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ENTRAVES NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS ITALIANAS PRIVADAS CURITIBANAS E PAULISTANAS (1883-1907)

OBSTÁCULOS EN LA ENSEÑANZA DE LA LENGUA PORTUGUESA EN LAS ESCUELAS ITALIANAS PRIVADAS DE CURITIBA Y DE SÃO PAULO (1883-1907)

HINDRANCES IN THE TEACHING OF THE PORTUGUESE LANGUAGE IN PRIVATE ITALIAN SCHOOLS FROM CURITIBA AND SÃO PAULO (1883-1907)

DES ENTRAVES DANS L'ENSEIGNEMENT DE LA LANGUE PORTUGAISE DANS LES ÉCOLES ITALIENNES PRIVÉES DE CURITIBA ET DE SÃO PAULO (1883-1907)

Resumo

Este texto resulta da análise e comparação de escolas italianas privadas das cidades de São Paulo e de Curitiba. Na cidade paulistana as escolas recebiam subsídios apenas do governo italiano, porque o governo local pretendia expandir as vagas nas escolas públicas. Em Curitiba as escolas recebiam subsídios dos dois governos, italiano e paranaense. Pretendeu-se reconhecer o lugar do ensino da língua portuguesa nessas escolas. Foram privilegiadas fontes documentais primárias e secundárias produzidas pelas autoridades locais. Contemplaram-se autores como Cervo (1992) e Salvetti (2000). A amostra constituiu-se de três escolas em cada cidade. As escolas executaram ações com vistas à manutenção da identidade dos imigrantes italianos, e embora o idioma nacional devesse ser ensinado, a prioridade recaia sobre o ensino da língua italiana.

Palavras-chave:
escolas italianas; identidade; história da educação

Abstract

This text is the result of analysis and comparison of private Italian schools of cities of São Paulo and Curitiba. In the former, schools were subsidized only by the Italian government, because the local government intended to expand the number of places in public schools. In the latter, the schools were subsidized by both the Italian government and the government of the state of Paraná. We intended to acknowledge the role of the Portuguese language in those schools by giving preference to primary and secondary documentary sources made by local authorities. Authors such as Cervo (1992) and Salvetti (2000) were taken into account. Our sample was made up of three schools in each of the cities. The schools carried out activities with an aim to the maintenance of identity of Italian immigrants, and though the national language was to be taught, the priority was the teaching of the Italian language.

Key-words:
italian schools; identity; history of education

Resumen

Este texto es el resultado del análisis y comparación de las escuelas privadas italianas de las ciudades de São Paulo y de Curitiba. En São Paulo las escuelas recibían subvención solo del gobierno italiano, porque el gobierno local pretendía expandir las plazas en las escuelas públicas. En Curitiba las escuelas recibían subvenciones de dos gobiernos, de Italia y de Paraná. Se pretendió reconocer el lugar de la enseñanza del portugués en esas escuelas. Se privilegiaron fuentes documentales primarias y secundarias producidas por autoridades locales. Se utilizaron autores como Cervo (1992) y Salvetti (2000). La muestra se constituye de tres escuelas en cada ciudad. Las escuelas ejecutaron acciones para mantener la identidad de los inmigrantes italianos y, aunque el idioma nacional debiera ser enseñado, la prioridad recaía sobre la enseñanza de la lengua italiana.

Palabras-clave:
escuelas italianas; identidad; historia de la educación

Résumé

Ce texte résulte de l'analyse et la comparaison des écoles privées italiennes dans les villes de São Paulo et Curitiba. Dans la ville paulistaine, les écoles recevaient des subventions seulement du gouvernement italien parce que le gouvernement local avait l'intention d'augmenter les places disponibles dans les écoles publiques. À Curitiba les écoles recevaient des subventions des deux gouvernements : l'italien et le paranéen. L'objectif a été de reconnaître la place de l'enseignement de la langue portugaise dans ces écoles. Les sources documentaires primaires et secondaires choisies ont été surtout celles produites par les autorités locales. Des auteurs comme Cervo (1992) et Salvetti (2000) ont été considérés. L'échantillon a été composé de trois écoles dans chaque ville. Les écoles ont fait des démarches pour garder l'identité des immigrants italiens et, malgré l'enseignement obligatoire de la langue maternelle, la priorité revenait à l'enseignement de la langue italienne.

Mots-clé:
écoles italiennes; identité; histoire de l'éducation

Introdução

Ao analisar e comparar algumas das escolas italianas privadas existentes nas cidades de São Paulo e Curitiba, nos Estados brasileiros de São Paulo e Paraná, procurou-se compreender como essas instituições étnicas foram organizadas e como contribuíram no ensino da língua portuguesa. Buscou-se relacionar os sujeitos que fizeram parte desse processo de escolarização étnica, as práticas metodológicas abordadas nas salas de aulas e os ritos escolares que envolviam o ensino da língua portuguesa, segundo as legislações educacionais paulista e paranaense vigentes.

O recorte temporal estabelecido para esse estudo abrangeu os anos finais do século 19 e os iniciais do século 20. Período conturbado, por várias razões, entre elas, por ser posterior ao processo de unificação italiana e apresentar um expressivo êxodo dos indivíduos da península itálica para as mais diversas localidades brasileiras.

Algumas regiões do Brasil receberam parte desses imigrantes que, na medida do possível, passaram a organizar associações de mútuo socorro, que contavam com escolas elementares privadas para os filhos de seus sócios. Também existiram escolas deste nível de ensino que recebiam contribuições do governo italiano (Trento, 1989TRENTO, Ângelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, 1989.).

Por esta razão, o governo brasileiro, na tentativa de controlar o processo escolar étnico, fixou a obrigatoriedade do ensino da língua vernácula. Por meio de determinações legais almejava-se a uniformização das práticas pedagógicas na escola buscando atingir a educação da infância estrangeira. Uma das primeiras discussões em torno da padronização do ensino foi a difusão e obrigatoriedade da língua nacional. As escolas estrangeiras eram obrigadas a ensinar a língua portuguesa, na tentativa de alfabetizar o maior número de crianças em um curto período de tempo. Essa preocupação permeou os discursos das autoridades do ensino paulista e paranaense, desde o início dos anos de 1900.

