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Avaliação do potencial de recuperação de edificações ao fim da vida útil: caso de uma instituição federal de ensino superior

Evaluation of the potential for building recovery at the end of its useful life: case of a federal institution of higher education

Evaluación del potencial de recuperación de edificios al final de su vida útil: caso de una institución federal de educación superior

Resumo:

O objetivo deste trabalho é apresentar uma metodologia para avaliar o potencial de recuperação de edificações que, devido ao fim de sua vida útil, estão sujeitas a adequações. Para tanto, o escopo do estudo compreendeu o acompanhamento in loco do processo de reabilitação de uma edificação de médio porte, construída na década 1950, pertencente a uma instituição federal de ensino superior (IFES) localizada na cidade de Curitiba, PR. A estratégia delineada foi a pesquisa participante (PP), aliada à técnica da observação participante (OP). Os resultados obtidos demonstraram o potencial de recuperação de 90,04%. Além disso, evitou-se a destinação de 35,7 m3 de resíduos aos aterros, o equivalente a 7% do volume do prédio. Este montante, em parte, foi decorrente das operações de desagregação bem-sucedidas, sobretudo desconstrução e desmontagem. Ainda, os procedimentos definidos nesta pesquisa buscam aumentar a vida útil dos edifícios existentes e atenuar o problema da sobrecarga dos aterros. Por fim, a metodologia proposta pode ser aplicada a edificações de pequeno a médio porte, em intervenções que visem a adequações, tais como obras de reabilitação, retrofit ou reformas.

Palavras-chave:
reutilização; desconstrução; vida útil; cenários de fim de vida; resíduos da construção civil

Abstract:

This work aims to present a methodology to evaluate the potential for the recovery of buildings that, due to the end of their useful life, are subject to adjustments. To this end, the scope of the study included the on-site monitoring of the rehabilitation process of a medium-sized building, built in the 1950s, belonging to a Federal Institution of Higher Education (IFES) located in the city of Curitiba, PR. The strategy outlined was participatory research (PP), combined with the technique of participant observation (OP). The results obtained demonstrated a recovery potential of 90.04%. In addition, 35.7 m3 of waste was not disposed of in landfills, equivalent to 7% of the building’s volume. This amount was partly due to the successful unbundling operations, mainly deconstruction and dismantling. In addition, the procedures defined in this research seek to increase the useful life of existing buildings and mitigate the problem of landfill overload. Finally, the proposed methodology can be applied to small to medium-sized buildings in interventions that aim at adjustments, such as rehabilitation works, retrofit, or reforms

Keywords:
reuse; deconstruction; lifespan; end-of-life scenarios; construction waste

Resumen:

El objetivo de este trabajo es presentar una metodología para evaluar el potencial de recuperación de edificios que, por el final de su vida útil, se encuentran sujetos a ajustes. Para ello, el alcance del estudio incluyó el seguimiento in situ del proceso de rehabilitación de un edificio de tamaño mediano, construido en la década de 1950, perteneciente a una Institución Federal de Educación Superior (IFES) ubicada en la ciudad de Curitiba, PR. La estrategia esbozada fue la investigación participativa (PP), combinada con la técnica de observación participante (OP). Los resultados obtenidos demostraron un potencial de recuperación del 90,04%. Además, 35,7 m3 de residuos no se eliminaron en vertederos, lo que equivale al 7% del volumen del edificio. Esta cantidad se debió en parte al éxito de las operaciones de desagregación, principalmente deconstrucción y desmantelamiento. Además, los procedimientos definidos en esta investigación buscan aumentar la vida útil de las edificaciones existentes y mitigar el problema de sobrecarga de vertederos. Finalmente, la metodología propuesta se puede aplicar a edificaciones de tamaño pequeño a mediano, en intervenciones que tengan como objetivo ajustes, como obras de rehabilitación, reacondicionamiento o reformas.

Palabras clave:
reutilización; deconstrucción; vida útil; escenarios de final de vida; residuos de la construcción

1 INTRODUÇÃO

Em virtude do aumento da urbanização e do consumo de recursos, uma abordagem diferente para o ambiente construído precisa ser tomada para garantir a sustentabilidade. Quando preocupações sobre emissões de carbono e quantidades de resíduos enviadas aos aterros são consideradas, os problemas parecem intransponíveis (TINGLEY, 2012TINGLEY, D. D. Design for deconstruction: an appraisal. Tese (Civil and Structural Engineering Department) – University of Sheffield. South Yorkshire, England, 2012.). Torna-se evidente a necessidade de procurar novas formas de produzir, formas estas que promovam maior sustentabilidade e competitividade, mediante a diminuição do consumo de recursos e a restrição da geração de resíduos. Portanto é fundamental seguir uma hierarquia que priorize a prevenção, a valorização e adequada deposição final em aterro (SILVA, 2008SILVA, P. Reutilização de elementos construtivos na construção. 2008. Dissertação (Mestrado Integrado em Engenharia Civil) – Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2008.).

