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Genji Monogatari - traduzindo a literatura japonesa do século XI para o leitor ocidental contemporâneo

The Tale of Genji - Translating Eleventh Japanese Literature to Contemporary Western Readership

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar os percursos tradutológicos de Genji Monogatari, ou, em português europeu, O Romance de Genji, um clássico da literatura japonesa, escrito por Murasaki Shikibu no século XI, a fim de inteirar-se sobre sua recepção e sua difusão literária por meio de suas traduções na língua inglesa. Originalmente concebido na língua japonesa do período Heian (794-1185), foi traduzido para o japonês moderno e também para diversos idiomas, sendo inicialmente disseminado através de traduções em inglês. As considerações acerca do processo tradutório serão norteadas pelos postulados de Toury (1995) e Berman (2007) que discutem o papel do tradutor como mediador (inter) cultural. Alguns elementos de natureza paratextual serão também considerados, com base nas orientações teóricas e metodológicas de Genette (2009) e Yuste Frías (2006; 2012).

Palavras-Chave:
Genji Monogatari; Literatura Japonesa; Traduções Inglesas; (Para)Tradução

Abstract

This study aims at presenting the translational paths of The Tale of Genji, the classic work of Japanese literature written by Murasaki Shikibu in the eleventh century, to its more recent reception and its literary circulation by means of its English translations. Originally conceived in the Japanese language from the Heian period (794-1185), it was later translated into modern Japanese and also into several languages, although it was firstly disseminated through translations in English. The theoretical framework of the translation process will be guided by Toury’s (1995) and Berman’s (2007) postulates, which discuss the role of the translator as an (inter)cultural mediator. Some elements of paratextual nature will be considered as well, based on the theoretical and methodological orientations of Genette (2009) and Yuste Frías (2006; 2012).

Keywords:
The Tale of Genji; Japanese Literature; English Translations; (Para)Translation

Introdução

A milenar obra da literatura clássica de língua japonesa Genji Monogatari1 1 Monogatari (Japanese: “tale” or “narrative”) apanese works of fiction, especially those written from the Heian to the Muromachi periods (794-1573). Monogatarideveloped from the storytelling of women at court. During the Heian period (794-1185) men wrote in Chinese, and it was women who developed this form of Japanese prose. (Fonte: Encyclopædia Britannica. Acesso em: 09 abr 2019). é considerada como o primeiro romance literário escrito no mundo.2 2 Destaca-se a complexidade que envolve a busca em categorizar Genji Monogatari, enquadrando-a em um gênero literário específico, haja vista que, diacronicamente, a obra pertence à época anterior à formação do conceito de romance, além de terem sido encontradas para o termo monogatari traduções como: “novela” e “historia” (em espanhol); “dit” (em francês); “storia” (em italiano); “romance” (em português europeu); e “novel” (em inglês). Com relação a esta última língua, as traduções apontam para a fórmula: “The Tale of Genji”, na qual “tale” poderia ser traduzido por “conto”, enquanto “novel” poderia ser traduzido por “romance”. Embora controverso, tal peculiaridade se adiciona ao fato de que também teria sido o primeiro romance escrito por uma mulher. Desenvolvida entre o final do século X e o início do século XI, durante o período Heian (794-1185), esta é considerada uma das obras mais importantes publicadas no referido período, cuja autoria se atribui à Murasaki Shikibu. Sua relevância no cenário literário ultrapassa as fronteiras nipônicas, marcando presença no meio literário dito “ocidental”, sobretudo após sua ampla divulgação a partir de suas versões em língua inglesa e, posteriormente, em outras línguas europeias.

Tendo sido composta no chamado “Japão Antigo”, a narrativa corroborou com o notável florescimento da prosa na literatura japonesa, em virtude da influência recebida em grande parte pela presença feminina, que se realiza justamente por meio de textos escritos pelas damas da corte (ORSI, 2009ORSI, M. T. A padronização da linguagem: o caso japonês. In: MORETTI, F. A cultura do Romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 425-458.). A complexidade do estilo adotado, com a inserção de grande quantidade de poemas que cumpriam também a função de diálogos, e com natural emprego de terminologias e expressões próprias àquele tempo, faz com que o texto se feche aos leitores contemporâneos.

Neste sentido, as traduções para o japonês moderno se tornaram cruciais para o conhecimento da obra da autora, no Japão inclusive. De modo similar, sua tradução para outros idiomas também viabilizou a superação de entraves existentes para leitores que não dominam a língua japonesa. Tal abertura decorre, naturalmente, do trabalho de tradução, mas também do exercício paratextual que envolve os procedimentos tradutológicos que, em geral, acompanham traduções da autora. Em contrapartida, se as traduções garantem a sobrevida do texto, elas também o modificam. Em Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007., p.20), há uma passagem em que Heidegger (1983) menciona que “toda tradução é em si mesma uma interpretação”, já que carrega em si, ainda que não lhes dê voz, “todos os fundamentos, as aberturas e os níveis da interpretação que estavam na sua origem”.

Paralelamente às incertezas ou decisões de conservar conteúdos estrangeirizantes, a tradução interlinguística implica posturas e posicionamentos que se acentuam, ao mesmo tempo, em razão das traduções do japonês antigo para o japonês moderno; das traduções do japonês para o inglês; das traduções do inglês para outras línguas. E a partir dessas fricções surgem novas e instigantes obras literárias. Ao tradutor cabe, segundo essa visão, remodelar o texto, cujas formas são ou se tornam, por vezes, demasiadamente opacas e inacessíveis.

Este artigo busca percorrer os percursos tradutológicos desse clássico da literatura japonesa a fim de apresentar sua recepção e difusão literária por meio de suas traduções, com foco, especificamente, nas edições lançadas em língua inglesa. Para tanto, em virtude das diferenças entre as culturas em questão, as considerações acerca da análise do processo tradutório serão norteadas pelos postulados teóricos, circunscritos sob o viés dos Estudos da Tradução, de Gideon Toury (1995TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam: Benjamin, 1995.) e Antoine Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.), que discutem o papel do tradutor como mediador (inter)cultural.

À luz das perspectivas desses autores, desenvolveu-se este trabalho a fim de compreender como se deu sua recepção inicial no universo literário ocidental, e para tanto, foram selecionadas algumas edições para esta pesquisa, a saber: uma (01) edição em língua japonesa, da autora Setouchi Jakuchõ (1996SETOUCHI, J. 源氏物語 Genji Monogatari. Vol. 1. Tokyo: Kodansha, 1996.); e três (03) edições em língua inglesa, dos autores Edward G. Seidensticker (1992SEIDENSTICKER, E. G. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Alfred A. Knopf, 1992.); Arthur Waley (1993WALEY, A. The Tale of Genji: a novel in six parts - Lady Murasaki. New York: The Modern Library, 1993 Modern Library Edition.) e Royall Tyler (2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001.). O esquema adotado reflete que todas as edições adotadas foram traduzidas a partir do japonês clássico.