Deste modo, buscou-se compreender esse universo escolar em conformidade com a identidade étnica do ensino. Para análise foram privilegiados registros cartoriais, estatutos das sociedades de mútuo socorro, periódicos que circulavam nas comunidades italianas, ofícios, requerimentos e relatórios das autoridades do ensino paulistanas e curitibanas. O diálogo historiográfico contemplou autores que trataram desde a imigração italiana, como Trento (1989TRENTO, Ângelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, 1989.), a autores que abordaram a contextualização educacional italiana, como Salvetti (2000SALVETTI, Patrizia. Le scuole italiane all' estero. In: BEVILACQUA, Piero; DE CLEMENTI, Andreina; FRANZINA, Emilio. Storia dell' emigrazione italiana: arrivi. Roma: Donzelli, 2000, p. 535-549.), os quais contribuíram para a compreensão do processo de imigração e escolarização dos italianos no Brasil, especificamente nas cidades estudadas.

Essas instituições escolares foram fundadas em decorrência da política externa do governo italiano que pretendia estabelecer uma nação italiana, nos anos posteriores a unificação de modo que, no final do século 19, a questão do ensino da língua perpassava as discussões do governo italiano. O ministro da Instrução Pública italiana nomeou, em 1868, uma comissão com a função de tomar providências sobre a "boa língua de boa pronúncia" (Montanelli, 2011MONTANELLI, Indro. Storia d'Italia. L'Italia dei notabili (1861-1900). Milano: Rizzoli, 2011. , p. 30). O redator dessa comissão escreveu no mesmo ano uma espécie de dicionário, com o objetivo de criar uma unidade linguística, entendida como a "essência ao coroamento" (p. 30) da unidade política.

A partir do ano de 1887 teve início uma campanha incisiva, por parte do primeiro ministro italiano Francesco Crispi, que, durante o reinado de Umberto I, criou a Legge Crispi, instituída em 1889. Essa lei inaugurou oficialmente a política nacionalista que, além de tentar fixar na população residente na península itálica o reconhecimento da unidade e de uma Pátria, se preocupava em assistir aos milhares de emigrados que continuavam a sair do país recém-unificado. Em decorrência dessa lei foram nomeados e enviados, para os mais diversos países, agentes que deveriam supervisionar e estimular as ações que concorressem para a disseminação do sentimento de italianità entre os emigrados italianos.

O continente americano foi um dos locais para os quais muitos desses agentes rumaram, de modo que a escola tornou-se um instrumento fundamental para inculcar o sentimento de italianità forjado pelo governo italiano. Para tanto, foram criadas as Scuole Italiane all'estero, que eram privadas e subsidiadas pelo governo italiano. Entretanto, somente receberiam subsídios aquelas escolas que se adequassem ao programa e ao método didático proposto pelo governo italiano, submetidas assim ao controle e inspeção desse governo pelos consulados.

Entre os Estados do Sul do país o Paraná foi o que apresentou o menor número de escolas étnicas. De acordo com os estudos de Trento (1989TRENTO, Ângelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, 1989.) entre os anos de 1908 a 1930 o registro de escolas italianas no Rio Grande do Sul chegou a 123, em Santa Catarina a 83, e no Paraná, nove. Na região Sudeste, o Estado de São Paulo se destacou com o número de escolas: apresentou um registro de 187 escolas italianas privadas, sendo 85 apenas na cidade paulistana.

Algumas dessas escolas mantinham o ensino da língua portuguesa, conforme dados da documentação. Foi descrito que seguiam o programa escolar do governo paulista em vigência, além de oferecerem cursos de instrução primária elementar em italiano. Mas será que o idioma nacional era realmente ensinado nas escolas subsidiadas? Essa hipótese, da inexistência do ensino da língua portuguesa nas escolas italianas paulistanas, pode ser estabelecida em função das constantes críticas dos inspetores escolares sobre o ensino deficitário nesse tipo de escola estrangeira. Em pesquisa realizada por Mimesse (2010MIMESSE, Eliane. A educação e os imigrantes italianos: da escola de primeiras letras ao grupo escolar. São Paulo: Iglu, 2010.) em um núcleo colonial com predomínio de imigrantes vênetos, localizado na área agrícola do entorno da cidade paulistana, pôde-se identificar que, apesar de os professores ensinarem em língua portuguesa, os alunos continuavam a falar o idioma regional da localidade de Vittorio Vêneto. Os professores teciam longas críticas às dificuldades que encontravam na aprendizagem destes alunos, já que mantinham no uso cotidiano o linguajar de suas famílias.

Os relatórios dos inspetores escolares compunham os volumes dos Annuarios do Ensino do Estado de São Paulo, que continham os relatórios gerais dessas autoridades, publicados em volume único, um a cada ano. Na cidade de São Paulo existiram muitas escolas criadas com o intuito de formar o cidadão italiano fora da Itália, podem ser citadas três: Scuola Italiana Regina Margherita criada no ano de 1889, Scuola Modello Italiana Principe del Piemonte de 1896 e Scuola Regina Elena do ano de 1899.

Das escolas italianas que funcionavam no Paraná neste período três delas mantidas pelas sociedades de mútuo socorro e localizadas na cidade de Curitiba foram contempladas neste estudo: Scuola Italiana Regina Margherita criada em 1883, o Centro di Istruzione Italiana Dante Alighieri de 1896 e a Scuola Italiana Principessa Iolanda de 1904. Essas escolas executavam ações visando à manutenção da identidade da coletividade italiana, seguindo os preceitos instituídos pela Legge Crispi. Efetuavam-se corriqueiramente celebrações de datas festivas das mais diferentes regiões italianas, representações teatrais e musicais, além de outras apresentações culturais, e o atendimento educacional elementar em língua italiana. Inúmeros eram os registros que informavam o ensino simultâneo da língua italiana e portuguesa, mas como ocorria na cidade de São Paulo várias eram as reclamações descritas pelos inspetores escolares sobre o ensino deficitário do idioma nacional empreendido por essas escolas estrangeiras.