Além disso, a baixa qualidade de construção, a falta de manutenção e a incapacidade de adaptação às mudanças e demandas dos usuários são fatores que reduzem o tempo de vida dos edifícios (SAGHAFI; TESHNIZI, 2011SAGHAFI, M.; TESHNIZI, Z. Building deconstruction and material recovery in Iran: an analysis of major determinants. Procedia Engineering, Tehran, v. 21, p. 853-63, 2011.). Em consequência, a motivação para manter um edifício, em geral, diminui, e o prédio rapidamente cai em desuso e degradação, simplesmente devido à deterioração mais rápida de componentes dependentes da tecnologia (KIBERT, 2003KIBERT, C. Deconstruction: the start of a sustainable materials strategy for the built environment. UNEP Industry and Environment, Gainesville, v. 26, p. 84-88, 2003.). Logo, o patamar limite de vida útil pressupõe a tomada de ações de reparação e renovação destinadas a prolongar a utilização plena do edifício no seu todo, contemplando diversas soluções que passam pela demolição, desmontagem, desconstrução ou o reaproveitamento por intermédio de práticas de reabilitação (SANTOS, 2010SANTOS, M. R. P. Metodologias de previsão da vida útil de materiais, sistemas ou componentes da construção. Revisão bibliográfica. Dissertação (Mestrado Integrado em Engenharia Civil) – Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2010.; OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, R. A. F. Metodologia de gestão de obras de reabilitação em centros urbanos históricos. Tese (Programa Doutoral em Engenharia Civil) – Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2012.).

Nesse sentido, a desconstrução, também conhecida como “construção ao contrário” ou construção reversa, é uma terminologia mais nova para uma prática antiga. Os nativos americanos, por meio de seus padrões migratórios, já construíam seus abrigos de maneira a facilitar a desmontagem futura (RIOS; CHONG; GRAU, 2015RIOS, F. C.; CHONG, W. K.; GRAU, D. Design for Disassembly and Deconstruction – Challenges and Opportunities. Procedia Engineering, Tempe, v. 118, p. 1296-1304, 2015.; ZAHIR et al., 2016ZAHIR, S; MATT SYAL, M. G.; LAMORE, R.; BERGHORN, G. Approaches and associated costs for the removal of abandoned buildings. In: CONSTRUCTION RESEARCH CONGRESS. 2016, Michigan. Annals [...]. Puerto Rico: Construction Research Council of the Construction Institute of ASCE, 2016. p. 229-339.). No entanto o conceito de Design for Deconstruction (DfD), por vezes denominado como Design for Disassembly, surgiu apenas no início dos anos 1990, visando fechar o ciclo de materiais de construção, incluindo princípios que permitem a sua desconstrução. Embora o conceito esteja se popularizando, ainda há poucos edifícios projetados com critérios de DfD (KIBERT, 2003KIBERT, C. Deconstruction: the start of a sustainable materials strategy for the built environment. UNEP Industry and Environment, Gainesville, v. 26, p. 84-88, 2003.).

A desconstrução é uma alternativa à demolição (GUY; SHELL; ESHERICK, 2006GUY, B.; SHELL, S.; ESHERICK, H. Design for deconstruction and materials reuse. Proceedings of the CIB Task Group 39, v. 4, p. 189-209, 2006.; SILVA, 2008SILVA, P. Reutilização de elementos construtivos na construção. 2008. Dissertação (Mestrado Integrado em Engenharia Civil) – Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2008.; PLEBANKIEWICZ; ZIMA; WIECZOREK, 2019PLEBANKIEWICZ, E.; ZIMA, K.; WIECZOREK, D. Scenarios for Maintenance and Building Decommissioning in the Building’s Life Cycle. Earth and Environmental Science, Kraków, v. 222, 2019.). Sua finalidade é a recuperação de elementos, componentes, subcomponentes e materiais de construção para reutilização ou reciclagem da maneira mais econômica possível. Em síntese, a desconstrução é a desmontagem sistemática de edifícios, a fim de recuperar a quantidade máxima de materiais e componentes para reutilização e reciclagem (SILVA; NAGALLI; COUTO, 2018SILVA, R. C.; NAGALLI, A.; COUTO, J. A desconstrução como estratégia para recuperação de materiais e componentes da edificação. In: ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO [ENTAC], 17., 2018, Foz do Iguaçu. Anais [...], 2018.). Ainda, de maneira mais abrangente, Silva (2020)SILVA, R. C. Potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações: análise crítica em um processo de reabilitação. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2020. adotou em sua pesquisa o termo genérico “desagregação”, no que se refere às seguintes possibilidades de desmantelamento de um edifício: desmontagem, desconstrução, demolição seletiva ou demolição destrutiva.

Contudo os edifícios tradicionais e atuais não foram e não são projetados para fins de desmontagem ou desconstrução (AMOÊDA, 2015AMOÊDA, R. Conservation of materials resources by buildings reuse and on site materials reuse strategies. In: INTERNATIONAL, 2., NATIONAL CONGRESS ON SUSTAINABLE CONSTRUCTION AND ECO-EFFICIENT SOLUTIONS, 4., Sevilha, 2015. Anais [...]. Sevilha, Espanha, 2015. p. 983-94.). Segundo Saghafi e Teshnizi (2011)SAGHAFI, M.; TESHNIZI, Z. Building deconstruction and material recovery in Iran: an analysis of major determinants. Procedia Engineering, Tehran, v. 21, p. 853-63, 2011., não é fácil desmontar edifícios convencionalmente concebidos em estrutura de concreto armado, paredes de alvenaria, acabamentos cerâmicos e com encanamentos e conduítes embutidos em paredes.

