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Inventário poético: anotações sobre os resíduos do humano na literatura

Poetic Inventory: Notes on the Remains of the Human in Literature

Resumo

Este ensaio pretende dissertar sobre o texto de ficção eletrônica de Richard Holeton - Frequently Asked Questions About “Hypertext” - publicado por N. Katherine Hayles na Eletronic Literature Collection (vol. 1, 2006), obra que fornece um rico material para considerações “pós-humanistas” sobre o futuro da poesia como um locus privilegiado de expressão anímica. Trata-se de uma releitura irônica de um texto parodístico de autoria de Vladimir Nabokov: Pale Fire (1962). Ao contrário do que sugere o título, porém, o texto de Holeton não se apresenta como um ensaio acadêmico sobre a escrita digital, mas como um poema experimental sujeito aos mirabolantes exercícios analíticos de diversos críticos fictícios, praticantes de algumas linhas dos atualmente populares Estudos Culturais. A obra possibilita ao leitor uma reflexão bem-humorada sobre os perturbadores desdobramentos da escrita, da leitura e da produção de conhecimento na contemporaneidade.

Palavras-chave:
Pós-humanismo; Literatura Eletrônica; Crítica Literária; Vladimir Nabokov; Richard Holeton

Abstract

This essay aims to analyse the electronic fiction text created by Richard Holeton - Frequently Asked Questions About "Hypertext" -, published by N. Katherine Hayles in the Electronic Literature Collection (vol. 1, 2006). As an ironic reference to another parodistic work created by Vladimir Nabokov: Pale Fire (1962), this text provides a rich material for a “posthumanist” reading about the future of poetry as an expression of the human soul. Contrary to what the title suggests, however, Holeton’s text is not presented as an academic essay on digital writing, but as an experimental poem subjected to the quaint approaches of several fictitious critics, practitioners of the analytical lines of the nowadays popular Cultural Studies. The text allows us a humorous reflection on the perturbing directions of reading, writing and the production of knowledge in contemporary world.

Keywords:
Posthumanism; Eletronic Literature; Literary Criticism; Vladimir Nabokov; Richard Holeton

O humano residual e suas formas

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado, como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia. As coisas jogadas fora têm grande importância - como um homem jogado fora. O traste é ótimo, o pobre-diabo é colosso. As pessoas desimportantes dão para a poesia. Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia. Manoel de BarrosBARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.. Matéria de Poesia

Alheia aos pássaros e às árvores, às escassas flores e à água da chuva, faz com gratidão o inventário dos bens dispersos no asfalto e nas calçadas, pontas de cigarro ou de lápis, parafusos soltos, barbantes, pedaços de fitas, saltos de borracha, pentes quebrados, sacos de pipoca vazios, papel de chocolates, tampas de refrigerantes e de frascos de remédios, amostras de fazenda, clipes abertos, alfinetes tortos, flores de plástico sem haste, caixas de fósforo vazias, lâmpadas queimadas, giletes cegas, pilhas descarregadas, toda essa miuçalha a que em geral somos indiferentes e que o seu olhar, desregulado pela necessidade, avalia como se fossem esterlinos. Osman LinsLINS, Osman. A Rainha dos Cárceres da Grécia. São Paulo: Melhoramentos, 1976.. A Rainha dos Cárceres da Grécia

O Pós-Humanismo também é tema de obras imprevisíveis e não usualmente consideradas pela Academia, como os luminares ensaios Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo, Retrato do Artista Quando Coisa e Livro sobre Nada, nos quais o poeta pantaneiro cisca o chão para achar suas raízes, sua essência, na tentativa de recriar com os resíduos do cotidiano a natureza varrida da face da Terra; e o numinoso romance A Rainha dos Cárceres da Grécia, no qual o escritor pernambucano, encarnado num crítico que é uma autêntica versão “Charles Kinbote” de usurpador da obra alheia, narra história de Maria de França, personagem do livro de sua amante morta. Perdida nos labirintos inconcebíveis da cidade grande, a miserável louca tenta construir com os restos que caem da mesa de seus senhores um “Báçira”, uma criatura não humana a quem chama de “espantalho” - imagem perversa de seu próprio criador.

Num outro extremo da realidade planetária, contudo, na privilegiada “cúpula” da prestigiosa Universidade de Chicago, a autora de How We Became Posthuman?, N. Katherine Hayles, afirma que a perspectiva da colaboração entre pessoas e inteligências artificiais não deve ser vista como uma usurpação dos direitos e responsabilidades humanos, mas como um maior investimento na construção de ambientes de cognição distribuída, um processo que estaria em curso há milhares de anos. A vontade humana deixa de ser a única fonte de onde emana a força necessária para controlar o ambiente, e isto não significa necessariamente, para a autora, pôr em perigo a sobrevivência da espécie, mas antes promover o seu aperfeiçoamento: “quanto mais entendemos as estruturas flexíveis e adaptáveis que coordenam os nossos ambientes, melhor entenderemos as metáforas que nós mesmos somos, e melhor poderemos refletir com precisão as complexas relações que fazem do mundo atual um mesmo sistema interconectado” (HAYLES, 1999_____. How We Became Posthuman. Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1999., p. 290).

Em seu discurso otimista, Hayles reclama a necessidade de não se interpretar o avanço da interface tecnológica no cotidiano das pessoas como um estímulo à introspecção, mas à expansão do pensamento e da subjetividade numa série infinita de meios. Na sua perspectiva, esse entendimento seria um antídoto potente ao imaginário que rejeita o meio cibernético como propiciador de uma divisão entre corpo e mente, relegando o pesado corpo à inércia no mundo real, em benefício da leveza da mente liberta no espaço virtual - ideia disseminada por William Gibson em sua distopia Neuromancer, na qual o personagem Case, convertido em pura consciência, libertava-se no mundo simulacro da Matrix, temendo acima de tudo cair de volta no real e no seu suporte carnal: o corpo.

A repulsa ao corpo é uma marca inelutável do Transhumanismo, corrente de pensamento segundo a qual o melhoramento da condição humana só pode ser alcançado a partir do uso da ciência e da tecnologia (biotecnologia, nanotecnologia e neurotecnologia) para aumentar a capacidade cognitiva e superar as limitações físicas e psicológicas da espécie em seu estágio atual. Seus defensores afirmam que a corrente visa a analisar os problemas éticos na relação humano-robô e cérebro-máquina a partir de uma perspectiva “humanística”, com o intuito de proclamar a liberdade e a acessibilidade na escolha destes recursos pós-humanos. Assim, o cientificismo e o ceticismo são instrumentos fundamentais desta corrente; remontando a Platão, que dizia que o corpo é um peso ao qual estamos presos como a ostra a sua concha, e encontrando eco na visão dualista de Descartes, para quem o corpo é uma mecânica articulada, composto de arruelas e contrapesos, como um relógio.