No que concerne à questão teórica, as premissas apresentadas pelos pesquisadores dos Estudos da Tradução Gideon Toury (1995TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam: Benjamin, 1995.) e Antoine Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.) corroboram a asserção de que obras fundamentais, como a de Murasaki Shikibu, exigem remodelação constante de suas conceitualizações locais, de forma a serem melhor apreendidas pelos públicos visados. Ambos os teóricos citados observam que não se traduzem palavras, mas sentidos expressos por palavras encadeadas em enunciados.

A pesquisa realizada, resultando neste trabalho em questão,3 3 Este artigo é parte dos estudos realizados durante a elaboração da tese de Doutorado, sob o título “Literatura traduzida de Murasaki Shikibu: Análise paratextual em Genji Monogatari”, defendida em 26/09/2014, desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. justifica-se por buscar discutir questões que emergiram em virtude das distintas traduções ao longo do tempo e do espaço, implicando o uso de diferentes línguas, situadas entre o oriente e o ocidente. Para tanto, apresenta-se um excerto de Genji Monogatari, buscando cotejá-lo com versões em japonês moderno e as versões em inglês, a partir do japonês clássico. Serão apresentados, igualmente, alguns recursos que acompanham a tradução da obra, os chamados paratextos editoriais, segundo Genette (2009GENETTE, G. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009.), ampliados pelo conceito de paratradução de Yuste Frías (2012).

Tradução: abordagens teóricas

Antoine Berman, em A Tradução e a Letra ou o Albergue do Longínquo (2007), prioriza a letra - não somente a palavra, mas a poeticidade, o ritmo, as aliterações, as “cores” que a acompanham -, em detrimento ao sentido. Berman enuncia que uma tradução literária não seria uma adoção restrita de palavras do texto a ser traduzido, e sim um ajuste dos idiomas envolvidos, respeitando-se ambos, sem que isso viole a estrutura do alvo, mas de modo que a origem possa ser percebida (BERMAN, 2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.).

A tradução está incorporada em todo e qualquer processo de comunicação. Como tal, deve favorecê-lo. Sob esta ótica, o tradutor passa a constituir-se como elemento-chave no processo de transmissão da mensagem. Contudo, a busca por aproximações e efeitos equivalentes, por vezes torna-se tarefa inatingível, especialmente quando as língua-fonte (doravante LF) e língua-alvo (doravante LA) estão intimamente atreladas a culturas substancialmente diferentes entre si.

Se outrora pesquisadores conjecturavam que a tradução deveria se erguer exclusivamente como produto oriundo de outro, tendo como referências somente os meios em que foi gerada, ou seja, seu original, a partir da década de 70, com o reconhecimento dos trabalhos lançados por Itamar Even-Zohar (1990EVEN-ZOHAR, I. Polysystem Studies. Tel Aviv: The Porter Institute for Poetics and Semiotics, and Durham: Duke University Press, 1990.) e Gideon Toury (1995TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam: Benjamin, 1995.) as perspectivas sofreram transformações. O último, por exemplo, propõe uma nova abordagem descritivista e orientada ao texto de chegada - ao que designou como target oriented -, direcionando seu foco ao sistema-alvo, sua língua e cultura.

Toury postula que “as traduções são fatos das culturas alvo” (TOURY, 1995TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam: Benjamin, 1995., p.29, tradução própria). Sua proposta se caracteriza pela observação da tradução não no ponto de partida, mas sim no ponto de chegada. De acordo com sua perspectiva, a cultura de chegada é que impulsiona o processo tradutório, sendo esta, e não a do ponto de partida, a determinante pela necessidade da tradução.

A princípio podem parecer conflitantes as perspectivas de Gideon Toury (1995TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam: Benjamin, 1995.) e de Antoine Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.), pois enquanto este defende o estrangeiro, buscando levar o leitor ao texto em sua origem, aquele intercede por uma tradução que para subsistir, deve sua essência ao ponto de chegada. Todavia, a partir desta ou daquela perspectiva, com o objetivo de viabilizar a comunicação entre culturas, o tradutor apresenta-se não somente como um mediador entre duas margens, mas sobretudo, como especialista em comunicação intercultural, haja vista existir, intrinsecamente, cenários mais amplos sob o qual o texto será interpretado. Assim sendo, retomando a perspectiva descritiva de Toury, que trabalha com o fato de que a tradução consiste em “[...] um tipo de atividade que, inevitavelmente, envolve pelo menos duas línguas e duas tradições culturais [...]” (TOURY, 1995TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam: Benjamin, 1995., p.56, tradução própria), infere-se que a tradução abrange mediação entre culturas. Todavia, se por um lado a tradução impede que as diferenças se tornem visíveis ao se comparar um idioma a outro, por outro, essas diferenças nos são reveladas em sua plenitude, pois é em virtude da tradução que podemos vislumbrar o modo como falam e como pensam aqueles que não somos nós, com todas as peculiaridades que lhes são de direito.

Paratextualidade e (Para)Tradução

Na obra Paratextos Editoriais (2009), Genette sistematiza elementos para a definição do conceito de paratextualidade. Embora sua postura seja definida como “pontual” ou “restrita” em relação à visão dos modelos ditos “extensivos”, trata-se de um modelo teórico-metodológico que permite circunscrever, examinar e destacar, de forma precisa, fenômenos paratextuais mais conhecidos e também novos. De fato, os materiais paratextuais classificados otimizam não somente o trabalho do tradutor, mas também de seus leitores, no sentido em que explicitam estratégias, critérios e delimitações em razão dos objetivos fixados nas bases do trabalho tradutório. Eventuais atualizações, como aquelas propostas por José Yuste Frías, que adicionam novas perspectivas ao modelo de Genette, contribuem sobremaneira para a fixação e expansão dos conceitos de paratextualidade e paratradução. Neste sentido, remetemos o leitor à obra de Yuste Frías intitulada Tradución & Paratradución (2006), que permite conhecer mais a fundo realces anexados ao trabalho de Genette.

Entre alguns elementos que constituem o paratexto para Genette listam-se: capa, página de rosto e anexos; títulos - e intertítulos; o nome do autor e informações sobre o autor; epígrafes; prefácios e posfácios; notas - de tradução, explicativas, de rodapé; citações; glossários; bibliografia; ilustrações, dentre tantos outros (GENETTE, 2009GENETTE, G. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009., p.12).

Concomitantemente, se os paratextos apresentam os textos, as paratraduções apresentam as traduções, possibilitando sua existência e assegurando sua presença material no mundo editorial. A paratradução seria tudo aquilo que possibilita que uma tradução seja publicada, e se apresente como tradução ao público em geral, e especificamente, a seus leitores. É graças à paratradução que se assegura a recepção da tradução, bem como seu consumo. Se para Genette (2009GENETTE, G. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009.) não existe texto sem paratexto, da mesma forma não haveria jamais uma tradução sem sua correspondente paratradução (YUSTE FRÍAS, 2006YUSTE FRÍAS, J. Traducción y paratraducción de la literatura infantil y juvenil. In: Ana Luna Alonso & Silvia Montero Küpper [eds.] Tradución e Política editorial de Literatura infantil y xuvenil. Colección Tradución & Paratradución. Vigo: Universidade de Vigo, Servizo de Publicacións, D.L., p. 189-201, 2006., p.196-197).