Durmisevic (2006)DURMISEVIC, E. Transformable Building Structures: design for disassembly as a way to introduce sustainable engineering to building design & construction. 2006. Tese (Doutorado em Tecnologia) – Technische Universiteit Delft, Delft, Holanda, 2006. menciona que os elementos que compõem uma edificação são, em geral, fixados de forma integrada, o que por vezes torna difícil a sua separação, levando à demolição de todo o conjunto e à consequente geração de resíduos. Logo, para o desmantelamento de edifícios, são frequentemente empregados métodos tradicionais de demolição, que, por vezes, exigem o uso de força mecânica (AKINADE et al., 2017AKINADE, O. O.; OYEDELE, L. O.; AJAYI, S. O.; BILAL, M.; ALAKA, H. A.; OWOLABI, H. A.; BELLO, S. A.; JAIYEOBA, B. E.; KADIRI, K. O. Design for Deconstruction (DfD): Critical success factors for diverting end-of-life waste from landfills. Waste Management, v. 60, p. 3-13, 2017.).

Em parte, esse problema se deve à tendência de pensar um edifício como único: eles são concebidos, projetados, construídos, usados e descartados como entidades completas. Esta noção do edifício singular é falha e decorre da nossa leitura do edifício ao longo de um período limitado. Normalmente, a estrutura de um edifício pode ser mantida enquanto os espaços internos são alterados com componentes removidos e substituídos (CROWTHER, 2005CROWTHER, P. Design for disassembly – themes and principles. RAIA/BDP Environment Design Guide, [s.l.], [s.p.], 2005. Disponível em: https://eprints.qut.edu.au/2888/1/Crowther-RAIA-2005.PDF. Acesso em: 11 fev. 2020.
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).

Nesse cenário, o reaproveitamento dos elementos de construção torna-se uma preocupação crucial para evitar a exaustão dos recursos naturais (AMÔEDA, 2009; COUTO; COUTO, 2010COUTO, A., COUTO, J. P. Guidelines to improve construction and demolition waste management in Portugal. In: Pomffyova, M. (Ed.). Process Management, Croatia: Intech, 2010. p. 285-308). Segundo Diyamandoglu e Fortuna (2015)DIYAMANDOGLU, V.; FORTUNA, L. M. Deconstruction of wood-framed houses: material recovery and environmental impact. Resources, Conservation and Recycling, [s.l.], v. 100, p. 21-30, 2015., a recuperação de materiais e componentes com potencial vitalício evita a extração de materiais virgens, evita a liberação associada de gases de efeito estufa, economiza energia, consumo de água e evita custos de descarte de resíduos sólidos. Conforme Crowther (2005)CROWTHER, P. Design for disassembly – themes and principles. RAIA/BDP Environment Design Guide, [s.l.], [s.p.], 2005. Disponível em: https://eprints.qut.edu.au/2888/1/Crowther-RAIA-2005.PDF. Acesso em: 11 fev. 2020.
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, o modelo de como os materiais passam pelo ambiente construído identifica vários estágios do ciclo de vida: extração, processamento, fabricação, montagem, uso, demolição e disposição. Para o autor, a única opção é reconfigurar esses estágios em um ciclo real de vida útil, no qual materiais e componentes de construção indesejados, ou mesmo edifícios inteiros, podem ser reciclados ou reutilizados.

No que tange à recuperação de materiais e componentes, a reutilização ocorre quando um elemento é usado novamente para sua finalidade original ou para uma finalidade similar, sem alterar significativamente a forma física dele. A reciclagem envolve reprocessar elementos recuperados e transformá-los em um componente ou elemento final novamente. Embora muitas políticas sejam orientadas para a reciclagem, a estratégia é menos preferível, porque geralmente ela reduz a qualidade do elemento, o potencial para usos futuros e o valor econômico - e por esse motivo, às vezes, é chamada também de downcycling (VAN DEN BERG; VOORDIJK; ADRIAANSE, 2020VAN DEN BERG, M.; VOORDIJK, H.; ADRIAANSE, A. Recovering building elements for reuse (or not) – ethnographic insights into selective demolition practices. Journal of Cleaner Production, Enschede, v. 256, p. 1-12, 2020.). Segundo Angulo et al. (2004)ANGULO, S. C., JOHN, V. M., ULSEN, C., KAHN, H. Caracterização de agregados de resíduos de construção e demolição reciclados separados por líquidos densos. In: CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL, 1., ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 10., de 18-21 jul., 2004, São Paulo. Anais [...]. São Paulo, 2004., o downcycling ocorre quando o processo de reciclagem limita determinado produto a uma aplicação de menor qualidade e valor agregado, em relação àquela originalmente definida.

Quanto à definição de cenários de fim de vida, a pesquisa de Silva (2020)SILVA, R. C. Potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações: análise crítica em um processo de reabilitação. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2020. relacionou as seguintes possibilidades de recuperação de materiais e componentes: reutilização no próprio local; reutilização em outro local; aplicação útil (utilização em uma nova situação, podendo ter especificações de menor desempenho); reciclagem; incineração para recuperação de energia (queima para gerar energia a ser reutilizada); e disposição final em aterro.