Portanto, nos fragmentos sobre a constituição e as práticas cotidianas dessas escolas, sejam eles encontrados nos registros da documentação oficial escolar ou nas notícias dos jornais da época, foi possível verificar que a leitura e a escrita da língua portuguesa se apresentavam como saberes a serem ensinados às crianças italianas e ítalo-brasileiras pelas escolas italianas.

O ensino da língua portuguesa nas escolas italianas de Curitiba e São Paulo

Na cidade paulistana a precariedade das escolas subsidiadas italianas era ampla. Essas escolas eram constituídas por apenas uma sala, que atendia crianças de um mesmo sexo, mas de idades diferentes. Um professor era responsável por muitos alunos por sala, principalmente em escolas localizadas na área central da cidade. Entre as escolas estudadas verificou-se que as residências assobradadas eram as mais adequadas para o estabelecimento de uma escola subsidiada italiana. Normalmente, os professores viviam na mesma residência em que funcionava a escola e utilizavam os andares térreo e superior para abrigá-la. Comumente a escola masculina permanecia no piso térreo e a feminina no piso superior. Mas muitas escolas primárias foram abertas, apenas, para receberem os parcos subsídios do governo italiano, no formato de livros e de moeda corrente, mas nem sempre elas se mantinham em funcionamento. Além disso haviam críticas aos materiais enviados pelo governo, provindas da própria comunidade peninsular fixada na cidade paulistana:

O Ministério do Exterior tem o hábito de mandar, a título de subsídio, para as escolas italianas do Exterior um material escolar imprestável, impróprio, enviado sem nenhum critério didático, um verdadeiro refugo dos depósitos das livrarias que por proteção da ameaçadora política dos órgãos da administração pública, se encontra sempre a disposição do Ministério da Instrução Pública. Aquele material obtido com grande e, algumas vezes, humilhante dificuldade, faz a maioria deles - os cidadãos brasileiros, rirem. Esse é o cuidado com o progresso de nossa escola primária. (Parlagreco, 1906PARLAGRECO, Carlo. Le scuole italiane. In: FANFULLA. Il brasile e gli italiani. pubblicazione dei Fanfulla. Firenze: R. Bemporad & figlio , 1906, p. 796-802., p. 799)

O foco, para o governo italiano, era o da difusão de uma língua italiana, de um país que havia a pouco se unificado e que ainda necessitava manter os sentimentos de saudosismo vivos. Esse governo pretendia contribuir com a instrução da criança italiana, ou filha de italianos, que vivia fora da Itália com o envio de subsídios aos materiais didáticos e a manutenção, mesmo que precária, das escolas privadas italianas no exterior. Para concretizar tal ação foi fundada a Società Dante Alighieri, em Roma, no ano de 1889. Em 25 de março de 1890 organizou seu primeiro congresso, que teve como artigos de seu programa:

Art. 1) A Società Dante Alighieri propõe-se a tutelar e difundir a língua e a cultura italiana fora do Reino; art. 2) Para alcançar seu fim, a Società institui e subsidia escolas, e encoraja com prêmios a frequência e o aproveitamento, coopera com a fundação de bibliotecas populares, difusão de livros e publicações, e promove conferências. (Salvetti, 1995SALVETTI, Patrizia. Immagine nazionale ed emigrazione nella Società Dante Alighieri. Roma: Bonacci, 1995., p. 13)

Salvetti (1995SALVETTI, Patrizia. Immagine nazionale ed emigrazione nella Società Dante Alighieri. Roma: Bonacci, 1995.) ainda acentuou outras pretensões da Società Dante Alighieri em colaborar com a fundação de escolas nas "colônias; promover o ensino da língua; introduzir nas escolas estatais, aonde são mais fortes os nossos colonos, o estudo do italiano e difundir o livro italiano" (p. 156).

O ensino da língua portuguesa nos estabelecimentos primários, públicos ou privados do Estado de São Paulo, salvo os estabelecimentos exclusivamente de idiomas, era obrigatório desde a promulgação de uma lei em 1896. Essa lei visava, principalmente, as escolas estrangeiras criadas e frequentadas pela população imigrante. Mas essa lei não foi prontamente cumprida, facilitando a manutenção do ensino no idioma no qual o professor e seus alunos tivessem mais conhecimento.

Por outro lado o embate educacional existente no Brasil, nos anos finais do século 19 e iniciais do século 20, levou os legisladores e educadores a preocuparem-se com a organização das escolas primárias em decorrência dos altos índices de analfabetismo. Rui Barbosa (1999BARBOSA, Ruy. Pensamento e ação de Rui Barbosa. Brasília: Senado Federal, 1999., p. 328) deixou clara sua "devoção à causa do ensino popular", e a importância do ensino não estava apenas nas reformas, mas na necessidade de colocá-las em prática, de modo à "reformar os costumes" (p. 328). Discursou sobre a instrução do povo e a premente ação na sua educação, como meio saneador para a realização das aspirações democráticas:

A instrucção do povo, ao mesmo tempo que o civiliza e o melhora, tem especialmente em mira habilitá-lo a se governar a si mesmo, nomeando periodicamente, no município, no estado, na União, o chefe do poder Executivo e a Legislatura. [...] Este se ressentiria de imperdoável omissão, se eu vos não dissesse como compreendo os meios mais próximos de acudir. Com a urgência precisa, a uma das nossas maiores aspirações democráticas, realizando seriamente. (Barbosa, 1999BARBOSA, Ruy. Pensamento e ação de Rui Barbosa. Brasília: Senado Federal, 1999., p. 328)

Tem-se de considerar que, nessa época, a população brasileira era constituída, principalmente, por imigrantes das mais variadas etnias, afrodescendentes, índios e brasileiros. Levando-se em conta a população em conjunto poucos eram os sujeitos alfabetizados em língua portuguesa. Nesse momento iniciou-se um conflito tácito entre as escolas italianas privadas e as escolas públicas brasileiras, localizadas nas duas cidades estudadas. De um lado as escolas italianas que recebiam subsídios do governo peninsular para manterem o ensino da língua pátria e o sentimento de amor à nação; de outro lado as escolas brasileiras que deveriam educar seus alunos no idioma do seu país que, por sua vez, ainda buscava uma identidade em função da miscigenação populacional vigente.