Para Yuste Frías, o principal objetivo da criação do conceito de paratradução seria o de nos lembrar e enfatizar a função que apresentam os elementos paratextuais na tradução, a saber, a sua participação, juntamente ao texto, na construção do sentido de um trabalho publicado, e segue afirmando que, assim como os elementos paratextuais contribuem “para a estrutura da concepção e representação das atividades de tradução [...], a paratradução é o que faz uma tradução parecer como uma tradução completa no mundo da edição”, criada, desde o início, com o propósito de analisar o tempo e o espaço necessários para traduzir qualquer paratexto que “cerca, envolve, acompanha, estende, introduz e apresenta o texto traduzido” (idem, 2012, p.118, tradução própria).

Outrossim, concepções e regras acerca do sentido dos textos podem variar de uma época a outra, de um espaço cultural a outro e, consequentemente, de uma língua a outra. Neste sentido, a paratradução apresentada por Yuste Frías se mostrou indispensável às traduções da obra para outros idiomas, e mesmo para o japonês contemporâneo, como veremos adiante.

Murasaki Shikibu - Biografia e obra

Murasaki Shikibu (978-1016?), a quem é atribuída a autoria de Genji Monogatari, viria a marcar o cenário cultural do período Heian (794-1185). Lady Murasaki, como normalmente é conhecida entre os anglófonos, nasceu em torno de 978 - embora os registros não sejam precisos. Sua trajetória familiar viria a influenciar na realização da obra que a imortalizou.

Viveu parte de sua vida entre a corte imperial em Kyoto - à época capital, e hoje província -, manteve-se como dama de companhia a serviço da Imperatriz Akiko (Shõshi), segunda esposa de Ichijõ Tennõ, 66º Imperador japonês (980-1011). Permaneceu no Palácio Imperial durante oito anos, período em que captou os acontecimentos ao seu redor, transformando-os em material para Genji Monogatari. O nome Murasaki, que significa “roxo” ou “lavanda”, lhe foi, aparentemente, atribuído por conta da popularidade de uma das esposas do personagem principal, Hikaru Genji, em meio à corte imperial, a personagem Wakamurasaki (Capítulo 5), cujo significado seria “jovem Murasaki”.

Genji Monogatari, embora tenha sido escrita há mais de mil anos, entre o final do século X e início do século XI, trata-se de uma das mais relevantes obras já publicadas no universo literário. Escrita em 54 capítulos, apresenta-se dividida em 2 partes: a primeira, subdividida em outras 2 partes - de 1 Kiritsubo (The Paulownia Pavilion4 4 Traduções de Royal Tyller. ) a 33 Fuji no uraba (New Wisteria Leaves) e de 34 Wakana Jõ (Spring Shoots) a 41 Maboroshi (The Seer) -, narra a vida de Hikaru Genji; a segunda parte, do capítulo 42 Niõ no miya (The Perfumed Prince) a 54 Yume no ukihashi (The Floating Bridge of Dreams), tem como foco a vida de Kaoru, filho de Hikaru Genji, com sua madrasta, Fujitsubo.

O reconhecimento da obra teve seu marco nos anos 50 com o lançamento de diversas outras obras a partir de Genji Monogatari. Com o boom iniciado precisamente após o fim da Segunda Guerra Mundial, várias produções foram elaboradas, como, por exemplo, filmes cinematográficos (em 1951; 1957; 1961; 1966; 2001 e 2011); longa-metragem de animação (em 1987 e 2009); produções fílmicas para TV (em 1987; 2001 e 2009); além de adaptações para os mangas - as atualmente famosas histórias em quadrinhos japonesas (TATEISHI, 2008TATEISHI, K. The Tale of Genji in Postwar Film: Emperor, Aestheticism, and the Erotic. In: (SHIRANE, H.) Envisioning The Tale of Genji - Media, Gender, and Cultural Production. New York: Columbia University Press, p. 303-328, 2008.).

A história relata a vida e os amores do Príncipe Genji, o jovem, bonito e talentoso filho do Imperador com Kiritsubo, sua dama preferida, que viria a adoecer e morrer em curto período de tempo, em virtude do ciúme e desprezo que sofria por parte das outras damas da corte. O Imperador, na tentativa de amenizar seu sofrimento, casa-se com Fujitsubo, por quem seu filho, Hikaru Genji, viria a se apaixonar. A trama, a partir de então, aborda as relações incestuosas, os conflitos familiares, os jogos amorosos com poligamia masculina e a resignação feminina que compõem a vida privada no palácio. Há uma lacuna tão profunda entre o mundo de Genji Monogatari e o mundo em que vivemos, que mesmo os japoneses de hoje, provavelmente, não conseguiriam ler e apreender o conteúdo da obra em sua forma original sem prévio, dedicado e longo estudo.

Uma forma de autenticar e legitimar a obra no contexto da língua alvo se faz, principalmente, por meio dos elementos paratextuais que a acompanham, por intermédio de textos explicativos integrados ao texto-base. Outrossim, o paratexto atua de modo complementar, comparativamente a uma via de mão-dupla, pois emerge no sentido de preparar o leitor para uma abordagem mais consciente da obra traduzida, ao mesmo tempo em que prepara esta tradução à abordagem do leitor.

Observa-se que estes recursos se fazem ainda mais necessários no caso de obras cuja apreensão depende, principalmente, do conhecimento de seus entornos culturais, linguísticos e históricos, como é o caso de Genji Monogatari, pois as notas apresentadas em Genji, por exemplo, sobre instrumentos musicais, vestimentas da corte, e mesmo a geografia básica, podem não ser consideradas cruciais para a compreensão do texto; todavia, oferecem informações essenciais, bem como expandem os conhecimentos culturais do leitor em relação a especificidades históricas ligadas ao universo nipônico.

Genji Monogatari e suas traduções

Não obstante os intermináveis debates a respeito da “fidelidade” ao texto dito “original”, deve-se salientar que a obra de Murasaki Shikibu se torna cada vez mais conhecida graças às retextualizações que vem recebendo ao longo dos anos, tanto em língua japonesa, quanto nas demais línguas para as quais foi transposta. Os imensos lapsos espaço-temporais que separam os registros de origem do romance das traduções atuais conduzem a modificações substanciais motivadas por implicações de natureza linguística e cultural que, obrigatoriamente, reforçam o surgimento de interpretações novas.

Diversos são os autores japoneses que se dispuseram a tornar acessível para os leitores a história narrada por Murasaki Shikibu. As primeiras traduções para o japonês moderno iniciaram-se no período Meiji (1868-1912), sendo a mais famosa dessas traduções assinada pela poetisa Yosano Akiko, que realizou o trabalho por duas vezes. A primeira, em 1912-13, já contava com todos os 54 capítulos, sendo, entretanto, muitos destes considerados pouco mais que resumos; atualmente esta edição quase não é lida, se comparada à sua segunda, publicada em 1938-9 (MIDORIKAWA, 2003MIDORIKAWA, M. Coming to Terms with the Alien: Translations of Genji Monogatari. In: Monumenta Nipponica. Sophia University, Vol. 58, n. 2, p. 193-222, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.jstor.org/stable/25066214 > Acesso em: 24 set 2018.
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).

