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Terapia renal substitutiva pela veia poplítea em paciente crítico com COVID-19 na posição de pronação

Resumo

O paciente era um homem de 73 anos de idade que inicialmente veio ao nosso serviço com insuficiência respiratória aguda secundária à COVID-19. Logo após a internação, ele foi submetido à intubação orotraqueal e pronado para melhorar a hipóxia devido à síndrome respiratória aguda grave (SARS - do inglês "severe acute respiratory syndrome"). No terceiro dia de internação, o mesmo desenvolveu lesão renal aguda oligúrica e sobrecarga de volume. O serviço de nefrologia foi acionado para realizar acesso venoso profundo para terapia renal substitutiva (TRS). O paciente não pôde ser colocado na posição de decúbito dorsal devido a uma hipoxemia significativa. Um Permcath de 50 cm (MAHURKARTM, Covidien, Massachusetts, EUA) foi inserido através da veia poplítea esquerda. Este relato de caso descreve um possível cenário desafiador com o qual o nefrologista intervencionista pode se deparar ao lidar com pacientes com COVID-19 com problemas respiratórios e colocados em pronação.

Descritores:
Infecções por Coronavirus; Rim; Terapia de Substituição Renal; Veia poplítea; Pronação; Pacientes

Abstract

This patient was a 73-year-old man who initially came to our service with acute respiratory failure secondary to COVID-19. Soon after hospitalization, he was submitted to orotracheal intubation and placed in the prone position to improve hypoxia, due to severe acute respiratory syndrome (SARS). On the third day of hospitalization, he developed acute oliguric kidney injury and volume overload. The nephrology service was activated to obtain deep venous access for renal replacement therapy (RRT). The patient could not be placed in the supine position due to significant hypoxemia. A 50-cm Permcath (MAHURKARTM, Covidien, Massachusetts, USA) was inserted through the left popliteal vein. This case report describes a possible challenging scenario that the interventional nephrologist may encounter when dealing with patients with COVID-19 with respiratory impairment in the prone position.

Keywords:
Coronavirus Infections; Kidney; Renal Replacement Therapy; Popliteal Cyst; Pronation; Patients

Introdução

Estamos vivenciando a pandemia mais importante da história recente causada por um novo coronavírus (SARS-CoV-2), com um impacto significativo na saúde pública11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.,22 Gates B. Responding to Covid-19 - A Once-in-a-Century Pandemic? N Engl J Med. 2020 Apr 30;382(18):1677-1679.. O vírus é transmissível por gotículas e contato33 Naicker S, Yang CW, Hwang SJ, Liu BC, Chen JH, Jha V. The Novel Coronavirus 2019 Epidemic and Kidneys, Kidney Int. 2020 May;97(5):824-828.. Embora a maioria dos casos seja leve, aproximadamente 5% dos infectados desenvolvem síndrome respiratória aguda grave (SARS), acompanhada de lesão renal aguda e falência múltipla de órgãos44 Pan XW, Xu D, Zhang H, Zhou W, Wang LH, Cui XG. Identification of a potential mechanism of acute kidney injury during the COVID-19 outbreak: a study based on single-cell transcriptome analysis. Intensive Care Med. 2020 Jun 46;(6):1114-1116.. Muitos desses pacientes requerem acesso venoso central para terapia renal substitutiva (TRS). A primeira opção de acesso vascular em pacientes críticos que necessitam de TRS é a veia jugular interna, enquanto a segunda e terceira opções de acesso são as veias femoral comum e subclávia, respectivamente. Há uma série de barreiras na obtenção de acesso vascular para a TRS em pacientes com SARS devido à COVID-19, especialmente naqueles que desenvolvem hipoxemia significativa e precisam permanecer pronados para melhorar a oxigenação. Primeiro, a pronação elimina a possibilidade do acesso às veias femorais comuns e veias subclávias e torna a obtenção de acesso venoso jugular interno significativamente mais desafiadora, elevando o risco de pneumotórax iatrogênico. Segundo, a proximidade das veias jugulares internas às vias aéreas do paciente aumenta o risco de contaminação viral. Finalmente, muitos pacientes com COVID-19 necessitarão de tratamento prolongado na unidade de terapia intensiva, aumentando o risco de estenose venosa central a longo prazo com cateteres de diálise nas veias jugulares ou subclávias.