Nesse ínterim a legislação brasileira para o ensino da língua portuguesa era obrigatória, mas essa lei não era plenamente cumprida, de modo que as escolas italianas tinham a possibilidade de ensinarem todos os seus conteúdos em italiano, seguindo os programas das escolas italianas e, ensinarem, quando bem lhe aprouvessem, a língua portuguesa, talvez como um idioma estrangeiro.

Na busca por esquivarem-se da obrigação do ensino em língua portuguesa as escolas italianas protelavam o contrato dos professores brasileiros, mantendo unicamente professores de origem italiana. Em contrapartida, as autoridades do ensino brasileiro denunciavam essas e outras irregularidades com relação às falhas no ensino da língua nacional. Assim, destaca-se o empenho do governo italiano na organização escolar étnica, mantendo o propósito de divulgar os sentimentos de italianidade nas regiões com colonização de peninsulares.

No Paraná, conforme o Regulamento da Instrução Pública, de 9 de fevereiro de 1895, as escolas particulares deveriam aferir, nos dias de exames parciais e finais, os conteúdos do programa oficial do ensino. O mesmo regulamento estabelecia as matérias de ensino, dividida em três conjuntos de conhecimentos: 1º, 2º e misto. Em todos eles o ensino compreendia a aprendizagem da língua portuguesa, iniciando pela leitura, caligrafia, gramática, aritmética, desenho linear, recitação, escrita epistolar, ginástica e trabalhos de agulhas para as meninas (Paraná, 1895PARANÁ. Regulamentos da Instrução Pública do Estado do Paraná. Coritiba: Typ. da República , 1895, 1901.).

Cumpre notar que o regulamento paranaense de 1895 ainda não estabelecia a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa nas escolas particulares. Pela lei n. 365, de 11 de abril de 1900, instituiu-se a obrigatoriedade do ensino da língua vernácula nas escolas particulares que desejassem obter a subvenção do Estado (Paraná, 1900PARANÁ. Decreto n. 365, de 11 de abril de 1900. Coritiba: Typ. da República, 1900.).

No Estado de São Paulo, desde a lei de 29 de dezembro de 1896, o ensino da língua nacional, da história e da geografia do Brasil tornou-se obrigatório nos estabelecimentos particulares de instrução primária. Segundo o texto de um dos inspetores escolares, constantes no Annuario do Ensino do Estado de São Paulo de 1907, a referida lei ainda não estava regulamentada, impedindo a ação pontual dos inspetores em requerer a obrigatoriedade de tal ensino.

No Paraná as escolas italianas localizadas na cidade de Curitiba funcionavam nos prédios que abrigavam as respectivas sociedades de socorro mútuo. Apenas a Scuola Regina Margherita ocupava um prédio assobradado; as demais edificações eram térreas. Mas ao contrário da realidade paulistana, essas escolas dispunham de recursos, pois as famílias associadas constituíam uma elite italiana emigrada (Maschio, 2012MASCHIO, Elaine C. F. A escolarização dos imigrantes e de seus descendentes nas colônias italianas de Curitiba, entre táticas e estratégias (1875-1930). Curitiba: UFPR, 2012. 341f. Tese (doutorado em Educação). Universidade Federal do Paraná.).

A Scuola Regina Margherita recebia, desde o dia 17 de janeiro do ano de 1896, uma subvenção do governo paranaense de $800 mil reis e, assim, era submetida à fiscalização das autoridades de ensino no sentido de cumprir a determinação de ensinar a língua portuguesa. Em 6 de março de 1899, por meio de anúncio no jornal A República, o secretário Asineli informava sobre a abertura das atividades daquele ano da escola Ítalo-brasileira Regina Margherita:

Achando-se aberta desde 01 de fevereiro próximo findo a escola promiscua "Ítalo-Brasileira" com sede na referida sociedade funcionarão suas respectivas aulas das 8 às 11 1/2 horas da manhã para ingênuos. Prego presentemente, aos interessados que de 15 do corrente mês mediante, serão abertas novas turmas nocturnas das 06 1/2 as 9 horas da noite. (A República, 1899, p. 2)

Também a Scuola Dante Alighieri passou a receber a subvenção do governo paranaense na quantia de $600 mil reis, no dia 1 de maio de 1899. Até esta data as aulas eram mantidas unicamente com o auxílio das famílias e do governo italiano.

No dia 16 de julho de 1900 um inspetor escolar, responsável por informar ao diretor da Instrução Pública se as escolas subvencionadas alemãs e italianas da capital paranaense ofereciam aulas de língua portuguesa, relatou em ofício que na escola alemã o ensino da língua nacional era convenientemente efetuado por um professor brasileiro, mas na escola italiana, não (Paraná, 1900PARANÁ. Decreto n. 365, de 11 de abril de 1900. Coritiba: Typ. da República, 1900.). No dia 26 de novembro de 1900 a diretoria da Società di Mutuo Soccorso Giuseppe Garibaldi, responsável pela escola, enviou um ofício convidando o diretor da Instrução Pública para assistir aos exames finais das duas escolas italianas curitibanas: Regina Margherita e Dante Alighieri (Paraná, 1900PARANÁ. Decreto n. 365, de 11 de abril de 1900. Coritiba: Typ. da República, 1900.).

Os exames ocorreram no domingo, dia 2 de dezembro de 1900, conforme se observa no registro abaixo:

No domingo último realisaram-se exames dos alunos e alumnas da escola italiana, dividida em duas secções: Dante Alighieri, situada na Praça Euphrasio Correia, e Giuseppe Garibaldi, no edifício colocado no Alto São Francisco. A referida escola é regida pelo inteligente professor João Pivato. Leccionou com vantagem 66 alumnos de ambos os sexos, os quais foram examinados em portuguez, italiano, arithmetica, geografia e história da Itália. Presidiu o acto o Sr. Dr. Sebastião Paraná, inspetor escolar, estando presentes distinctos representantes da digna colônia italiana, taes como os Srs. João Silva, representante do Consulado, Dr. Camillo Vanzolim, Angelo Bottechia, Carlos Barromei, Domingos Códega e muitos outros. Terminando os exames, foram distribuídos prêmios aos alunos que mais se distinguiram durante o anno. Sabemos que o Dr. inspetor escolar retirou-se bastante satisfeito, não só pelo modo delicado e afável com que foi tratado, como especialmente, pelo adiantamento que mostraram quase todas as creanças. (A República, 1900, p. 1)

Embora a escrita do documento não permita perscrutar como teria sido a apresentação dos alunos nos exames, é possível considerar que os alunos não dominavam totalmente a língua nacional, respondendo as questões com forte pronúncia ou mesmo na própria língua italiana. No lugar do diretor da Instrução Pública, compareceu o inspetor escolar da capital, que após presenciar os exames revelou certa insatisfação quanto ao não cumprimento da nomeação de um professor brasileiro para o ensino da língua portuguesa (Paraná, 1900PARANÁ. Decreto n. 365, de 11 de abril de 1900. Coritiba: Typ. da República, 1900.).