Uma outra tradução a ser sublinhada foi apresentada pelo novelista Tanizaki Junichirõ, que traduziu Genji Monogatari nada menos que três vezes, sendo a primeira em 1939-41, que foi revisada posteriormente à Segunda Guerra Mundial e novamente publicada em 1951-9; e depois em 1964-5. Sua primeira versão foi objeto de censura política e sofreu cortes em cenas que envolviam a personagem Fujitsubo e o Príncipe Genji, consideradas um tabu à ocasião, por serem tidas como “imoralidade da linhagem imperial” (SHIRANE, 2008SHIRANE, H. Envisioning The Tale of Genji - Media, Gender, and Cultural Production. New York: Columbia University Press, 2008., p.292-293).

Atualmente, é provável que as edições mais lidas em japonês moderno sejam as lançadas a partir da tradução realizada por Setouchi Jakuchõ. No que se refere a outros idiomas, as primeiras traduções de Genji Monogatari foram feitas em língua inglesa. Em 1882, Suematsu Kenchõ intentou o que seria a primeira versão do japonês para o inglês, mas a obra não foi realizada completamente, tendo sido traduzida somente até o capítulo 17 (MIDORIKAWA, 2003MIDORIKAWA, M. Coming to Terms with the Alien: Translations of Genji Monogatari. In: Monumenta Nipponica. Sophia University, Vol. 58, n. 2, p. 193-222, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.jstor.org/stable/25066214 > Acesso em: 24 set 2018.
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), não sendo considerada, por isso, uma boa tradução.

Depois dele, outros três grandes autores trabalharam exaustivamente na tradução da obra. O precursor foi Arthur Waley, cuja tradução foi publicada inicialmente em 1933, com a obra: The Tale of Genji - A novel in six parts. Apesar de sua publicação ter sido alvo de severas críticas, sobretudo em razão de sua opção pelo estilo livre de tradução, domesticando o texto original, esta foi, entretanto, reconhecida como uma colaboração de expressivo valor, pois foi a que realmente introduziu no mundo ocidental a obra de Murasaki Shikibu. Por conseguinte, leitores europeus de países não-falantes de língua inglesa foram, em seguida, apresentados à literatura sobre Genji através das retraduções feitas a partir da publicação de Waley.5 5 Traduções para o sueco, francês e holandês do primeiro volume de Arthur Waley foram publicadas em 1930, seguidas pelas traduções completas em alemão, em 1937, e italiano em 1957 (MIDORIKAWA, 2003, p.194, NR 8). Como Arthur Waley, à época de sua tradução, não teve considerável acesso a bibliografias de referência, tampouco dicionários, era esperado que, posteriormente, novos pesquisadores, amparados por novos recursos e pesquisas, almejassem novas traduções.

Deste modo, Edward G. Seidensticker, em 1976, tenta corrigir as “falhas” apontadas na tradução de Waley. Sua edição se baseia nos avanços de pesquisa pós-guerra do Japão e do ocidente, e seu trabalho passa a ser a versão mais lida fora do Japão, sendo, inclusive, utilizada como texto acadêmico nas universidades de ambientes anglófonos. Apesar da popularidade alcançada por Seidensticker, a obra de Waley continua sendo divulgada, e, assim como as traduções para o japonês moderno de Yosano Akiko e de Tanizaki Junichirõ, representam dois estilos díspares de referência ao original, e deste modo, ambas traduções para o inglês, de Waley e Seidensticker, ofereceram escolhas para os leitores durante décadas (MIDORIKAWA, 2003MIDORIKAWA, M. Coming to Terms with the Alien: Translations of Genji Monogatari. In: Monumenta Nipponica. Sophia University, Vol. 58, n. 2, p. 193-222, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.jstor.org/stable/25066214 > Acesso em: 24 set 2018.
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, p.194). Em seu trabalho, Seidensticker adota um método de tradução que aproxima o texto de suas bases. Porém, com o intuito de facilitar a compreensão por parte dos leitores anglófonos, traduz os nomes dos personagens para o inglês. Tal decisão lhe rende duras críticas.

A tradução mais recente para a língua inglesa é a de Royall Tyler (2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001./2002), que, além de buscar respeitar tanto os conteúdos expostos no texto de base, quanto os entornos histórico-culturais que envolvem a narrativa, não atribui nomes aos personagens, mas sim titulações. Todavia, com o intuito de explicitar melhor o que poderia causar a “estranheza” preconizada por Antoine Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.), apresenta diversas notas de rodapé ao longo da sua obra, adotando, na prática, procedimento similar àqueles propostos por Genette (2009GENETTE, G. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009.), no sentido de que a principal função das notas paratextuais seria a de veicular informações esclarecedoras em relação ao texto e não exatamente uma preocupação de cunho estético. O lançamento dessa nova tradução de Tyler disponibilizou aos leitores uma terceira versão completa em inglês de Genji Monogatari, e pôde-se, deste modo, refletir como os tradutores lidaram com as distintas características e desafios trazidos pelo original (ibidem, p.195).

Atualmente, dispõe-se de publicações em diversos outros idiomas, entre os quais listam-se o espanhol, francês, italiano, árabe, português europeu (sob o título de O Romance de Genji), além de edições em alemão, russo, chinês, coreano e em várias outras línguas distintas, alcançando número estimado de 30 idiomas para os quais Genji Monogatari teria sido traduzido até o momento, inclusive com algumas publicações em braile.6 6 Fonte: Worldcat, www.worldcat.org. Acesso em: 15 ago 2018. Todavia, observa-se com destaque que Genji Monogatari ainda é inédito no Brasil.

Além das traduções em língua anglófona, algumas outras versões existentes foram traduções diretas, feitas a partir do texto-base em japonês do período Heian, como por exemplo a de Oscar Benl para o alemão, completa em 1966; a francesa de René Sieffert, publicada entre 1978 e 1985; e a italiana de Maria Teresa Orsi, em 2012. Outras tantas afins são traduções indiretas, ou seja, retraduções. Em síntese, Genji Monogatari, é uma obra que apresenta muitas traduções que não partiram dos manuscritos em japonês clássico, mas sim de traduções previamente feitas, como é o caso de grande parte das edições atualmente existentes.

Por exemplo, no caso do Volume 1 da versão em português europeu, de autoria de Lígia Malheiro (2008), a tradução de O Romance de Genji não foi elaborada a partir do original em japonês, mas com base nas três versões em inglês já anteriormente citadas, além da versão em espanhol de Xavier Roca-Ferrer - sendo que esta última, segundo o próprio tradutor, também já se caracteriza como tradução indireta, elaborada a partir de 5 versões (as inglesas de Arthur Waley, Edward G. Seidensticker e Helen Craig McCullough; a alemã de Oscar Benl; e a francesa de René Sieffert).

Considerando-se tratar de conteúdo complexo, devido não somente às diferenças linguísticas entre o japonês e demais línguas ocidentais, mas também em relação às demais questões intrínsecas à obra, que envolvem respectivamente tempo e espaço próprios à trama a saber: socioculturais, históricas, antropológicas e políticas é provável que, ao se propor traduções para outros idiomas, alguns desses aspectos, que não se apresentam sempre contemplados nas cenas do texto, mas em seu espaços da época, tenham sofrido alterações ao serem traduzidos de forma indireta.