Segundo Couto e Couto (2010)COUTO, A., COUTO, J. P. Guidelines to improve construction and demolition waste management in Portugal. In: Pomffyova, M. (Ed.). Process Management, Croatia: Intech, 2010. p. 285-308, reabilitação e desconstrução são conceitos que se enquadram na estrutura geral da sustentabilidade das edificações, pois ambos se concentram na avaliação dos recursos existentes. Para Sousa (2016)SOUSA, I. F. N. Princípios da reabilitação de edifícios: aplicação a casos de estudo. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil na Área de Especialização em Edificações) – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, Lisboa, Portugal, 2016., a reabilitação consiste na reposição das características técnicas e funcionais existentes nos edifícios, de modo a proporcionar melhores condições de conforto e de habitabilidade aos usuários, intervindo na perspectiva da reutilização de materiais e de componentes preexistentes. Contudo, frequentemente, a reabilitação de um edifício vai parar na preservação ou restauração da fachada, desconsiderando a reutilização dos materiais no interior, mesmo que, em alguns casos, possa ser recuperado e empregado na nova intervenção (COUTO; COUTO, 2007COUTO, A.; COUTO, J. Why deconstruction is not adequately considered in portuguese building refurbishment. In: ARCOM ANNUAL CONFERENCE, 23., Belfast, Northern Ireland, 2007. Anais [...]. Belfast, 2007.).

Neste contexto, este trabalho aborda a caracterização das possibilidades de recuperação de materiais e componentes de edificações, mediante uma análise crítica em um processo de reabilitação. Para tanto, foram necessárias a análise e a viabilização das operações de desagregação – sobretudo, desconstrução e desmontagem - e a definição e a efetivação de cenários de fim de vida, os quais relacionam as possibilidades de reutilização e destinação. A estratégia adotada está em fechar o ciclo de vida dos materiais e componentes empregados nas edificações, de maneira que, após o fim da vida útil, os possíveis resíduos tornem-se novamente recursos, que visem à sustentabilidade e à preservação das edificações existentes.

Além disso, o fato de a pesquisa em tela investigar um procedimento de reabilitação – que, por sua vez, é uma operação mais complexa que um processo de demolição e retirada de um edifício sem utilidade - é justificável do ponto de vista da preservação do ambiente construído, pois o intuito é restabelecer as condições de desempenho de uma edificação obsoleta e torná-la habitável, segura e adequada ao novo uso à qual se destinará. Ainda, abordar imóveis de pequeno a médio porte que atingiram o fim da vida útil de serviço é pertinente, visto que existe no Brasil um estoque de edifícios antigos e obsoletos que podem ser reabilitados ou ao menos terem suas partes reaproveitadas em outros projetos. Além disso, saber de antemão o potencial de recuperação de uma edificação é um critério de tomada de decisão importante em estudos de viabilidade.

Desta forma, tendo em vista a pesquisa realizada por Silva (2020)SILVA, R. C. Potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações: análise crítica em um processo de reabilitação. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2020. sobre o processo de reabilitação de duas edificações pertencentes a uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES), o objetivo geral do presente trabalho é propor um procedimento para avaliar o potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações de médio porte que, em decorrência do fim de sua vida útil, estão sujeitas a adequações.

2 MÉTODO

O trabalho é classificado como uma pesquisa exploratória, uma vez que pretendeu descobrir as possibilidades de recuperação de materiais e componentes e investigar as operações de desagregação realizadas durante o processo de reabilitação, visto que pesquisas exploratórias buscam proporcionar visão geral, aproximada, acerca de determinado fato (GIL, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.).

A estratégia concebida foi a pesquisa participante (PP). Nesta, o pesquisador, para realizar a observação dos fenômenos, compartilha a vivência dos sujeitos pesquisados, participando de forma sistemática e permanente ao longo do tempo de pesquisa (NOVAES; GIL, 2009NOVAES, M. B. C.; GIL, A. C. A pesquisa-ação participante como estratégia metodológica para o estudo do empreendedorismo social em administração de empresas. Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 134-60, 2009.). Em relação à forma de abordagem do problema, o levantamento das possibilidades de recuperação do edifício define a parte qualitativa da pesquisa, enquanto as análises decorrentes dos dados coletados implicam estudos quantitativos.

A concepção da estratégia como pesquisa participante (PP) foi motivada em função da disponibilidade do objeto de estudo e da oportunidade de o pesquisador estar inserido no ambiente, interagindo, observando, relatando e coletando dados. Isto foi possível pelo fato de o pesquisador fazer parte do quadro de servidores da Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) proprietária do imóvel objeto de estudo.

Os instrumentos utilizados na coleta de dados compreenderam formulários, documentos e levantamento fotográfico. O formulário pode ser definido como a técnica em que o pesquisador formula questões previamente elaboradas e anota as respostas, possibilitando a obtenção de dados facilmente tabuláveis e quantificáveis, sendo uma das mais práticas e eficientes técnicas de coleta de dados (GIL, 2002GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.). Além disso, tem-se como fontes de documentos no sentido amplo: jornais, fotos, filmes, gravações e documentos legais (SEVERINO, 2007SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez Editora, 2007.). Isto posto, em função da possibilidade de obtenção de dados facilmente tabuláveis e quantificáveis, foi adotado o formulário para o levantamento em campo, tanto na etapa de inventário quanto durante o processo de reabilitação do edifício.

O objeto definido para o estudo foi uma edificação de uso comercial, em alvenaria e estrutura de concreto armado, com área aproximada de 670,0 m2 e três pavimentos, localizada na região central da cidade de Curitiba, PR. Este imóvel foi adquirido de uma Federação de Trabalhadores em meados de 2013, visando consolidar o plano de expansão da IFES. Contudo, apesar da robustez das alvenarias e estruturas de concreto, foi constatado que o estado de conservação da edificação era ruim. A maioria dos materiais e componentes de acabamento, bem como instalações elétricas e hidráulicas, eram originários da época da construção, de 1954, ou da intervenção de 1975, última registrada.