Além de chamar a atenção para a necessidade de que o ensino da língua portuguesa fosse ministrado por um professor de origem brasileira, o inspetor lembrava que as escolas eram subvencionadas pelo governo paranaense e o não cumprimento desta normatização poderia acarretar a perda da subvenção oferecida pelo Estado.

No ano de 1900 a Scuola Regina Margherita passou a receber alunos de nacionalidade brasileira. Nesta época ela possuía uma matrícula de 66 alunos, sendo 51 do sexo masculino e 15 do sexo feminino, entre eles filhos de italianos e de nacionais (Paraná, 1900PARANÁ. Decreto n. 365, de 11 de abril de 1900. Coritiba: Typ. da República, 1900.. A necessidade de estabelecer vínculos com a sociedade brasileira foi sendo suprida aos poucos. A maior participação das autoridades nacionais evidenciava uma primeira tática de aproximação.

Verificou-se, na análise dos documentos, que nem todas as escolas subsidiadas italianas paulistanas incluíam o curso de língua portuguesa no programa. Mas, estranhamente, indicavam que estavam em concordância com o programa de ensino do governo paulista. Uma hipótese para essas escolas manterem o curso de língua portuguesa era a existência da necessidade de se alfabetizarem os adultos na língua do país, para que houvesse maior clareza nas relações comerciais. Não necessariamente pelo motivo de que os diretores dessas escolas pudessem sofrer alguma retaliação do governo, caso fosse inexistente o ensino da língua portuguesa.

Nos debates ocorridos no Congresso delle Società ed altre Istituzioni Italiane surgiu, em um dos tópicos, a mesma questão sobre o aprendizado. Os imigrantes deveriam "aprender a falar e escrever a língua nacional", porque esse não era "somente dever do hóspede, mas necessidade imprescindível para todos os italianos que aqui residiam", de acordo com o periódico Fanfulla (1906, p. 823). Não se pode afirmar que as escolas subsidiadas ensinavam seus alunos no idioma instituído na península itálica, talvez ensinassem com o uso dos idiomas regionais. Presume-se que esses idiomas das regiões estavam sendo suprimidos a cada dia, porque o subsídio do governo italiano à essas escolas paulistanas vinculava à necessidade de se ensinar a língua italiana.

Sendo assim, o ensino e a consequente aprendizagem da língua portuguesa decorriam de questões básicas de convívio, da necessidade do diálogo para a aquisição e comércio de bens e produtos. Mas no relatório do inspetor geral do ensino do Estado de São Paulo, João Lourenço Rodrigues, constante no Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, entendia-se que o aprendizado da língua portuguesa era uma forma de tornar as crianças cidadãs brasileiras e, ao mesmo tempo, para os pais dessas crianças, esse aprendizado seria útil para as negociações e o comércio:

Resta saber si taes estabelecimentos, em que o portuguez não é língua official, podem offerecer ao Estado reaes vantagens como auxiliares do Governo na ministração do ensino preliminar. Não só a difficuldade de conseguir logar em nossas escolas publicas, em vista da desproporção entre o numero de candidatos à matricula e a lotação desses estabelecimentos, como tambem o desejo de que seus filhos aprendam a língua patria, faz com que os estrangeiros domiciliados em nosso paiz, principalmente os italianos, procurem escolas particulares. Ora, é natural que a colonia italiana procure de preferencia essas escolas onde as crianças, aprendendo a lingua, a geografia e a historia da Italia, aprendem, por isso mesmo, a amar a Italia. É natural também que essas escolas, mais ou menos protegidas pelo governo italiano - ao passo que o governo do Estado em nada as auxilia - se vão lentamente afastando de nós e, cada vez mais, por assim dizer, italianisando o ensino. (São Paulo, 1907SÃO PAULO. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo: publicação organisada pela Inspectoria Geral do Ensino por ordem do Governo do Estado. São Paulo: Typ. Siqueira & C.,1907., p. 43)

Sabe-se que as ações do governo italiano visavam à perpetuação do sentimento de amor à pátria justificando-se, deste modo, a distribuição de livros de leitura e o envio de subsídios em dinheiro. Salvetti (1995SALVETTI, Patrizia. Immagine nazionale ed emigrazione nella Società Dante Alighieri. Roma: Bonacci, 1995.) citou a Ata do Primeiro Congresso dos Italianos no exterior, ocorrido em Roma no ano de 1910, que reforçava a manutenção dos subsídios.