Para Adauto Novaes, no entanto:

Pensar o corpo como máquina - ou, no limite, sua substituição por “máquinas inteligentes” - é o mesmo que ver sem perceber. A máquina funciona, o homem vive, isto é, estrutura seu mundo, seus valores e seu corpo. Merleau-Ponty diz que a ciência manipula as coisas, mas renuncia a habitá-las. E Michel Foucault, com a teoria do biopoder, lembra que o controle da sociedade sobre os indivíduos não se faz apenas através da consciência ou da ideologia, mas também no corpo e com o corpo. Para a sociedade capitalista, é a biopolítica o que mais conta, isto é, o trabalho de produção e manipulação dos afetos. (NOVAES, 2003NOVAES, Adauto (Org.). O Homem-Máquina. A Ciência Manipula o Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 10-11)

David Le Breton vai mais além e afirma que o corpo é a ruína de muitos dos esforços do espírito, aniquilados pela inevitabilidade da morte. Contrapondo a natureza, o homem deflagrou uma era pós-biológica que trabalha para promover o triunfo dos robôs pensantes, infinitamente complexos e eficazes, e que não mais se distinguirão da humanidade atual a não ser por sua perfeição técnica e pelo abandono do corpo. Moravec, autor de Mind Children, afirma que o desenvolvimento da máquina é precisamente a salvação da humanidade. Entretanto, Le Breton pondera:

Se o homem só existe por meio das formas corporais que o colocam no mundo, qualquer modificação de sua forma implica uma outra definição de sua humanidade. Se as fronteiras do homem são traçadas pela carne que o compõe, suprimir ou acrescentar componentes modifica a identidade pessoal que é própria do homem e suas referências aos olhos dos outros. Os limites do corpo desenham, em sua escala, a ordem moral e significante do mundo. Pensar o corpo é outra maneira de pensar o mundo e o vínculo social: uma desordem introduzida na coerência do mundo. Se o corpo não é mais a pessoa, então toda a antropologia ocidental, e todo o humanismo implícito e explícito que ela sustentava, são postos em questão. (BRETONLE BRETON, David. Adeus ao Corpo, in: NOVAES, Adauto (Org.). O Homem-Máquina. A Ciência Manipula o Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. apud NOVAES, 2003NOVAES, Adauto (Org.). O Homem-Máquina. A Ciência Manipula o Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 136)

Ainda em 1933, Walter Benjamin analisou com premonitória clareza as consequências dessa mutação vindoura, quando mencionou a “pobreza de experiência” que advirá num mundo descorporificado, afeito aos simulacros virtuais e à espetacularizações do real:

Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do “atual”. ... Não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências. Não, eles aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram a um mundo em que possam ostentar tão pura e tão claramente sua pobreza externa e interna, que algo de decente possa resultar disso. (BENJAMIN, 1987BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza, in: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 114-199., p, 118-119)

Talvez ironicamente, Benjamin parece ver na barbárie dos tempos modernos “um conceito novo e positivo”, que impele o homem a partir para a frente, a começar de novo, a contentar-se com pouco, a construir com pouco, sem olhar para a direita nem para a esquerda:

Entre os grandes criadores sempre existiram homens implacáveis que operaram a partir de uma tabula rasa. Foram construtores. A essa estirpe pertenceu Descartes e Einstein. Essas criaturas falam uma língua inteiramente nova. Decisiva, nessa linguagem, a dimensão arbitrária e construtiva, em contraste com a dimensão orgânica. Tal linguagem recusa qualquer semelhança com o humano, princípio fundamental do humanismo. (BENJAMIN, 1987BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza, in: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 114-199., p. 117)

O recuo na linguagem humana também é aludido por Maurice Blanchot em seu O livro por vir, quando reflete sobre “o último escritor”, com o qual desapareceria, sem que ninguém o percebesse, o pequeno mistério da escrita:

O que resultaria disso? Aparentemente um grande silêncio. É o que se diz, polidamente, quando algum escritor desaparece: uma voz se calou, um pensamento se dissipou. Que silêncio, então, se mais ninguém falasse daquela maneira eminente que é a fala das obras, acompanhada do rumor de sua reputação! Sonhemos com isso. Épocas assim existiram, existirão, essas ficções são realidade em certo momento da vida de cada um de nós. Para surpresa do senso comum, no dia em que essa luz se extinguir, não será pelo silêncio, mas pelo recuo do silêncio que se anunciará a era sem palavras. Nada de grave, nada de ruidoso: apenas um murmúrio que nada acrescentará ao grande tumulto das cidades que suportamos ouvir. Seu único caráter: ele é incessante. Uma vez ouvido, não poderá deixar de se fazer ouvir, e como nunca o ouvimos verdadeiramente, como escapa à escuta, escapa também a toda distração, tanto mais presente quanto mais tentamos evitá-lo: a repercussão antecipada do que não foi dito e jamais o será. (BLANCHOT, 2005BLANCHOT, Maurice. O Livro por Vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 320)

As obras que analisaremos a seguir aprofundam essas questões no âmbito do corpo da representação literária, desdobrando-se em múltiplos reflexos que retomam a tradição da escrita ficcional desde o D. Quixote, figura já desorientada pela excessiva frequentação do mundo fantástico das novelas de cavalaria, que o apartam de uma conveniente imersão no plano da realidade - embora não o incapacitem a pensar e a emitir juízos mordazes sobre ela. Retomado por Borges em seus exercícios de crítica futurística, a criatura emblemática de Cervantes é privada de seu Criador, atribuindo-se-lhe uma autoria variável e exposta às convulsões da passagem do tempo. Dando continuidade à política de redistribuição das origens, Nabokov furta o poema do ilustre acadêmico John Shade para fins de uma análise crítica que resultará na escrita de um enfatuado romance autobiográfico; enquanto décadas depois, o professor Holeton veiculará na internet o ilegível poema de autoria de Alan Richardson, um ex-banqueiro milionário que, após sua falência com o colapso das ações das empresas “pontocom”, resolve dar uma guinada na sua vida, cultivando um rabo de cavalo e escrevendo um texto anagramático a partir das nove letras da palavra hypertext. Esse texto viraliza no meio digital, gerando um fandom de admiradores e tornando-se alvo das atenções dos críticos culturais na Academia.

A crítica literária em tempos cientificistas

I have no desire to twist and batter an unambiguous apparatus criticus into the monstruous semblance of a novel. Vladimir Nabokov, Pale Fire (1987_____. Pale Fire. London: Penguin, 1987., p. 71)

“Transformar um cristalino apparatus criticus de um poema no arremedo monstruoso de um romance”: o temor assim explicitado pelo professor universitário inventado por Vladimir Nabokov numa de suas obras traduz a intenção deliberada e sarcástica de alguns escritores modernos de responder à explosão cientificista da crítica literária nos anos 1960 e 1970, a qual, ao contrário - e de fato -, é que parecia divertir-se em transformar o romance num apparatus criticus monstruoso.

O escritor que antecipou, e cinicamente respondeu a essa covarde tendência, foi Jorge Luís Borges, que ainda em 1944 publicou a coletânea Ficções - reunião de contos que se apresentam como irônicas peças de crítica literária. Um desses contos, “Pierre Menard, autor do Quixote”, tornou-se um verdadeiro fetiche universitário, ilustrando um dos temas centrais de teorias da literatura modernas, ao sugerir um personagem que se impõe a tarefa quixotesca de escrever o Dom Quixote de Cervantes, não como uma paródia, paráfrase, cópia ou transcriação; mas como se ele, Menard, pudesse ser o próprio Cervantes. A frustração do projeto do francês acaba revelando, porém, um fato inusitado: afinal, haveria hoje algum outro Quixote que não o de Menard? Haveria hoje alguém capaz de ler a obra de Cervantes tal como ela teria sido lida no século XVII, ou só poderíamos ler da obra de Cervantes aquilo que o nosso horizonte de expectativas nos possibilita? Neste caso, o que lemos não é o Quixote de Cervantes, mas o Quixote do nosso contemporâneo Menard (evidente alegoria do crítico, que nem precisou realmente escrever a obra, uma vez que ela já estava escrita). Em outras palavras - como diria o pragmático Stanley Fish_____. Is There a Text in This Class? Cambridge: Harvard University Press, 1980. em Is There a Text in this Class? -, não lemos o Quixote, não interpretamos o Quixote: nós o “escrevemos”, nós o “construímos”.