Outro fator agravante foi a disposição confusa dos ambientes internos (layouts) do edifício, que foi adequada para a utilização do proprietário anterior (por mais de 40 anos), mas que, para a IFES, é inadequada. Importante destacar que o projeto de reabilitação previu a máxima reutilização no próprio local, levando em consideração que uma das hipóteses cogitadas pela instituição, na etapa de estudos de viabilidade da intervenção, foi a retirada ou demolição completa do edifício para execução de um novo projeto.

2.1 Delineamento do processo de recuperação de materiais e componentes

O processo delineado neste trabalho para investigar o potencial de recuperação de materiais e componentes é representado pelo fluxograma da Figura 1, o qual tem como propósito a minimização dos fluxos de resíduos e a maximização da reutilização.

Figura 1
Fluxograma do processo de recuperação de materiais e componentes sob a ótica da pesquisa

De acordo com o fluxograma, após o término da construção, inicia-se o uso da edificação conforme as especificidades definidas. Ao longo do tempo, faz-se necessária a realização de manutenções periódicas e corretivas visando manter o imóvel em condições satisfatórias. No entanto chega um momento em que a edificação atinge um patamar de obsolescência tecnológica ou funcional que requer do usuário uma tomada de decisão (que na pesquisa corresponde à etapa de análise da vida útil da edificação), a qual envolverá uma intervenção. Esta pode contemplar uma adequação (reabilitação, reforma, retrofit etc.) ou a remoção do edifício, visando à realização de outro projeto.

Analisando a tomada de decisão a respeito da intervenção, verifica-se, pela Figura 1, duas possibilidades de fluxos: Linear e Fechado. O fluxo linear compreende a remoção da edificação por meio de processos de demolição ou desconstrução quando possível. A maioria das partes removidas será destinada aos aterros, havendo pouca possibilidade de reaproveitamento. Nessa situação, a remoção da edificação compreenderá o fim de sua vida útil.

Todavia, em conformidade com Crowther (2005)CROWTHER, P. Design for disassembly – themes and principles. RAIA/BDP Environment Design Guide, [s.l.], [s.p.], 2005. Disponível em: https://eprints.qut.edu.au/2888/1/Crowther-RAIA-2005.PDF. Acesso em: 11 fev. 2020.
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, o foco está no fluxo fechado. Este envolve operações de adequação da edificação, pois o objetivo é mantê-la e torná-la satisfatória às necessidades dos usuários. Assim, presume-se que, com a opção pela reabilitação e a consecução por meio de operações de desconstrução, será possível valorizar recursos existentes, bem como maximizar o potencial de recuperação e minimizar os resíduos destinados aos aterros. Ainda, o potencial de recuperação de materiais e componentes é condicionado à capacidade de reaproveitamento das partes da edificação. A recuperação pode ocorrer por meio da reutilização no próprio local (quando uma parte da edificação é mantida) ou a reutilização em outro local (quando uma parte da edificação é aproveitada fora do local de origem). O fechamento do ciclo é configurado quando a edificação adequada retorna para utilização.

Especificamente, o objeto de estudo desta pesquisa envolveu avaliar o processo de reabilitação de um edifício de médio porte, que atingiu o fim da vida útil, sobretudo em função de obsolescência funcional.

2.2 Organização das tarefas de campo

A estrutura da Figura 2 apresenta o modelo proposto por Silva (2020)SILVA, R. C. Potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações: análise crítica em um processo de reabilitação. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2020., que envolve a definição das tarefas de campo, dividindo-as em três fases: planejamento, intervenção e análise. De maneira geral, o intuito de tal organização é sistematizar as atividades vinculadas ao objeto de estudo: antes, durante e depois do processo de reabilitação da edificação.

Figura 2
Disposição das tarefas de campo

Assim, verifica-se que, na fase de planejamento, são realizadas as atividades preparatórias ou preliminares antes da reabilitação, que no caso são:

  • Inventário: levantamento, antes da intervenção, das partes do edifício que apresentam potencial de recuperação;

  • Classificação: identificação por meio da vinculação das partes levantadas às tabelas do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices (SINAPI) e da ABNT NBR 15.965:2011 (ABNT, 2011ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS [ABNT]. NBR 15.965-1 – sistema de classificação da informação da construção – parte 1 – terminologia e estrutura. São Paulo, 2011.);

  • Compatibilização: verificação das interferências entre inventário e projeto de reabilitação;

  • Caracterização: verificação de parâmetros relativos às partes do edifício, designadas como ligação, desagregação e resultado;

  • Previsão de cenários de fim de vida: estimativa de cenários realizada com base nos dados disponíveis, considerando as possibilidades de recuperação e destinação relacionadas inicialmente;

  • Previsão de volumes (m3 ): cálculo do volume das partes do edifício.

Durante a intervenção, são realizadas as atividades a seguir:

  • Monitoramento: investigação das operações de desagregação (desmontagem, desconstrução, demolição seletiva e demolição destrutiva);

  • Triagem: inspeção visual e registro dos materiais resultantes das operações de desagregação;

  • Recuperação: investigação dos cenários realizados (reutilização no próprio local, reutilização em outro local, aplicação útil, incineração para recuperação de energia, reciclagem e aterro);

  • Constatações: verificação do previsto nas atividades de caracterização, previsão de cenários de fim de vida e previsão de volumes (m3 ).