Um dos fatores que deveriam ser levados em consideração consiste no fato de que uma tradução, antes mesmo de tomar corpo textual nas mãos de um tradutor, já se inicia na fase dedicada à interpretação do conjunto de componentes que ultrapassam a esfera puramente linguística, posto que tradutores não visam somente suprir suas inquietações científicas, mas buscam, igualmente, contemplar seus leitores.

Percebe-se a seguir que, de acordo com as primeiras linhas do texto de Murasaki Shikibu, nas mãos dos três tradutores para língua inglesa selecionados para o estudo, é possível verificar que não há uniformidade ou padronização textual, embora os exemplos abaixo se apresentem todos expressos em uma mesma língua.

Quadro 1:
Traduções em inglês

Em análise dos textos apresentados, nos três casos acima é possível observar que, em suas escolhas, todos os tradutores fazem referência ao fato de a dama pela qual o Imperador teria maior apreço não gozar de privilégios de primeira classe, se comparada a outras damas, como verificado em: Waley - who though she was not of very high rank was favoured far beyond all the rest; Sendensticker - a lady not of the first rank whom the emperor loved more than any of the others; e Tyler someone of no very great rank, among all [...] enjoyed exceptional favor.

Igualmente, os três exemplos se referem ao reino desse Imperador como algo que dispensa ser estabelecido como qual ou onde. Em Waley - At the Court of an Emperor (he lived it matters not when); em Seidensticker - In a certain reign; e em Tyler - In a certain reign (whose can it have been?) - presumindo-se, desta forma, tratar-se de informação irrelevante - ou a ser omitida -, em que a ênfase maior recairia sobre os personagens e sobre a história na qual estão envolvidos.

Somente dois autores - Arthur Waley e Royall Tyler - fazem menção à que categoria pertenceria a tal dama, ou seja, especificando tratar-se de uma das consortes do imperador: Waley - the many gentlewoman of the Wardrobe and Chamber; e em Tyler - among all His Majesty’s Consorts and Intimates. Por sua vez, Seidensticker não faz nenhuma alusão ao fato, observando tão somente se tratar de uma “dama” - there was a lady.

Obviamente por se tratarem de traduções distintas, geradas por autores diversos, afastados espacial e temporalmente - não somente com relação à obra original, mas entre si -, não há como se pressupor igualdade ou similaridade textual, pois naturalmente cada tradutor tem seu estilo próprio, cada um interpreta a partir de sua formação enquanto sujeito, seja oferecendo ao leitor um texto que se aproxime da base referencial, respeitando, deste modo, o texto-fonte (TF) - como o fez de certa forma Seidensticker, mas principalmente Tyler; ou mesmo buscando levar o texto até o leitor, privilegiando, assim, o texto-alvo (TA), seguindo o formato proposto, inicialmente, por Waley.

Em comparação aos excertos apresentados em língua inglesa, observamos que na tradução para o japonês moderno, muito embora se trate do mesmo idioma do original, Setouchi Jakuchõ também incorre na estrangeirização, noção proposta por Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.), uma vez que realiza a reformulação do texto, oferecendo ao leitor um texto que se aproxime do texto de base, respeitando, assim, o TF, conforme podemos verificar na parte do texto que faz referência ao reinado do Imperador, já que em sua tradução ela o mantém de forma semelhante aos outros, como algo a não ser especificado ou estabelecido, conforme o quadro a seguir:

Quadro 2:
Texto em japonês clássico7 7 O texto em japones encontra-se na vertical e deve ser lido da direita para a esquerda, conforme o proprio original copiado, que se encontra disponivel em Biblioteca Digital Mundial: <http://www.wdl.org/pt/> Acesso em: 08 abr 2019.

Quadro 3:
Texto em japonês moderno

Em seu exemplar, Setouchi Jakuchõ mantém incógnita a informação de quando teria acontecido o fato que virá a narrar em seguir, bem como em qual reinado tal fato teria acontecido, como visto na primeira linha Itsu no miyo no koto deshitaka, em tradução livre: [No reinado de qual época (aconteceu?)].

E também faz referência ao fato de a dama em questão ser a preferida do Imperador e tratar-se de uma de suas consortes: Nyõgo ya kõi ga niginigishiku otsukae shiteorimashita mikado no kõkyū ni, sorehodo kõki na iegara no goshusshin dewanai noni, mikado ni dare yori mo aisarete, hanabanashiku, yūgū sareteirassharu kõi ga arimashita. Em tradução livre: [Nas alas do palácio imperial, as damas consortes nyõgo e kõi serviam vividamente, entretanto, havia uma dama que, apesar de não ser da alta nobreza, era mais amada que todas as outras e, de forma glamourosa, era favorecida em seu tratamento por parte do imperador].

Na presente prospecção, a versão em japonês moderno lançada por Setouchi Jakuchõ (1996SETOUCHI, J. 源氏物語 Genji Monogatari. Vol. 1. Tokyo: Kodansha, 1996.), juntamente às traduções em âmbito anglófono, i.e., a edição de Edward G. Seidensticker (1992SEIDENSTICKER, E. G. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Alfred A. Knopf, 1992.); a publicação de Arthur Waley (1993WALEY, A. The Tale of Genji: a novel in six parts - Lady Murasaki. New York: The Modern Library, 1993 Modern Library Edition.); e a tradução subsequente, de Royall Tyler (2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001.), compõem o objeto deste estudo, naturalmente com referência ao texto em japonês clássico de Murasaki Shikibu.

Observamos, igualmente, o papel desenvolvido por alguns elementos paratextuais e suas paratraduções adotados nestas edições, e como estes auxiliaram a recepção da obra entre um público contemporâneo. Percebeu-se ao longo da pesquisa que os distanciamentos encontrados vão além de contrastes linguísticos de caráter semântico ou lexical, e compreendem, igualmente, a apresentação paratextual e estética, como o caso, por exemplo, das Capas. Deste modo, com base nos postulados de Yuste Frías, ao analisarmos algumas edições traduzidas de Genji Monogatari, pode-se inferir que a narrativa literária começa neste recurso paratextual.

A fim de traduzir recursos paratextuais, o profissional de tradução deveria desenvolver uma capacidade que vem sendo negligenciada, a qual Riitta Oittinen denomina visual literacy (YUSTE FRÍAS, 2012YUSTE FRÍAS, J. Paratextual Elements in Translation: Paratranslating Titles in Children’s Literature. In: Gil-Bajardí, Anna, Pilar Orero & Sara Rovira-Esteva [eds.] Translation Peripheries. Paratextual Elements in Translation. Frankfurt am Main, Berlin, Bern, Bruxelles, New York, Oxford, Wien: Peter Lang, p. 117-134, 2012.). O aspecto visual de uma obra literária não estaria restrito às formas e às cores de seus peritextos icônicos apresentados em sua publicação. Segundo Yuste Frías (2012), quando Oittinen se refere a este aspecto, diz respeito a uma abordagem visual muito mais ampla que simples palavras e figuras, abrangendo toda a aparência visual do livro, o que incluiria detalhes como estruturas fraseológicas e mesmo a pontuação adotada, já que cada caractere tipográfico escrito, seu tamanho e seu estilo, contribuiria não somente para a legibilidade da tradução, mas também para o sucesso - ou fracasso - da apresentação dos primeiros e mais importantes paratextos de um livro, ou seja, sua Capa e seu Título.