Borges não é uma criatura confiável quando escreve; sua diversão mórbida é ver como os críticos, figurados nas Madames Bachelier, nas Baronesas de Bacourt, acreditam de tal forma em suas “ficções” que as utilizam como os alicerces de suas próprias construções teóricas sobre a realidade. Perfeitamente inserido no mundo das armas, da competitividade e do poder, onde ao espírito só resta o constrangimento, Borges só aparentemente “desiste” de ser um escritor. Sim, porque é o escritor que esboça como seu narrador preferencial, como sua personagem mais atraente, traduzida na caricatura irônica de um crítico literário, como revela a confissão feita no prólogo às Ficções:

Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma ideia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários. (BORGES, 1989BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Globo, 1989., prólogo)

Realizador de comentários e de resumos sobre livros, Borges parece parodiar insistentemente a ociosidade dos críticos que, como escritores frustrados, dedicam-se à afirmação de que não vale a pena escrever porque a própria leitura é uma tarefa de criação. Desconstruímos e construímos livros sem empreender qualquer esforço: eles brotam dos textos alheios ou de nossas mentes à nossa revelia, provenientes dos recônditos secretos do nosso inconsciente coletivo, o que nos autoriza plenamente a fazer do livro que os outros escreveram - no tempo em que se escreviam livros - aquilo que bem entendermos. Somos Pierre Menards, autores do Quixote, do Hamlet, da Divina Comédia, do Livro Sobre Nada, d’A Rainha dos Cárceres da Grécia, das Ficções... e destas somos, literalmente, por iniciativa do próprio autor (o que será isso, um “autor”?), pois Borges, adiantando-se à sanha dos acadêmicos, já não faz livros, apenas sugere argumentos. É o que denuncia no conto “Exame da obra de Herbert Quain”, em que analisa a interessante proposta do ilustre desconhecido Quain (“Quem”?): redigir as oito narrativas do livro Statements, cada uma delas prefigurando um bom argumento, frustrado voluntariamente pelo autor. O leitor, distraído pela vaidade, acreditaria tê-las inventado (BORGES, 1989BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Globo, 1989., p. 60).

Qualquer semelhança com a estrutura do conto O Jardim de Caminhos que se Bifurcam, com as suas oito narrativas-argumentos, não parece mera coincidência. Talvez Borges propague ideias exatamente opostas às suas preferidas, oferecendo muitas vezes no próprio corpo de seus textos uma justificativa para os defensores da estética da pulverização da literatura no mundo, da estética da arrogância desnorteada do leitor no nosso presente escasso de criadores. Tal sacrifício pareceria até fora de moda, mas como isso faz parte de sua invenção, certamente é uma das felicidades que a literatura deve ter-lhe ministrado, e que ele retribuiu propagando-a subliminarmente através de um irônico paradoxo:

Herbert Quain era, naturalmente, um autor de ideias bastante arejadas. Condenava Flaubert e Henry James, por exemplo, que teriam nos acostumado a supor serem as obras de arte “infrequentes e de penosa realização”. Quain, ao contrário, não compartilhava dessa desconsolada opinião; “parecia-lhe que a boa literatura era bastante corriqueira e que se a encontrava até no diálogo de rua”. Talvez por isso tenha optado em seu primeiro livro - The God of the Labyrinth - pelo gênero da narrativa policial, que lhe valeu inclusive uma “comparação com as apreciadas obras da Sra. Agatha Christie”. (BORGES, 1989BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Globo, 1989., p. 55)

O mesmo recurso é utilizado por Vladimir NabokovNABOKOV, Vladimir. Fogo Pálido. Tradução de Jorio Dauster e Sérgio Duarte. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1985. em Fogo Pálido (de 1962), que discute o estatuto do romance como um gênero à luz das modernas teorias acadêmicas. Inserindo no molde do romance policial uma discussão de cunho teórico e crítico sobre os destinos do autor e da narrativa de ficção num universo coalhado de “especialistas”, ambos transformam o romance na vítima de suas tramas, que não por acaso se erigem como paródias das atitudes mais modernas de crítica e de leitura.

Travestido1 1 Mas nem tanto, pelas evidentes alusões autobiográficas presentes na construção deste personagem: Vladimir Nabokov nasceu em 1899 em São Petersburgo, no berço da nobreza russa. Seu pai era o advogado liberal, estadista e jornalista Vladimir Dmitrievich Nabokov, e sua mãe era a herdeira Yelena Ivanovna, neta de um milionário dono de minas de ouro. Com a Revolução Bolchevique (1917), os Nabokov procuraram exílio na Europa Ocidental. Em 1922, o pai de Nabokov foi morto a tiros em Berlim pelo monarquista russo Piotr Shabelsky-Bork, enquanto tentava proteger o verdadeiro alvo, Pavel Milyukov, um líder do Partido Constitucional Democrata no exílio. Esse patético e equivocado assassinato ecoa repetidamente na ficção de Nabokov. Em Fogo Pálido, um assassino mata, por engano, o poeta John Shade, quando o seu suposto alvo era um monarca europeu fugitivo (que viria a ser Charles Kinbote, alter-ego do próprio Nabokov). Posteriormente, os Nabokov mudaram-se para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Manhattan. Nabokov juntou-se ao corpo docente do Wellesley College em 1941, como professor residente de Literatura Comparada. na figura de Charles Kinbote, Nabokov professor russo visitante de uma universidade americana, desnuda satiricamente os bastidores da Academia ao realizar a edição crítica do último poema de John Francis Shade, um poeta nativo, recentemente falecido, membro do corpo docente e tido como grande escritor. A “crítica” - na verdade o relato de uma história policial sob a forma, o pretexto e as aparências de um estudo literário convencional - é, ao mesmo tempo, hilariante como paródia e eficaz como narrativa. No âmbito crítico, realiza exatamente o que propõem as estéticas da recepção mais radicais: superinterpreta a tal ponto o poema (simulando realizar uma análise de cunho biográfico-formalista), que acaba por desfechar-lhe um golpe fatal, esquartejando-o minuciosamente e como que o desfazendo com ácido sulfúrico, de modo a não deixar, no estudo assassino, qualquer “pista” sobre o cadáver. Não sobram sequer as cinzas do poema, curiosamente intitulado “Fogo Pálido”, e nem a sombra do seu autor, curiosamente chamado John Shade, mas apenas o brilho fulgurante e entusiático do crítico invejoso, um rei disfarçado, que se quer “autor” ele mesmo.