Já as análises são realizadas para verificação e avaliação após a reabilitação, conforme relacionado a seguir:

  • Cenários em função das operações de desagregação: averiguação dos resultados das operações de desagregação, considerando os cenários de fim de vida definidos;

  • Vida útil de projeto (VUP): avaliação dos materiais e componentes recuperados, quanto aos parâmetros definidos pela ABNT NBR 15.575:2013 (ABNT, 2013ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS [ABNT]. NBR 15575-1 – edifícios habitacionais – desempenho – parte 1 – requisitos gerais. São Paulo, 2013.);

  • Desagregação: operações de desagregação observadas durante a reabilitação;

  • Recuperação: verificação dos cenários de fim de vida confirmados durante a reabilitação;

  • Problemas e soluções: análise conjunta dos desvios constatados durante o processo de reabilitação.

Ainda, a Figura 2 destaca que as etapas de caracterização e previsão de cenários de fim de vida, no planejamento, serão confirmadas posteriormente nas constatações durante a intervenção, bem como a previsão de volumes (m3 ) será confirmada durante as operações de desagregação e análise da recuperação oportunizada pela reabilitação. Esta verificação foi adotada em função das divergências que podem ocorrer entre o planejamento e a intervenção, e para tanto devem-se proceder ajustes que retratem o efetivamente realizado.

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O método proposto por Silva (2020)SILVA, R. C. Potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações: análise crítica em um processo de reabilitação. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2020. consistiu em sistematizar os procedimentos de investigação e análise crítica durante um processo de reabilitação, tendo como parâmetros e critérios de avaliação as ferramentas definidas nas fases de planejamento e intervenção. Deste modo, para os propósitos deste trabalho, serão analisados e discutidos a seguir os parâmetros quanto à vida útil e o potencial de recuperação do objeto de estudo.

3.1 Vida útil do edifício

Esta análise diz respeito à verificação da vida útil de projeto (VUP) e seus limites mínimos (mín.) e superiores (sup.), conforme estabelecido pela norma ABNT NBR 15.575-1:2013 (ABNT, 2013ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS [ABNT]. NBR 15575-1 – edifícios habitacionais – desempenho – parte 1 – requisitos gerais. São Paulo, 2013.), em relação à vida útil de serviço ou utilização que foram definidas para as partes do prédio. Assim, a vida útil de serviço ou de utilização foi determinada por meio de estudo realizado da documentação do prédio, além de avaliação subjetiva, tátil e visual dos materiais e componentes constantes da edificação.

Por exemplo, as partes do prédio que remetem à época da construção (fundação, estruturas de concreto, alvenaria, estrutura de cobertura, pisos etc.), no caso de 1954, foram consideradas como tendo 65 anos (1954-2019) para o tempo de serviço destes elementos. Já outras partes (janelas, portas, instalações, algumas louças sanitárias, móveis de madeira etc.) foram datadas da época da última reforma documentada em 1975, resultando em 44 anos de utilização. Para algumas partes, foram estimadas idades, tais como forros de gesso e PVC, janelas de alumínio, acessórios de banheiro e demais itens para acabamento.

Neste contexto, a Figura 3 apresenta os dados compilados da pesquisa, contendo as partes analisadas da edificação no eixo horizontal e a escala em anos que representa a vida útil na vertical. As linhas traçadas em cores distintas são referentes à vida útil (VU), vida útil de projeto mínima (VUP mín.) e vida útil de projeto superior (VUP sup.).

Figura 3
Verificação da vida útil de serviço ou utilização do prédio

A cor cinza representa a linha relativa à vida útil de serviço (definida no estudo), em que é possível verificar que ela se inicia entre os limites da norma, especificamente no intervalo das partes referentes à estrutura e alvenaria. No entanto grande parte dos materiais e componentes da edificação encontram-se muito acima do limite superior da vida útil de projeto (linha laranja). Tal constatação indica que a maioria das partes analisadas do prédio, em termos de quantidade de itens, e não volume, apresenta tempo de serviço em anos além dos limites previstos na norma ABNT NBR 15.575-1:2013 (ABNT, 2013ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS [ABNT]. NBR 15575-1 – edifícios habitacionais – desempenho – parte 1 – requisitos gerais. São Paulo, 2013.).

Assim, pela investigação de campo, foi possível verificar que a durabilidade que resultou efetivamente em recuperação decorreu dos materiais e componentes mantidos nos prédios e para aqueles obsoletos, porém ainda em condições satisfatórias de uso, no caso, reutilização em outro local. De maneira geral, a maioria das partes analisadas - em quantidade de itens, e não volume - apresentou tempo de serviço, em anos, além dos limites previstos na norma, fato este que confirma a argumentação de Durmisevic (2006DURMISEVIC, E. Transformable Building Structures: design for disassembly as a way to introduce sustainable engineering to building design & construction. 2006. Tese (Doutorado em Tecnologia) – Technische Universiteit Delft, Delft, Holanda, 2006. apud SILVA, 2020SILVA, R. C. Potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações: análise crítica em um processo de reabilitação. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2020.) de que “[...] o ciclo de vida de utilização dos materiais é muito menor que o seu ciclo de vida técnico”. Como resultado, a obsolescência foi a motivação mais recorrente para as intervenções.