Ademais, era urgente a necessidade de adaptar a escola as exigências legais brasileiras, a fim de garantir a continuidade do subsídio, no caso do governo paranaense, bem como, do funcionamento dos trabalhos escolares e agremiativos da associação di Mutuo Soccorso Giuseppe Garibaldi. Em 26 de novembro a diretoria da sociedade Giuseppe Garibaldi convidou o diretor da instrução pública para assistir aos exames finais escolares de ambas as escolas italianas. Quem o fez foi o inspetor escolar da capital Sebastião Paraná. Conforme descreveu em seu breve relatório, as escolas étnicas não ensinavam a língua portuguesa, embora recebessem a subvenção estadual para isso:

Exames na Escola Italiana dividida em duas seções: Dante Alighieri e Giuseppe Garibaldi. Todos os alumnos, em número de 66 prestaram exame parcial. Esta escola é subvencionada pelo Governo do Estado e pelo Governo Italiano, que exige que seja ensinada a língua portuguesa. (Paraná, 1900PARANÁ. Decreto n. 365, de 11 de abril de 1900. Coritiba: Typ. da República, 1900., p. 254)

Observa-se no excerto que, mesmo que o Regulamento do Ensino de 1895 orientasse que os conteúdos aferidos nas escolas particulares nos dias de exames deveriam ser os mesmos que o programa oficial do Estado, a escola não ensinava a língua portuguesa às crianças que nela frequentavam (Paraná, 1895PARANÁ. Regulamentos da Instrução Pública do Estado do Paraná. Coritiba: Typ. da República , 1895, 1901.). Em outro exame, no dia 20 de dezembro do mesmo ano, conforme se encontra o registro do termo no jornal A República, observa-se que a língua portuguesa compunha o rol de disciplinas avaliadas na escola:

No domingo último realisaram exames dos alunos e alumnas da escola italiana, dividida em duas secções: Dante Alighieri, situada na Praça Eufrásio Correia, e Giuseppe Garibaldi, no edifício colocado no Alto São Francisco. A referida escola é regida pelo inteligente professor João Pivato que leccionou com vantagem 66 alumnos de ambos os sexos, os quais foram examinados em Portuguez, Italiano, Arithmética, Geografia e História da Itália. (A República, 1900, p. 1)

Parece que, na tentativa de cumprir as exigências legais, os representantes da comunidade italiana de Curitiba se organizaram de modo a garantir que a infância italiana e ítalo-brasileira pudesse acessar os conhecimentos referentes a língua do país receptor (Maschio, 2013MASCHIO, Elaine C. F. A infância contadina nas colônias italianas de Curitiba no Paraná. In: MIMESSE, Eliane (org.). Bambini brasiliani: a infância das crianças italianas e ítalo-brasileiras. Jundiaí: Paco, 2013, p. 55-92). Porém, não deixaram de ensinar a língua materna. Todavia, essa atitude poderia ser apenas uma tática que configurava não a intenção de ensinar efetivamente a língua portuguesa, mas em demonstrar para as autoridades brasileiras que as determinações estavam sendo cumpridas.

O decreto n. 93, de 11 de março de 1901, que instituiu um novo Regulamento de Ensino, incorporou a lei n. 365 e determinava que:

Art. 5º Os institutos de ensino de qualquer natureza que gozarem de subvenção, ou auxílio do Estado, serão com frequência fiscalizados pelos agentes do governo, devendo sujeitar os respectivos estatutos à aprovação deste. § Iº Quando taes institutos forem de instrução primária ou secundária, o Poder Executivo tornará effectiva a obrigatoriedade do ensino da língua nacional, uma vez que esta disciplina não figure nos respectivos programmas. (Paraná, 1901PARANÁ. Regulamentos da Instrução Pública do Estado do Paraná. Coritiba: Typ. da República , 1895, 1901., p. 11)

Conforme o fragmento de um relatório apresentado pelo diretor geral da instrução pública, no ano de 1903, a inexistência do ensino da língua portuguesa nas escolas particulares, principalmente aquelas subvencionadas pelo Estado, ainda era um importante problema a ser enfrentado (Paraná, 1903PARANÁ. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública pelo Diretor Geral da Instrução Pública Victor Ferreira do Amaral e Silva em 31 de dezembro de 1903. Curityba: Typ. D'a República, 1903.). No ano de 1903 ocorreu a inauguração do novo prédio da Scuola Dante Alighieri. O discurso do cônsul italiano parecia evidenciar que a escola prezava pelo ensino das línguas italiana e portuguesa:

Não queremos uma escola exclusivista, como se os discípulos devessem ser isolados, ou volver ao seu paiz de origem, nós queremos que os discípulos desta escola, ainda sendo orgulhosos de sua nacionalidade de origem, não esqueçam que é neste paiz que lhes foi dado generosa hospitalidade, e que n'elle devem viver, mostrando-se dignos desta hospitalidade; quer os discípulos da nossa escola devam sahir cidadãos brasileiros ou italianos, devemos nos preocupar de uma única cousa: fazer d'elles nos dois casos, bons cidadãos. Os retratos que vedes um ao lado do outro, dos dois chefes da Nação, da Itália e Brazil, as cartas geográficas dos dois paizes, onde deveis estudal-os vos dizem todo o nosso programma. (A República, 1903, p. 2)

Em outro termo de exames, datado do ano de 1907, é possível verificar que o ensino da língua portuguesa continuava a constituir-se como saber a ser ensinado na escola étnica italiana de Curitiba:

Nos dias 17 e 18 do corrente se realizaram os exames da escola Dante Alighieri, mantida pela Loja Unione e Fratellanza desta capital, e regida pelo professor Miguel Grassani. Serviram de examinadores os srs. José Mathias de Abreu, professor, Domenico Codega, Gino Zancheta, Nicola Freschi e Giuseppe Farani. Os alunos arguidos em Português, Italiano, Geografia, Arithmética e outras matérias, mostraram muito aproveitamento. (A República, 1906, p. 2)

Outras iniciativas configuravam o ensino simultâneo dos dois idiomas. Em janeiro de 1903 o professor Miguel Grassani lançou no mesmo jornal um convite a comunidade paranaense sobre a abertura de um curso particular de língua italiana e portuguesa: "O abaixo assignado avisa os srs. chefes de famílias que no dia 2 de janeiro próximo abrirá um curso particular para o ensino da língua italiana e portuguesa" (A República, 1903, p. 2).

Vários outros indícios foram encontrados assinalando para o ensino simultâneo da língua italiana e portuguesa nas escolas étnicas de Curitiba. Em 1907 a escola Dante Alighieri continuava a funcionar junto a Società Giuseppe Garibaldi. O professor Miguel Grassani informava a abertura de uma escola noturna para o ensino simultâneo dos dois idiomas, para adultos e menores (Paraná, 1907).