Ironicamente ou não, a verdade é que o texto acaba prestando um grande favor aos partidários das estéticas do homicídio literário, oferecendo-lhes um corpo; pois, como afiança uma máxima dos romances policiais, simplesmente “não há crime se não houver cadáver”. Por isso, o professor Kinbote induz com tanta insistência o professor Shade a escrever o poema que será objeto de sua “análise”. Análise esta que o próprio Kinbote define, exprimindo, como Borges, o estrito inverso daquilo que pretende fazer: “Não tenho a intenção de transformar um cristalino apparatus criticus no arremedo monstruoso de um romance”. Mas isso é exatamente o que se obtém de sua leitura, num radical exemplo das consequências a que o exercício das modernas teorias pode levar. Afinal, como previa o próprio Shade, em seus versos:

Life Everlasting - based on a misprint! I mused as I drove homeward: take the hint, And stop investigating my abyss? But all at once it dawned on me that this Was the real point, the contrapuntal theme; Just this: no text, but texture; not the dream But topsy-turvical coincidence, Not flimsy nonsense, but a web of sense. Yes! It sufficed that I in life could find Some kind of link-and-bobolink, some kind Of correlated pattern in the game, Plexed artistry, and something of the same Pleasure in it as they who played it found. ( NABOKOV, 1987 _____. Pale Fire. London: Penguin, 1987. , Canto 3-810, p. 53) 2 2 “A vida eterna! – um erro tipográfico!/Na volta, perguntei-me se devia/Parar de vez a exploração do abismo./Mas, de repente percebi que aquela/Era a lição, o tema em contraponto:/Menos valia o texto que a textura;/O sonho, que a tortuosa coincidência;/A tola imagem, do que a teia rica de mensagens. Bastava, sim, que em vida/Eu descobrisse algum padrão, alguma/Coerência interna no intrincado jogo,/Para extrair um pouco do prazer/Que hão de sentir aqueles que o controlam.” (NABOKOV, Vladimir. Fogo Pálido, tradução de Jorio Dauster e Sérgio Duarte. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1985)

Assim é que o crítico Kinbote toma posse do poema de Shade com o intuito de aproveitar-se da notoriedade do outro para divulgar o seu próprio texto, a história de “Zembla”, sua terra natal, e a história de Charles, o Bem Amado, rei de Zembla exilado anonimamente nos Estados Unidos, que vem a ser o próprio Kinbote. A sinceridade com que ele “constrói” sua leitura à revelia do texto só é comparável ao cinismo com que insiste em se utilizar do texto como a origem mesma dessa “leitura” (as semelhanças com a ação da crítica literária cientificista sobre a literatura não são mera coincidência...).

Talvez advenha daí a proposta de alguns escritores que parecem mais sinceramente preocupados com a autonomia e a liberdade do ser humano do que com a capacitação de certos traços de sua natureza, que não parecem conduzir propriamente ao crescimento e melhoramento da “espécie”. A literatura, para eles, não é um mero veículo para a obtenção de poder e de status social, mas um legítimo instrumento de exercício da imaginação, da percepção e da expressão crítica dos seres humanos. A leitura de obras literárias aguça a habilidade do raciocínio, a percepção dos afetos e a compreensão da realidade, mecanismos que os teóricos da recepção têm demonstrado ser muito mais amplo do que a mera decifração de códigos; mas que, seguramente - como insistiu, na década de 1990, o autor arrependido d’A Obra Aberta dos anos 1960 - não é nada sem alguma decifração de códigos.3 3 Como diz Umberto Eco em Interpretação e Superinterpretação – livro que reúne suas palestras para as Conferências Tanner de 1990: “Em 1962 escrevi a Obra Aberta, livro em que eu defendia o papel ativo do intérprete na leitura de textos dotados de valor estético. Quando aquelas páginas foram escritas, meus leitores focalizaram principalmente o lado aberto de toda a questão, subestimando o fato de que a leitura aberta que eu defendia era uma atividade provocada por uma obra e visando a sua interpretação. Tenho a impressão de que, no decorrer das últimas décadas, os direitos dos intérpretes foram exagerados (ECO, 1993, p. 27).

A crítica literária em tempos ciberculturalizados

Sobre o hipertexto

O advento da informática, dos meios digitais e da rede mundial de computadores tem impactado diretamente o modo de produção e recepção dos objetos estéticos. A produção de obras multimídia, multissensoriais, interativas, em ambientes imersivos, divulgadas ou expostas em espaços alternativos são exemplos de como os novos recursos tecnológicos têm permitido às criações artísticas novas possibilidades de expressão e experimentação. No caso específico da arte literária, os novos meios têm permitido o desenvolvimento de obras classificadas como “literatura eletrônica” porque, diferentemente de textos convencionais, são criadas e/ou executadas, exclusivamente, através de suportes eletrônicos.

Conforme a definição explicitada no site da Eletronic Literature Organization (ELOELETRONIC LITERATURE ORGANIZATION. What is E-lit. Disponível em: <http://eliterature.org/what-is-e-lit/>
http://eliterature.org/what-is-e-lit/...
), o termo “literatura eletrônica”, ou “e-lit”, refere-se a trabalhos com importante aspecto literário que se utilizam das capacidades e contextos fornecidos por um computador independente ou em rede. Esse tipo de texto não deve ser confundido com aqueles meramente digitalizados, sejam eles e-books ou obras que, embora veiculadas em sites da internet, não dependem dos meios informáticos para sua criação e fruição, podendo ser impressas sem a perda de suas características originais. Para marcar essa diferença, N. Katherine Hayles, autora de Eletronic Literature - New Horizons for The Literary enfatiza:

A literatura eletrônica, geralmente considerada excludente da literatura impressa que tenha sido digitalizada, é, por contraste, “nascida no meio digital” (digital born), um objeto digital de primeira geração criado pelo uso de um computador e (geralmente) lido em uma tela de computador. (HAYLES, 2009HAYLES, N. Katherine. Literatura Eletrônica: Novos Horizontes para o Literário. Tradução Luciana Lhullier e Ricardo Moura. São Paulo: Global; Fundação Universidade de Passo Fundo, 2009., p. 20)

As marcas caracterizadoras da literatura eletrônica advêm, em grande parte, da utilização de recursos inerentes aos meios informáticos. Entre esses recursos, destaca-se o uso do HTML (HyperText Markup Language), ou “Linguagem de Marcação de HiperTexto”, em português: linguagem padrão para criação de hipertextos a serem publicados na World Wide Web, incluindo obras literárias configuradas nesse formato, chamadas de “ficções hipertextuais”. Segundo Landow (2009LANDOW, George P. Hipertexto 3.0: La Teoria Crítica y Los Nuevos Médios em uma Época de Globalización. Barcelona: Paidós Ibérica, 2009., p. 25), um hipertexto pode ser definido como “um texto composto por fragmentos de texto e pelas ligações eletrônicas que os conectam entre si”. De maneira mais detalhada, acentuando características como a multimidialidade e o percurso inusitado de leitura, Lévi conceitua o gênero como:

Um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa, portanto, desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira. (LÉVY, 1993LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. São Paulo: Editora 34, 1993., p. 3)

Já a “ficção hipertextual”, segundo Gaggi (2015GAGGI, Silvio. From Text to Hypertext: Decentering the Subject in Fiction, Film, The Visual Arts and Electronic Media. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2015., p. 122), é um hipertexto como outro qualquer: “uma variedade de nós ou lexias conectados por vários links, criando uma teia ou rede que o leitor navega de diversas maneiras”. Um hipertexto, ficcional ou não, é uma rede composta por textos diversos ou blocos separados de um mesmo texto, que podem ser acessados de forma aleatória através de pontos que os conectam uns aos outros. Graças a esta estruturação, o hipertexto garante autonomia ao leitor, responsável por traçar seu próprio trajeto de leitura.

