atenção, talvez pelo facto de ser ainda endémica em algumas regiões
do país, e não tanto como problema noutras latitudes do império.
Mesmo assim, numa cidade de forte pendor emigratório, de onde partiam contingentes
regulares de emigrantes para o Brasil, sobretudo a partir de meados de oitocentos, o
número exíguo de teses inaugurais em torno da medicina tropical parece destoar do
contexto migratório da cidade. No entanto, o contributo da escola médico-cirúrgica
portuense nesse domínio não pode nem deve ser interpretado apenas à luz de um
determinismo do interesse dos médicos ou da falta dele. Falta ainda analisar sob o
mesmo prisma as teses da Escola Médico-Cirúrgica e Faculdade de Medicina de Lisboa
para o mesmo período, tentando descortinar as eventuais diferenças ou semelhanças,
por forma a criar um quadro mais abrangente que permita comparar as tendências
presentes em áreas geográficas distintas.
Nesse sentido, este trabalho deve ser encarado como um subsídio a acrescentar a um
quadro mais lato em que seja possível desenhar e compreender a ciência produzida no
contexto do combate às doenças ditas tropicais, incluindo o contributo das ciências
biomédicas no seio institucional, sobretudo pelo cruzamento de fontes que ainda
guardam a possibilidade de oferecer subsídios e contribuições insuspeitas.
AGRADECIMENTO
Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia no âmbito do projeto PEst-OE/HIS/UI4059/2011.
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Corpo, Estado, medicina e sociedade no tempo da Iª
República
Lisboa
Imprensa Nacional Casa da Moeda
77
83
2010
REGULAMENTO... Regulamento para as escolas médico-cirúrgicas de
Lisboa e Porto. Lisboa: Imprensa Nacional. 1840.
REGULAMENTO...
Regulamento para as escolas médico-cirúrgicas de Lisboa e
Porto
Lisboa
Imprensa Nacional
1840
RICON FERRAZ, Amélia. A Real Escola e a Escola
Médico-Cirúrgica do Porto: contributo para a história da Faculdade
de Medicina da Universidade do Porto. Porto: Universidade do Porto Editorial.
2013.
RICON FERRAZ
Amélia
A Real Escola e a Escola Médico-Cirúrgica do Porto:
contributo para a história da Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto
Porto
Universidade do Porto Editorial
2013
VIEIRA, Ismael. A vida psíquica dos tuberculosos à luz da tisiologia
dos séculos XIX e XX. In: Pereira, Ana Leonor; Pita, João Rui (Ed.). II
Jornadas de História da Psiquiatria e Saúde Mental. CD-ROM.
Coimbra: GHSC-CEIS20. 2011.
VIEIRA
Ismael
A vida psíquica dos tuberculosos à luz da
tisiologia dos séculos XIX e XX
Pereira
Ana Leonor
Pita
João Rui
II Jornadas de História da Psiquiatria e Saúde
Mental
CD-ROM
Coimbra
GHSC-CEIS20
2011
NOTAS
1
Ricardo Jorge criticou severamente esses trabalhos por considerá-los plágio e de
má qualidade: “Desventuradamente para nós a grande massa das dissertações
reduz-se a papel estragado no prelo e que não pode senão a baixa serventia. São
coisas indignas de ler-se, que desdouram não só o neófito como o estabelecimento
de que o deixa habilitar à posição médica. O júbilo de contar mais uma tese de
merecimento não é muito vulgar para a escola do Porto. … O ideal do fazedor da
tese reduz-se a engendrar uma mayonnaise esfarrapada dos
ripanços que pode haver à mão; a audácia e o menosprezo chegam a tal ponto de
traduzir barbaramente qualquer dissertação francesa, a ver se logram, como
tantas vezes conseguem, presidente e júri. Destas infandas farsas podia eu
oferecer picarescos exemplos” (Jorge,
2003, p.112-114).
2
Não se confunda aqui título profissional com o grau académico de doutor.
*
Este artigo serviu de base à comunicação com o mesmo título apresentada no
Primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical, realizado no
Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa em 23 de
abril de 2012.
Authorship
Rui Manuel Pinto Costa
Investigador, Centro de Investigação
Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”/Faculdade de Letras/ Universidade
do Porto. Via Panorâmica, s/n 4150-564 – Porto – Portugal rcosta75@gmail.comUniversidade do PortoPortugalPorto, PortugalInvestigador, Centro de Investigação
Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”/Faculdade de Letras/ Universidade
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Ismael Cerqueira Vieira
Investigador, Centro de Investigação
Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”/Faculdade de Letras/ Universidade
do Porto. Via Panorâmica, s/n 4150-564 – Porto – Portugal ismaelcerqvieira@gmail.comUniversidade do PortoPortugalPorto, PortugalInvestigador, Centro de Investigação
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