Foi possível encontrar diversas modalidades de apresentação visual. De um modo geral, nas publicações em língua japonesa, a maioria das edições apresentava-se subdividida em diversos volumes, com capa dura, revestida de tecido em tons sóbrios - como vinho, verde ou azul escuro -, trazendo o Título e Volume da obra, além do nome do autor/tradutor, na capa e na lombada, como são os exemplos das edições de Yosano Akiko (1969); Tanizaki Junichirõ (1961); Setouchi Jakuchõ (1996SETOUCHI, J. 源氏物語 Genji Monogatari. Vol. 1. Tokyo: Kodansha, 1996.); e da obra em japonês clássico, datada de 1654.8 8 Fonte: Biblioteca Digital Mundial <http://www.wdl.org/pt/>.

Diferente das edições em línguas ocidentais, na edição em japonês moderno de Setouchi Jakuchõ (1996SETOUCHI, J. 源氏物語 Genji Monogatari. Vol. 1. Tokyo: Kodansha, 1996.), embora a autora faça uso dos recursos paratextuais em sua tradução, acredita-se que por se tratar do mesmo idioma, traduzido intralinguisticamente para o maior alcance do público leitor contemporâneo, não houve diferentes abordagens com relação à Capa, assim como não houve com relação ao Título, e tampouco com relação aos Intertítulos, que traz o “anterrosto” que antecede o início do texto de forma simples - característica típica da sociedade japonesa, em que o belo está na simplicidade -, com os ideogramas correspondentes a Kiritsubo, o primeiro capítulo da obra.

No entanto, se a apresentação de Setouchi Jakuchõ se mostrou simples quanto à apresentação, sua edição não fugiu ao grau de complexidade do conteúdo da narrativa, relativamente à quantidade de personagens, suas nominações e papéis desempenhados na trama narrada no período Heian. Embora não se tenha localizado um apêndice específico para estes, encontrou-se em sua edição elementos como: Genji no shiori - yakusha kaisetsu (p.266), algo como [Guia de Genji - comentários do tradutor]; sankou zuroku (p.279), em tradução livre [Referências ilustrativas]; além de goku kaishaku (p.296), que seria uma espécie de explanação ou interpretação de expressões, ou seja, um [Glossário], verificando-se a necessidade de clarificar ao leitor moderno questões que poderiam dificultar a compreensão da narrativa, o que inclui uma lista explicativa de quem seriam os personagens principais na trama, pois encontrou-se dentre seus anexos, omo na tõjõ jinbutsu (p.8), ou seja, uma lista referenciando os [Personagens principais].

Conforme previamente mencionado, a primeira tradução completa para a língua inglesa a partir do japonês clássico foi a de Arthur Waley, feita entre 1925-1933, que obteve grande reconhecimento por ter sido a pioneira a trazer ao mundo ocidental o trabalho de Murasaki Shikibu. No que diz respeito à apresentação externa, observou-se que a edição de Waley, com seus 6 volumes (1993), apresentou a mesma proposta das versões japonesas, ou seja, uma tradicional capa dura revestida de tecido, em tom comedido, complementada com uma capa adicional em papel ilustrado.

Com relação à Capa, nas edições lançadas na Europa verifica-se um padrão de capas com belas e delicadas ilustrações - como o fez Edward G. Seidesticker (1992). Já a edição de Royall Tyler apresentou a mesma proposta da versão de Setouchi Jakuchõ e de Arthur Waley, e sua edição foi lançada com capa dura revestida de tecido, coberta por uma capa em papel ilustrado. O mesmo fez com relação ao Título, adotando, de certa forma, o padrão determinado sobre o “lugar” da obra reservado a este recurso. No entanto, dentre os demais paratextos utilizados por Tyler, ressaltamos o Intertítulo, que aparece na página que antecede o início do texto, como um “anterrosto” (olho), escrito em japonês romanizado, acompanhado de sua tradução “The Paulownia Pavilion” e seguido da explanação acerca do significado dos ideogramas que compõem o termo Kiritsubo, bem como esclarecimentos referentes ao vocábulo propriamente dito.

O Título da obra trata-se de elemento paratextual ímpar, que pode atuar como “isca”, como um convite à leitura, ou mesmo determinar a interpretação da literatura, representando a magnitude do texto que se tem em mãos, e é possível encontrar não somente diversas definições que os caracterizam, mas, sobretudo, o lugar que ocuparão; o momento de seu aparecimento; além de seus destinadores e destinatários. Se o texto é o objeto da leitura, o Título, bem como o Nome do autor, é o objeto da circulação, e alcança um público que ultrapassa seus leitores.

Tratando-se de literatura, há casos em que é possível encontrar títulos traduzidos para outras línguas que diferem sobremaneira de seu original. Porém, entre as versões analisadas de Genji, tal situação não foi encontrada, haja vista que estas, apesar dos distintos idiomas, optaram por uma tradução literal do mesmo, à exceção de Arthur Waley que, deliberadamente, propõe um título mais extenso - The Tale of Genji: A novel in six parts - , em virtude de sua obra ter sido publicada separadamente em seis volumes, que foram: The Tale of Genji; The sacred tree; A wreath of cloud; Blue trousers; The lady of the boat; e The bridge of dreams, respectivamente.

Diferentemente do Título principal, cujo público é generalizado, com alcance além do círculo de leitores, os Intertítulos são acessíveis somente àqueles que têm em mãos o texto a ser lido. Entretanto, ao contrário do Título geral - indispensável à existência material ou social do livro -, os Intertítulos não são considerados uma condição absoluta do texto. Todavia, apesar de não serem critério obrigatório, ressalta-se que há casos em que sua ausência poderia causar certa confusão, fazendo com que o leitor viesse a crer se tratar de uma narrativa contínua - quando não o seria -, como é o caso aqui abordado (GENETTE, 2009GENETTE, G. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009., p.261).

Com relação às traduções referentes ao Intertítulo do primeiro capítulo Kiritsubo, observou-se não haver um padrão determinado entre os tradutores. Porém, uma observação relevante a ser feita com relação aos Intertítulos - ou capítulos internos - na tradução de Arthur Waley, diz respeito a um que foi inteiramente omitido - o de número 38 Suzumushi, traduzido pelos demais autores por The Bell Cricket (PUETTE, 1983PUETTE, W. J. The Tale of Genji - a reader’s guide. Tokyo: Tuttle Publishing, 1983., p.56).