Relato de caso

Este paciente era um homem branco de 73 anos de idade, hipertenso, que foi admitido na unidade de terapia intensiva com insuficiência respiratória aguda decorrente da COVID-19. Logo após a internação, ele foi submetido à intubação orotraqueal e pronado para melhorar a hipóxia devido à síndrome respiratória aguda grave (SARS). No terceiro dia de internação, desenvolveu oligúria, azotemia e sobrecarga de volume. O serviço de nefrologia foi acionado para realizar acesso venoso profundo para a TRS. O paciente não pôde ser colocado na posição de decúbito dorsal devido a uma hipoxemia significativa. Um cateter de diálise de longa duração foi inserido através da veia poplítea esquerda. Ele foi submetido à hemodiálise intermitente convencional diariamente por 8 dias. O fluxo sanguíneo durante as sessões permaneceu entre 300 - 400 mL/min. Devido à gravidade do quadro clínico, o paciente acabou vindo a óbito em consequência de uma insuficiência respiratória no 11º dia. Este relato de caso descreve uma situação desafiadora na obtenção de acesso vascular ao lidar com pacientes com COVID-19 na posição de pronação.

Aspectos técnicos

A veia poplítea esquerda foi avaliada por ultrassom (Figura 1). Utilizamos cortes transversais e longitudinais para evitar qualquer válvula, tendo cuidado para não lesionar o nervo tibial localizado superficialmente ou a artéria poplítea, a estrutura mais profunda da fossa poplítea. A veia poplítea foi puncionada com uma agulha 18GA x 7 cm, e um fio-guia de 0,035 polegadas foi inserido sem qualquer resistência. Foi feito um corte na pele sobre o fio, a veia foi dilatada e o permcath de 50 cm foi inserido pelo nefrologista intervencionista, com a ajuda de um introdutor divisível de 16F (Figura 2). O manguito foi suturado no tecido subcutâneo. Ambas as vias arterial e venosa foram testadas e salinizadas com sucesso. A hemodiálise intermitente convencional foi iniciada sem dificuldade.

Figure 1
A and B. Venous duplex ultrasound B-mode images, axial and sagittal views. PA, Popliteal artery. PV, popliteal vein. SSV, small saphenous vein.

Figure 2
A-D. Accessing the popliteal vein in the popliteal fossa.

Discussão

Na literatura, há apenas um relato de caso semelhante ao já descrito11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.. Em ambos os casos, o paciente foi admitido com síndrome respiratória aguda grave devido à COVID-19 e necessitou de terapia renal substitutiva. Ele não podia ser posicionado em decúbito dorsal sem ficar imediatamente hipóxico e descompensado. Um cateter de longa duração foi inserido através da veia poplítea. As vantagens de usar a veia poplítea para terapia renal substitutiva em pacientes críticos com COVID-19 são substanciais11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.. A veia poplítea é facilmente acessível em pacientes com SARS-CoV-2 na posição de pronação e com necessidade de TRS11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.. Além disso, evita o acesso às veias jugulares internas e veias subclávias, reduzindo assim o risco de contaminação e estenose venosa central, uma vez que estes pacientes, em sua maioria, necessitam de internação prolongada11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.. Em relação às desvantagens, este método de acesso é altamente dependente do operador, exigindo familiarização com a anatomia da fossa poplítea e o uso de um aparelho de ultrassom11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.. Outra desvantagem é o risco de trombose venosa profunda, embora este risco pareça ser o mesmo em comparação com os cateteres inseridos nas veias jugulares ou subclávias11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.. Em nossa limitada experiência, esta complicação não ocorreu. Finalmente, este método requer um cateter de diálise mais longo para alcançar a veia central profunda, o que poderia limitar o fluxo durante a TRS11 Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.. Esta escolha não convencional de acesso foi benéfica tanto para o paciente quanto para a equipe envolvida em seu tratamento. Diante deste cenário desafiador, acreditamos que a veia poplítea pode e deve ser considerada uma boa opção de acesso venoso profundo para os pacientes deste grupo que necessitam de TRS.

Agradecimentos

Os autores gostariam de expressar sua mais profunda gratidão ao paciente por compartilhar seus dados clínicos.

References

  • 1
    Adams E, Mousa AY. Achieving a popliteal venous access for renal replacement therapy in critically ill COVID-19 patient in prone position. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2020 Apr 22;6(2):266-268.
  • 2
    Gates B. Responding to Covid-19 - A Once-in-a-Century Pandemic? N Engl J Med. 2020 Apr 30;382(18):1677-1679.
  • 3
    Naicker S, Yang CW, Hwang SJ, Liu BC, Chen JH, Jha V. The Novel Coronavirus 2019 Epidemic and Kidneys, Kidney Int. 2020 May;97(5):824-828.
  • 4
    Pan XW, Xu D, Zhang H, Zhou W, Wang LH, Cui XG. Identification of a potential mechanism of acute kidney injury during the COVID-19 outbreak: a study based on single-cell transcriptome analysis. Intensive Care Med. 2020 Jun 46;(6):1114-1116.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2020
  • Aceito
    20 Nov 2020
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