O hipertexto eletrônico não deve ser confundido com aquele definido por Gerard Genette na década de 1970, como obra que deriva de outra através de uma transformação ou imitação. No fenômeno da “hipertextualidade” estudado por Genette, o hipertexto refere-se aos gêneros paródia, travestimento, transposição, pastiche, charge e forjação, que resultam da modificação de um texto anterior, classificado como hipotexto. Evidentemente, nada impede que o hipertexto gennetiano seja configurado no formato do hipertexto enquanto rede formada por partes de textos interligadas.

É necessário ressaltar, contudo, que a concepção do hipertexto é muito anterior ao desenvolvimento dos suportes eletrônicos. Os índices remissivos de glossários, dicionários, enciclopédias e outras obras de referência, assim como as notas de rodapé ou de fim, presentes nas monografias em geral, são os tipos mais mencionados de hipertextos em obras impressas não ficcionais. No campo da literatura, os exemplos também são variados, graças ao experimentalismo criativo responsável pela construção de obras combinatórias. Exemplos disso são os romances concebidos nos anos 1960 pelo grupo francês OuLipo (Ouvroir de Littérature Potentielle, ou Oficina de Literatura Potencial). Corrente literária formada por escritores e matemáticos, propõe a paradoxal libertação da literatura através do exercício de constrangimentos literários, regras previamente estabelecidas às quais deve ser sujeita a inspiração criadora e a leitura. Concebidas como complexos puzzles, as obras de membros do OuLipo como Georges Perec, com A Vida Modo de Usar, e Ítalo Calvino, com O Castelo dos Destinos Cruzados, por exemplo, grande influência teriam exercido na produção de autores latinoamericanos como Júlio Cortázar, autor de O Jogo da Amarelinha, e Osman Lins, autor de Avalovara - romances que podem ser considerados proto-hipertextuais na sua concepção e no tipo de recepção a que se destinam.

Contudo, nos hipertextos impressos prevalecem as remissões, que repassam ao leitor o árduo trabalho de procurar os fragmentos dispersos pelo livro-objeto. Já no hipertexto eletrônico, basta um clique para estabelecer uma conexão entre muitas, tornando o acesso aos conteúdos fragmentários mais fácil e automático. Além disso, o suporte impresso limita as possibilidades de combinações, tanto em termos de variedade quanto de quantidade de elementos associados. Em contrapartida, o hipertexto em meio digital pode abranger lexias tão diversas quanto um som e uma imagem. Já a web, devido à sua abrangência, permite que as conexões sejam ampliadas de forma exponencial, já que um site pode conter links que remetem a outros sites, os quais, por sua vez, remetem a outros e assim sucessivamente.

Sobre O Hipertexto

The result of all this technological intervention - the drug therapy, the cosmetic operations, the violent sex-reassignment surgery itself - is a hybrid woman-machine or seductive technosexual cyborg. Especially if you start off with a small-boned, soft-featured male, you can turn, for example, a mousy Wall Street banker-trader into quite a fetching female poet-critic. Richard A. Holeton4 4 Richard Holeton, professor de Ciência da Computação na Universidade de Stanford, organizador de livros e artigos em tecnologia, é também escritor de ficção eletrônica, autor do premiado Figurski at Findhorn on Acid (Eastgate Systems, 2001), entre outras obras. . Frequently Asked Questions About Hypertext. In: Eletronic Literature Collection, vol. 1 (2005).

O exato motivo de estudantes de literatura terem se tornado cientistas políticos amadores, sociólogos desinformados, antropólogos incompetentes, filósofos medíocres e superdeterminados historiadores culturais, embora não seja uma questão intrigante, não está além de toda conjetura. Eles se ressentem da literatura, ou se envergonham dela, ou simplesmente não gostam de ler. Harold BloomBLOOM, Harold. O Cânone Ocidental. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995., O Cânone Ocidental

O título proposto por Richard HoletonHOLETON, Richard. Frequently Asked Questions About “Hypertext”, in: Eletronic Literature Collection, a publication of The Eletronic Literature Organization (ELO), Vol. 1 (2006). Disponível em: http://collection.eliterature.org/
http://collection.eliterature.org/...
para a sua obra de ficção eletrônica é capcioso porque sugere uma explicação teórica sobre o hipertexto (como a fornecida acima), quando, de fato, se conduz como uma análise pontual de uma obra específica: o poema Hypertext, do poeta (fictício) Alan Richardson - na verdade um anagrama do nome do próprio autor. Desde o início, o leitor se depara com uma mudança de perspectiva: a perda do enfoque genérico dos temas acadêmicos em função de abordagens privadas. O “universal” dá espaço ao “particular”. São os interesses pessoais de Alan Richardson (ou seriam do próprio Richard Holeton, que usará esta e outras máscaras pseudonímicas para se ocultar?) que contam na análise, numa bem-humorada reflexão sobre as motivações dos Estudos Culturais universitários em tempos pós-humanistas. O olhar formalista/estruturalista, que pregava a morte do contexto em função da poética e da retórica, cede lugar ao olhar culturalista, que prega a morte do texto em função da história e da ideologia.

Leyla Perrone-MoisésPERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas Literaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. - para quem “esta tendência nada tem de pernicioso, apenas acusa o movimento pendular entre o texto e o contexto que tem caracterizado os estudos literários modernos, em função da ambivalência do próprio objeto de estudo” - explica o fenômeno:

Surpreendentemente, o maior reforço do estrangulamento dos estudos literários não foi obra de tecnocratas, mas de professores de literatura “politicamente corretos”, que submeteram as análises e a própria escolha de textos a critérios de raça, gênero e classe. Nas universidades norteamericanas, a literatura tende a desaparecer como disciplina autônoma, integrando-se aos estudos culturais, ou multiplicando-se e particularizando-se em razão da abordagem ideológica de grupos militantes; estudos “de gênero” (feministas, gays e queers); estudos “pós-coloniais” (a literatura produzida por ex-colonizados, na língua das ex-metrópoles); estudos “multiculturais” (os quais, na prática, são monoculturais, pois cada cultura quer manter seu compartimento, ou departamento). (PERRONE-MOISÉS, 2003, p. 191)

Curiosamente, uma das vozes mais resistentes a esse movimento - a do crítico Harold Bloom, professor da Universidade de Yale e autor do polêmico O Cânone Ocidental - é identificada pela professora como “um verdadeiro presente aos multiculturalistas e a todos os inimigos do cânone ocidental”, não tanto pelo logocentrismo assumido, ou mesmo pelo descarado anglocentrismo de sua obra, mas particularmente pelo seu egocentrismo: “tanto Bloom quanto os ‘demolidores de cânone’ atribuem a formação dos cânones e sua manutenção a uma extrema competitividade, a qual talvez seja o traço norteamericano que os une para além das disputas. ... A leitura literária não é um prazer (farpas contra Barthes), muito menos uma felicidade (farpas contra Borges), mas algo tão privado, tão triste e tão difícil que não pode ser ensinada para muitos” (PERRONE-MOISÉS, 2003, p. 200). Dessa forma, se não há cânone sem consenso, o cânone “para mim” de Bloom não pode passar de um manifesto privado e pessoal, como os demais cânones corporativistas e sectários que transformaram os cursos de Letras numa arena de interesses políticos - ainda que por motivos diversos.