Relativamente ao uso das Notas de rodapé como recurso paratextual, embora Arthur Waley tenha adotado um estilo “livre” de tradução em sua edição, no capítulo Kiritsubo, por exemplo, encontrou-se quase tantas notas quanto na edição de Edward Seidensticker (1992SEIDENSTICKER, E. G. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Alfred A. Knopf, 1992.), número substancialmente inferior ao encontrado na tradução de Royall Tyler (2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001.) - foram contabilizadas 17 notas de rodapé ao longo de suas 16 páginas para o primeiro capítulo.

Se comparado ao seu sucessor, Seidensticker fez módico uso desse recurso. Ao longo das 14 páginas do primeiro capítulo não ultrapassou a quantidade de 2 notas de rodapé por página. Ao todo foram utilizadas 16 notas de rodapé em Kiritsubo. Na edição de Royall Tyler, como previamente mencionado, observou-se que o tradutor buscou respeitar o texto base, bem como os entornos histórico-culturais da narrativa. Todavia, para que isso fosse possível sem causar “estranhamento” (BERMAN, 2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.) ao leitor, ele adota, na prática, os procedimentos paratextuais propostos por Genette (2009GENETTE, G. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009.) e faz constante uso de diversos recursos, apresentando, principalmente, inúmeras notas de rodapé ao longo de seu trabalho.

Pondera-se que a utilização do recurso das notas como suporte paratextual abre grandes leques de possibilidades ao tradutor, tanto em suas decisões tradutórias, quanto na explicitação de suas responsabilidades para consigo e para com seus leitores. Na edição de Tyler, a Introdução é iniciada com uma ressalva a respeito desse recurso, esclarecendo que embora The Tale of Genji tenha sido escrito mil anos atrás, em sua opinião qualquer leitor pode apreciá-lo nos dias de hoje, e que “As notas são úteis porém não necessárias” (TYLER, 2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001., p.xi, tradução própria), o que gera certa sensação de incongruência, uma vez que ao fazer uso da nota, “o tradutor está avaliando a necessidade do esclarecimento que pretende prestar e, automaticamente, julgando a capacidade do leitor de compreender o texto (LYRA, 1999LYRA, R.M.O.T. Explicar é preciso? Notas de tradutor: quando, como e onde. In: Fragmentos. Universidade Federal de Santa Catarina, Vol. 8, n. 1, p. 73-87, 1999. Disponível: <Disponível: https://periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/view/6039/5609 >. Acesso em: 05 ago 2018.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fra...
, p.74).

No caso dos autores analisados para esta pesquisa, dentre as 15 páginas de texto que compõem o primeiro capítulo da obra - Kiritsubo -, quem mais adota o uso da Nota de Rodapé como recurso paratextual é, conforme se pôde constatar, Royall Tyler (2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001.). Tyler utiliza-se de diversas notas de rodapé em todas as páginas, totalizando nada menos que 65 notas de rodapé somente para este capítulo.

Se comparados, os conteúdos de tais notas de rodapé são consideravelmente distintos. Por exemplo, Arthur Waley traz em sua nota de número 1, um conselho quanto à leitura do capítulo: This chapter should be read with indulgence. In it Murasaki, still under the influence of her somewhat childish predecessors, writes in a manner which is a blend of the Court chronicle with the conventional fairy-tale. Sua segunda nota traz a apresentação de Ming Huang: Famous Emperor of T’ang dinasty in China; lived A.D. 685-762, pois em seu texto faz menção a ele por ser aquele com quem se relacionava a dama da corte Yang Kuei-fei (WALEY, 1993WALEY, A. The Tale of Genji: a novel in six parts - Lady Murasaki. New York: The Modern Library, 1993 Modern Library Edition., p.7).

Cabe observar que, no texto escrito em japonês, a referência se faz à dama, e não ao imperador, o que foi mantido por Royall Tyler, em sua tradução, em língua japonesa com o termo Yõhiki, com a seguinte nota de rodapé: The beauty Yõhiki (Chinese Yang Guifei) so infatuated the Chinese Emperor Xuanzong (685-762) that his neglect of the state provoked a rebellion, and his army forced home to have her executed. Bai Juyi (772-846) told the story in a long poem, “The Song of Unending Sorrow” (Chinese “Changhenge”, Japanese “Chõgonka”, Hakushi monjũ 0596), which was extremely popular in Heian Japan. (TYLER, 2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001., p.3).

Na tradução de Edward Seidensticker, ele traz a referência à dama Yang Kuei-fei, porém sem qualquer nota a respeito - nem a ela, nem ao Imperador da China. Sua primeira nota de rodapé só aparece na página seguinte, para esclarecer que a idade mencionada no texto, quando o jovem príncipe completa três anos, seguiria de acordo com a contagem oriental, como verificamos: *All ages are by the Oriental count, not of the full years but of the number of years in which one has lived. Thus it is possible to have a count of three after a full year and two days, one at the end and one at the beginning of another year. All ages are either one or two above the full count (SEINDENSTICKER, 1992, p.8).

De uma forma ou de outra, em se tratando de línguas tão distintas, como o japonês-inglês, cabe o uso deste recurso caso a intenção do tradutor seja a de compartilhar e enriquecer o conteúdo daquilo que se lê, considerando-se que manter o termo original em uma tradução, caracteriza-se por “uma atitude de respeito pela língua e pela cultura estrangeiras” (BRITTO, 2010BRITTO, P. H. O tradutor como mediador cultural. In: BATALHA, M. C.; DAHLET, V. B. (coord.) Synergies - Brésil: Littératures et politiques, langues et cultures - Traversées franco-brésiliennes, n. spécial 2. São Paulo: Humanitas - FFLCH/USP, 2010, p. 135-141., p.139).

Buscando reparar as apreciações desfavoráveis recebidas pela edição anterior de Arthur Waley, na tradução seguinte, Edward G. Seidensticker adota estilo estrangeirizante, por meio do qual parece transportar o leitor às bases de origens sobre as quais supõe-se que o texto fora escrito. Entretanto, ainda com o intuito de “clarificar o vago”, como cita Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.) entre as tendências deformadoras que recaem sobre o tradutor, Seidensticker e igualmente os outros autores anglófonos traduzem os 54 Intertítulos da obra, como podemos verificar, a título de exemplo, através dos Capítulos 14, 15 e 16, de Genji Monogatari, em japonês e inglês:

Quadro 4:
Títulos de capítulos de Genji Monogatari

Sendo que Seidensticker, e neste caso somente este autor, também opta por essa estratégia com relação aos nomes dos quase 400 personagens que compõem a trama.

Não obstante a tentativa de Seidensticker de tornar o panorama em que viviam aqueles personagens algo tangível para os leitores modernos, Geoffrey Bennington (1991) afirma que “[...] o que cada língua guarda de mais próprio e, portanto, de intraduzível, são justamente os nomes próprios”, pois os mesmos não lhe pertenceriam enquanto tais e, deste modo “devem parecer muito simplesmente dispensar tradução, encontrando-se já em um domínio de universalidade de referência absoluta” (apud OTTONI, 2005OTTONI, P. Tradução manifesta: double bind e acontecimento. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2005., p.65).