3.2 Potencial de recuperação

O potencial de recuperação é determinado em função da análise dos cenários de fim de vida realizados na reabilitação da edificação, ou seja, em relação à consecução das estratégias de reutilização e reaproveitamento. A Tabela 1 apresenta os cenários de recuperação constatados, bem como a compilação dos somatórios de volumes em m3 (metro cúbico), decorrentes da conversão das unidades e quantidades levantadas, referente às diversas partes do edifício. Além disso, de modo a facilitar a percepção da magnitude destes quantitativos, foi acrescida na tabela uma coluna de percentuais em relação ao volume total do prédio.

Tabela 1
Quantitativos dos cenários de fim de vida resultantes da reabilitação

Isto posto, o cenário que responde ao maior percentual é a reutilização no próprio local, com 83,07%. Este fato é devido ao aproveitamento das partes estruturais e de alvenaria do prédio, as quais representaram os maiores quantitativos em termos de volumes. Este percentual é coerente, sendo corroborado em função da envoltória do prédio ter sido mantida, bem como o projeto de reabilitação não contemplar alteração da área construída.

O segundo maior índice, excluindo-se o aterro, foi a incineração para recuperação de energia, que representou 2,93%. É possível que a representatividade desse percentual seja em função da concepção ou característica da edificação estudada, a qual apresentou muitos materiais e componentes de madeira, os quais, em sua maioria, estavam obsoletos ou danificados e, por este motivo, foram retirados do prédio.

A reutilização em outro local representou um pequeno percentual de 1,77%. Isso se deve ao fato de a maioria dos materiais e componentes que foram retirados do prédio (enquadrados nesse reaproveitamento) representarem pouco em termos de volume (torneiras, registros, vasos sanitários, luminárias, acessórios etc.). Um agravante que corroborou este baixo percentual foi a presença de elementos danificados ou obsoletos, que tiveram sua destinação a outras possibilidades de recuperação que ensejaram uso diferente do original.

A reciclagem foi a opção para os elementos recicláveis (tomadas, interruptores, fiação, luminárias, forro de PVC, sifão plástico etc.) nos quais foram constatados danos que inviabilizaram a reutilização. Já a aplicação útil foi a destinação que atingiu o menor percentual de 1,01%, sendo viabilizado apenas para madeiras em bom estado (ripas) e partes utilizadas como proteção (cortina e chapas) durante a execução da reabilitação.

Desta forma, o potencial de recuperação neste trabalho foi determinado pelo somatório dos percentuais de todos os cenários de fim de vida da Tabela 1, com exceção do aterro. Partiu-se do pressuposto de que só não é possível o aproveitamento dos materiais e componentes que têm como destinação final o aterro. Para tanto, o potencial de recuperação decorrente da reabilitação resultou em 90,04% (83,07% + 1,77% + 2,93% + 1,01% + 1,26%).

Este percentual é bastante parecido com o de 91,25% encontrado por Saghafi e Teshnizi (2011)SAGHAFI, M.; TESHNIZI, Z. Building deconstruction and material recovery in Iran: an analysis of major determinants. Procedia Engineering, Tehran, v. 21, p. 853-63, 2011., em um estudo com objetivos semelhantes ao da pesquisa em tela. Em relação aos volumes destinados aos aterros, foram constatados 51,02 m3 (9,96%). Esta geração de resíduos é fundamentada por Durmisevic (2006DURMISEVIC, E. Transformable Building Structures: design for disassembly as a way to introduce sustainable engineering to building design & construction. 2006. Tese (Doutorado em Tecnologia) – Technische Universiteit Delft, Delft, Holanda, 2006. apud SILVA, 2020SILVA, R. C. Potencial de recuperação de materiais e componentes de edificações: análise crítica em um processo de reabilitação. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2020.) com a argumentação de que “os elementos que compõem as edificações são, em geral, fixados de forma integrada, o que por vezes impossibilita a sua separação, levando à demolição de todo o conjunto e à consequente geração de resíduos”.

Já os volumes desviados do aterro, ou seja, que se evitou a geração de resíduos, resultaram em 35,69 m3 (6,97%). Pode-se inferir que as práticas sustentáveis que ensejam um método racional ou mais sustentável em detrimento da habitual demolição demonstraram, no estudo realizado, o desvio de 6% a 7% dos resíduos gerados de cada prédio analisado. Em parte, os resultados obtidos estão de acordo com a afirmação de Zahir et al. (2016)ZAHIR, S; MATT SYAL, M. G.; LAMORE, R.; BERGHORN, G. Approaches and associated costs for the removal of abandoned buildings. In: CONSTRUCTION RESEARCH CONGRESS. 2016, Michigan. Annals [...]. Puerto Rico: Construction Research Council of the Construction Institute of ASCE, 2016. p. 229-339. de que “[...] os edifícios construídos em torno de 1950 são melhores candidatos à desconstrução, pois podem conter maiores quantidades de madeiras de lei e outras partes estruturais e ornamentais para recuperação”. No entanto foi também constatada a afirmação de Crowther (2005)CROWTHER, P. Design for disassembly – themes and principles. RAIA/BDP Environment Design Guide, [s.l.], [s.p.], 2005. Disponível em: https://eprints.qut.edu.au/2888/1/Crowther-RAIA-2005.PDF. Acesso em: 11 fev. 2020.
https://eprints.qut.edu.au/2888/1/Crowth...
de que “[...] existem inúmeras barreiras técnicas para a recuperação bem-sucedida de materiais e componentes quando um edifício chega ao fim de sua vida útil, principalmente em função do padrão de construção atual”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho propôs demonstrar os resultados alcançados e a metodologia empregada para investigar o processo de reabilitação de um edifício de médio porte, que atingiu o fim da vida útil, sobretudo em função de obsolescência funcional. O objetivo geral da pesquisa foi verificar o potencial de recuperação a que estava sujeito o edifício, bem como observar de que maneira ocorreram efetivamente as operações de desconstrução e os processos de reutilização dos materiais e componentes recuperados.