Inserido neste cenário, o autor de Frequently Asked Questions About “Hypertext” imita a estrutura de um FAQ (Perguntas Frequentes). Segundo o verbete do Dicionário de Informática e Internet de Sawaya (1999SAWAYA, Márcia Regina. Dicionário de Informática e Internet. São Paulo: Nobel, 1999., p. 174), o FAC “é um documento on-line que responde às perguntas mais frequentes em grupos de discussão UseNet, postado em intervalos regulares e arquivos em diversos sites”. Presume-se que os FAQs tenham surgido nos grupos de discussão da internet, a fim de evitar o trabalho de responder questões similares diversas vezes. Contudo, hoje estão presentes em diversos tipos de sites e visam responder às indagações mais comuns dos internautas sobre conteúdos publicados, produtos e serviços oferecidos, entre outros.

O poema Hypertext é apresentado à direita, na página inicial de Frequently Asked Questions About “Hypertext”. Alinhadas no lado esquerdo da tela, encontram-se nove perguntas que constituem as entradas principais da teia hipertextual da ficção. Clicando-se em cada uma delas, descobrem-se novos detalhes acerca da origem, das interpretações críticas, do enorme sucesso do poema e dos detalhes da vida e da morte do autor. Como esses assuntos estão interligados, o processo de leitura ocorre necessariamente de forma não linear, dependendo dos pontos que chamam a atenção do leitor. Nesta obra, o FAQ foi criado pelo também anagramático personagem Richard Alan Holeton para tentar esclarecer dúvidas acerca do poema Hypertext, de Alan Richardson.


Organizado em três tercetos, o poema parece obedecer a um constraint da literatura oulipiana, que o induz a utilizar (ou a inventar) palavras contendo apenas as letras da palavra-título - hypertext. Composto por 69 vocábulos combinatórios, cada um dos nove versos também se inicia com uma das letras do título, formando um acróstico vertical desordenado (R P H T Ex Ex Ex T Y). Se, por um lado, essa estrutura revela o aspecto lúdico do jogo engendrado no texto; por outro, o caráter obsessivo da construção, em termos cognitivos, sacrifica o sentido em nome das “regras” da brincadeira. Não há preocupação com beleza, nem com a veiculação de um conteúdo humanista esperado para um texto lírico. A leitura simula uma fala computadorizada, organizada como um simulacro de poema, cuja primeira impressão é a da ilegibilidade.5 5 De acordo com o crítico, o autor teria reconhecido o caráter ardiloso da proposta, que transferia deliberadamente a construção do significado para o leitor: “He said the poem was just a simple kind of word game, though he hoped it might make ‘some kind of syntactic sense’ or even ‘suggest a coherent narrative’ that readers could discover or construct for the text.”. (HOLETON, 2005)

Ilegível em si mesmo - ou imerso em seu complexo hermetismo experimental - o poema necessita, portanto, de “explicadores”: paratextos os mais variados, que são embutidos nas Perguntas Frequentes. Assim o que “lemos”, desde a apresentação, são as informações: 1. O texto em si nada significa, o texto não importa; 2. Os paratextos - usos críticos e criativos - é que interessam, enquanto releituras e desleituras do poema; 3. O valor do poema advém de sua popularidade, fruto da propaganda que dele se faz; 4. O poema não precisa ser obra de um poeta. Qualquer um pode escrever um poema de sucesso, até alguém não afeito às palavras e aos afetos, como um tecnocrata falido do mercado de capitais. Conclusão: um poema em tempos de Pós-Humanismo é um acontecimento midiático, coletivo e globalizado, destituído de uma corporalidade aurática (peça específica da linguagem destinada a traduzir a percepção de um ser humano particular sobre a sua realidade íntima e circundante, comunicável a outros de sua espécie), e reconstruído como uma corporalidade maquínica (fragmentos de uma linguagem eletrônica, potencialmente vazia, destinada a múltiplos preenchimentos na dependência dos devires tentaculares de seus leitores mutantes).

Muito próxima do conceito da Literatura Combinatória dos oulipianos, a experiência de Alan Richardson sugere uma otimização, mediante o uso dos recursos do computador, dos princípios usados por Raymond QueneauQUENEAU, Raymond. Cent Mille Milliard de Poèmes. Paris: Gallimard, 1982. no poema Cent Mille Milliards de Poèmes (1961), por exemplo: uma coleção de dez sonetos de catorze versos alexandrinos impressos numa cinta de cartão, os quais podem ser destacados por uma das pontas a fim de, com eles, se construir novos poemas. Cada linha é uma unidade isolada que pode ser permutada com qualquer outra linha de qualquer dos 10 sonetos. Independentemente do arranjo que se faça, sempre haverá uma consonância gramatical, estilística e semântica no texto derivado. O resultado dessa combinatória seriam 100.000.000.000.000 diferentes poemas.

A aniquilação da autoria real e individual do poema, e sua substituição pela manipulação computadorizada aleatória de seus componentes, evoca inevitavelmente a premonição de Blanchot sobre a morte do último escritor. Morto este cidadão - não se sabe quem era -, já não se dispõe da voz humana original para impor o devido silêncio à avalanche ruidosa e ruinosa do murmúrio constante das falas digitalizadas, anônimas, soltas na insustentável leveza da sua gratuidade (ou leviandade?), ansiosas por encontrar um porto para a afirmação de seus hiperegos dispersos. Numa perspectiva um tanto melancólica, já não se dispõe de uma voz autêntica ou genuína que diga “J’accuse”, ou sequer “O rei está nu”.

Portanto, assim como no Pale Fire de Nabokov, acompanhamos na ficção de Holeton a construção de “monstruosos aparatos críticos” sobre um poema - de si ainda mais pálido do que o original de Shade, e obviamente muito mais cínico - que acabam engendrando uma rocambolesca narrativa policial, com a dupla morte dos críticos Ellen Richards e Richard Allman (evidentemente, anagramas do autor), retratados como encarnecidos rivais na superinterpretação de Hypertext como base para a fundamentação teórico-ideológica de seus departamentos acadêmicos. Durante o 10º Simpósio Anual de Hipertexto (10 HT), antes da esperada conferência conjunta de Richards e Allman - ansiosamente aguardada pelos simposistas, desde os mais distintos; hospedados, naturalmente, no luxuoso Schlitz-Marlboro Resort em Half Moon Bay, até os mais destituídos, acampados pelas redondezas -, ambos os críticos caem mortos, fulminados sobre seus laptops abertos:

Just before they delivered their papers, both Richards and Allman, from opposite ends of the red-skirted table, slumped over in their chairs. Their heads clunked down on their laptop keyboards at almost precisely the same moment (Richards’ open Word document filled with the repeated letter “Y,” the key where her surgically altered jaw had landed, while Allman's impecabbly groomed goatee hit his Delete key, prompting him to Recycle his PowerPoint file). ... Within hours, both were brain dead from acute cyanide poisoning. The poison had been mixed in their coffee (Richards) and water (Allman). ... Some folks said the apparently perfect crime was more likely committed by a highly-stressed, wacko academic, especially someone with advance knowledge about the content of Richards' and Allman's papers. Others have postulated that Richards and Allman murdered each other, with or without knowledge of the other's intention, or conspired in a double suicide. You probably have your own theory.6 6 “Pouco antes de entregarem seus artigos, Richards e Allman, nas extremidades opostas da mesa forrada em vermelho, desfaleceram em suas cadeiras. Suas mãos caíram sobre seus teclados de laptop quase precisamente no mesmo momento (o documento Word, aberto, de Richards repetindo indefinidamente a letra “Y”, tecla pressionada, na queda de sua cabeça, por sua mandíbula cirurgicamente modificada; enquanto o cavanhaque impecavelmente produzido de Allman batia na tecla Delete de seu teclado, forçando a reciclagem de seu arquivo em PowerPoint). ... Em poucas horas, tiveram morte cerebral provocada por intoxicação aguda com cianeto. O veneno tinha sido misturado em seu café (Richards) e água (Allman). ... Algumas pessoas disseram que o crime aparentemente perfeito provavelmente fora cometido por um acadêmico ensandecido e estressado, especialmente alguém com conhecimento prévio sobre o conteúdo dos papeis de Richards e Allman. Outros postularam que Richards e Allman se mataram, com ou sem conhecimento da intenção do outro, ou conspiraram em um duplo suicídio. Você provavelmente tem a sua própria teoria.” (Tradução nossa) (HOLEMAN, 2005)