Entre os personagens de The Tale of Genji, precisamente, tal especificidade tem seu grau de dificuldade ampliada, pois um mesmo personagem recebe, ao longo da história, diferentes formas para identificação. Por não fazer uso de nomes próprios, e sim epítetos relacionados a um cargo exercido, um grau de parentesco com outros personagens ou mesmo um título honorífico, tais designações se modificam conforme o tempo e o espaço diegético. Diante de tamanha complexidade, e em virtude das diferenças linguísticas encontradas durante o processo de tradução para os exemplos analisados entre algumas línguas ocidentais, diversos tradutores recorrem ao uso de elementos paratextuais para respaldar suas bases, justificando, ou simplesmente tentando esclarecer ao leitor de chegada, quem e como eram os personagens ao longo da narrativa.

Nas edições em língua inglesa, foram encontrados Glossários com referência aos personagens nas três versões de The Tale of Genji. Em Waley, tal recurso aparece como: List of most important persons (WALEY, 1993WALEY, A. The Tale of Genji: a novel in six parts - Lady Murasaki. New York: The Modern Library, 1993 Modern Library Edition., p.3); em Seidensticker: Principal Characters (SEINDESTICKER, 1992SEIDENSTICKER, E. G. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Alfred A. Knopf, 1992., p.7); enquanto em Tyler, há apêndices com Mapas; Diagramas; Cronologia; Glossário Geral; Índice de Vestimentas e Cores da época; Índice de Títulos e Cargos presentes na narrativa; além de um Sumário de Alusões Poéticas identificadas nas Notas (TYLER, 2001TYLER, R. The Tale of Genji - Murasaki Shikibu. New York: Viking, 2001., p.ix).

Considerações Finais

Embora reduzidas a uma amostragem relativamente pequena para o escopo da obra como um todo, neste artigo abordamos as diferenças encontradas sob amplos aspectos, não somente linguísticos, mas também paratextuais, cotejando o original em língua japonesa moderna e algumas traduções para a língua inglesa, evidenciando as dificuldades, na maioria das vezes enunciadas em alguma parte da obra pelos próprios tradutores que se propuseram a enfrentar o desafio de traduzir línguas tão distintas. Discorremos sobre as primeiras traduções em língua inglesa e uma em japonês moderno, apresentadas ao leitor contemporâneo de Genji Monogatari. Mostramos, dentre tantos, seleto número de elementos paratextuais encontrados na narrativa, bem como algumas de suas traduções - ou paratraduções - e como esses recursos auxiliaram na elaboração das obras lançadas a partir do original de Murasaki Shikibu, e as análises poderiam ainda seguir além, haja vista que tais recursos não se limitam aos aqui apresentados.

Como “pano de fundo” para texto e contexto, a cultura pode ser considerada como componente indissociável das línguas. Sendo assim, acredita-se que o profissional que se propõe a intermediar a transferência de código, no caso presente de um TF para um TA, assumirá o compromisso de transportar não somente os sentidos do texto, mas atrelá-lo às formas que adotará para fazê-lo. De acordo com os preceitos de Gideon Toury (1995TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam: Benjamin, 1995.), quando traduzimos uma língua, traduzimos também uma cultura, e segundo o teórico, tanto os desvios do texto de base seriam perceptíveis no sistema-alvo, quanto os desvios do texto visado poderiam ocorrer em função do modo como as informações e formas fossem introduzidas no sistema a partir da construção de textos por tradução, estando a questão cultural situada na base central que sustenta a tradução.

No caso de obras como Genji Monogatari, cujos universos que as permeiam são demasiadamente deslocados no tempo e no espaço, espera-se que os descompassos culturais sejam também marcantes. Em todo caso, a paratradução consiste em um recurso em que a recomposição histórico-literária concernente à obra traduzida permite expor parte importante das restrições linguísticas, políticas e antropológicas decorrentes do confronto entre culturas diferentes. Os recursos paratextuais, elaborados pelo tradutor ou por colaboradores externos, otimizam o processo de recepção e de representação realizado pelo leitor, particularmente a partir da ampliação do sentido de componentes lacunares, preenchidos por meio de informações presentes nos paratextos de forma geral.

Em consideração às análises das edições aqui adotadas como corpora, seria de se esperar que fossem encontradas características e estilos diversos, tanto no conteúdo textual da tradução propriamente dita, quanto no que concerne aos paratextos atribuídos às publicações. Questões teóricas, remetendo a fatos de natureza linguística, antropológica, cultural; outrossim, fatores de ordem espacial e temporal também poderiam ser considerados diante da tradução de uma obra literária de tamanha importância. Mas o enfoque deste artigo não se trata, absolutamente, de julgar quem teria realizado a melhor tradução, tampouco de que forma, até pelo fato da inviabilidade de tais proposições. O propósito consiste, principalmente, em buscar ver, tanto quanto possível, através do salão de espelhos que a tradução nos propicia, e o deleite com as infinitas possibilidades do texto (ARNTZENARNTZEN, S. Getting at the language of The Tale of Genji through the Mirror of Translation. In: Edward Kamens (Ed.) Approaches to Teaching Murasaki Shikibu’s The Tale of Genji. New York: The Modern Language Association of America, p. 31-40, 1993., p. 40).

Referências

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  • 1
    Monogatari (Japanese: “tale” or “narrative”) apanese works of fiction, especially those written from the Heian to the Muromachi periods (794-1573). Monogatarideveloped from the storytelling of women at court. During the Heian period (794-1185) men wrote in Chinese, and it was women who developed this form of Japanese prose. (Fonte: Encyclopædia Britannica. Acesso em: 09 abr 2019).
  • 2
    Destaca-se a complexidade que envolve a busca em categorizar Genji Monogatari, enquadrando-a em um gênero literário específico, haja vista que, diacronicamente, a obra pertence à época anterior à formação do conceito de romance, além de terem sido encontradas para o termo monogatari traduções como: “novela” e “historia” (em espanhol); “dit” (em francês); “storia” (em italiano); “romance” (em português europeu); e “novel” (em inglês). Com relação a esta última língua, as traduções apontam para a fórmula: “The Tale of Genji”, na qual “tale” poderia ser traduzido por “conto”, enquanto “novel” poderia ser traduzido por “romance”.
  • 3
    Este artigo é parte dos estudos realizados durante a elaboração da tese de Doutorado, sob o título “Literatura traduzida de Murasaki Shikibu: Análise paratextual em Genji Monogatari”, defendida em 26/09/2014, desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução.
  • 4
    Traduções de Royal Tyller.
  • 5
    Traduções para o sueco, francês e holandês do primeiro volume de Arthur Waley foram publicadas em 1930, seguidas pelas traduções completas em alemão, em 1937, e italiano em 1957 (MIDORIKAWA, 2003, p.194, NR 8).
  • 6
    Fonte: Worldcat, www.worldcat.org. Acesso em: 15 ago 2018.
  • 7
    O texto em japones encontra-se na vertical e deve ser lido da direita para a esquerda, conforme o proprio original copiado, que se encontra disponivel em Biblioteca Digital Mundial: <http://www.wdl.org/pt/> Acesso em: 08 abr 2019.
  • 8
    Fonte: Biblioteca Digital Mundial <http://www.wdl.org/pt/>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2018
  • Aceito
    02 Abr 2019
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