Quanto aos procedimentos efetuados durante o levantamento de campo, destaca-se a definição do protocolo de coleta de dados, tendo como fontes de evidências o histórico do prédio, relatórios de inspeção e projetos. Além disso, foi assertiva a proposição de cenários de fim de vida em duas etapas: de maneira preliminar, na fase de planejamento, e, posteriormente verificada ou confirmada, na fase de intervenção. Cabe ressaltar que a definição de tais procedimentos de verificação foi pertinente, tendo em vista a ocorrência de divergências, pois alguns cenários previstos não foram concretizados.

As limitações constatadas na pesquisa foram relacionadas ao objeto de estudo estar inserido em uma etapa preliminar de obra, vinculada às práticas de demolição e descarte aos aterros, as quais estão presentes na rotina da construção civil. Contudo foi possível constatar a efetivação das operações de desagregação e a obtenção de resultados práticos decorrentes da investigação. Destaca-se que a consecução das operações de desconstrução e desmontagem foi essencial para o processo de recuperação, pois, por meio delas, viabilizou-se a remoção ou preservação dos materiais e componentes em condições de reinserção.

No entanto, durante a execução das operações de desagregação, foi identificada a ocorrência de imprevistos em relação ao escopo definido para a reabilitação do prédio. Ressaltase se que somente após a realização destas operações foi possível estabelecer as reais condições de algumas partes das edificações que estavam encobertas, principalmente sobre o forro e embutidas nas paredes. Tais imprevistos não foram impeditivos, porém ensejaram divergências entre projetos e execução, acarretando a necessidade de revisões.

Em relação às premissas que fundamentaram o trabalho, constatou-se que a edificação investigada não foi concebida para ser desconstruída e que a recuperação dos materiais e componentes resultantes da reabilitação foi uma tarefa trabalhosa. Também, foram identificadas algumas barreiras durante o processo de recuperação, sobretudo no que diz respeito à triagem e à destinação dos materiais e componentes, definidos para reutilização em outro local. Ainda, verificou-se que partes dos prédios apresentaram diferentes ciclos de vida útil e que a maioria dos elementos analisados era obsoleta. A única premissa divergente foi a constatação de que houve preocupação por parte da empreiteira, tanto em recuperar os materiais e componentes quanto em destinar adequadamente os resíduos gerados, pois partiram da própria empresa algumas soluções, tais como o aproveitamento dos resíduos de madeira para geração de energia e a reciclagem para elementos recicláveis, avaliados como obsoletos ou danificados.

Importante destacar que o projeto de reabilitação previu a máxima reutilização no próprio local, levando em consideração que uma das hipóteses cogitadas pela IFES, na fase de viabilidade, foi a retirada ou demolição completa do edifício para execução de um novo projeto. Nesta situação, o volume destinado aos aterros poderia ser acrescido de até todo o montante reutilizado no próprio local, que representou 425,61 m3 (83,07%).

Em relação à sustentabilidade ambiental, foi evidenciado, pelos resultados da pesquisa, que houve preservação dos aterros em decorrência das práticas de recuperação empregadas durante o processo de reabilitação. Este fato é mais perceptível quando se compara às práticas convencionais de demolição e destinação final dos resíduos, presentes na construção civil. No que diz respeito à intervenção, é possível afirmar que ela foi realizada e concluída satisfatoriamente, tendo em vista ter atingido os objetivos em relação à reabilitação do prédio, proporcionando espaços adequados e seguros às atividades previstas pela IFES.

Como proposta de ações, é de suma importância a atuação dos arquitetos e engenheiros na divulgação e aplicação de critérios de projeto para desconstrução (PpD) ou desmontagem, pois as edificações durante seu ciclo de vida estarão sujeitas a modificações por parte dos usuários. Tais adequações devem ser preferencialmente facilitadas, prevendo o mínimo de intervenção pelo usuário, prevendo sempre que possível elementos desmontáveis, flexibilidade de layout e materiais e componentes com potencial de reutilização e reciclagem.

Ainda, em relação à concepção das edificações, a fase projetual deve ser desenvolvida com a tecnologia BIM, sobretudo no que diz respeito aos órgãos públicos, conforme determina o Decreto n. 10.306/2020, o qual “[...] estabelece a utilização do Building Information Modelling [BIM] na execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia realizada pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal”.

Relata-se a necessidade de implantação e disseminação de um plano de logística reversa, que promova a reinserção de materiais e componentes em condições de reúso, de modo a ampliar o ciclo de vida das edificações. Tal iniciativa deve partir preferencialmente do governo, com a proposição de legislação que incentive e oriente os profissionais e usuários quanto às garantias e aos critérios técnicos envolvidos nos processos de reutilização ou reciclagem.

Por fim, a metodologia empregada neste trabalho poderá ser replicada durante as fases de planejamento e execução de intervenções, em edificações de pequeno a médio porte, que visem a adequações, tais como obras de reabilitação, retrofit ou reformas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2020
  • Revisado
    16 Set 2020
  • Aceito
    28 Dez 2020
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