A menção à “mandíbula cirurgicamente refeita” de Ellen Richards procede porque - como os leitores virão a saber pelas denúncias de Richard Allman, seu ex-amante - Ellen é a nova identidade sexual do poeta Alan Richardson -, o banqueiro falido, franzino e descarnado do início da história, totalmente repaginado pelos recursos médico-tecnológicos e pelo correto agenciamento editorial de seu único poema, numa atraente, famosa e bem-sucedida poeta-crítica. Baseado nessa descoberta e no ressentimento criado pelo engano, o crítico da Universidade de Stanford propôs uma interpretação de Hypertext que ficou conhecida como uma leitura tecnossexual. Relacionando o conteúdo da obra à biografia do autor, a leitura de Allman enfatiza que o poema faz referência a rituais de iniciação travesti e a cirurgias e tratamentos cosméticos utilizados por transexuais no processo de mudança de sexo, os quais teriam dado origem a um híbrido de mulher-máquina ou a um sedutor ciborgue tecnossexual.

Como revide, Ellen Richards acusou Allman de projetar suas próprias fantasias travestis sobre os personagens do poema-anagrama e afirmou que a leitura do ex-namorado era uma resposta heterossexista a um caso de amor fracassado com uma mulher transexual. Além disso, a poeta-crítica apresentou um novo trabalho, conhecido como a releitura pós-transexual ou pós-travesti, que compreende Hypertext como um poema que quebra com o discurso dominante sobre a sexualidade, superando a oposição entre masculino e feminino.

Mas o texto não pára por aí. Multiplicando as leituras e desleituras e a rede de relações interesseiras entre os personagens, o autor acaba por disponibilizar no site da Frequently Asked Questions About “Hypertext” um fandom construído como um programa de literatura generativa, no qual Richard Alan Holeton disponibiliza à comunidade virtual elementos para pesquisar, produzir e publicar fanfics através de geradores automáticos. Ironicamente denominado HerHim.org. (Hierarchical Electronic Recombinating “Hypertext” Interactive Matrix®), o sistema transforma “efebos” (ou eventuais candidatos a “poetas fortes”, no conceito caquético de Bloom em A Angústia da Influência) em meros usuários de um sistema pré-fabricado, controlado por uma mente oculta inacessível ao desafio e muito menos aos “estágios” de combate propostos pelo crítico para a resistência e renovação da tradição literária ocidental em termos humanos.7 7 “A Literatura Generativa é definida por Jean-Pierre Balpe (2005) como uma produção de textos literários continuamente cambiáveis. Isso significa uma literatura em que o autor não escreve os textos finais, mas que trabalha somente no nível dos componentes mais elevados: modelos, regras de conhecimento, entradas de dicionários e definições conceituais de retórica. Não se trata mais do autor-humano que concebe os textos e suas virtualidades. Não é mais o autor-humano quem decide o primeiro destino das personagens e a sequência dos acontecimentos da narrativa. Agora entra em questão o autorinformático, um engenheiro do texto que pode medir os funcionamentos da sua obra, dando ao leitor a ler, ao mesmo tempo, um texto e suas instruções. O leitor ou o escrileitor – como sugerem alguns teóricos tais como Pedro Barbosa e Alckmar dos Santos – torna-se, assim, uma espécie de montador da criação literária. Em outras palavras, torna-se um autor de softwares.” (SILVA, K de F., 2006, p. 3)

Ou seria exatamente o contrário? Afinal, como diz Bloom, um tanto pós-humanisticamente:

Todo poeta começa (não importa se inconscientemente) por se rebelar com mais força contra a consciência da necessidade da morte do que todo outro homem ou mulher. O jovem cidadão da Poesia, ou “efebo”, como teria sido chamado em Atenas, já é o homem antinatural ou antitético e desde o princípio está em busca, como poeta, de um objeto impossível - como o fizera, antes de si, seu precursor. Que essa busca compreeende, necessariamente, uma diminuição da poesia me parece uma conclusão inevitável, que uma história literária acurada deverá sustentar. ... O poema agora é sustentado em aberto, enquanto que outrora fora, de fato, aberto, e o efeito estranhíssimo (unheimlich) é que o sucesso do novo poema faz com que este nos apareça, agora, não como obra do ascendente, mas como se o segundo poeta houvesse, ele mesmo, escrito a obra característica de seu precursor. (BLOOM, 1991_____. A Angústia da Influência. Uma Teoria da Poesia. Rio de Janeiro: Imago, 1991., p. 45)

A construção anagramática de Hypertext espelha um detalhe importante na ficção de Richard Holeton: a multiplicação das personalidades autorais Alan Richardson (autor do poema), Ellen Richards (crítica e poeta), Richard Allman e Hilton Allrich (críticos), Dick A. Hellton (personagem de fanfic) são todos anagramas do personagem criador do FAQ, Richard Alan Holeton, que por sua vez é homônimo do autor da narrativa eletrônica. O falso travestimento da figura do leitor discute a real efemeridade das opiniões e teorias envolvidas no ato da leitura do texto, ressaltando os interesses egóicos envolvidos no processo.

O travestimento é um dos tipos de hipertextualidade apontados por Gerard GenetteGENETTE, Gerard. Palimpsesto. A Literatura de Segunda Mão. Belo Horizonte: Viva Voz, 2010., que opera pela transformação satírica do texto. Em Frequently Asked Questions About “Hypertext”, a prática do travestimento de textos literários é aludida pelas menções ao gênero fanfic, que constitui uma prática de hipertextualidade, no sentido genettiano, muito comum no mundo virtual, pois os textos que se enquadram nessa categoria são produzidos a partir da imitação e transformação de outros textos. Exemplo disso, na ficção de Holeton, é a fanfic Outro Dia No Escritório, de Richard Alan Holeton, criação inspirada por Hypertext que foi posteriormente plagiada pela chamada Leitura Tecnossexual do crítico Richard Allman. O efeito desses desdobramentos e da superposição de diversas análises na esteira do Formalismo, do New Criticism, dos Estudos Culturais, das leituras biográficas e psicanalíticas, do Pós-Humanismo e da Teoria Queer sobre um poema - cuja versão original e autoria também são duvidosas - contribui apenas para que se explicite o quão duvidosas podem ser as teorias e o quão subjetivo é o exercício da crítica literária.