Observa-se que muitas foram as táticas utilizadas pelas associações com o intuito de estabelecer a ideia de que havia uma efetiva relação entre as duas culturas. No dia 7 de novembro de 1904 o governador do Estado do Paraná, e sua esposa, foram convidados pelos representantes da Società Dante Alighieri para apadrinhar a bandeira da escola que ela mantinha. O evento aconteceu no dia 11 de novembro. Na solenidade fez-se a entrega da bandeira brasileira à escola italiana, ao mesmo tempo em que a sociedade entregou a bandeira da Società Dante Alighieri ao governo paranaense (Paraná, 1904). Desse modo buscava-se, por meio de simbologias, reforçar a aproximação amistosa das autoridades brasileiras nas atividades das associações estrangeiras.

Entre a manutenção da italianidade e a boa relação com as autoridades paranaenses as escolas italianas de Curitiba procuraram garantir o ensino da língua italiana, adaptando-se, a medida do possível, às necessidades e exigências do ensino impostas pelo governo brasileiro. Conforme o termo de exames da escola Principessa Iolanda, mantida pela Società Vitorio Emanuele III, a atuação do professor no ensino da língua portuguesa foi destacada:

Realisaram-se no dia 12 do corrente, os exames parciaes da escola particular que funciona no quarteirão do Ahú, na sede social Victorio Emanuel III, regida gratuitamente pelo professor João Pivato. Estiveram presentes ao acto, o capitão Luciano Guimarães de Gracia, inspector escolar de S. Casemiro do Taboão, cav. Gualtiero Chilesotti, cônsul italiano, Miguel Grassani, Pedro Riva, professores, Ricardo Baggio, presidente da Sociedade Victorio Emanuel III, Francisco Fogiatto, Nicolau Cheffer, Secondo Todeschi, Plácido Prevedello, Matheus Cesquin e mais membros da mencionada sociedade. A banca examinadora, ficou constituída do snr. Inspector escolar presidente, dos professores Miguel Grassani e Pedro Riva examinadores. Os alumnos que prestaram exames, revelaram grande aproveitamento na língua portugueza, nas matérias do curso primário e foram assim classificados: approvados com distincção - Jeronimo Fogiatto, Pedro Lago e Angelo Geronaso. Approvados plenamente - Angelo Prevedello, Ricardo Scremin, Domingos Lago, Jacintho Pivato, João Todeschi e Victório Cheffer. Approvados simplesmente - Luiz Prevedello, Fernandes Marcilio, João Marcilio, Carlos Santi, Augusto Brusamolin, Emilio Brusamolin, Luiz Bagatin, Antonio Dalle Donne, João Dalle Donne, Julio Dalle Donnne, Alberto Belz, Antonio Guerra e José Geronazzo. O snr. Luciano Guimarães da Gracia, inspector escolar depois de terminado os exames, usou da palavra felicitando o professor João Pivato pelo bom aproveitamento que revelaram os alumnos, nos poucos mezes em que aquella escola funcciona sob sua direção e terminou animado ao referido professor a continuar na sua nobre tarefa, pedindo-lhe que continuasse ensinar em sua escola, a língua portugueza, visto que aquelles meninos que estavam confiados sob sua direção eram todos brasileiros e que mais tarde deveriam tomar parte nos negócios activos de sua pátria, que é o Brazil. Usou também da palavra o cav. Gualtiero Chilesotti que aconselhou ao professor que prosseguisse na sua nobre missão e que fazia votos para que aquella escola fosse sempre coroada de bom êxito e incitou-o que não deixasse de ensinar alli a língua portugueza, visto ser ella a língua pátria, daquelas que estavam sob sua protecção. Terminou a cerimônia com o agradecimento do professor Pivato e a confecção do termo de exame que foi assignado por todos os presentes, depois do que foram os convidados servidos de uma farta mesa de doces. (A República, 1909A República: órgão do Partido Republicano. Redator Chefe: Vicente Machado. Curitiba, 1899 a 1909., p. 2)

Apesar de longa, a citação retirada do jornal A República, do dia 17 de dezembro do ano de 1909, traz elementos para compreender o apelo das autoridades paranaenses para que os conteúdos ensinados pela escola italiana fossem feitos em língua portuguesa. Da parte da agremiação italiana a preocupação em demonstrar que o idioma nacional era ensinado, garantia o recebimento dos subsídios do governo paranaense. Nesse período os regulamentos do ensino nada versavam sobre o pagamento de subsídios às escolas estrangeiras. Assim, o recebimento da subvenção estadual era conquistado, de modo geral, pelas boas relações entre os professores e representantes estrangeiros e as autoridades de ensino.

As escolas subsidiadas na cidade paulistana aqui estudadas recebiam subvenções apenas do governo italiano. O número de inspetores escolares provinciais e depois estaduais insuficiente para inspecionar as escolas privadas e as escolas públicas. Foram amplas as críticas que esses inspetores redigiram nos Annuarios do Ensino do Estado de São Paulo.

Nesse estudo as escolas paulistanas referidas são: Scuola Italiana Regina Margherita, Scuola Regina Elena e Scuola Modello Italiana Principe del Piemonte. Essas três escolas tinham somente diretores e professores de origem peninsular. Foram diretoras na escola Regina Margherita as professoras Emilia Magrini e Ada Magrini: ambas haviam cursado o magistério na Scuola Magistrale di Ferrara. O professor Luigi Visco, que concluiu o curso Ginasial e chegou a iniciar o 1º ano do Liceu, era diretor da escola Regina Elena. O professor Luigi Lievore, que dirigia a Scuola Modello Italiana Principe del Piemonte, cursou o magistério na Scuola Normale di Vicenza.

Na escola Regina Margherita existia a manutenção de um curso elementar, que foi descrito na documentação como em conformidade com o programa escolar vigente na Itália e, ainda mantinha um curso complementar com o ensino de língua portuguesa e de música. Essa escola contava com quatro classes, com um total de 250 alunos matriculados. As aulas eram ministradas pelas diretoras, Emilia e Ada Magrini, e por Ida Santini e Orsola Martinelli. Entende-se, deste modo, que os alunos estariam divididos em quatro salas, com uma média de 65 alunos por turma. Esta escola era localizada no bairro operário do Brás, bem próximo à região central da cidade paulistana e que continha um grande número de residentes peninsulares.

Na escola Regina Elena existia um curso elementar que, segundo os dados da documentação, dizia seguir as normas ditadas pelos programas escolares do governo italiano, ofertava um curso noturno para adultos e um curso de língua portuguesa, que se apresentava como seguindo as prescrições oficiais do governo brasileiro. Ainda mantinha um curso para o trabalho feminino e aulas de exercícios ginásticos. Essa escola funcionava em duas classes, com um total de 77 alunos matriculados, e estava localizada na Vila Mariana, um bairro um pouco mais afastado do centro da cidade no qual residiam vários peninsulares em decorrência da área agrícola que ali foi instaurada. Neste caso, as turmas mantinham uma média de 36 alunos por sala. Em comparação com a escola do bairro do Brás, Regina Margherita, esta escola teria melhores resultados na aprendizagem dos alunos.

E, por fim, na Scuola Modello Italiana Principe del Piemonte existia o curso elementar completo, um curso especial para o ensino comercial e um curso noturno complementar. Contava como atrativo aos alunos os exercícios de ginástica e uma biblioteca circulante. A escola tinha 150 alunos, estava localizada em uma área pouco mais distante do centro, também em uma região agrícola, com predomínio de peninsulares.

Nessa escola foi possível identificar quem eram os professores que lecionavam os conteúdos. As aulas de língua francesa e portuguesa eram ministradas pelo professor Benedetto Gianelli; as aulas de caligrafia e desenho pelo professor Alcide Capuzzi. Já os professores Francesco Frigiuele, Emma Lievore e Annita Cardini lecionavam os outros conteúdos do curso elementar, do curso especial para o ingresso no curso comercial e do curso noturno complementar. As professoras desta escola eram diplomadas no curso de formação de professores: Emma Lievore estudou na Scuola Normale di Verona, e Annita Cardini na Scuola Normale di Bologna. Pode-se supor que as salas de aulas não eram repletas de alunos, como ocorria com a escola localizada no Brás. A quantidade total de alunos matriculados era razoável, já que estavam distribuídos em vários cursos, e ainda dispunham de vários professores. Essa ação leva à hipótese de que a escola foi denominada como modelo por seguir padrões diferentes das outras escolas subsidiadas italianas existentes na cidade paulistana.

É relevante ressaltar que essa escola foi a única das estudadas que instituiu o ensino da língua portuguesa com um professor específico. Este professor também ensinava a língua francesa. Este fato reforça a proposição de que a língua portuguesa era entendida com uma língua estrangeira pelos peninsulares, apesar de todos os esforços difundidos pelas autoridades brasileiras.

Considerações finais

As primeiras normatizações em torno da nacionalização do ensino na cidade de Curitiba foram concebidas ainda no início do século 20. Ao reverberar na organização das escolas estrangeiras a legislação não acarretou o fechamento das escolas étnicas italianas, mas consistiu em chamar a atenção dos responsáveis pela manutenção dessas escolas para a necessidade de se ensinar a língua portuguesa. Até o ano de 1907 a legislação determinava a obrigatoriedade da língua vernácula e a proibição do uso exclusivo da língua estrangeira no ensino das escolas como condição para garantir o seu funcionamento e o recebimento do subsídio do governo paranaense, contudo, não houve o fechamento das escolas.

Na cidade de São Paulo as normatizações foram executadas, na medida em que, o número de inspetores escolares que trabalhavam na capital paulista foi sendo ampliado. A redução na chegada de imigrantes peninsulares ao Brasil, nos anos iniciais do século 20, com a promulgação do decreto Prinetti, também contribuiu para que a quantidade de crianças matriculadas nas escolas diminuísse. Esse decreto, assinado em março de 1906, suspendia a licença de quatro companhias de navegação que realizavam o transporte gratuito de emigrantes para o Brasil e proibia as atividades dos agentes que recrutavam mão-de-obra.

Mesmo passados oito anos, no ano de 1914, os documentos ainda retomavam as discussões sobre a obrigatoriedade do ensino das matérias de língua portuguesa, história e geografia do Brasil nas escolas subsidiadas privadas estrangeiras. Os comentários versavam sobre os professores estrangeiros que lecionavam as aulas nas escolas e, por sua condição de estrangeiros, não dominarem os conteúdos específicos dessas matérias para ensiná-los: "Um dos documentos trazia novamente a defesa da regulamentação da lei que tornou obrigatório o ensino dessas matérias, mas como ainda não havia sido colocada em prática, as omissões continuavam a ocorrer" (Prado, 2015PRADO, Eliane M. Obstacles to teaching the Portuguese language in elementary schools in the city of São Paulo (Brazil) in the early 20th century. History of Education & Children's Literature, Macerata, v. X, n. 1, 2015, p. 411-425., p. 420).

A partir de 1915 a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa e a proibição do uso exclusivo de idiomas que não o nacional reordenou as organizações escolares estrangeiras. Os dois códigos do ensino paranaense, 1915 e 1917, determinavam que as escolas particulares devessem ensinar, obrigatoriamente, a língua portuguesa, a história e a geografia pátria.

É relevante notar que o desenvolvimento das escolas privadas nas cidades de Curitiba e de São Paulo foi diferenciado. As escolas paulistanas eram subsidiadas pelo governo italiano, atendiam a todos os alunos em idade escolar que vivessem nas redondezas da escola e como recebiam subsídio governamental não cobravam mensalidades de seus alunos. Os professores, os livros e todo material utilizado nas aulas era em língua italiana. Essa situação era criticada pelos inspetores escolares paulistas, mas que nada poderiam fazer se a escola pública não oferecia vagas suficientes para as crianças estrangeiras e filhas de estrangeiros em idade escolar.

Na cidade de Curitiba as escolas italianas eram vinculadas as associações de mútuo socorro e, apesar de contarem com professores italianos, recebiam subsídio do governo paranaense, o que não ocorria na cidade de São Paulo. Mesmo assim, as determinações legais que orientavam a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa não eram cumpridas na sua totalidade.

Referências

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  • PARANÁ. Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Francisco Xavier da Silva, Presidente do Estado, em 31 de dezembro de 1910 pelo Coronel Luiz Antonio Xavier, Secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Instrucção Pública. Curityba: Typ. d' República, 1911.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2016
  • Aceito
    01 Nov 2016
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