A obra eletrônica de Richard Holeton enfatiza ainda o apagamento das fronteiras entre o real e a ficção, pela categorização de figuras históricas, vivas e mortas, como personagens imaginários, participando todos como peças das narrativas potenciais sugeridas nas listas. Composta de resumos de textos críticos e criativos que interpretam Hypertext de formas radicalmente distintas, parece funcionar como uma grande casa de espelhos que enquadra sob diferentes ângulos o mesmo objeto, com o único intuito de deformá-lo. O corpo textual é, assim como o corpo autoral fictício, submetido a intervenções as mais diversas, adquirindo formas, conteúdos e expressões antagônicos e paradoxais. Tanto as mutações grosseiras operadas na figura do autor, que muda de sexo, profissão, posição social, aparência e essência - através de expedientes artificiais e de falsidade ideológica - como aquelas operadas na imagem do texto, que perde sua configuração original pelas sucessivas interferências dos intérpretes, parecem falar de um mundo líquido, como diz Zygmunt Bauman, ao defender a “fluidez” como uma metáfora adequada para captar a natureza da presente fase na história da modernidade:

Mas a modernidade não foi um processo de “liquefação” desde o começo? Não foi o “derretimento dos sólidos” seu maior passatempo e principal realização? Em outras palavras, a modernidade não foi “fluida” desde sua concepção? ... Seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da “modernidade fluida” produziu na condição humana. O fato de que a estrutura sistêmica seja remota e inalcançável, aliado ao estado fluido e não-estruturado do cenário imediato da política-vida, muda aquela condição de um modo radical e requer que repensemos os velhos conceitos que costumavam cercar suas narrativas. Como zumbis, esses conceitos são hoje mortos-vivos. A questão prática consiste em saber se sua ressurreição, ainda que em nova forma ou encarnação, é possível; ou - se não for - como fazer com que eles tenham um enterro decente e eficaz. (BAUMAN, 2001BAUMAN, Sygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001., p. 7)

Ou ainda, como diz Paul Valéry no comentário posto em epígrafe ao livro de Bauman, “se a mente humana será capaz de dominar o que a mente humana criou”.

Referências

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  • 1
    Mas nem tanto, pelas evidentes alusões autobiográficas presentes na construção deste personagem: Vladimir Nabokov nasceu em 1899 em São Petersburgo, no berço da nobreza russa. Seu pai era o advogado liberal, estadista e jornalista Vladimir Dmitrievich Nabokov, e sua mãe era a herdeira Yelena Ivanovna, neta de um milionário dono de minas de ouro. Com a Revolução Bolchevique (1917), os Nabokov procuraram exílio na Europa Ocidental. Em 1922, o pai de Nabokov foi morto a tiros em Berlim pelo monarquista russo Piotr Shabelsky-Bork, enquanto tentava proteger o verdadeiro alvo, Pavel Milyukov, um líder do Partido Constitucional Democrata no exílio. Esse patético e equivocado assassinato ecoa repetidamente na ficção de Nabokov. Em Fogo Pálido, um assassino mata, por engano, o poeta John Shade, quando o seu suposto alvo era um monarca europeu fugitivo (que viria a ser Charles Kinbote, alter-ego do próprio Nabokov). Posteriormente, os Nabokov mudaram-se para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Manhattan. Nabokov juntou-se ao corpo docente do Wellesley College em 1941, como professor residente de Literatura Comparada.
  • 2
    “A vida eterna! – um erro tipográfico!/Na volta, perguntei-me se devia/Parar de vez a exploração do abismo./Mas, de repente percebi que aquela/Era a lição, o tema em contraponto:/Menos valia o texto que a textura;/O sonho, que a tortuosa coincidência;/A tola imagem, do que a teia rica de mensagens. Bastava, sim, que em vida/Eu descobrisse algum padrão, alguma/Coerência interna no intrincado jogo,/Para extrair um pouco do prazer/Que hão de sentir aqueles que o controlam.” (NABOKOV, Vladimir. Fogo Pálido, tradução de Jorio Dauster e Sérgio Duarte. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1985)
  • 3
    Como diz Umberto EcoECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1993. em Interpretação e Superinterpretação – livro que reúne suas palestras para as Conferências Tanner de 1990: “Em 1962 escrevi a Obra Aberta, livro em que eu defendia o papel ativo do intérprete na leitura de textos dotados de valor estético. Quando aquelas páginas foram escritas, meus leitores focalizaram principalmente o lado aberto de toda a questão, subestimando o fato de que a leitura aberta que eu defendia era uma atividade provocada por uma obra e visando a sua interpretação. Tenho a impressão de que, no decorrer das últimas décadas, os direitos dos intérpretes foram exagerados (ECO, 1993, p. 27).
  • 4
    Richard Holeton, professor de Ciência da Computação na Universidade de Stanford, organizador de livros e artigos em tecnologia, é também escritor de ficção eletrônica, autor do premiado Figurski at Findhorn on Acid (Eastgate Systems, 2001), entre outras obras.
  • 5
    De acordo com o crítico, o autor teria reconhecido o caráter ardiloso da proposta, que transferia deliberadamente a construção do significado para o leitor: “He said the poem was just a simple kind of word game, though he hoped it might make ‘some kind of syntactic sense’ or even ‘suggest a coherent narrative’ that readers could discover or construct for the text.”. (HOLETON, 2005)
  • 6
    “Pouco antes de entregarem seus artigos, Richards e Allman, nas extremidades opostas da mesa forrada em vermelho, desfaleceram em suas cadeiras. Suas mãos caíram sobre seus teclados de laptop quase precisamente no mesmo momento (o documento Word, aberto, de Richards repetindo indefinidamente a letra “Y”, tecla pressionada, na queda de sua cabeça, por sua mandíbula cirurgicamente modificada; enquanto o cavanhaque impecavelmente produzido de Allman batia na tecla Delete de seu teclado, forçando a reciclagem de seu arquivo em PowerPoint). ... Em poucas horas, tiveram morte cerebral provocada por intoxicação aguda com cianeto. O veneno tinha sido misturado em seu café (Richards) e água (Allman). ... Algumas pessoas disseram que o crime aparentemente perfeito provavelmente fora cometido por um acadêmico ensandecido e estressado, especialmente alguém com conhecimento prévio sobre o conteúdo dos papeis de Richards e Allman. Outros postularam que Richards e Allman se mataram, com ou sem conhecimento da intenção do outro, ou conspiraram em um duplo suicídio. Você provavelmente tem a sua própria teoria.” (Tradução nossa)
  • 7
    “A Literatura Generativa é definida por Jean-Pierre Balpe (2005_______. Principles and Processes of Generative Literature: Questions to Literature (2005). Disponível em: http://www.brown.edu/Research/dichtungdigital/2005/1/Balpe/index.htm
    http://www.brown.edu/Research/dichtungdi...
    ) como uma produção de textos literários continuamente cambiáveis. Isso significa uma literatura em que o autor não escreve os textos finais, mas que trabalha somente no nível dos componentes mais elevados: modelos, regras de conhecimento, entradas de dicionários e definições conceituais de retórica. Não se trata mais do autor-humano que concebe os textos e suas virtualidades. Não é mais o autor-humano quem decide o primeiro destino das personagens e a sequência dos acontecimentos da narrativa. Agora entra em questão o autorinformático, um engenheiro do texto que pode medir os funcionamentos da sua obra, dando ao leitor a ler, ao mesmo tempo, um texto e suas instruções. O leitor ou o escrileitor – como sugerem alguns teóricos tais como Pedro Barbosa e Alckmar dos Santos – torna-se, assim, uma espécie de montador da criação literária. Em outras palavras, torna-se um autor de softwares.” (SILVASILVA, K. de F. Literatura Generativa: Múltiplas Trajetórias, in: Texto Digital. Florianópolis, Ano 2, N. 2, Dez/2006., K de F., 2006, p. 3)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2016
  • Aceito
    10 Fev 2017
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